terça-feira, setembro 25, 2018

FAULKNER, FELICIA HEMANS, MORIN, SCHILLER, CONSUELO DE PAULA, LILIANE DARDOT & PRAZERES DO CÉU


PRAZERES, A AMPARO DO CÉU – Imagem: arte da pintora, desenhista, gravadora e professora Liliane Dardot. - Prazeres do Céu não era filha da mãe, o pai consanguíneo assim lhe fizera: apondo-lhe o nome da consorte na maternidade em documento de registro civil. Prova viva de uma escapadela, não sofreu muito: a mãe postiça logo bateu as botas – nem deu tempo de brincar duns castigos e dela escapar duma sina nas mãos de uma madrastra. Afora isso, sua vida fora excepcional: ambidestra de nascença e possuidora de bunda pra lua, tinha o ganhador aberto: presentes e competições do que jamais se imaginasse, era sempre prestigiada, vez que o pai a tinha por meinino e a mãe por menina. E assim foi educada em casa: destemido de pular o que fosse de obstáculo, faceira de encantar a parentalha: Essa é menina-macho, a Maria Bonita da família. Exímia no tiro ao alvo de direita, de esquerda ou do jeito que fosse, até de cabeça pra baixo era certeira; escrevia e fazia tudo com as duas mãos; e se danava em rapel, enduros, trilhas de Jeep, bundacanasca, luta livre, escaladas, karatê, parapente, ciclismo, surfe, paraquedismo, futebol, capoeira, corridas e pontarias, quanto mais radical, melhor: onde botasse as vistas ou alcançava com os pés ou na mira. E era mesmo: vivia até metida no adestramento dos animais, domesticando bicho selvagem que fosse. Dia desse mesmo apareceu amontada num jacaré raivoso que findou recolhido aos de sua estimação no quarto de dormir: cobras, lacraus, onça, macacos, cágados, gansos, afora pássaros, bodes, cachorros, sapos e abelhas, tudo ensinado – dizem que até um saci Pererê ela capou e tinha amarrado ao pé da cama. Dizem. Quando era à tardinha, as amigas se reuniam cada qual com seu animal de estimação. Aí ela saía com o seu parque ecológico ambulante, tendo à frente a da sua predielação: a vaca Raínha, toda engalanada de brincos, pulseiras, chalés, cordões, laços e fitas, talqualmente a dona que não gostava nada de aparecer na granfinagem. Vale registrar que enquanto ela desfilava com o seu plantel pela praça, o povo todo se trancava de não restar um pé de gente na rua, tudo escondido. Quem era doido? O jacaré mesmo já tinha comido uns três ou quatro que inventaram de se aproximar, a cobra picou uns quinze de matar quase todos, a onça havia devorado uns duas ou três dúzias de atrevidos que se saiba, os gansos e cachorros atacavam quem tivesse pela frente e ela só dando ordem no domínio, sem poder restituir o ataque, vez que eram letais. Ninguém se atrevia de reclamar prejuízo que tivesse, seria a mais descabida petulância: Essa é os pés da doida, pega e esfola, do cabra nunca mais servir pra nada. Isso sem contar com a vingança dos bichos: arengasse com ela, era só esperar a vingança deles. Mais de uma dúzia de vezes teve gente atacada pelos maribondos do criatório dela, avalie. Não só tinha o melhor mel da região, como as abelhas dela só davam ferroadas no osso do mucumbu do desafeto, resultado: lona. Quando ela deu fé não tinha mais amigas, fã-clube, nem nada. Bateu-lhe um desespero. Pensou em mudar de vida, já que estava uma mocinha taluda, peitinhos tomando forma embaixo do primeiro sutiã, quadris ajeitando os guardados que se tornavam salientes, faces enrubecidas com os lábios de cangula pintados pelo batom, cabelos formosos caindo na testa e nos ombros, uma verdadeira perdição aos olhos dos marmanjos. Contudo, niguem tinha topete para encarar, sabiam que iam comer arroiado na mão daquela que chamavam às escondadas de Maria João: Essa engana qualquer um, vá lá e se estrepe, mô fio. Tanto ela dava mole pros desavisados e logo tomarem ciência aprumando o rumo pra casa da peste, longe dela. Chorava a coitada no colo do pai: Tem nada não, filha, é porque o seu príncipe ainda não apareceu, chegará a hora dele. E nada desse “princeso” dar as caras pras bandas dela. E assim ela comeu todo ginasial e mais da metade do colegial, quando ela caiu de amores pelo Zé Peiúdo. Isso foi quase uma fatalidade: a menina-macho virou fêmea saco de pancadas, como se a danada virada ficasse banguela – ou jogado fora as presas com dentadura e tudo -, mansa de ser domada e até achar bom levar umas lamboradas boas do bicado – é que ele só tinha coragem de enfrentá-la completamente bêbado; quando tornava a si de ressaca, tomava um susto de morrer de medo e cair fora; ela catava ele onde estivesse, de ser puxado pra casa pelos colhões. Que danado tinha ela, hem? Braba da peste, ficava mansa e dominada com o safado biritado. O amor tem cada coisa, hem? Pois é, e a salvação dela foi o Padre Bidião, foi quando ela virou Amparo do Céu. Que coisa! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música da cantora, compositora, poeta e produtora Consuelo de Paula: Negra, Dança das Rosas, Coletãnea, Samba, seresta & Baião & muito mais nos mais de 2 milhões & 600 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais dela aqui, aqui e aqui.

DITOS & DESDITOS – [...] No meio do reino temível das forças e no meio do reino sagrado das leis, o instinto de criação estética vai construindo, sem que dêem por ele, um terceiro reino, feliz, do jogo e da aparência, no qual tira ao ser humano os grilhões de todas as relações e o desliga de quanto seja coação tanto no físico como no moral. [...]. do poeta, dramaturgo, filósofo e historiador alemão Friedrich Schiller (1759-1805). Veja mais aqui.

DE ANTES & HOJE - [...] Os nossos ancestrais caçadores-coletores que, ao longo de milhares de anos, desenvolveram as técnicas da pedra e, depois, elaboraram as do ouro e do metal, dispuseram e usaram, nas suas estratégias de conhecimento e de ação, um pensamento empírico/lógico/racional; produziram, acumulando e organizando, um formidável saber botânico, zoológico, ecológico, tecnológico, uma verdadeira ciência. Contudo, esses mesmos seres arcaicos acompanhavam todos os atos técnicos com ritos, crenças, mitos, magias; por isso, antropólogos do começo do século XX chegaram a crer que, fechados num pensamento mítico/mágico, esses “primitivos” ignoravam toda racionalidade. [...] Antropólogos simplistas incapazes de conceber que os seus “primitivos” moviam-se nos dois pensamentos, completamente sem confundi-los! [...] Também, ainda que nossos espíritos sejam muito diferentes daqueles dos arcaicos ou dos medievais, ainda que os dois pensamentos tenham se tornado antagônicos, vivemos não somente nessa oposição, mas também na cohabitação, na interação e nas trocas clandestinas e diárias entre eles. O problema dos dois pensamentos não é, pois, um problema original e histórico ultrapassado, mas o problema de todas as civilizações, inclusive as contemporâneas: um problema antropossocial fundamental. [...]. Trechos extraídos da obra O método 4 – as ideias (Sulina, 2005), do antropólogo, sociólogo e filósofo francês Edgar Morin. Veja mais aqui.

O SOM & A FÚRIA - [...] Ela estava molhada. A gente estava brincando no riacho e Caddy se agachou e molhou o vestido e Versh disse: “Tua mãe vai te bater por causa que você molhou o vestido.” “Vai me bater coisa nenhuma.” disse Caddy. “Como é que você sabe.” disse Quentin. “Sei porque sei.” disse Caddy. “Como é que você sabe.” “Porque ela falou que vai.” disse Quentin. “Além disso eu sou mais velho que você.” “Eu tenho sete anos.” disse Caddy. “Então eu sei.” “Eu tenho mais de sete.” disse Quentin. “Eu já estou na escola. Não é, Versh.” “Ano que vem eu também vou pra escola.” disse Caddy. “Quando chegar a hora. Não é, Versh.” “Você sabe que ela te bate quando você molha o vestido.” disse Versh. “Não está molhado não.” disse Caddy. Ficou em pé dentro d’água e olhou para o vestido. “Eu tiro.” disse ela. “Aí ele seca.” “Duvido que você tira.” disse Quentin “Tiro sim.” disse Caddy. “Melhor não tirar.” disse Quentin. Caddy veio para perto de mim e Versh e virou de costas. “Desabotoa, Versh.” disse ela. “Não faz isso não, Versh.” disse Quentin. “O vestido não é meu.” disse Versh. “Desabotoa, Versh.” disse Caddy. “Senão eu conto pra Dilsey o que você fez ontem.” Então Versh desabotoou. “Quero ver você tirar o vestido.” disse Quentin. Caddy tirou o vestido e o jogou na margem. Ela estava só de corpete e  calcinha, e Quentin deu um tapa nela e ela escorregou e caiu na água. Quando se levantou ela começou a espirrar água em  Quentin, e Quentin espirrou água em Caddy. Caiu um pouco de água em mim e em Versh e Versh me pegou e me pôs na margem. Ele disse que ia contar o que Caddy e Quentin fizeram, e então Quentin e Caddy começaram a espirrar água em Versh. Ele ficou atrás de uma moita. “Eu vou contar pra mamãe o que vocês estão fazendo.” disse Versh. Quentin subiu para a margem e tentou pegar Versh, mas Versh fugiu e Quentin não conseguiu. Quando Quentin voltou Versh parou e gritou que ia contar para a mãe. Caddy disse que se ele não contasse eles deixavam ele voltar. Então Versh disse que não ia contar, e eles deixaram ele voltar. “Agora você está satisfeita, não é.” disse Quentin. “Nós dois vamos apanhar agora.” “Eu não ligo.” disse Caddy. “Eu vou fugir.” “Vai fugir nada.” disse Quentin. “Vou fugir pra não voltar nunca mais.” disse Caddy. Comecei a chorar. Caddy se virou e disse: “Não chora.” Então eu parei. Então eles brincaram no rio. Jason estava brincando também. Estava sozinho separado dos outros. [...]. Trecho extraído da obra O som e a fúria (Com panhia das Letras, 2017), do escritor estadunidense e ganhador do prêmio Nobel de Literatura em 1949, William Faulkner (1897-1962). Veja mais aqui.

O MAR PRA ONDE FOI - O mar, pra onde foi? – me despedindo, aqui estou / O meu mar azul, pra onde foi? / Com todos os seus barcos, velozes, singrando / Com suas livres brisas e bandeiras. / Saudades daquela voz de ondas, a primeira que / Da minha infância alegria despertou; / Do toque do sino a hora certa – do trovejar súbito – / Meu mar azul, pra onde foi? / Na serra do pastor um som de flauta ouço – / Da árvore o murmúrio ouço; - / De minha alma, emudecidos, os ecos – / Meu mar azul, pra onde foi? / Oh! Por mais profunda que seja a tua Murta, / Por mais suave e suave que teus ventos sejam, / Em mim, o coração enfermo de bater cessou – / Meu mar azul, pra onde foi? Poema da poeta britânica Felicia Hemans (1793-1835). (Tradução de Cunha e Silva Filho).

A ARTE DE LILIANE DARDOT
A arte da pintora, desenhista, gravadora e professora Liliane Dardot.

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