GOETHE, PAIXÃO & ARTE – Imagem: Goethe,
art by Fabrizio Cassetta – De um
bisavô ferreiro a um avô alfaiate e um pai conselheiro imperial para filho com
uma vida de oitenta e três anos. Dizia dever ao pai a perspectiva de vida e a
mãe o gosto de contar história. Disso, muitas lendas: se rebelou de Deus aos
seis anos, duvidou da justiça dos homens aos sete, compôs aos oito um ensaio
comparando a sabedoria dos pagãos aos cristãos, escreveu aos onze uma novela
cosmopolita em sete línguas, apaixonou-se pela primeira vez aos quatorze, era
ela Gretchen de Francforte, adolescente provinciana do desespero e melancolia
como peso horrível no coração. Seria mais fácil influenciar árvores e pedras
que chama-lo à razão. Aos dezessete escrevia as imoralidades e adultérios, o
sofístico Die Mitschuldigen: “Como quase todos somos culpados, o melhor é
perdoarmos e esquecermos”. Intoxicado de juventude, ao invés de douto
jurista, preferia o trato com as Musas e a contemplação das formosas moças de
Lipsia. Era a vida um redemoinho e, qual Spinoza, tudo era amável e divino em
cada pessoa que encontrasse. Vivia para cantar Götz von Berlichingen, o Robin
Hood germânico, e se transformava em um egoísta rebelde no jogo do amor - se o
matrimônio era uma síntese impossível, as mulheres eram o vaso de eleição onde
ainda podia ser colocado o ideal -, o bárbaro do amor para genial na arte. Ao
se apaixonar pela jovem dama Lottchen, ela já estava comprometida,
lamentavelmente, pensou até em suicidar-se. Era o nascimento de Werther, uma
elegia sobre a tristeza da vida e um hino à alegria da morte. Bebeu de Confúcio
e foi pra alquimia, o Opus Mago
Cabalisticum de Welling, a Aurea
Catena Homeri de Paracelso, para entender que “Somente o homem que foi o mais sensível pode tornar-se o mais frio e o
mais duro, pois tem que cercar-se de uma couraça dura... e, às vezes, ele
mesmo, ressente-se do peso dessa couraça”. Confinou-se aos livros para
alimentar o seu rebelde espírito, tornou-se o mais submisso dos cortesãos. E
amou, amou Frederica Brion inspirando os lieders
de Estrasburgo, amou a delicada Carlota Buff que aumenta o seu pesar, a fascinante
Maximiliana de La Roche, a graciosa Lili Schönemann, a virtuosa matrona Mme.
Stein a quem escreve mil e quinhentas cartas, a musa amante que morre de ciúmes
da atriz Corona Schröter, e transformou o flerte no divertimento da moda: “Nós todos somos um pouco doidos aqui e
fazemos o próprio jogo do diabo”. Escreveu Stella, a convivência com a esposa e a amante, sem saída, uma bala
na cabeça, até ver-se compondo versos sobre os ombros de morena beleza da
florista Cristina Vulpius, o amor e valor do seu diário. Enamorou-se por Minna
Herzlieb, apaixonou-se por Mariana de Willemer. Para todas perguntava: “Sentes, em meus poemas / que sou dois em um
só?”. Não queria mais destruir o mundo, agora queria compreendê-lo, amava
apaixonadamente as criaturas humanas: “Nunca
expressei nada que não houvesse sentido... componho canções de amor porque
tenho amado muito... como poderei então escrever cantos de guerra sem nunca ter
odiado?”. A vida pagã com o culto da beleza. Com Schiller, a rebelião da
arte. Aos sessenta e quatro anos apaixonou-se violentamente como a primeira vez
pela juventude radiante de Ulrica de Levetzow, a quem desposa e com ela, a Elegia de Marienbad e os sofrimentos de
Werther envelhecido: “À boca dadivosa eles me alçaram / E, ao
separar-me dela, me arrasaram”.
Gênio e demônio: “Todos os
teus ideais não me impedirão de ser verdadeiro, isto é, de ser bom e mau como a
natureza”. Os dois Faustos – o do amor de Margarida salva e a paixão do
erro, e o que foi ao paraíso: “Cantemos
em coro, Da vitória a palma, O ar está puro: Respire esta alma!”. Também a
Ifigênia condenada pelo próprio pai e poupada pela deusa Diana para ser
sacerdotisa em Tauride. Depois a Erótica Romana: “A mulher é a eterna salvação do homem”. No fim de certa manhã, queria mais luz: “Nem sempre estou disposto para os grandes
sentimentos e, sem eles, nada sou”. Depois, registra
Emil Ludwig, recostado comodamente na sua poltrona, desapareceu na sua hora
natal, ao meio-dia. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja
mais abaixo e aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do compositor, pianista, organista e
regente Alberto
Nepomuceno (1864-1920): Série
Brasileira, Sinfonia em Sol Menor, Serenata para Cordas & Quarteto e Cordas
nº 1 em Si Menor & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog
& nos 35 Anos de Arte
Cidadã. Para conferir
é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui, aqui & aqui.
PENSAMENTO DO DIA – [...] A
alteração deste mundo dos bens modifica o sentido e o significado do bom e do
mau. Dado que a história nos mostra que este mundo de bens está submetido a uma
alteração constante e a um movimento continuo, o valor moral do querer e dos
seres humanos participariam também do destino deste mundo [...] o homem bom, que age espontaneamente
realizando aquilo que seu discernimento apontava como bom, coloca-se na
defensiva diante de um conteúdo que tome a forma imperativa, resultando daí uma
tendência ao mau [...]. Trechos extraídos de Ética: nuevo ensayo de fundamentación de um personalismo ético. (Revista
do Ocidente, 1948), do filósofo alemão
Max Ferdinand Scheler
(1874-1928), autor da frase: Em época alguma foram as opiniões sobre a essência
e a origem do homem tão incertas, tão indeterminadas como a nossa... Dentro de
uma história de aproximadamente dez mil a nos, somos a primeira época em que o
homem se tornou completamente ‘problemático’ para si mesmo; na qual ele não
sabe mais o que é, mas ao mesmo tempo sabe que não sabe. Veja mais aqui.
AS MÔNADAS – As mônadas, por não terem partes, não podem ser formadas
nem desfeitas. Não podem começar nem acabar naturalmente e, portanto, duram
tanto como o universo, que será mudado, mas não destruído. Não podem ter
figuras; de outro modo, teriam partes. Por conseguinte, uma mônada em si mesma,
e no instante, só pode diferençar-se de outra pelas qualidades e ações
internas, as quais são tão-só as suas percepções (isto é, as representações do
composto, ou do que é exterior no simples) e as suas apetições (isto é, as suas
tendências de se mover de uma percepção para outra) que são os princípios da
mudança. Pois a simplicidade da substância não impede a multiplicidade das
modificações que se devem encontrar juntas nesta mesma substância simples, e
devem consistir na variedade das relações com as coisas que fora dela estão.
Tal como num centro ou ponto, embora de todo simples, existe uma infinidade de
ângulos formados pelas linhas que nele convergem. Tudo na natureza está cheio.
Em toda a parte há substâncias simples, efetivamente separadas umas das outras
por ações próprias, que modificam, sem cessar, as suas relações; e cada
substância simples ou mônada individual, que constitui o centro de uma substância
composta (como, por exemplo, de um animal) e o princípio da sua unicidade, está
rodeada de uma massa formada por uma infinidade de outras mônadas, que
constituem o corpo próprio dessa mônada central; de acordo com as afecções dele
representa ela, como numa espécie de centro, as coisas que lhe são exteriores.
E este corpo é orgânico, quando forma um espécime de autômato ou de máquina da
natureza, que é máquina não só no todo, mas ainda nas mínimas partes que se
fizerem notar. E, como em virtude da plenitude do mundo, tudo está ligado e
cada corpo age sobre qualquer outro corpo, mais ou menos conforme a distância,
e é por ele afetado por reação, segue-se que cada mônada é um espelho vivo, ou
dotado de atividade interna, representando o universo segundo o seu ponto de
vista, e é tão ordenado como o próprio universo. As percepções das mônadas
nascem umas das outras pelas leis dos apetites ou das causas finais do bem e do
mal, que consistem nas percepções observáveis, ordenadas ou desordenadas, tal
como as mudanças dos corpos e os fenómenos externos nascem uns dos outros em
virtude das leis das causas eficientes, ou seja, dos movimentos. Existe assim
uma harmonia perfeita entre as percepções da mônada e os movimentos dos corpos,
preestabelecida inicialmente entre o sistema das causas eficientes e o das
causas finais. E nisso consiste o acordo e a união física da alma e do corpo,
sem que nenhum deles consiga alterar as leis do outro. [...]. Trecho extraído da obra Princípios da natureza e da graça (Caleidoscópio, 2001), do
filósofo, cientista, matemático, diplomata e bibliotecário alemão Gottfried
Wilhelm Leibniz (1646 – 1716). Veja mais aqui, aqui e aqui.
O HOMEM DA CABEÇA DE PAPELÃO – [...]
vivia um homem de nome Antenor. Não era
príncipe. Nem deputado. Nem rico. Nem jornalista. Absolutamente sem importância
social. [...] Antenor só dizia a
verdade. Não a sua verdade, a verdade útil, mas a verdade verdadeira. Alarmada,
a digna senhora pensou em tomar providências. Foi-lhe impossível. Antenor era
diverso no modo de comer, na maneira de vestir, no jeito de andar, na expressão
com que se dirigia aos outros. [...] Entre
outras coisas, Antenor pensava livremente por conta própria. Assim a família
via chegar Antenor como a própria revolução; os mestres indignavam-se porque
ele aprendia ao contrario do que ensinavam; os amigos odiavam-no; os
transeuntes, vendo-o passar, sorriam. Uma só coisa descobriu a mãe de Antenor
para não ser forçada a mandá-lo embora: Antenor nada do que fazia, fazia por
mal. Ao contrario. Era escandalosamente, incompreensivelmente bom. [...]. Antenor começava a pensar na sua má cabeça,
quando o seu coração apaixonou-se. [...] Apenas, com pasmo geral, a resposta de Maria Antônia foi condicional. –
Só caso se o senhor tomar juízo. – Mas que chama você juízo? – Ser como os
mais. – Então você gosta de mim? – E por isso é que só caso depois. Como tomar
juízo? Como regular a cabeça? O amor leva aos maiores desatinos. Antenor
pensava em arranjar a má cabeça, estava convencido. Nessas disposições, Antenor
caminhava por uma rua no centro da cidade, quando os seus olhos descobriram a
tabuleta de uma “relojoaria e outros maquinismos delicados de precisão”. Achou
graça e entrou. Um cavalheiro grave veio servi-lo. – Traz algum relógio? –
Trago a minha cabeça. – Ah! Desarranjada? - Dizem-no, pelo menos. - Em todo o
caso, há tempo? – Desde que nasci. – Talvez imprecisão na montagem das peças. [...]
– E o senhor fica com a minha cabeça? –
Se a deixar. – Pois aqui a tem. Conserte-a. o diabo é que não posso andar sem
cabeça... – Claro. Mas, enquanto arranjo, empresto-lhe uma de papelão. –
Regula? – É de papelão! [...] Antenor
não pensava. Antenor agia como os outros. Queria ganhar. Explorava, adulava,
falsificava. Maria Antonia tremia de contentamento vendo Antenor com juízo. Mas
Antenor, logicamente, desprezou-a propondo um concubinato que o não
desmoralizasse a ele. [...]. Cabeças
e relógios querem-se conforme o clima e a moral de cada terra. Fique V. com
ela. Eu continuo com a de papelão [...]. Trecho do conto extraído da obra
Homem da cabeça de papelão (Hedra, 2012), do jornalista, escritor, tradutor e
teatrólogo João
do Rio (1881-1921). Veja mais aqui.
AURORA - A poesia não é voz - é uma inflexão. / Dizer, diz tudo a prosa. No
verso / nada se acrescenta a nada, somente / um jeito impalpável dá figura / ao
sonho de cada um, expectativa / das formas por achar. No verso nasce / à
palavra uma verdade que não acha / entre os escombros da prosa o seu caminho. /
E aos homens um sentido que não há / nos gestos nem nas coisas: / voo sem
pássaro dentro. Poema extraído da obra Voo
sem pássaro dentro (Ulisseia, 1954), do poeta, ensaísta, crítico literário
e professor universitário português Adolfo Casais Monteiro (1908-1972).
Veja mais aqui e aqui.
GOETHE (1749-1832)
O verdadeiro amor é aquele que permanece
sempre, se a ele damos tudo ou se lhe recusamos tudo.
Quem tem bastante no seu interior, pouco
precisa de fora.
Quanto mais um homem se aproxima de suas
metas, tanto mais crescem as dificuldades.
Nada é mais repugnante do que a maioria, pois
ela compõe-se de uns poucos antecessores enérgicos; velhacos que se acomodam;
de fracos, que se assimilam, e da massa que vai atrás de rastros, sem nem de
longe saber o que quer.
As pessoas tendem a colocar palavras onde
faltam ideias.
Na plenitude da felicidade, cada dia é uma
vida inteira.
Pensamentos
do escritor alemão Johann Wolfgang von Goethe (1749-1832)
Veja
mais:
O IV
Congresso Nacional de Formação de Professores (CNFP) integrado ao XIV Congresso
Estadual Paulista Sobre Formação de Educadores (CEPFE) & muito mais na Agenda
aqui.
&
A arte
de Fabrizio Cassetta
&
&
A festa dos beijos & muitos beijos, a literatura de Juan Rulfo, Presente do mar de
Anne Morrow Lindbergh, a música do Yes,
a fotografia de Clarence Hudson White, Luciah Lopez & Marcos Alexandre
Martins Palmeira aqui.
&
Ela acolheu meu desterro, Os
mímicos de Naipaul, A música de Keith Jarret, Sueli Costa, Eumir Deodato & Rita Lee; a arte de Ewa Ludwiczak & Luciah
Lopez aqui.
APOIO CULTURAL: SEMAFIL
Semafil Livros nas faculdades Estácio de Carapicuíba e Anhanguera de São
Paulo. Organização do Silvinha Historiador, em São Paulo.