terça-feira, junho 19, 2018

CALVINO, DAZAI, CHICO BUARQUE, MERLEAU-PONTY, JOSÉ RIZAL, RIBEMONT-DESSAIGNES & MIGRANTES


DESMANTELO SÓ PRESTA GRANDE – Imagem: Silence (1915), do pintor, escritor e dramaturgo francês Georges Ribemont-Dessaignes (1884-1974). - A função começou cedo no domingo, bastou o pé-de-serra ditar o ritmo das horas logo de manhãzinha. Umas aos outros se achegando com alvoroço: É hoje! Estalos de tampas das garrafas, assados no fogareiro, correria pra lá e pra cá arrumando as coisas, lapadas de dois-dedos amargando na garganta, viradas de copo na lavada, caretas, tinindos, papo vai, papo vem: É hoje que vou lagar a jega! A coisa passou de chegança pra pandemônio: Vamos nessa, Brasilzilzilzil!, gritou um exaltado. Ninguém revidou, só aplausos e torcida. Uma risadagem aqui, uma pilhéria ali, e a coisa foi tomando ares incontroláveis. Não era nem meio-dia e o movimento ganhou pressão. Gente até de um olho só se amontoava como podia puxando tamboretes, aglutinando mesas, cada qual dimensionando o seu espaço: Arreda, vai! Aqui sou eu! No fundo havia uma esfuziante confraternização, abraços, beijos, apupos, enxerimentos, provocações e ameaças veladas. O rastapé já se insinuava, a poeira comia no centro com o arrastado dos solados. Segura o trupé, gente!, berrou o sanfoneiro castigando no dedilhado, a zabumba e o triângulo só na marcação. Rodadas de saias, encoxamentos, fungados e uma exigência de respeito: Para tudo! Atenção, mundiça, respeito no salão que isso é de família! E tudo voltava ao normal com o baticum comendo no centro. Daí a pouco a coisa fervia com o mormaço da tarde. Suores na pegação, odores de festança, comes e bebes, embeiçadas, arregueiros de plantão, o fuá corria solto e tudo na santa paz. Havia chegado a hora, ajeitaram a tevê em cima da mesa, ninguém aí porque ainda era hora dos hinos. Ao apito do juiz, imperou o silêncio, olhos grudados, nem um pio – cachorro que latisse ou bicho que aparecesse com o menor zumbido, era enxotado -, só Galvão balançando as besteiradas e aumentando a tensão. Unhas roídas, pernas inquietas, maior concentração para não se perder o mínimo lance. Alguns minutos e a explosão: gol! Dá-lhe, Brasil! Uma ovação. Ah, pelo jeito esse será de lavagem! Não foi, passou-se o tempo, acusaram o juiz de ladrão, os jogadores de pernas-de-pau, o técnico de burro, enfim, duzentos milhões de torcedores dando pitaco em cada jogada. Findou o primeiro tempo e o alívio instalou-se por ali. Filas no banheiro, pedidos renovados e aos montes, empolgações e ranzinzices: Quero só ver a lapada agora! Ufanidades à flor da pele: Essa vai ser de lambuja! Segura a onda, comboio de corno, que a coisa recomeçou! É agora! Não foi. Nem bem começou o segundo tempo, gol contra: Isso é a porra, meu! Placar empatado: Vamos partir com tudo! E foi, não deu. Os minutos passavam e os nervos aflorados: Esse timeco é só de faro! Se fosse o Sport já tava dez a zero! Deixa de pacutia, alesado! Ôxe, o Sport num ganha nem prum time de várzea, tinha que ser o meu Santa Cruz pra dá uma goleada medonha! Vixe, nenhum docês sabem nada, se fosse o Náutico já tinha mandado os gringos pra casa! E a coisa esquentou, entrou em ebulição: Aparta! Acalmaram os ânimos ainda remoendo e a bola ia e vinha e nada de entrar: Isso é a cega Dedé! Eu mesmo vou torcer agora pros gringos! Cala boca, fresco! Fresco é seu pai! Fecha o bico, viado! Puta é a sua mãe! Pulha pra lá, desaforo pra cá, deu-se a arenga e o pau cantou: cachaça, tapa e gaia! Segura o pencó, putada! Pega esse corno da gaia mole! Facas e canivetes empunhadas, bastou um pipoco de bala, correu todo mundo. E o jogo findou empatado pra prejuízo de todos. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do escritor, teatrólogo, compositor, músico e cantor Chico Buarque: Carioca, Na carreira, As cidades & Le Zenite ao vivo & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

PENSAMENTO DO DIA – [...] a experiência da percepção nos põe em presença do momento em que se constituem para nós as coisas, as verdades, os bens: que a percepção nos dá um logo em estado nascente, que ela nos ensina, fora de todo dogmatismo, as verdadeiras condições da própria objetividade: que ela nos recorda as tarefas do conhecimento e da ação. [...]. Trecho extraído de A linguagem indireta e as vozes do silêncio (Martins Fontes, 1991), do filósofo fenomenólogo francês Maurice Merleau-Ponty (1908-1961). Veja mais aqui.

SEIS PROPOSTAS PARA O PRÓXIMO MILÊNIO[...] A mente do poeta, bem como o espírito do cientista em certos momentos decisivos, funcionam segundo um processo de associações de imagens que é o sistema mais rápido de coordenar e escolher entre as formas infinitas do possível e do impossível. A fantasia é uma espécie de máquina eletrônica que leva em conta todas as combinações possíveis e escolhe as que obedecem a um fim [...] que futuro estará reservado à imaginação individual nessa que se convencionou chamar de “civilização da imagem”? [...] Na sua sabedoria e pobreza molisanas, o doutor Ingravallo [...] sustentava, entre outras coisas, que as catástrofes inopinadas não são jamais a consequência ou o efeito, como se costuma dizer, de um motivo único, de uma causa singular: mas são como um vórtice, um ponto de depressão ciclônica na consciência do mundo, para as quais conspirava toda uma gama de causalidades convergentes [...]. Trechos extraídos da obra Seis propostas para o próximo milênio (Vozes, 2000), do escritor italiano Ítalo Calvino (1923-1985). Veja mais aqui.

A MULHER DE VILLON – [...] ― Quando a guerra começou, e os bombardeios passaram a ficar mais perigosos, ainda assim continuamos em Tóquio. Não tendo filhos nem outros motivos para nos deslocarmos para o interior, decidimos continuar o negócio até que nos caísse uma bomba na cabeça. Se mantivéssemos nosso negócio até o fim da guerra, ainda que sofrendo, teríamos enfim um alívio. Por isso, acabamos produzindo álcool ilícito, por pouco tempo, apenas o suficiente para reabastecer nosso estoque. E, ainda que por pouco tempo, não tivemos muita dificuldade — até um pouco de sorte. Mas essa vida sempre prepara algo de ruim para nós. É como dizem, para cada sun de felicidade, há um shaku de maldade. É realmente uma verdade. Se, em um ano, você tiver um dia, ou mesmo meio dia, sem nenhum problema, pode se considerar uma pessoa de sorte. [...] ―Senhora, esta foi a única vez, de todas, que recebemos algum dinheiro dele. Desde então, ele só vem, há três anos, nos enganando e empurrando com a barriga sem pagar sequer um tostão. Bebeu todo o nosso estoque de álcool quase sozinho, secou tudo, é inacreditável! Então, sem nem perceber, comecei a gargalhar. Não sei exatamente qual era a graça, mas não consegui me segurar. Confusa, cobri a boca, mas, ao olhar para a senhora com o canto do olho, percebi que, estranhamente, ela também ria. E então seu marido também, sem outra opção, esboçou um riso triste. [...] Novamente, de algum lugar na história toda, alguma graça pareceu ter se apossado de mim, e eu ri em voz alta, não conseguindo me segurar. Gargalhava, enquanto a senhora deu um leve sorriso, ficando com o rosto vermelho. Eu, sem conseguir parar de rir, comecei a pensar mal de meu marido e me veio um sentimento estranho e engraçado ao mesmo tempo, e comecei a chorar, enquanto seguia rindo. Lembrei de um de seus poemas, ―Gargalhada dos frutos da civilização, e pensei se não era a esse sentimento que ele estaria se referindo. [...]. Trechos extraídos de La Femme de Villon (Rocher, 2005), do escritor japonês Osamu Dazai (1909-1948). Veja mais aqui.

MEU ÚLTIMO ADEUS - Adeus, Pátria adorada, região de sol querida. / Pérola do mar de Oriente, nosso perdido Éden! / Vou te dar alegre a triste e murcha vida. / E fosse mais brilhante, mais fresca, mais florida, / Também para ti daria, a daria para teu bem. / Em campos de batalha, lutando com delírio / Outros te dão suas vidas, sem dúvidas, sem pesar; / O lugar não importa: cipreste, laurel ou lírio. / Cadafalso, campo aberto, combate ou cruel martírio. / São iguais quando as pedem a Pátria e o lar. / Eu morro quando vejo que o céu se colora / E o fim anuncia o dia atrás, lúgubre capuz; / Se carmesim necessitas para ter tua aurora, / Verte meu sangue, derrama-o em boa hora / Doura-o com o reflexo de sua nascente luz. / Meus sonhos quando apenas moço adolescente, / Meus sonhos quando jovem já cheio de vigor, / Foram te ver um dia, joia do mar de Oriente, / Com olhos sem lágrimas, de testa reluzente / Sem cenho, sem rugas, sem mancha de rubor. / Sonho de minha vida, meu ardente anseio, / Salve! Grita a alma que logo irá partir! / À tua liberdade caio feliz sem receio! / Morrer pra dar-te vida, morrer em teu seio / Encantada terra, a eternidade dormir. / Se sobre meu sepulcro vieres brotar um dia, / Entre espessa erva, simples e humilde flor, / Aproxima teus lábios e beija minha alma / Que sinta no rosto embaixo da tumba fria / De tua ternura o sopro, de teu hálito o calor. / Deixa a lua me ver com luz tranquila e suave, / Deixa que a alva envie resplendor fugaz, / Deixa gemer o vento com seu murmúrio grave; / Se baixar e pousar sobre minha cruz uma ave, / Deixa que entoe seu lindo cântico de paz. / Deixa que o sol ardente as chuvas evapore / E ao céu voltem puras com meu clamor de adeus, / Deixa que um ser amigo meu fim precoce chore / E nas serenas tardes quando por mim alguém ore / Ora também, oh Pátria, por meu descanso a Deus! / Ora por todos quantos morreram sem ventura, / Por quantos padeceram tormentos sem igual, / Por nossas pobres mães que gemem sua amargura, / Por órfãos e viúvas, por presos em tortura / E ora por ti que vejas tua redenção final. / Quando noite escura envolve o cemitério / E só, apenas mortos ficam velando ali / Não perturbes repouso, não perturbes mistério; / Talvez acordes ouças de cítara ou saltério / Sou eu, querida Pátria, sou eu que canto a ti. / E quando minha tumba de todos esquecida / Já não tiver cruz nem pedra que marque seu lugar, / Deixa que a are o homem, que espalhe com inchada / E minhas cinzas, antes que retornem a nada, / O pó do teu tapete permite que vão formar. / Então nada me importa que me ponhas no olvido; / Teu céu, teus montes, prados e vales eu cruzarei / Vibrante e limpa nota serei ao teu ouvido, / Aroma, luz, cores, rumor, canto e gemido / Sem cessar a essência de minha fé ecoarei. / Minha Pátria adorada, dor de minhas dores. / Querida Filipinas, ouça o último adeus, / Aí te deixo tudo, meus pais e meus amores. / Vou aonde não há escravos, verdugos, opressores. / Aonde a fé não mata, aonde quem reina é Deus. / Adeus, pais e irmãos, pedaços de minha alma, /Adeus amigos da infância do perdido lar, / Deem graças que descanso do fatigante dia. / Adeus, doce estrangeira, minha amiga e alegria! / Adeus, queridos seres, morrer é descansar. Poema do escritor, jornalista, oftalmologista e revolucionário nacionalista filipino José Rizal y Alonso (1861-1896).

O MIGRANTE
O documentário O migrante (2007), direção de Beto Novaes, Francisco Alves e Cleisson Vidal, com edição de Luiz Guimarães, apresenta as condições trabalhistas desumanas de cortadores de cana e mostra a hipocrisia do discurso da “modernidade” no campo brasileiro e expõe realidade dos migrantes nordestinos. É o resultado de parceria entre quatro universidades federais; a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal do Piauí (UFPI) e Universidade Federal do Maranhão (UFMA), tendo sido lançando Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs), em 2007, e exibido em uma série de eventos posteriores. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.


XV Fórum do Forró & muito mais na Agenda aqui.
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A arte do pintor, escritor e dramaturgo francês Georges Ribemont-Dessaignes (1884-1974).
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Ad captandum vulgus, Aprender a viver de Luc Ferry, a literatura de Salman Rushdie, o balé de Allison DeBona, a pintura de Renata Brzozowska & a poesia de Léa Marinho aqui.

APOIO CULTURAL: SEMAFIL
Semafil Livros nas faculdades Estácio de Carapicuíba e Anhanguera de São Paulo. Organização do Silvinha Historiador, em São Paulo.