quinta-feira, maio 17, 2018

MARIO BENEDETTI, VIRGINIA WOOLF, HUSSERL, ERNST FISCHER, CLAUDIA NÊN, ERIN M. RILEY, ROBSON MIGUEL & ENYA

ARENGA DE ANTANHO – Imagem: Arte da artista visual e xilogravurista sergipana Claudia Nên - Zé Peiúdo estava feliz da vida: ia ser pai. O cabra chega bufafa ufano, os dentes pelas orelhas, um Júnior caía bem na encomenda: Esse vai ser macho feito o pai! Bastou o bruguelo nascer, gritou logo: Pelo tom do choro, puxou a mim, brabo todo! E na hora mesmo correu pro pariceiro Zé – que, até então, não era ainda Corninho, casado de papel passado com a primeira das muitas que viriam encher-lhe a testa de chifres -, e o convidou para padrinho. Selaram o compadrio tomando umas e outras, emendando pelo batizado e todo final de semana, compadre praqui, compadre prali, carne e unha. O petiz foi crescendo na casa do patrono e já tinha uma mania: toda vez que passava pelo paraninfo, amolegava o bilau e dizia: Chupeta, padim. Esse menino, hum! E de meninote viu-se rapazote, o pai foi feliz até os doze anos dele: Parece que errei na dose. As más línguas já cochichavam por todo canto: Esse garoto acende a fluorescente, ah, se! Aos quinze a coisa enfeiou: não tinha namorada e desmunhecava que só. Os boatos comiam no centro: Esse de quatro passa batalhão, fazem fila no furico dele. Aos dezessete já andava saltitante, invejava mulheres de tão espalhafatoso. O pai desconfiado, confidenciou com o achegado: Cumpade, você acha que esse menino é biba? Cuma? Ele queima a rosca? Como é? Ora, ele solta a rodela? Pela insistência, Zé-Corninho cruzou os dedos escondidos: Oxente, cumpade, naaaada! Ele é só um tiquinho delicado, mais nada. Eu tô vendo o povo se rindo pelas minhas costas. Tá nada, impressão sua. Oxe, estavam mesmo era mangando e muito da macheza dele, o filho só na maior desmoralização purpurinada. Se esse menino for fresco, eu mato esse filho duma puta! Calma, cumpade. Propôs um trato: Descubra se ele é ou não bicha, pois se for, mato ele de cacete! Deixa disso, cumpade! Lá se vão dias, semanas, meses, de repente Peiúdo entra na maior das surpresas na casa do Corninho e dá de cara com a cena: o padrinho enfiado todo no papeiro do afilhado. Que é que é isso, cumpade? Eu ia lhe contar, mas você já viu, né? Infeliz das costas ocas! O Peiúdo partiu pra cima do Corninho com tapas e bofetes, bufe, bufe, cada tabefe de quase estourar-lhe o espinhaço. Bufe, bufe. Ai, ai! Também te pego, viado! Nem deu tempo de pegar a carreira da gazela que sumiu para nunca mais. Eu pego esse baitola! Corninho todo arrebentado, ainda conseguiu persuadir: Calma, cumpade, homofobia é crime, sabia não? Então s’acostume que isso é normal, viu? Desse dia em diante, uma rixa braba nascia entre Zé Peiúdo e Zé Corninho. E a vida continua. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do violonista Robson Miguel: Viva Brasil, Uma volta ao mundo em seis cordas & Ao vivo; da cantora, instrumentista e compositora irlandesa Enya: The Cranberries Live in Paris, Greatest Hits Best Songs & Only time; & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.

PENSAMENTO DO DIA – [...] Estou certo também de que a crise [...] possui raízes nos desvios do racionalismo. Mas isto não autoriza sustentar que a racionalidade como tal é má em si mesma, ou que ela tenha, dentro do conjunto da existência humana, uma importância de segundo plano [...]. Pensamento do filósofo alemão Edmund Husserl (1850-1938). Veja mais aqui.

NECESSIDADE DA ARTE – [...] A arte é quase tão antiga quanto o homem [...] Por seu trabalho, o homem transforma o mundo como um mágico: um pedaço de madeira, um osso, uma pederneira, são trabalhados de maneira a assemelharem-se a um modelo e, com isso, são transformados naquele modelo. Objetos materiais são transformados em signos, em nomes, em conceitos. O próprio homem é transformado de animal em homem [...] o artista continuou a ser o representante e porta-voz da sociedade. Dele não se espera que importune o público com sua vida privada, seus assuntos particulares; sua personalidade é irrelevante e ele é julgado apenas por sua habilidade em fazer-se o eco e o reflexo da experiência comum, dos grandes eventos e das ideias do seu povo, da sua classe e do seu tempo. Tal função social era imperativa, indiscutível, da mesma forma que tinha sido a do feiticeiro anteriormente [...]~A ambição do artista que se apoderou das ideias e experiências do seu tempo tem sido sempre não só a de representar a realidade como a de plasmá-la. […] Por muito tempo, o capitalismo encarou a arte como algo suspeito, frívolo e opaco. A arte “não dava lucro”. [...] O capitalismo acarretou o cálculo sóbrio e a contenção puritana. [...] O capitalismo não é em sua essência, uma força social propícia à arte, disposta a promover a arte. Na medida em que o capitalista necessita da arte de algum modo, precisa dela como embelezamento da vida privada ou apenas como um bom investimento [...] A arte pode levar o homem de um estado de fragmentação a um estado de ser íntegro, total. A arte capacita o homem para compreender a realidade e o ajuda não só a suportá-la, como a transformá-la, aumentando-lhe a determinação de torna-la mais humana e mais hospitaleira para a humanidade. A arte, ela própria, é uma realidade social. A sociedade precisa do artista, este supremo feiticeiro, e tem o direito de pedir-lhe que ele seja consciente de sua função social [...] A arte não só é necessária e tem sido necessária, mas continuará sendo sempre necessária. [...]. Trechos extraídos da obra A necessidade da arte (Zahar, 1983), do filósofo austríaco Ernst Fischer (1899-1972).

RUMO AO FAROL - [...] Há um código de conduta que ela conhecia, e cujo sétimo artigo (talvez) diz que em tais ocasiões convém à mulher, não importa qual seja sua profissão, ajudar o jovem sentado diante dela, para que ele possa expor e aliviar os fêmures e as costelas da sua vaidade, do seu premente desejo de se auto-afirmar; tal como, sem dúvida, é dever deles, refletiu, com sua sinceridade de solteirona, de nos ajudar em caso, por exemplo, de ocorrer um incêndio no metrô. [...]. Assim, não respondeu, mas continuou olhando, obstinado e triste, a praia, coberta por um manto de paz, como se as pessoas que viviam estivessem adormecidas, pensou: como se fossem livres para ir e ir como fantasmas. Lá elas não sofriam – pensou. [...]. Trechos extraídos da obra Rumo ao farol (Publifolha, 2003), da escritora inglesa Virginia Woolf (1882-1941). Veja mais aqui.

CINCO POEMASPOR QUE CANTAMOS: Se cada hora vem com sua morte / se o tempo é um covil de ladrões / os ares já não são tão bons ares / e a vida é nada mais que um alvo móvel / você perguntará por que cantamos / se nossos bravos ficam sem abraço / a pátria está morrendo de tristeza / e o coração do homem se fez cacos / antes mesmo de explodir a vergonha / você perguntará por que cantamos / se estamos longe como um horizonte / se lá ficaram árvores e céu / se cada noite é sempre alguma ausência / e cada despertar um desencontro / você perguntará por que cantamos / cantamos porque o rio está soando / e quando soa o rio / soa o rio / cantamos porque o cruel não tem nome / embora tenha nome seu destino. VIRAR A PÁGINA: É meu lugar / meu céu / meu travesseiro / meus insultos / sou quem sou porque os outros são / há uma história em cada amanhecer / e em cada transparência do crepúsculo / estive doze anos sem virar esta página / esperando sua letra suas estampas / imaginando coisas que não diz / mas que eram igualmente certas / sem virar esta página /ninguém pode ser alguém / pode somar paisagens / espigões torrentes / multidões fronteiras / pode colecionar amores e sabores / aplausos e vaias / manjares e esmolas / os rumos os atalhos / as diferenças as indiferenças / a solidariedade e o exorcismo / as ofertas saborosas os escândalos / os dedos que assinalam e os braços abertos / as decepções e as recompensas / as recusas e as convocatórias / e no entanto é verdade / sem virar esta página, / ninguém pode ser alguém. FAÇAMOS UM TRATO: Companheira / você sabe / que pode contar / comigo / não até dois / ou até dez / senão contar / comigo / se alguma vez / percebe / que a olho nos olhos / e um brilho de amor / reconheces nos meus / não alerte seus fuzis / nem pense que deliro / apesar do brilho / ou talvez porque existe / você pode contar / comigo / se outras vezes / me encontra / intratável sem motivo / não pense que fraquejara / igual pode contar / comigo / porém façamos um trato / eu quisera contar / com você / é tão lindo / saber que você existe / um se sente vivo / e quando digo isto / quero dizer contar / embora seja até dois / embora seja até cinco / não já para que acuda / pressurosa em meu auxílio / senão para saber / a ciência certa / que você sabe que pode / conta comigo. AMOR DE TARDE: É uma pena você não estar comigo / quando olho o relógio e já são quatro / e termino a planilha e penso dez minutos / e estico as pernas como todas as tardes / e faço assim com os ombros para relaxar as costas / e estalo os dedos e arranco mentiras. / É uma pena você não estar comigo / quando olho o relógio e já são cinco / e eu sou uma manivela que calcula juros / ou duas mãos que pulam sobre quarenta teclas / ou um ouvido que escuta como ladra o telefone / ou um tipo que faz números e lhes arranca verdades. / É uma pena você não estar comigo / quando olho o relógio e já são seis. / Você podia chegar de repente / e dizer “e aí?” e ficaríamos / eu com a mancha vermelha dos seus lábios / você com o risco azul do meu carbono. SÓ ENQUANTO ISSO: Você volta, dia de sempre, / rompendo o ar justamente onde / o ar tinha crescido feito muros. / Você porém nos ilumina brutalmente / e na simples náusea da sua claridade / sabemos quando nos cairão os olhos, / o coração, a pele das recordações. / Claro, enquanto isso / há frases, há pétalas, há rios, / há a ternura como um vento úmido. / Só enquanto isso. Poemas do poeta uruguaio do compromisso e cronista dos sentimentos, Mario Benedetti (1920-2009).

A ARTE DE ERIN M. RILEY
A arte da artista visual estadunidense Erin M. Riley.

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A arte da artista visual e xilogravurista sergipana Claudia Nên
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