A MINHA OUTRIDADE UBÍQUA - Imagem: art by Aurelija Karaliunaite - Ganhei a voz ao nascer e a fala veio do céu
no meio do faz de conta da infância. Era-me tudo tão real quão fantástico,
interação de gente, pés de plantas, bichos e fantasias. A poesia se fez e pela
janela o Sol alumiou a lonjura desconhecida de quem se perdia na escuridão das fábulas
noturnas. Sobravam olhos acesos madrugada adentro e as ideias vagavam por aí para
que eu tropeçasse com o seu encontro ao inteiro dispor. A vida me sacudia ao amanhecer
e acordava pras coisas de outro mundo e nem me deixavam ver o que já tinha
visto muito antes da placenta, e me animava chilreios, folhas secas pisadas,
correntezas de brejo, não me deixavam letárgico, esgueirando-me com tantos
óbices e imposições, muito menos adormecia à toa com a emulação e seus
simulacros, ornamentos de ruídos inúteis e músculos suados, o apelo e as promessas,
as grades ilusionistas do amparo quando os temores do desconhecido se
insinuassem anunciando a queda prevista e dolosa de todas as normas e
convenções. Aprendi e nada me é estranho agora, sou tão sujeito a
incompreensões ou interpretações errôneas como qualquer um, e só sei o que
experimento e realizo, derrotado ou exitoso. Não presumo jamais, aguço as
cintilantes descobertas do inopinado intuitivo para tirar as vendas dos olhos e
não temer o espelho quebrado embaixo da escada que passei na fuga do gato preto
a cruzar o caminho, e não mais inferir com todas as sugestões e passos
imprecisos, nem suposições oriundas por via de regra, sine qua non, coisa e tal, sim e não. Hoje apenas sorrio e sei que
sou nada entre milhões de sistemas solares diante da minha acuidade racional,
um nada mergulhado nas profundezas dos espaços com seus sóis-estrelas que
sequer vejo ou percebo, sei existentes além, alhures, algures. Por isso não
julgo, sei quão suscetível à beira do abismo, e se é para examinar, faço um
autoexame e me coloco em todo o lugar ou no lugar de qualquer coisa ou ser, o
pouco sou da minha ubíqua parte de tudo; se é para elucidar ou cogitar do que
quer que seja, eu me autoelucido e assim busco compreender o porquê sou e
outras coisas e seres são, a minha outridade holística. Sei que ao compreender
a mim mesmo, compreenderei o que está ao meu redor e o visinvísivel, horizontes
ampliados para estar conversável e saber que sou e somos. Qual menino, me
maravilho com tudo que observo e recolho o fogo e o metal do centro da Terra
para extrair o bálsamo – o sal da pedra -, forjando a paz, o aflato da alma,
acendendo a chama ignorada para a quintessência, o summum bonum, o princípio da vida gratuita. Na conversa a conversão, poeta à solta, a liberdade é o meu
destino para mútuo desvelar pelo que vai e venho asas-braços peito aberto na
minha ataraxia. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais
aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do violonista Paulo Martelli: Cello Suite nº 2 Bach, Sonata nº 1 Bach &
Loro de Egberto Gismonti; da pianista, professora e pesquisadora musical, Olinda
Allessandrini: Valsas de esquina de Francisco Mignone, Dança do índio
branco de Villa-Lobos & Valsas de Radamés Gnatali; & muito mais nos
mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de
Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – [...] A
angústia é o caráter típico e próprio da vida. A vida é angustiosa. E por que é
angustiosa a vida? A angústia da vida tem duas facetas. De um lado, é
necessidade de viver, é afã de viver, é anseio de ser, de continuar sendo, para
que no futuro seja o presente. Mas de outro lado, esse anseio de ser leva
dentro o temor de não ser, o temor de deixar de ser, o temor do nada. Por isso,
a vida é, de um lado, anseio de ser e, de outro lado, temor do nada. Essa é a
angústia. Pois o nada amedronta o homem. Pensamento extraído da obra Fundamentos de filosofia: lições
preliminares (Mestre Jou, 1970), do filósofo, tradutor e professor
espanhol Manuel García Morente (1886-1942), confrontando
grandes perspectivas, como o racionalismo e o empirismo, a contenda entre
ceticismo e dogmatismo, ao tratar sobre a filosofia e sua vivência, sentido da
palavra, as ciências, abrindo um canal de acesso ao pensamento filosófico de
maneira crítica por meio de diversas ideias que tomam corpo no desenrolar
histórico do pensamento na filosofia.
EXISTÊNCIA & PENSAMENTO - [...] Quando
digo eu sou: que devo, pois, experimentar? Um corpo isolado e enclausurado?
Antes o contrário. Eu sou significa existência inserida no mundo. Ao viver
efetivamente no mundo, como o camponês na terra, o corpo-humano se reconhece na
escolha mais bela, no originário destino de seu ser: é porta-aberta real lá
fora. Obriga-nos a situar-nos [...] Arranca-nos
da interioridade ociosa, empurra-nos para o aqui e agora. [...]. Trecho
extraído da obra Filosofia para principiantes: A-existência-
humana-no-mundo (Vozes, 2000), de Arcângelo R. Buzzi que, em outra obra, Introdução ao pensar (Vozes, 1983), expressa que [...] O pensamento é tentativa e tentação.
Tentativa do melhor e maior saber. Tentação de se fixar no poder do saber.
Quando isso acontece repete-se o mito de Narciso, que, enamorado perdidamente
de sua própria imagem, a ela se atirou quando a viu no fundo da fonte da vida.
Atirar-se à verdade é salvar-se. Atirar-se à imagem da verdade é suicidar-se.
Quando o pensamento adere ao saber como a verdade do ser, torna-se narcisistas.
O narcisismo é a imaturidade do pensamento, a incapacidade do diálogo com o ser
na imagem do conhecimento. [...].
ESTORVO – [...] Desço para
a casa principal e sento-me na beira da varanda, de costas para a janela do meu
quarto. Posso sentir na pele a chegada da noite. Ainda está claro no resto do
sítio, mas o ar que respiro é noturno. Nas árvores que vejo à luz do dia, o
movimento das folhas já se revezou, e é um movimento noturno; como são noturnos
certos cheiros e ruídos; como há bichos noturnos e flores que não se abrem de
dia, como há pensamentos tão claros que só à noite se percebem. A menina da
cabeleira crespa é noturna, e quando me dou conta ela está trançando os meus
cabelos. Depois senta-se a meu lado, e põe-se a pedalar no vão da varanda.
Reparo que seus olhos são muito redondos, como numa surpresa permanente. Apóia
a pequena mão na minha coxa, e seus dedos são curtos como os de uma pata. Traz
o fone nos ouvidos e canta “hmmmmmmmm”, uma canção sem letra. Para alcançar as
notas mais agudas, crispa a mão e chega a me machucar. E quando começo a
entender a melodia, ela retira a mão da minha coxa e aperta o stop. Desaparece
tão de repente que quase me sinto roubado. [...]. Trecho extraído da obra Estorvo (Companhia das Letras, 1991), do
escritor, compositor e dramaturgo Chico
Buarque. Veja mais aqui e aqui.
A ETERNA CANÇÃO - Quando envelhecermos / E meus cabelos
loiros tornarem-se cabelos brancos, / No mês de maio, em um jardim ensolarado,
/ Aqueceremos nossos velhos ossos trêmulos, / A primavera deixará nossos
corações em festa. / Acreditaremos ainda sermos jovens apaixonados / E eu te
sorrirei, inclinando a cabeça. / Seremos um adorável casal de velhotes / Sentados,
a nos contemplar com os olhos pequenos, / Mas ainda ternos e brilhantes. / Quando
tu estiveres velho e eu velha, / Quando os meus cabelos loiros tornarem-se
brancos / Sobre nosso velho banco, esverdeado pelo musgo, / Conversaremos com
uma alegria terna e tão doce, / As frases sempre a terminar com um beijo. / Quantas
vezes já nos dizemos "Te Amo”? / Então com grande cuidado vamos contá-las.
/ Recordaremos mil coisas, até mesmo / Das tolices ditas e dos pequenos nadas
delicados. / Um raio descerá entre os nossos cabelos brancos / Feito carícia
doce, e rosa pousará. / Sobre o banco de outrora voltaremos a conversar, / E
como cada dia te amo mais, / Hoje mais que ontem e bem menos que amanhã. / Que
importarão então as rugas do rosto? / O meu amor será mais sério - e sereno. / Imagina
que todas nossas lembranças se unem, / As minhas recordações serão também as
tuas. / Estas recordações comuns cada vez mais nos envolvem / E sem cessar
entre nós tecem outros laços. / É verdade, seremos velhos, muito velhos, / Enfraquecidos
pela idade, / Mas mais forte a cada dia, apertarei a tua mão. / Porque vê tu,
cada dia eu te amo mais, / Hoje mais que ontem e bem menos que amanhã. / E
deste querido amor que passa como um sonho, / Quero conservar tudo no fundo do
meu coração, / Reter, se possível for, a impressão demasiado breve, / Para voltar
a saborear mais tarde, com lentidão. / Escondo tudo o que dele vem como uma
avarenta, / Acumulando as riquezas com ardor para os meus velhos dias, / Serei
então rica de uma riqueza rara / Terei guardado todo o ouro dos meus jovens
amores! / Assim deste passado de felicidade que termina, / Minha memória
devolverá a doçura; / E deste querido amor que passa como um sonho, / Terei
conservado tudo no fundo do meu coração. / Quando envelhecermos, / Quando os
meus cabelos loiros tornarem-se brancos. Poema da poeta e atriz francêsa Rosemonde Gérard (1866-1953). Veja mais aqui.
A ARTE DE AURELIJA KARALIUNAITE
A arte
da fotógrafa e artista visual Aurelija
Karaliunaite
&
Dos
sonhos aos pesadelos de Ximênia, o pensamento de Pedro Demo, a arte de Auguste Rodin, Camila Corrêa Antonelli & Grupo Uqbar aqui.
&
&
Quanto
vale uma vida, a Trimembração de Rudolf Steiner, a poesia de Olga
Savary, o pensamento de Isaac Asimov & a arte de Henri Matisse aqui.