terça-feira, abril 03, 2018

GAUTIER, AGOSTINHO DA SILVA, MARTIN DU GARD, MARLENE DUMAS, MARCELO COUTINHO, STOCKHAUSEN & JOCY OLIVEIRA

A CATITA NÃO TEM O QUE FAZER – Imagem: arte da artista sul-africana Marlene Dumas. - Na manhã os passos dos transeuntes pra lá e pra cá, suas culpas, dores e anseios. Quando muito olham pros lados, se entretem com um cão que luta por seu osso ou escarram bons dias, uns aos outros, sem se importarem com a natureza do catarro, se de bem ou por males nunca dantes revelados. Sabem apenas que vão com seus umbigos para onde eu não sei, seus interesses, preços e olê olás. Depois do meio-dia, a tarde é quase a mesma de outros e tantos dias, se sobem ou descem, os passantes seguem à risca suas cartilhas de fé, esperteza e competição, sem se dar conta do escorpião que saiu de um buraco e tira fino nas canelas e calcanhares que estão absortos com o bom que é de quem chegar primeiro, besta que cochile, o milagre da sorte demorada é só para um, o resto que se dane. E se chegou a vez, quem quiser que morra de inveja, trancelins, etiquetas e brebotes foram feitos pra soberba. Quem quiser que guarde o seu e, vez em quando, se bater o remorso, obre caridade pra mostrar que também é filho de Deus. À boquinha da noite, todos se benzem à Hora do Angelus, correm pra ceia, suor do dia na catinga do sovaco, trocados que sobraram nos bolsos, compras pra felicidade do lar, e umas lorotas na ponta língua pra comerem a hora, enquanto uma lagartixa espreita uma barata que se insinua à toa sem saber do bote pra devorá-la. Os que chegaram, vencedores ou vencidos, se não roncam impunes, zanzam insones pelo assoalho, mastigando arrependimentos, estratagemas ou camas de gato pro dia seguinte, e riem porque alguém chorará, não se sabe quem, problema do vacilo e da leseira, só ganha quem é esperto, essa a lei absoluta, que venha a madrugada pros sonhos ou pesadelos, eu à janela com o calor da hora chuvosa, às baforadas e uma catita rouba minha atenção, passeando em um dos fios de eletricidade. Ela vem às pressas e em frente da minha janela, para e olha pros lados, se vira olhando pra baixo, gira novamente como se quisesse pular, a altura parece deixá-la sem saber o que fazer, segue adiante, acompanho, vai determinada fio acima e segue a um rolo de fios enrolados no poste, o seu labirinto, de perder sua presença. Pra onde terá ido? O que lhe acontecera? Será que ela conseguiu descer tal como subiu, não sei, ela se foi, sumiu e eu aqui preocupado com o seu destino. Ah, ela não está nem aí, eu querendo saber o que será dela, se predador ou choque elétrico suspendendo o fornecimento de energia, eu na escuridão, temeroso com o céu plácido com previsões sinistras no centro dos meus temores, que pra ela pouco importa se escapará do algoz ou não, se seguirá adiante até uma ratoeira aplacar-lhe as invasões, se comeu ou morreu de fome pra festa dos vermes, não sei. Esperei um pouco para ver se lhe descobria esquina afora, nem sinal. Ora, ora, a catita não tem mesmo o que fazer. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do compositor alemão de música contemporânea Karlheinz Stockhausen (1928-2007): Oktophonie, Mantra & Sonatine; da a compositora, pianista e escritora Jocy OliveiraOuço vozes que se perdem nas veredas que encontrei, A música do século XX & Medea Ballade; & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.

PENSAMENTO DO DIA[...] a palavra amor, rota pelo uso, irreconhecível pelo pó acumulado, trinchada pelas conveniências, dividida pelas práticas, ainda poderia deter em si alguma carne, e significar algo do que sempre quis significar: amor. [...] os diminutivos costumam ser carinhosos. E que mesmo rotos, irreconhecíveis pelo pó acumulado, perdidos por entre as práticas, permanecem o que sempre foram e que nunca deveriam ter deixado de ser: carinhosos. Mesmo sendo diminutivos, costumam ser bem maiores. São capazes, por exemplo, de dar maior peso e carne ao amor abstrato. “Meu amorzinho” é um amor bem maior que “meu amor”. [...]. Pensamento extraído da dissertação de mestrado Antão, o Insone: estudo sobre as relações dialógicas entre a visão e a cegueira (UFPE, 2003), do poeta, professor, quadrinista, ilustrador e artista visual Marcelo Coutinho. Veja mais aqui.

INVOCAÇÃO DA ESPERANÇA - [...] capacidade de contemplação e de criação do homem, aproveitando tudo aquilo que foi feito com o sacrifício dos trabalhadores durante séculos e séculos. [...] esperança de que se estabeleça na Terra um paraíso terreal, de que, pela meditação, os homens cheguem a um tempo em que o paraíso terreal e o espiritual, o do Céu, sejam exatamente a mesma coisa [...] em que o homem deixa que brote de si tudo quanto é de possibilidade divina ao mesmo tempo que não perde nada da sua humanidade [...]. Trecho extraído da obra Ir à Índia sem abandonar Portugal, considerações, outros textos (Assírio & Alvim, 1994), do filósofo, poeta e ensaísta português Agostinho da Silva (1906-1994). Veja mais aqui e aqui.

O DRAMA – [...] Olha de longe aquele seio túmido que não conhece, no qual os dedos minúsculos se crispam como donos. Olha aquele pequeno ser de carne, que se apressa, ávido por viver. Olha Cécile, e esse semblante novo, pálido, um pouco mais gordo, rejuvenescido: seu rosto de outrora. Depois, por um gesto que ela faz, a fim de amparar a pequena, vê-lhe na mão a aliança.... Eram noivos: ele chegava de Paris, com o estojo no bolso; encontrara Cécile sozinha: ajoelhara-se, corpo e alma, diante dela, a fim de enfiar-lhe no dedo aquele anel, o elo, a cadeia... Todo um passado de mocidade e de ternura... Ah!R esse desejo sincero e tresloucado que tinha de dar e de colher a felicidade!... Soergue um sudário: viola o sepultamento dos dois que eles foram. Sente-se outro. Ela também.... ambos, tão diferentes! E que fazer? [...]. Trecho extraído da obra O drama de Jean Barois (Delta, 1964), do escritor francês Roger Martin du Gard (1881-1958), Prêmio Nobel de Literatura de 1937.

TRÊS POEMASANACREÔNTICA: Poeta! Sofreia os ímpetos! / Não faças que o meu amor / fuja e evole-se – ave tímida - / ao róseo céu do pudor. / O amor é medroso e alígero; ]pomba, que treme e que arruulha... / sê cauteloso; ela espanta-se / e foge à mínima bulha... / Mudo, como Hermes de mármore / da árvore ao pé; hás de ver, / aos poucos, sem sustos, da árvore / a pomba descer, descer... / Sentirás nas fontes, flácido, / um sopro de alma frescura, / e um palpitar de asas, trêmulo, / num turbilhão de brancura... / E em teu ombro a ave selvática, / já mansa, hás de ver pousar; / e o seu róseo bico, sôfrego, / nos beijos teus se fartar. A DOIS BELOS OLHOS : Sois dona de um olhar misterioso e atraente... / tal no fundo de um lago a lua refletida, / em vossos olhos rola a pupila, indolente, onde estranha palheta esplende umedecida... / Ele tem do diamante o fogo, a intensa vida, / e são de água melhor que a pérola do Oriente! / E os cílios no agitar da pálpebra tremida, / longos velam a meio o seu fulgor veemente. / Dois espelhos de chama, onde, em voejos infindos, / cupidos vão mirar-se e ainda se acham mais lindos! / Neles se inflamam sempre os desejos, sem clama... / E tão nítidos são, que deixam ver nossa alma, / como celeste flor de cálice ideal / que se visse através de um límpido cristal. COERULEI OCULI: Certa mulher misteriosa, / que m,e alucina, costuma / manter-se em pé, silenciosa, / junto ao mar, que ferve e espuma... / No olhar, onde o céu se pinta, / que palheta singular, / ao amargo azul, a tinta / glauca mistura do mar?! / Na langorosa pupila / bóia uma trsiteza vaga, / e a lágrima que vacila / e rola, o seu lume apaga. / A palpitar, branca e exul, / lembram-me os cílios suaves / tribo de aquáticas aves / sobre o indefinido azul... / Qual dágua no transparente / prisma, do olhar se devassa / no fundo, nitidamente, / do rei de Tule a áurea taça; / e, entre a alga e o sargaço, a gema / mais rara deslumbra e estão / de Cleópatra o diadema / e o anel do rei Salomão; / e irradiação irisada / das pedrarias se acende; / e a coroa da balada / de Schiller fulge e resplende. / Mago prestigio me enleia / e ao fundo abismo de luz / me arrasta, como a sereia, / que a Harald Harfagar seduz; / Me arrasta à ignota voragem, / até que eu nela me arroje / trás da impalpável imagem, / que, aérea a flátua, me foge... / Nágua esconde a ninfa bela / a cauda argêntea; e o brancor / da espádua lisa revela, / corando, da espuma à flor.... / Incha e, como um seio, arqueja / a vaga; em mórbido acento, / na cava concha solfeja, / soluça, ressona o vento... / “Vem reclinar-te em meu leito / de âmbar, e o saibo de fel / das ondas verás, desfeito, / manar-te da boca, em mel; / “O pélago estoura e zune / por cima; e a paz aqui mora, / sem que o rumor a importune / das tempestades de fora... / “Vem, sem tédio, nem bocejos. / O esquecimento imortal / bebamos juntos, dos beijos / pelo copo de coral”. / Assim é que a voz me fala, / desse olhar, que me extasia: / e no fundo dágua, a escutá-la, / desço... e o himeneu principia... Poemas do escritor, jornalista, dramaturgo e crítico literário Théophile Gautier (1811-1872). Veja mais aqui.

A ARTE DE MARLENE DUMAS
A arte da artista sul-africana Marlene Dumas.


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