sexta-feira, março 30, 2018

MIA COUTO, KOSIŃSKI, BERGMAN, KLEIN, IBERÊ, HERBIE HANCOCK & SABINE MEYER

O OUTRO SOU EM MIM - Imagem: Hora, do pintor Iberê Camargo (1914-1994). - Primeiro a sombra, desconfiava. Até achar um meio de sê-la, era. Levou-me ao espelho, era recorrente. Ali não era eu, outros. E me falavam, não conseguia ouvir, qual idioma, não sabia o negrume. Era como se dialogasse com meus muitos eus sem fala nem língua – o que vive a aurora boreal na minha atávica sensação escandinava, o que é herança telúrica caeté, o da viagem de Verne à terra de mim mesmo, o que renasceu do poema de Maiakovsky, o que amanheceu de Boehme, o que ouviu Rimbaud quando ele em mim, o que se enganou com Sartre ao achar que era o inferno, o que fui da busca do atalho para salvação e porto de chegada de Clarice, o que é a dúvida e o não saber sentido do múltiplo panteísta Pessoa, o que anônimos e irreconhecíveis de mim era eu mesmo, outras invenções de mim entre ruínas, fogo intenso, ventania. E me perdi no vento, longe do que sou, muito distante do que devia ser. E me deu vontade de chorar e chorei entre cemitérios devastados com meus restos insepultos, extraviados, decompostos. Confuso, o que aprendi desde a infância, tudo inútil, só serviam para me moldar ao mundo da hipocrisia, do egoísmo, do medo, os temores herdados que impediam de ser-me, a me esconder dos outros com as máscaras que ocultavam a mim num reino de mentiras e subterfúgios, escondiam minhas fraquezas, amoralidades, tudo insuportável, faziam do que sou inatingível a oscilar entre o verme e o anjo, luz e treva, e chorava, tinha eu cá os meus motivos: equilibrando passos na lâmina afiada da vida, fogueira de vaidades, desejos em polvorosa. Precisava encontrar-me, estava perdido de vez. Onde me escondia, eu não sabia, procurava-me e me sentia tudo, menos a mim mesmo. Entre cinzas evaporadas eu me recompunha e quantas vezes o fruto do quintal, o regato calmo, o vulcão eruptivo, estrela no céu, o cão a ladrar, a ave no voo, a solidão firme da montanha, o campo aberto, a rota sideral, a chuva torrencial, a coruja aos piados, a escuridão da mata, a queda das águas, a mão pedinte, tudo era de mim os restos, menos eu esquartejado sem saber onde. Voltei à sombra, dela ao espelho, não havia ninguém refletido, eu havia fugido de mim, quem lá apareceu não era eu, nem precisava mais compreender, apenas sentir, até perceber o infinito: sou todo, como um rio que flui, como tudo flui a me restituir, e me encontrei: apenas o outro sou eu. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do pianista, compositor, ator e mestre do jazz estadunidense Herbie Hancock: Live at the Munich Philarmonie, Future 2 Future Live & World of Rhythm; da clarinetista clássica alemã Sabine Meyer: Klarinette Mozart, Romance for Clarinet and Orchestra Richard Strauss & Clarinet Concert Stamitz; & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.

PENSAMENTO DO DIA – [...] Quando temos 25 anos, pensamos que podemos controlar o mundo, que nossas ideias e opiniões são perfeitas... Nosso corpo é o de um jovem deus e nossa alma é imaculada. Muito mais tarde, compreendemos como tudo na vida é realmente complicado. Com a idade, percebemos que tudo é muito mais cruel do que pensávamos. Já na minha idade, passamos a conhecer melhor nossa identidade e a ter tempo para ser mais generosos. Envelhecer nem sempre é agradável, mas é a partir do envelhecimento que começamos a apreciar melhor a vida. [...]. Pensamento extraído de A arte de exorcizar demônios, entrevista concedida pelo dramaturgo e cineasta sueco Ingmar Bergman (1918-2007), extraída da obra Conversações (Cultura, 2008), de João Lins de Albuquerque. Veja mais aqui.

A ANGÚSTIA– [...] Considero que a angústia surge da operação da pulsão de morte dentro do organismo, é sentida como medo de aniquilamento (morte) e toma a forma de medo de perseguição. O medo do impulso destrutivo parece ligar-se imediatamente a um objeto, ou melhor, é vivenciado como medo de um incontrolável objeto dominador. [...]. Trecho extraído da obra Inveja e gratidão & outros trabalhos (1946-1963 – Imago, 2006), psicoterapeuta austríaca Melanie Klein (1882-1960), autora da célebre frase: “Aqueles que comem do fruto do conhecimento são expulsos de algum paraíso”. Veja mais aqui.

O VIDEOTA – [...] jamais havia ultrapassado os limites da casa e do jardim [...] Mudando de canal, podia mudar-se a si mesmo. Ele podia passar por fases, como passavam as plantas pelas estações do ano, mas era-lhe possível se transformar tão rápido quanto desejasse, girando o botão da TV para um lado ou para outro. Em certas ocasiões, ele podia se manifestar diante da tela exatamente como se manifestavam as personagens da televisão. Manobrando o botão, Chance podia fazer com que os outros viessem ter sob suas pálpebras. Dessa forma, chegava a acreditar que sua existência era devida apenas a ele mesmo, Chance, e a ninguém mais. [...]. Trechos extraídos da obra O videota (Being there – Artenova, 1971), do escritor e ator judeu polonês Jerzy Kosiński (1933-1991), adaptado para o cinema como uma comédia dramática sob o título Muito além do jardim (Being there, 1979), dirigido pelo diretor de cinema estadunidense Hal Ashbt (1929-1988) e roteiro do próprio autor, contando a história de um adotado por um senhor idoso após a morte de sua mãe, que nunca aprendeu a ler ou escrever, passando os dias cuidando dos jardins e vendo televisão, sua única ligação com o resto do mundo. Quando o idoso faleceu, ele teve de sair de casa, sem documentos nem ter para onde ir, é atropelado pela limusine de uma rica senhora que o ampara em tratamento, reduzindo-se sua vida à jardinagem e à televisão. Passa a ser admirado por todos por uma pretensa genialidade e ganhar a paixão da milionária. É também autor da obra O pássaro pintado (The painted Bird – Nova Fronteira, 1965), e que depois de ter sido acusado de plágio, em 1982, cometeu o suicídio em 1991, quando percebeu que nada poderia fazer para levantar-se novamente.

VERSOS DO PRISIONEIRONão me quero fugitivo. / Fugidio me basta. / Dentro do pássaro há uma grade, / um eterno confinar de gaiola. / Da liberdade das aves, / outros poetas falaram. / Eu falo da tristeza do voo: / A asa é maior que o inteiro firmamento. / Quando abrirem as portas / Eu serei, enfim, / o meu único carcereiro. Poema extraído da obra Idades Cidades Divindades (Caminho, 2008), do premiado escritor e biólogo moçambicano Mia Couto. Veja mais aqui e aqui.

A ARTE DE IBERÊ CAMARGO
A arte do pintor Iberê Camargo (1914-1994). Veja mais aqui.


O 30º Encontro da APECV & 3º Congresso Iberto Americano de Educação Artística & muito mais na Agenda aqui.
&
Saúde na paz, a literatura de Ernesto Sábato, a música de Hamilton de Holanda, a escultura de Carol Peace, a pintura de Élisabeth-Louise Vigée-Le Brun, a arte de Maxfield Parrish & Lídia Lima aqui.
&
A noite Freya, o dia Iaravi, a música de Sabine Meyer, o cinema de François Truffaut & Fanny Ardant, a arte de Patrícia Gaspar, Cida Lisboa & Luciah Lopez aqui.
 

quinta-feira, março 29, 2018

THIAGO DE MELLO, THOMAS MANN, HOTTOIS, PASOLINI, JENNY HOLZER, VANGELIS & ASTRUD GILBERTO, HOLÍSTICA & EDUCAÇÃO, NALAH & ADERBAL

Imagem: Rua Corona, da artista neo-conceitual estadunidense Jenny Holzer.

O ESTRANHO AMOR DE NALAH & ADERBAL – Imagem: foto da poeta, artista visual & blogueira Luciah Lopez - Aderbal é um cururu pra lá de folgado. Todo embecado de fraque, bengala e gravata-borboleta, o que já namorou de jias, rãs e pererecas, afora duas jabutis, três lagartixas, uma calanga, três coelhas, duas ratazanas e uma cobra que não caiu no papo dele, tirante tudo isso, ele ainda apronta das suas e se embola às gaitadas de caçoar lorota com o compadre Asdrubal. Até então, nunca passou apertado, sempre se saindo ileso de todas as investidas de seu topete destemido. Agora não, o cabra entrou num imprensado de não ter mais jeito, do compadre Asdrúbal, ao encontrá-lo todo meio que mocorongo de farol baixo, gritar logo: Anda sumido, né compadre? Nada, compadre, é que a madame lá de casa é danada de braba. É mesmo? Não tem mais aprontado? Ela num deixa, colada em cima, qualquer trastejado meu, ela chega com bafo de anteontem. Como é que pode? Oxe, se é, nessa me lasquei. Lascou-se mesmo. É que a dita cuja é uma filha de pitbull red nose com cão labrador, imaginem a fera. Deu pra conferir: irmã de doze malsinados, tudo pedra ruim que nem ela, o que já empenaram na vida de gente e de bicho, não dá pra contar. O brinquedo dela é caçar o que passar vivo pela frente, buliu no mato, ela corre atrás e já aleijou uns tantos sabiás, João de Barro, cobra, lagarto, a peste! Um dia ela mordeu um ouriço e ficou com uma carreira pra mais de quarenta espinhos na boca, língua e focinho, metendo-se a querer beijar o Aderbal que fugia que nem doido corre da maldição. Pois bem, um dia lá, uma distinta senhora achou de acomodá-lo numa vasilha d’água num canto da sala, do amostrado ficar ancho lá, só soltando bolinhas. Ele nem sacou que do lado dele havia outra vasilha carregada de ração. Quando ele viu o bafo da monstra devorando a comida, ele ficou todo encolhido só soltando lorota: Uma dessa eu dou jeito. Ela olhou pra ele pelo canto do olho, ronronou de desprezo e manteve-se comendo. Ele arremedou: Uma dessa eu caso, domo e mando ver. Foi aí que ela foi tomar água na vasilha dele. Eita! Quando viu a lapa de língua da brabona, não teve dúvidas, ficou de papo pro ar, dizendo: Vá, assim eu gozo. Chupe, minha filha, chupe. Nalah invocou-se e deu-lhe uma focinhada dele ficar vendo estrelas. A-rá, gritou ele: gostei da felação, amanhã venha de novo, minha filha. Passou. No outro dia, ele lá: Se me der mole eu domino. Nalah nem aí. Ele insistia afinando a goela deitando árias, óperas e operetas pra cima dela, até o dia em que ela arretou-se, pegou-lo pelo rabo e arrastou-lo pendurado pra casinha dela. Agora que quero ver. É que ela havia arrumado um cantinho cheio de galhos e matos para deitá-lo lá, foi ver se o atrevido era de mesmo ou só de faro. Oxe, Aderbal tremia encostado e ela só na provocação. É macho mesmo ou só se faz? Ela danou-se a requebrar, esfregar o rabo nele, alisar as patas, ficar roçando o couro, a ponto dele gritar de quase morrer sufocado: Assim também é demais também, ora! E como é que você quer? Ah, se ajeite estirada e deixe que eu faço o serviço! Arrepara só. Ela pagou pra ver: deitou-se e ficou lá se fingindo de morta. Num é que o Aderbal criou coragem e saiu fuçando nas partes pudendas dela, maior ajeitado, cai mas num cai, se enrola todo, se estica, se enfia, escorrega e ela já impaciente: Como é que é, hem? Num se avexe que ainda nem botei a cabeça! Ela lá com ele no meio e no maior caqueado. Lá pras tantas, todo lambuzado, ele sai se limpando: E aí, moleza, gostou da minha performance? Ué, já terminou, foi? Já, queria mais é? Eu nem comecei a virar os olhos, quanto mais gostar disso que não senti nada. Eita! Ah, desse dia em diante, ela ficava: Vai, mostra aí que é macho mesmo, vai! E ele fazia de tudo e nada. Virou o brinquedinho dela. Ele já anda de olheiras, capengando quase sem voz, sem ânimo, cansado de dormir por horas nunca suficientes do dia todo, mas ali, comendo curto na rédea dela. Tome, sem-vergonho, agora quero ver você sair dessa. Bem empregado, vai se meter com o que não pode, acaba assim. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do músico e compositor grego Vangelis: Mask, Love Song & com Jon Anderson; da cantora Astrud Gilberto: ZDF Jazz Club, 24 Canciones & I haven’t got anything beter to do; & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.

PENSAMENTO DO DIA – [...] Assim como a ciência teórica podia ser chamada de pura e inocente, a tecnociência, ao ser, essencialmente, atividade produtora e modificadora do mundo, não é nunca totalmente inocente. A práxis é eticamente problemática. As questões éticas se colocam, hoje, no nível da investigação chamada básica, devido ao que o projeto de saber é fazer e poder. [...] Pensamento extraído da obra El paradigma bioético: uma ética para la tecnociencia (Antropos, 1991), do filósofo belga Gilbert Hottois, autor de obras de filosofia contemporânea atinentes à ética, linguagem, ciência e técnica. A respeito da clonagem (Human Reproduction Update, 1998), o autor considera alguns aspectos fundamentais que envolvem a questão, como a autoidentidade e a alteridade, a instrumentralização, da determinação no que concerne à liberdade e a autonomia do ser.

HOLÍSTICA & EDUCAÇÃO – [...] os pensadores holísticos reconhecem que há uma parte misteriosa e imutável em toda pessoa, que transcende os sintomas físicos, psíquicos e o próprio condicionamento social. É a dimensão espiritual. Se somos parte integrante do Ser, algo permanece necessariamente após a temporalidade de nossa existência para se integrar na totalidade cósmica: fonte de todo o significado e inatingível intelectualmente. A espiritualidade nos orienta à compaixão universal no sentido de profunda solidariedade com toda a humanidade e à comunhão com todos os demais seres. Educar holisticamente, portanto, é estimular no aluno o desenvolvimento harmonioso das dimensões da totalidade pessoal: física, intelectual, emocional e espiritual. E esta, por sua vez, participa de outros planos de totalidade: o comunitário, o social, o planetário, o cósmico. Todos estes planos devem ser desenvolvidos concomitantemente no processo educacional. Não se entende o homem somente a partir de si mesmo, como centro e senhor da natureza, mas como parte de um todo. Questões como autoconhecimento, liberdade, realização, justiça e paz são enfocadas, levando sempre em conta o contexto da interdependência dos fenômenos, nos diversos planos sistêmicos dos quais o homem é parte. A vivência comunitária é fundamental no desenvolvimento do indivíduo. O sentido da vida comunitária está na mais intensa e genuína interação entre as pessoas. Ela, muito mais do que as normas e leis, é estimulada pelo sentimento de philia (amizade), de que falavam os gregos. A qualidade das relações comunitárias, seja na família e/ou mesmo em outros grupos sociais, deve proporcionar o equilíbrio entre os interesses individuais e os coletivos, garantindo assim a diversidade e a individualidade na interação do grupo. No plano social está nossa dimensão de ser histórico. Participamos da sociedade humana e, portanto, temos nossa parcela de responsabilidade na história por ela construída. A ação política do homem deve se pautar na solidariedade e na cooperação, visando um desenvolvimento sustentado que possinilite a sobrevivência das gerações atuais e futuras. A totalidade planetária nos traz a consciência de que não estamos simplesmente habitando a Terra, mas fazemos parte integrante dela assim como os outros animais, os vegetais e os minerais. Nosso planeta é um complexo harmonioso, um sistema vivo auto-regulável, um oásis de vida na vastidão do universo. Todos os seres da comunidade planetária são igualmente importantes para a vida de Gaia. [...]. Trechos extraídos da obra A canção da inteireza: visão holística da educação (Summus, 1995), do professor e pesquisador Clodoaldo Meneguello Cardoso. Veja mais aqui, aqui e aqui.

UMA LENDA HINDU - [...] Naquela época em que a memória se originava nas almas dos homens, assim como a taça do sacrifício lentamente se enche de sangue ou de inebriantes poções, quando o colo da austera piedade patriarcal se abria, a fim de receber a semente da era primeva, e a saudade pela Mãe cercava símbolos antigos de renovados tremores, fazendo com que aumentassem as procissões de peregrinos, que acorriam na primavera às moradas da grande Nutriz do Mundo — foi naquele tempo que dois jovens, pouco diferentes quanto à idade e à casta mas bem diversos com relação ao seu físico, travaram entre si íntima amizade. O mais jovem chamava-se Nanda, e o outro, pouco mais velho, Shridaman. Aquele contava dezoito anos, ao passo que este já completara vinte e um. Ambos, cada qual no seu dia, haviam sido cingidos com o cordão sagrado e acolhidos na comunidade dos que nasceram duas vezes. Eram naturais da mesma aldeia dotada de um santuário, a qual tinha o nome de Bem-Estar das Vacas. Por indicação dos deuses, fora instalada no seu lugar na terra de Kosala, em tempos remotos. [...] Tudo isso agradava a Shridaman, sempre que comparava o amigo com sua própria pessoa, que tinha no semblante e nos membros alguns matizes mais claros, além das diferenças de fisionomia. O cavalete de seu nariz era fininho, qual lâmina, e ele tinha olhos que revelavam meiguice nas pupilas e nas pálpebras, enquanto nas faces crescia, em leque, uma barba macia. Também eram macios os membros, absolutamente não enrijecidos pelos ofícios de ferreiro e pastor, e mais se assemelhavam aos de um brâmane ou de um comerciante, com o tronco estreito, levemente balofo, e um pouco de gordura na região da barriguinha. Mas, fora isso, não deixava de ser perfeito, de joelhos e pés delicados. Era um corpo que muito bem podia servir de complemento e acessório a uma cabeça nobre, inteligente, à qual, no conjunto, coubesse ser a parte mais importante, ao passo que, no caso de Nanda, o corpo constituía-se no essencial e a cabeça não passava de um acréscimo agradável. Somando tudo, os dois se pareciam com Siva, na sua dupla manifestação, quando, ora como barbudo asceta, fica prostrado, feito morto, aos pés da Deusa, ora ereto, encara-a de braços estendidos, qual efebo em plena flor da mocidade. No entanto, eles não formavam uma unidade, ao contrário de Siva, que é a vida e a morte, o mundo e a eternidade no seio da Mãe, senão representavam sobre a Terra dois seres diversos. Por isso, eram um para o outro semelhantes a ídolos. Em ambos, o sentimento do eu e do meu entediava-se de si próprio, e, embora soubessem que, na realidade, tudo é um composto de imperfeições, espiavam um no outro justamente aquilo que os tornava diferentes. [...]. Trechos da obra As cabeças trocadas: uma lenda indiana (Nova Fronteira, 1988) do escritor alemão e Prêmio Nobel de Literatura de 1929, Thomas Mann (1875-1955). Veja mais aqui.

OS DO AMORO nosso amor só se acaba / se for para começar. / Te perdes longe de mim, / para poder me encontrar. / Todo fim sabe a começo. / Na fundura do teu peito / dorme a clave do milagre / cujo segredo mereço. / Sozinho mais te proclamo / a pessoa preferida. / Asa de graça, pendão / no vento, estrela da vida. / Que te cante a paz no peito. / Não é benção para mim, / que perto estou já do fim. / Te quero tanto, que tanto / dentro de ti me perdi. / Só por sonhar que erga voo / de pássaro prisioneiro / a luz que lateja em ti. Poema Embalo de rede, extraído da obra Campo de milagres (Bertrand Brasil, 1998), do premiadíssimo poeta amazonense Thiago de Mello. Veja mais aqui e aqui.

A ESFINGE DE HOJE
[...] Na luta contra a exclusão, mesmo antecipando a vitória do capitalismo, o desafio de decifrar o enigma da esfinge poderia representar o caminho da salvação dos povos oprimidos [...]. O monstro devorador deste mundo corrompido e implacável de hoje não é a esfinge de Tebas da antiguidade, mas o capitalismo selvagem, a desenfreada sociedade de consumo, a barbárie que marginalizou os povos, favelizando-os [...]. Na minha opinião, essa sociedade de consumo está anulando a identidade pluralista, a identidade regional, sem fundamento em parte alguma. É a destruição da alma e da esperança do homem mais puro. Essa a maior ameaça. E acontece em todas as sociedades [...]. Trechos da entrevista A última palavra de Pasolini, concedida pelo cineasta, escritor, jornalista e professor italiano Pier Paolo Pasolini (1922-1975), extraído de Conversações (Cultura, 2008), de João Lins de Albuquerque, quatro dias antes de ser brutalmente assassinado no dia 02 de novembro de 1975, em circunstâncias que continuam gerando polêmica até hoje. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

Congresso Entre Mares: a literatura, leitura do mundo & muito mais na Agenda aqui.
&
É nela o festival de Ishtar, Lenda Bororo, a música de Astrud Gilberto, a escultura de Wayland Gregory, a arte de Amadeo de Souza-Cardoso & Maria de Lourdes Oliveira aqui.
 

quarta-feira, março 28, 2018

TUIAVII DE TIAVEA, SELMA LAGERLÖF, TENNYSON, CHAGALL, IONESCO, BETINHO, ALMIR SATER & PATTI SMITH

A PAIXÃO, AH, MARIA FULÔ - Imagem: Love and life, do pintor, ceramista e gravurista surrealista judey russo-francês, Marc Chagall (1887-1985). - Ah, dos tempos de meninice, eu vivia aceso juvenil, arreado de amores pela bela Maria Fulô, a menina mais bonita do lugar. Tímido que só, arrumava jeito dela me achegar, até que uma tarde, a gente naquela de faz que não faz, sozinhos, quase lado a lado, ajeitei o gogó, pigarreei, botei a timidez pra lá e assoletrei: São Pedro dormiu, São João acordou, vamos sê compadre que SantAntonho mandou! Ela se riu, ô riso lindo da gota! Coisa mais bonita não há! Abestalhado e cheio das mesuras, fui pra lá e pra cá, ela só achando graça, era o que eu queria, oxente. Nisso, eu era o compadre dela e ela a minha comadre, e fomos brincar. Eu no fastígio todo ancho pelos arroubos da paixão avassaladora, ao lado daquela boniteza, queria mais nada não. Olhos de mar que nem aquele nunca tinha visto não. Ah, meus naufrágios! Umas barrocas na bochecha, sardas nas faces e ombros, pele branca macia, parecia mais um anjo que vinha lá do céu só pra me adorar. Ela se ria e brincava, dava pelo decote, ô moça dos peitos bonitos, dois manguitos duros de dá água na boca! Ah, como eu quero chupá-los! Ela se ajeitava, rodava que só, ô dona de coxas roliças, bem desenhadas, um encanto. E levantava a saia a cada rodada, que coisa mais linda das coisas de meu Deus, rodava a bunda-rica com todos os seus babados para eu ficar babando de queixo caído, cheiro de moça virgem perfumada de encantar o juízo de nunca mais me aprumar. Era de dia colado nos beiços dela, lábios de raros sabores, maracujá, melão, ingá, morango, cajá, ah, frutas de todo tipo naquela boca eu sugar. De tarde eu estirado entre as pernas dela, sentia o aperto dos joelhos no meio dos meus prazeres, eu queria lá saí dali, queria era ficar embaixo das saias e ali me esconder para todo o sempre. Não havia nada melhor. De noite eu já não queria dela mais desgrudar, beijos no cangote, esfregado do sarro, apalpa aqui, encosta acolá, eu só sentia era o tremido dela nuinha embaixo do vestido. Veio então assunto sério: - Meu pai quer lhe pegar! E eu só queria com ela casar. Não é isso não, meu pai vai deixar não. Num diga isso, valha-me qualquer santa da sua devoção! Eu vou pedir sua mão. Oxe, isso é coisa que se diga, vai adiantar não. E por que não? Ele quer me mandar pro convento pra você não me encontrar. Diga isso não! Se você insistir, ele vai lhe pegar. Eu enfrento ele, ora. Ah, não, o velho só que lhe capar. Danou-se! Sou Abelardo não! Nem eu Heloisa, mô fio! E agora? E eu sei! Vá-se embora que lá vem ele virado na gota! Ela correu, eu sumi, nem sei mesmo adonde foi que me escondi. Pra onde eu ia, a cabroeira chegava bufando. Valha-me o rei dos carneiros! Logo ele aparecia pra me esconder numa gruta arrodeada de ovelhas. Os algozes vinham, cheiravam, assuntavam e dali nem saíam, vigilantes. Davam por minha presença escondido nalgum lugar. Valha-me o rei dos peixes! Logo ele apareceu, me levando por um canal estreito por baixo da terra que foi dar no mar, na boca de um tubarão medonho engolido por uma baleia, tudo para me esconder. E lá vinham os caboetas, escafandros, submarinos, vigiavam tudo no fundo do mar. Será o Benedito? Valha-me o rei dos pássaros! E um gavião me tirou do tubarão e ejetado pela baleia, subiu alto no céu, atrás de longínqua nuvem guardada lá mais longe por um rei-gavião gigante. E lá vinham os cheleleus de aviões e helicópteros arrodeando a nuvem e armados até os dentes. Valha-me o rei das formigas! E me tornei uma formiga e fui pro quarto da amada, com todo cuidado, subi suas vestes e fiquei escondido na dobra da gola do vestido dela. Nem ela sabia, nem ninguém. Estava eu mais ela num rigoroso internato. Ela privada de mim, eu com saudades dela. Pelo menos estava com ela, ah, isso sim. Qual não foi a minha decepção. Um primo Adônis adentrou o recinto e ela se desmanchou toda. E eu, meu Deus, eu ali espremido pelo acocho dos braços dele por cima dela, abraços que eram meus e ela lá envolvida, triste sina minha. Sujeito mais infortunado eu sou, quase um Paulo Eiró com versos das tripas coração. E fui descendo entristecido, peguei o meu rumo ao formigueiro, voltei ao normal, um Fagundes Varela cantando Alice Guilhermina perdida no tempo. Comecei a andar sem rumo, entristecido, não sei por onde nem que tempo, sei que um dia me deparei com uma igreja em festa e lá vi, ao longe, a minha amada e o primo, contraindo matrimônio. Adeus, vida minha, vou triste estrada afora. Não sou daqui, oi, sou lá de fora, adeus linda morena, que eu já vou embora. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do violeiro, compositor, cantor e instrumentista Almir Sater: Instrumental 1, Instrumental 2 & Caminhos me levem; da poeta, cantora, fotógrafa, escritora, compositora e musicista estadunidense Patti Smith: Live at Montreaux, Line in Spain & Horses; & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.

PENSAMENTO DO DIAQue importa um computador de bordo no automóvel se o grosso da população sequer tem condições de comprar uma carroça? Pensamento de José Adelino Medeiros e Lucilia Atas Medeiros, autores da obra O que é tecnologia (Brasiliense, 1993).

O TEMPO & O PAPALAGUI – [...] Só uma vez é que deparei com um homem que tinha muito tempo, que nunca se queixava de não tê-lo, mas era pobre, sujo, e desprezado. Os outros passavam longe dele, ninguém lhe dava importância. Não compreendi essa atitude porque ele andava sem pressa, com os olhos sorrindo, mansa, suavemente. Quando lhe falei, fez uma careta e disse, tristemente: "Nunca soube aproveitar o tempo; por isto, sou pobre, sou um bobalhão". Tinha tempo, mas não era feliz. O Papalagui emprega todas as forças que tem e todos os seus pensamentos tentando alongar o tempo o mais possível. Serve-se da água e do fogo, da tempestade, dos relâmpagos que brilham no céu para fazer parar o tempo. Põe rodas de ferro nos pés, dá asas às palavras que diz para ter mais tempo. Mas para que todo este esforço? O que é que o Papalagui faz com o tempo? Nunca compreendi bem embora pelos seus gestos e suas palavras, ele sempre tenha me dado a impressão de alguém a quem o Grande Espirito convidou para um fono. Acho que o tempo lhe escapa tal qual a cobra na mão molhada, justamente porque o segura com força demais. O Papalagui não espera que o tempo venha até ele, mas sai ao seu alcance, sempre, sempre, com as mãos estendidas e não lhe dá descanso, não deixa que o tempo descanse ao sol. O tempo tem de estar sempre perto dele, cantando, dizendo alguma coisa. Mas o tempo é quieto, pacato, gosta de descansar, de deitar-se à vontade na esteira. O Papalagui não sabe perceber onde está o tempo, não o entende e é por isto que o maltrata com os seus costumes rudes. Ó amados irmãos! Nunca nos queixamos do tempo; amamo-lo conforme vem, nunca corremos atrás dele, nunca pensamos em ajuntá-lo nem em parti-lo. Nunca o tempo nos falta, nunca nos enfastia. Adiante-se aquele dentre nós que não tem tempo! Cada um de nós tem tempo em quantidade e nos contentamos com ele. Não precisamos de mais tempo do que temos e, no entanto, temos tempo que chega. Sabemos que no devido tempo havemos de chegar ao nosso fim e que o Grande Espírito nos chamará quando for sua vontade, mesmo que não saibamos quantas luas nossas passaram. Devemos livrar o pobre Papalagui, tão confuso, da sua loucura! Devemos devolver-lhe o verdadeiro sentido do tempo que perdeu. Vamos despedaçar a sua pequena máquina de contar o tempo e lhe ensinar que, do nascer ao pôr do sol, o homem tem muito mais tempo do que é capaz de usar. Trechos extraídos da obra O papalagui (Marco Zero, 1985), reunião dos discursos de um chefe aborígene samoano Tuiavii de Tiavea, escrito por Erich Scheurmann (1878-1957), descrevendo a visão do chege sobre o europeu antes da Primeira Guerra Mundial, sendo o termo samoano Papalagui alusivo ao homem branco, o europeu, aquele que furou o céu.

O PÃO NOSSO - [...] O Brasil tem uma indústria com duas caras – e a mesma moeda. Moderna na tecnologia, atrasada nas relações de trabalho. Sua classe média espreme-se entre a ideologia do senhor e as agruras dos pobres. Teme o destino de um e respeita o poder do outro. A industrialização brasileira não encurtou o abismo entre pobres e ricos. Os senhores viraram empresários, mas continuaram a viver em novas versões da casa-grande. Os escravos viraram trabalhadores, mas continuaram morando na senzala, em dormitórios feitos para isolar o pobre depois do serviço. [...]. Trecho escrito pelo sociólogo e ativista dos direitos humanos, Herbert de Souza – Betinho (1935-1997). Veja mais aqui e aqui.

DE SAGA EM SAGA – [...] Sobreveio um tumulto na cabeça de Helga. Franzindo os sobrolhos, era evidente que se esforçava para lembrar-se de alguma coisa. Como era mesmo? Mas claro, lembrava-se muito daquele canivete, ela lho havia pedido emprestado para cortar uns gravetos na véspera de sua partida. Quebrara-o ao servir-se dele, mas não tivera oportunidade de comunicar-lhe o fato. Naquela ocasião ele a evitara e não desejara entabular conversa com ela. Por certo devia ter guardado o canivete no bolso sem notar que estava quebrado. Ergueu a cabeça e quis contar-lhe tudo isso, mas como ele já chegara ao relato de sua visita a Elvokra, no meio dos preparativos do casamento, preferiu deixá-lo acabar acabar. Informada de que maneira se separara ele de Hildur, achou que aquilo era uma desgraça tão terrível que se pôs a cobri-lo de censuras. Trechos extraídos da obra De saga em saga (Delta, 1962), da escritora sueca Prêmio Nobel de 1909, Selma Lagerlöf (1858-1940). Veja mais aqui.

LÁGRIMAS, INÚTEIS LÁGRIMAS - Lágrimas, inúteis lágrimas, não sei quala origem / dessas lágrimas que vêm do âmago de algum desespero divino: / brotando do coração, nos olhos vão se encontrar / para contemplar os alegres campos outonais / e recordar os dias que não voltam mais. / Frescas como o primeiro raio de sol que reflete sobre o batel / portador dos nossos amigos da Terra; / tristes como aquele derradeiro raio solar que incendeia o barco / que submerge com os nossos entes amados / tão tristes e tão frescos os dias que não voltam mais. / Ah, triste e estrano, como nas densas alvoradas estivais, / é o primeiro gorjeio dos pássaros meio despertos / aos ouvidos surdos, quando aos olhos moribundos / a vidraça vai, aos poucos, se transformando num quadro que entremostra / tão tristonhos, tão estranhos os dias que não voltam mais. / Adorados, como os beijos relembrados depois da morte, / e doces como os que fantasiou uma esperança vã / nos lábios de outrem; profundos como o amor, / penetrantes como o primeiro amor, e cubiçosos embora, com a perda, / ó morte na Vida, os dias que não voltam mais. Poema do poeta britânico Alfred Tennyson (1809-1892). Veja mais aqui.

A HISTÓRIA, O TEATRO & IONESCO
[...] A história não é a verdade. É, sobretudo, um conjunto de erros. Toda afirmação histórica é em parte verdade, em parte um grande abuso, um grande exagero, um excesso. É para além do exagero que necessitamos encontrar a verdade da afirmação. [...]
Trecho da entrevista Revelações sobre os rinocerontes, do patafísico e dramaturgo romeno, Eugène Ionesco (1909-1994). Veja mais aquiaqui e aqui.


Congresso Internacional do Livro, Leitura e Literatura do Sertão (CLISERTÃO) & muito mais na Agenda aqui.
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Estudante sou, eterno aprendiz na vida, a literatura de José Saramago, a música de Edgar Duvivier, a fotografia de Jean Louis Marie Eugène Durieu, a arte de Maurits Cornelis Escher & Dorys Teles aqui.

terça-feira, março 27, 2018

LÉVINAS, OCTAVIO PAZ, CARL SPITTELER, GÉRARD DE NERVAL, CLÁUDIO SANTORO & SARAH VAUGHAN, GINA PELLÓN, TEATRO & ARTUR AZEVEDO, NEUROEDUCAÇÃO

DE NOTICIÁRIOS, BOATOS E, AFINAL, O QUE É QUE É, HEM? - Imagem: Passagre de le Nuit, da pintura cubana Gina Pellón (1926-2014). - O movimento do blábláblá não tem fim, oh língua ferina! A Rádio Povo ganha nas estatísticas: pior que o boca-a-boca não há. Diz o riscado: caiu na roda ou foi, ou é, ou está pra ser! Todo dia Fulano diz que foi assim, Beltrano diz que foi assado e, ainda, Sicrano diz que não foi nada disso e começa embolando o meio de campo. Que coisa! Foi, não foi, cada um, uma versão. Uns dizem disso, outros daquilo, entender, que bom, ah, ninguém é normal. Tem quem goste de beber água na orelha dos outros e vice-versa. Bisbilhotar a vida alheia é uma prática perniciosa, já costumeira. Tem gente que não dorme antes de saber das últimas da fofocagem. Pois é, tem quem se preste para cada coisa! A calúnia mesmo já virou moda, a boataria já ganhou status de plantão, e como o levantamento de falso arrombou com o Direito brasileiro, agora é só dizer o que quer e bem entender, e se preparar para ouvir o que não quer. Ôpa! Basta cruzar na rua: Quais as novidades? Saber mesmo pra quê! Diz o ditado: a curiosidade matou o gato. Ah, mas quem acumula mais informação sobre um e outro, senão todos, é sabido, fica por dentro de tudo, não corre tantos riscos, livra-se da esparrela. Tem gente que já vive de vender leva-e-traz, ora. Afora os voluntários que adoram ver o circo pegar fogo. Sabia que aquele outro dia escorregou? Foi mesmo? Ah, nem te conto: aquelazinha ali já era. É mesmo!?! Também faliu Zé dos grudes! Nossa! A mulher dele, depois de duas de quinhentos, se mandou! Num diga! Sabe da última? E ainda tem? Nem é tão atual assim. Aí é só o repeteco: deitam amiudada a queimação de filme de quem caiu em desgraça. Tintim por tintim. Você não sabia? Você está por fora meeeesmo! E eu que não sei nem a diferença da repimboca da parafuseta da tarraqueta de Itapipoca? Desliguei. Ora, ora. Não é a mesma coisa? A mesma coisa é um caminhão carregado de japonês com um guará no volante da boleia pensando que é cana-de-açúcar! Aí, sim. Vixe! Ah, por que japonês não fotografa outro? Ué, porque só sai flash! Já dizia Millôr: Deus não existe; se existisse, os japoneses já tinham fotografado. Valha-me! O que é que é? Pronto, virou adivinha. E tem quem dê um doce pra quem matar a charada. E isso estampado em revista popular, nos canais de tevês e nas redes sociais. O povo gosta é de fofoca mesmo, hem? Voyeurismo puro. Onde é que tem um buraquinho pra brechar? Bem, os incomodados mandam logo procurar o da mãe – a dele -, né não? E queimam o próprio rabo: língua falou, cu pagou! Eu, hem! Por bem ou por mal confundiram tudo: comunicação é fuxico, senão difamação, especulação, falatório. Olhe lá onde vai botar esse focinho enxerido, viu? A vida dos outros não é brincadeira! Eu que livre meu espinhaço das más línguas, ô-rô! Tiro o meu da reta e fui! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do maestro e compositor Cláudio Santoro (1919-1989): Sinfonia nº 5, Sinfonia nº 7 & Ponteio; da cantora estadunidense de jazz Sarah Vaughan (1924-1990): Live in the Michael Fowler Center, Berliner Jazztage & com Duke Ellington Live at the Berlim; & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.

PENSAMENTO DO DIAÀ medida que a esfera do trabalho se alarga, a do riso diminui. Tornar-se homem é aprender a trabalhar, a se mostrar sério. Mas se o trabalho humaniza a natureza, desumaniza o homem. Pensamento do escritor e diplomata mexicano Octavio Paz (1914-1998). Veja mais aqui e aqui.

ALTERIDADE - [...] As necessidades elevam as coisas, simplesmente dadas, ao nível de valores. Admiravelmente retas e impacientes na sua visada, as necessidades não se concedem múltiplas possibilidades de significação senão para escolher a via única ao ser, não ao celebrá-lo, mas ao trabalhá-lo. [...] O Desejo do Outro, que nós vivemos na mais banal experiência social, é o movimento fundamental, o elã puro, a orientação absoluta, o sentido [...] O Outro que se manifesta no Rosto perpassa, de alguma forma, sua própria essência plástica, como um ser que abrisse a janela onde sua figura, no entanto já se desenhava. Sua presença consiste em se despir da forma que, entrementes, já a manifestava. Sua manifestação é um excedente (surplus) sobre a paralisia inevitável da manifestação. É precisamente isto que nós descrevemos pela fórmula: o Rosto fala. [...]. A passividade pura que precede a liberdade é responsabilidade. Mas a responsabilidade que não deve nada à minha liberdade é minha responsabilidade pela liberdade dos outros. Lá onde eu teria podido permanecer como espectador, eu sou responsável, em outros termos, tomo a palavra [...]. Trechos extraídos da obra O humanismo do outro homem (Vozes, 2009), do filósofo francês Emmanuel Lévinas (1906-1995). Veja mais aqui, aqui e aqui.

PROMETEU & EPIMETEU - [...] E Sofia estava em pé diante do irmão, na pedra extrema do penhasco, o rosto animado pela vibração do mar, transfigurado, e os ventos brincavam com as suas negras madeixas [...] E novamete, após alguns instantes, não lhe bastou isso à temeridade do seu desejo, e então ela se desinteressou do espetáculo do mar agitado e lançou o olhar para a outra margem, que tranqüila e silenciosa, com um ar de felicidade, repousava acima de todo aquele bulício de espumas. Verde e dourada apresentava-se ela, como uma reminiscência numa festa de bodas, como um coração moço pinta o mundo com as tintas de sua própria alegria, e a viração daquela margem era feita de graça, um suave clarão ljhe aureolava a fronte, à volta de seus virgens quadris brilhava um cinto bordado de ricas cores, saturadas de luz. E diferentes eram estas cores das muitas que inundam o mundo inteiro com seu liquido fluxo, escurecidas por um ar espesso, manchadas pelo uso terrestre, exauridas pelo dilatado trajetyo, com olhos vazios de pensamento e semblante doente. Pois estas eram esperemidas dos raios mais puros do sol, condensavam em si suco sobre suco, luzindo com o ardor da brasa, acumulando ousadamente luz sobre luz, zombando alegremente de todo juízo pusilânime; como quando no ar puro do sul o papagaio se balançava na arvore pejada de flores, e como quando a borboleta estende as asas sobre a corola de um lírio, assim em felicidade e delicia irradiava a região magnífica, e iguais ao azul do céu ritilavam o ouro e o verde em sua cintura. E enquanto seu corpo se banhava assim na luz e no deleite, montanhas graves e tranqüilas erguiam-se ao céu a modo de pensamentos, à maneira da intuição, que, do alto de uma alma sublime, contempla meditativa o universo – e nos flancos das montanhas cresciam as florestas mudando de aspecto, e dos cimos numerosos as rochgas se despegavam, se esmigalhavam, rolando incessantemente como areia até às profundezas do mar convulsionado pela tormenta [...]. Trechos extraídos da obra Prometeu & Epimeteu (Delta, 1963), do escritor suíço Carl Spitteler (1845-1924), Prêmio Nobel de Literatura de 1919.

EL DESDICHADOEu sou o tenebroso, - o viúvo, - o inconsolado / príncipe d’Aquitânia, em triste rebeldia: / é morta a minha estrela, - e no meu constelado / ataúde há o negror, o sol da melancolia. / Na noite tumular, em que me hás consolado, / o pausilipo, a Itália, o mar, a onda bravia, / dá-me outra vez, - e dá-me a flor do meu agrado / e a ramada em que a rosa ao pâmpano se alia... / Sou Byron? Lusignan? Febo? O amor? Adivinha! / As faces me esbraseia o beijo da rainha: / cismo e sonho na gruta em que a sereia nada... / Duas vezes o Aqueronte, - é o grande feito meu, - / transpus a modular, nesta lira de Orfeu, / os suspiros da santa e os clamores da fada... Poema do poeta francês Gérard de Nerval (1808-1855).

HOMENAGEM AO TEATRO
[...] Depois de ouvir sua emocionada descrição das dificuldades de uma trupe pobre que não consegue sobreviver no Rio de Janeiro e viaja pelo país afora, apresentando-se onde acha espaço, Laudelina, atriz amadora convidada a integrar a companhia, comenta: “Deve ser uma vida dolorosa!”. A resposta de Frazão é este eloqüente discurso: “Enganas-te, filha. O teatro antigo principiou assim, com Téspis, que viveu no século VI antes de Jesus, e o teatro moderno tem também o seu mambembeiro no divino, no imortal Molière, que o fundou. Basta isso para amenizar na alma de um artista inteligente quanto possa haver de doloroso nesse vagabundear constante. E, a par dos incômodos e contrariedades, há o prazer do imprevisto, o esforço, a luta, a vitória! Se aqui o artista é mal recebido, ali é carinhosamente acolhido. Se aqui não sabe como tirar a mala de um hotel, empenhada para pagamento da hospedagem, mais adiante encontra todas as portas abertas diante de si. Todos os artistas do mambembe, ligados entre si pelas mesmas alegrias e pelo mesmo sofrimento, acabam por formar uma só família, onde, embora às vezes não o pareça, todos se amam uns aos outros, e vive-se, bem ou mal, mas vive-se! [...].
Trecho de cena do Ato I, quadro 1, Cena V de O Mambembe (M&M, 2002), do dramaturgo, escritor e jornalista Artur Azevedo (2855-1908). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

Palestra: Neuroeducação & práticas pedagógicas no ensino-aprendizagem & muito mais na Agenda aqui.
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O doce voo no sangue das andorinhas invisíveis do canavial, A cana do Brasil de Maria Dione Carvalho de Moraes, o pensamento de Padre Antônio Vieira, a música de Silvério Pessoa & Jacinto Silva, o balé de Ekaterina Krysanova, a pintura de Iryna Yermolova, a arte de Arthur Brouthers & a poesia de Vera Salbego aqui.

segunda-feira, março 26, 2018

NIETZSCHE, FRANKL, PIERRE BOULEZ & LYNELLE JAMES, SHIRIN NESHAT, MÁRCIA BARBIERI & IREMAR MARINHO

SHIRIN, HERBERTO & MATRIZ DE CAMARAGIBE – Imagem: Women of Allah, da artista visual iraniana Shirin Neshat. - Passado de anos, quase nem lembrava mais disso. Ruas de sábado do Zé-pereira por Matriz de Camaragibe e um olhar de Shirin Neshat na esquina que passou. Quase nem vi no meu coração tipo escritor da ordem de pagamento dos Transcontos de Herberto. Olhei para trás e revi de relance, a Brasília do pintor Ângelo fazia voltas no meu sequestro, enquanto Gulu ajeitava o braquearo no porta-luvas e prometia goles carnavalescos. No banco de trás, meio que na maior sem graça, eu retomava a ler a injúria daquele que não recebia seus direitos autorais extraviados na burocracia bancária. Tal e qual eu amargava o bolso desendinheirado o meu constrangimento, uma folia a mais ou de menos, não fazia a menor questão. Para me animar, o Ângelo anunciava a chegada de Mauricinho lá de Brasília, a capital distante que nem ousava sonhar, há quanto que nem mais sabia. Ruas, becos, pra lá e pra cá, ao encontrá-lo deu pra farra de Gulu e fomos pro Timbungue com a sua piscina amarelo-mijo, rodadas de cervejas e pinga, tira-gosto de caju, tripa de porco, patas de caranguejo, sururu, e eu perdido com o olhar agora no fim do corredor, o mesmo da esquina que passei. Era sim aquele olhar. Não podia ser, mas era. Eu mais me perdia, música de Stravinsky no pé-do-ouvido, outras de dor-de-corno no coral quase ébrio sacudido pelo maestro agulha nas alturas. Cada qual sua ousadia, apostas de não sei quê, façanhas de trancoso, contos da carochinha, pilhérias e renhenhem. O olhar de antes, sim, aquele mesmo olhar agora num canto recostado flagrava o meu silêncio no meio do fuzuê dos que misturavam frevos de antanho com piadas cabeludas, prometendo mais tarde o desfile da macharia no Bloco das Virgens. Eu convocado pela trupe, dedilhar viola com dedinho de prosa, coisa que valha, não, não queria nada. A cabeça rodava nas rodadas da bebida em busca do olhar vigilante que mudava de lugar vez ou outra, enquanto um batalhão aos goles brindava o vira-vira-virou! A tarde se consumia com arroubos e bafafás. Lá pras tantas, cabeça cheia, álcool na canela esborrando acima das pestanas, mergulho sem saída no fundo da piscina. Não havia mais nada, era o meu abismo deslizando no piso, engolindo mais água do que devia. E duas mãos salvadoras me recolheram da despedida: rente aos meus, os olhos, sim, aqueles olhos embaixo do chuveiro. Era o que nem sei. Nem deu tempo de saber, cantávamos Noite dos Mascarados na boquinha da noite de Matriz de Camaragibe, anos de décadas atrás que se perderam no tempo e na lembrança. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do maestro, pedagogo musical, ensaísta e compositor francês Pierre Boulez (1925-2016): Le Marteau Sans Maitre, Structures I e II, Répons & Anthèmes 2; da pianista estadunidense Lynelle James: Sonata nº 4 Scriabin & Gaspard de La Nuit de Maurice Ravel; & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.

PENSAMENTO DO DIA – [...] Quantos homens sabem observar? E entre os poucos que o sabem – quantos observam a si próprios? Cada um é para si próprio o mais distante. [...] Os mais preocupados hoje indagam: ‘como se conservará o homem?’ Zaratustra foi o primeiro e único que indagou: ‘como se superar o homem?’[...] Isso pergunta e não cessa de perguntar: ‘como poderá o homem conservar-se melhor, mais longamente, mais agradavelmente?’ Com tal pergunta — eles são os senhores de hoje. Superai, meus irmãos, esses senhores de hoje — esses pequenos homens: eles são o maior perigo do super-homem. [...]. Pensamentos extraídos da obra Assim falou Zaratustra: um livro para todos e ninguém (1883-85), do filósofo e poeta alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900). Veja mais aqui.

LOGOTERAPIA - [...] A tese que nos serviu de ponto de partida: Ser homem é ser livre e ser responsável [...] a consciência e a responsabilidade constituem precisamente os dois fatos fundamentais da existência humana. O qual, traduzido numa forma antropológica fundamental, podia expressar-se assim: ser-homem equivale a ser-consciente-e-responsável [...] são os dois aspectos juntos e combinados que oferecem a imagem total e verdadeira do homem [...]. Trecho extraído da obra Psicoanálisis y existencialismo (Fondo de Cultura Económica, 1967), do neurologista e psiquiatra austríaco Viktor Frankl (1905-1997). Veja mais aqui.

O ENTERRO DO LOBO BRANCO – [...] Haverá um tempo em que penetrarei à força pelas extremidades do seu corpo lúcido me embrenharei nas ramificações dos seus vasos sanguíneos forçarei cada minúscula veia até encontrar a de maior calibre introduzirei minhas presas na sua jugular esperarei o sangue jorrar amordaçarei sua boca algemarei sua língua e depois te farei engolir meus pensamentos e quando você imaginar que está tendo uma ideia originalíssima destruirei os espelhos ao redor da sua casa e você descobrirá que o homem não passa de um simulacro pretensioso do monstro e o monstro habita embaixo da sua cama [...] Em poucos segundos minha garganta terá os músculos relaxados a respiração se tornará ruidosa e tomará o ritmo vagaroso dos animais agonizantes a presença dissimulada do estertor da morte meu coração não mais se repartirá entre ventrículo direito e ventrículo esquerdo a aorta não possuirá privilégio sobre as artérias menores meu membro conhecerá a lucidez das coisas flácidas e sem vida minha carapaça romperá com o mesmo vigor que se despedaçam as carapaças dos caranguejos azuis minhas pernas se quebrarão e sem ossos tomarão a forma de nadadeiras e eu poderei experimentar a letargia de mergulhar nas águas das cidades litorâneas enquanto cavalos marinhos copulam ao lado do meu corpo morto [...]. Trecho extraído do romance O enterro do lobo branco (Patuá, 2017), da escritora Márcia Barbieri.

UM POEMACuidado com a bandalheira, as olheiras! O poeta revolve o caldo, o saldo. O poeta mantém o sentimento, o pensamento Contra a máquina que devora as horas, Contra o massacre do homem pelo lobisomem. O poeta é carbonário, panfletário. Cuidado com a cordilheira da Mantiqueira! Cuidado com o Santuário do Rosário! Poema Ofício de advertência, do poeta, jornalista, publicitário e advogado Iremar Marinho. Veja mais abaixo.

ARTE DE SHIRIN NESHAT
A arte da artista visual iraniana Shirin Neshat.


O escritor Vital Corrêa de Araújo faz doação de livros à Biblioteca Fenelon Barreto, a poesia de Iremar Marinho & muito mais na Agenda aqui.
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Vivo & a vida com tudo e todos, o pensamento de Helena Antipoff, a música de Dominguinhos, a escultura de Gutzon Borglum, a pintura de Angel Otero, a fotografia de Roman Pyatkovka & Nayana Andrade aqui.