Imagem: a
arte da artista visual Amanda
Morais.
O TEATRO,
FENELON & O COMEÇO DE TUDO - Foto: os irmãos
Fernando & Luiz Barreto - Tudo começou certa tarde, eu havia passado no
exame de admissão e fui estudar no Ginásio Municipal. Na sexta dessa primeira
semana, aconteceu uma apresentação no palco do ginásio, uma coisa que eu nunca
tinha visto na vida e fiquei enfeitiçado na hora: um drama teatral. Assisti sem
piscar os olhos. Ao terminar, todo mundo saiu e eu corri da aula para a
Biblioteca Fenelon Barreto e instei da professora e bibliotecária Jessiva
Sabino de Oliveira, onde é que eu poderia saber mais sobre o que havia
acontecido no ginásio naquela tarde. Tinha lá eu uns 10 pra 11 anos de idade –
arrepara só, pode um negócio desses? Prum bruguelo fuleiro de peralta eu era
bem folgado, né não? – e ela sempre muito atenciosa me puxou num canto, pegou
um molho de chaves e abriu umas estantes trancadas e remexendo lá por trás duns
volumes bem antigos, me deu uns livros para eu ler: Diálogos do Encenador
(Universitária, 1964), Teoria e prática do teatro (Íris, 19960) e Espetáculos
populares do Nordeste (DESA, 1966), todos do conterrâneo Hermilo Borba Filho. Grudei
os olhos na leitura e fiquei repassando tudo até entender mais ou menos do que
se tratava, queria manjar mesmo do riscado. Depois da lida e relida, toda
semana eu lá no pé dela para me dispor de livros e publicações a respeito do
teatro. Foi aí que fiquei conhecendo bem a coisa, ela nunca me deixou na mão,
sempre com livros e mais livros para saciar minha curiosidade. Por essa época
eu morava no Beco do Capim e me esgueirava pela Rua Nova ou pro Cartório de
manhã – onde eu desenvolvia as atividades de copista e entregador de
correspondências desde os dez anos de idade -, ou pra Biblioteca e, de tarde,
pro Ginásio. Não demorou muito pra topar com um sujeito que dedilhava um violão
com estilo bem peculiar. Eu ficava com os olhos grudados nos acordes,
aprendendo de vista, só ouvindo o povo dizer: Luizinho toca essa! Luizinho toca
aquela! Um dia lá ele deu por minha presença insistente na ouvida de sua
tocada. E aí?, disse ele, Legal, meu, gosto do jeito de você tocar.
Principalmente quando você toca Ambrosina e Mãos de Velho. Ele então me disse:
Ambrosina é uma música minha e Mãos de Velho é um poema do meu pai que eu
musiquei. Quem é teu pai? Fenelon Barreto! Mas é o nome da Biblioteca! Isso
mesmo, é o nome do meu pai. E me mostrou meia dúzia de poemas do pai dele e
umas vinte peças teatrais – na verdade, vinte e uma – todas com capas
desenhadas e manuscritas pelo próprio autor. Rapaz, isso é bom demais! Ele me
deixou lê-las, todas. E me apaixonei de cara por uma cujo título era O náufrago da Mafalda. Anos passando e no
meio das nossas bebemorações com brote, salsicha, pinga e caldo de cana, a
gente foi entabulando coisas, sonhando alto e inventamos encenar uma das peças.
Qual das? Foi um puxa-encolhe danado, eu queria a que mais gostava e ele
arredava o pé em outras, como o Tenente Evaristo, Adoração, O ladrão, outras.
Da arenga findamos por Adoração. Pronto. Aí juntamos gente com experiência,
Dudu & Lea, Givanilton Mendes, Guarino e outros atores que já haviam participado
de peças teatrais do próprio Fenelon, de Lelé Correia e de Miguel Jassely, e
ensaiávamos toda noite no Tribunal do Júri, no Fórum da Comarca, cedido pelo
então Promotor de Justiça, Dr. Laércio Duá de Castro Pacheco – apesar de
menino, eu estava prestigiado que só para conseguir isso com a autoridade local.
Pois bem, muita gente contribuía com experiências, como Odylo Costa, Enoch
Queiroz, Gildásio Santana, Aloisio Freitas, Heitor Vasconcelos, Maurício Melo, e,
por isso mesmo, em quase dois anos, ensaios adiantados, Fernandinho Melo
compondo a trilha sonora comigo, Zé Ripe cuidando dos cenários e figurinos,
Mauricinho Melo, Célio Carneirinho e Ozi dos Palmares acompanhando os ensaios
para me ajudar na empreitada, e eu e Luiz Barreto tentando deixar as coisas
prontas para marcar a estreia. Foi aí que deu chabú! Apareceu irmão que só do
Luizinho, tudo para botar gosto ruim no angu. Resultado: o negócio gorou, todo
mundo chateado, nenhuma autorização e broncas para tudo que é lado. Não tive
dúvidas, barco furado é barco afundado, me tranquei em casa e escrevi meu
próprio texto, juntei atores, a exemplo de Mano Germano, Toínho Du Rego e
outros tantos, ensaiei mais ou menos por um ano e meio, e encenei o que hoje se
chama O Prêmio – o título era outro,
um despropósito: Em busca de um lugar ao sol sob a especulação imobiliária,
hehehehehe, um traste de troço, nada a ver! -, numa festa com todo mundo na
quadra do Colégio Diocesano. Maior ovação! Comungamos todos pelo êxito –
diga-se de passagem, a festa foi ótima, bilheteria tudo, mas quando fizemos o
encontro de contas: 0x0. Deu pra pagar tudo, saldo zero. Estava dado o pontapé!
Depois escrevi e encenei A viagem
noturna do Sol, em Recife, e me danei a escrever outros textos que depois
falo. Pois bem, dez anos depois, lá estou eu às voltas com Luizinho sobre
Fenelon Barreto. É que eu participava do Movimento de Apoio Cultural Edições
Bagaço e queria publicar as poesias e peças teatrais de Fenelon Barreto. Entendimentos
convergindo na boa, até irmos para Gravatá, conversar com o irmão dele Fernando,
para autorizar a publicação. Fomos lá muito bem recebidos pelo poeta, com a sua
simpaticíssima família, conversamos, almoçamos, acertamos e no meio da tarde,
voltamos. Resultado: de tudo acertado não tinha nada certo. Malogrou de novo,
segunda vez. Aí eu parti pra outra, com os parceiros da Bagaço publicamos Teles
Junior, Artur Griz, Manoel Bentevi, Raymundo Alves de Souza, entre outros. Agora,
mais de trinta anos depois, na minha residência voluntária na Biblioteca
Fenelon Barreto, reencontro Luizinho & Fernando Barreto, com familiares. Fiquei
muito feliz por vê-los: Fernando trouxe um quadro com uma pintura de Fenelon e,
o melhor de tudo, o seu próprio livro reunindo crônicas e poemas seus: Asas do
Tempo. Afora a simpatia de suas filhas, virou festa numa simples recepção do
João Paulo, diretor da instituição. Aproveitei a ocasião e eu, Fernando e
Luizinho conversamos um bocado. Propus no meio do papo a possibilidade de
publicar poemas e peças teatrais de Fenelon Barreto, contudo, ainda não foi
dessa vez, mas ficou plantada a semente de novo, os dois ficaram de conversar
não sei quando. Sei que nutro a esperança de um dia ver a obra publicada – pelo
menos uma ou algumas de suas peças, vez que só se conhece de fato, uma meia
dúzia de poemas dele, mais nada. Na vera, dele só o nome da Biblioteca. Mesmo
assim, mantemos firme o estandarte da memória de Fenelon, apostando que um dia
sua obra será liberada e publicada. Vamos em frente aprumando a conversa. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá é dia de
especial com o pianista Nelson Freire interpretando Villa-Lobos, Debussy & Recital; a
pianista japonesa Mitsuko Uchida interpretando Beethoven & Debussy; &
muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte
Cidadã. Para
conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – [...] Estar
com quem se ama e pensar em outra coisa: é assim que tenho os meus melhores
pensamentos, que invento o que é necessário ao meu trabalho. O mesmo sucede com
o texto: ele produz em mim o melhor prazer se consegue fazer-se ouvir
indiretamente; se lendo-o, sou arrastado a levantar muitas vezes a cabeça, a
ouvir outra coisa. Não sou necessariamente cativado pelo texto de prazer; pode
ser um ato ligeiro, complexo, tênue, quase aturdido; movimento bruco de cabeça,
como o deu um pássaro que não ouve nada daquilo que nós escutamos, que escuta
aquilo que nós não ouvimos. [...]. Trecho extraído da obra O prazer do texto (Perspectiva, 1996),
do escritor, sociólogo, filósofo, semiólogo e crítico literário francês, Roland
Barthes (1915-1980), analisando o prazer sensual do texto, tanto por parte
de quem escreve - sem medo de expor seu desejo, sob pena de cair na tagarelice
-, quanto de quem lê (normalmente situado como objeto, ser passivo e sem
defesas frente ao texto, e que aqui é revelado em sua plenitude criativa da
fruição), ao mesmo tempo que descarta a frigidez do texto empolado e político,
evocando ao fio dos argumentos tanto Proust, Flaubert, Stendhal como Sade e
Bataille, ou ainda Lacan e Freud, enfim, apresentando de forma profunda e lúdica um tema fundamental
em semiologia e literatura. Veja mais aqui.
TEORIAS CIENTÍFICAS – [...] todas
as teorias científicas são aproximações da verdadeira natureza da realidade.
[...] cada teoria é válida em relação a
uma certa gama de fenômenos. Para além dessa gama, ela deixa de fornecer uma
descrição satisfatória da natureza, e novas teorias têm que ser encontradas
para substituir a antiga ou, melhor dizendo, para ampliá-la, aperfeiçoando a
abordagem. [...]. Trecho extraído da obra O ponto de mutação: a ciência, a sociologia e a cultura emergente
(Cultrix, 1993), do físico e escritor austríaco Fritjof Capra. Veja mais
aqui e aqui.
PRAZER DOS OLHOS – Sou
o homem mais feliz do mundo, e eis por quê: caminho por uma rua e vejo uma
mulher, não alta, mas bem proporcionada, bem morena, bem nítida em sua roupa,
com uma saia escura plissada que se mexe ao ritmo de seu passo, rápido, por
sinal; suas meias, escuras, estão certamente presas, pois mostram-se
impecavelmente esticadas. Seu rosto não sorri, essa mulher anda na rua sem
buscar agradar, como se não tivesse consciência do que represeta: uma bela
imagem carnal da mulher, uma imagem física, melhor que uma imagem sexy, uma
imagem sexual. Ao cruzar com ela na calçada, um passante não se deixa enganar:
vejo-o voltar-se para trás, dar meia-volta e ir ao seu encalço. Contemplo a
cena. Agora, o homem chegou à altura da mulher, está andando a seu lado e lhe
murmura alguma coisa, certamente as baboseiras habituais: tomar uma cerveja,
etc. Porém, ela ela vira o rosto, aperta o passo, atravessa a rua e desaparece
na esquina seguinte, enquanto o homem vai tentar a sorte em outro lugar. Entro
então num táxi e sonho um pouco a propósito dessa cena tão cotidiana nas
grandes cidades, nãoapenas em Paris. Instintivamente solidarizo-me com a mulher
contra o homem e modifico a cena segundo meus pensamentos do momento; digo-me
que seria formidável se, por uma vez, no desfecho de uma cena desse gênero, a
humilhação trocasse de lado. Tomo algumas notas numa folha de agenda e, quatro
meses mais tarde, vejo-me na rua [...] com
uma câmera, uma equipe técnica de vinte e cinco pessoas e dois atores que
escolhi, um homem louro bem alto, na verdade bonito e forte, e uma mulher que
vocês adivinharam que é morena, bem proporcionada, de saia plissada. E eu
estou ali, no exercício de minha profissão, acerca da qual não permito que
ninguém diga que é inutil ou desinteressante, e dirijo a cena. Peço ao ator
louro que caminhe, passe pela mulher morena, volte-se para ela, faça
meia-volta, vá ao encontro dela e lhe fale ao ouvido. Não escrevi frases para o
homem pois elas não serão ouvidas na cena, seu sentido é subentendido. Agora os
dois atores se aproximam da câmera [...] e a atriz morena [...] investe contra o homem com fgrases que formei
na minha cabeça quatro meses antes de
redigi-las e entregá-las à atriz na noite anterior [...]. Trechos extraídos
da obra O prazer dos olhos – escritos
sobre cinema (Zahar, 2005), do cineasta francês François Truffaut (1932-1984). Veja mais aqui e aqui.
ASSOMBRAÇÃO – Uma noite, ao receber a visita de uma amiga,
lembrei-me de lhe emprestar um romance. Fora a minha leitura da véspera, e eu o
deixara na mesinha de cabeceira. Subi a escada, e entrei no quarto. Curioso.
Alguém acendera a luz... E no entanto, eu estava certa de que ninguém subira.
Caminhei intrigada, pressentindo qualquer acontecimento... Olhei minha cama e
vi nela uma mulher deitada. Uma mulher... morta – ela... estava morta! tinha um
horrível vestido de lantejoulas de todas as cores, a aparecia coberta de joias
baratas. Suando frio, procurando dominar o coração desordenado, cheguei mais
perto. Meu Deus! Aquela face nojentamente pintada era a minha própria face!
Como se alguém fizesse de mim um retrato de degradação... Meu próprio rosto...
mais velho – muito mais velho! – com maqulagem de atriz decadente! Queria
gritar... chamar todos... Não me foi possível. Fiquei fascinada, encarando
aquele meu próprio eu degradado e envelhecido, coberto de joias. De súbito, à
altura do coração, de sob as lantejoulas, principiou a correr um esguicho de
sangue, que ia engrossando, que se tornava maior. Nele, iam submergindo o colo,
os braços, o corpo, a longa saia rutilante de meu terrível “double”. A mulher
estava coberta de sangue, e seu rosto dele se destacava estranhamente branco,
como a face de um pierrô trágico. Então... ah, só então eu consegui gritar.
Voltei correndo... mas, junto da escada, perdi os sentidos. Extraído da obra As noites do morro do encanto (Civilização Brasileira, 1957), da
escritora Dinah Silveira de Queiroz (1911-1982). Veja mais aqui.
AS REALIDADES - (fábula)
- Era uma vez uma realidade / com as suas
ovelhas de lã real / a filha do rei passou por ali / E as ovelhas baliam que
linda que está / a realidade. / Na noite era uma vez / uma realidade que sofria
de insônia / Então chegava a madrinha fada / e realmente levava-a pela mão / a
realidade. / No trono havia uma vez, / um velho rei que se aborrecia / e pela
noite perdia o seu manto / e por rainha puseram-lhe ao lado / a realidade. /
Cauda: a realidade, a realidade / A real a real / idade idade dá a reali / ali /
a re a realidade era uma vez a realidade. Poema do escritor francês Louis
Aragon (1897-1982).
BIBLIOTECA FENELON BARRETO
Oh, visitante ilustre, esta Casa vos saúda,
Numa apoteose cultural,
Espelhando a história e a grandeza deste
povo!
Embriagai-bos, senhores, da fonte da
sabedoria
Buscai a ciência nos seus livros
De cada estante, de cada prateleira
Desta encantadora Biblioteca,
E achareis, então, o conhecimento!
Palmares tem esta Biblioteca
Como um cartão de visita; cabedal científico
De homens e histórias!
Vinde todos desfrutar
Desta fonte do saber!
Poema
extraído da obra Asas do Tempo
(Telegráfica, 2013), do escritor Fernando
Nascimento Barreto. Veja mais poemas do autor aqui.
Veja mais:
No reino
do Fecamepa nada pode dar certo!, A mística feminina de Betty Friedan, a música de Célia Mara, a pintura de Peter Klashorst,
a arte de OsGemeos
& Geopoiesis ASM aqui.
A dança
tangará festeja a pletora do amor, a
Lenda do Itararé, a arte de Robert Gibson & Luciah Lopez aqui.
Alvorada
na Folia Tataritaritatá, Pablo
Neruda, João Ubaldo Ribeiro, Egberto Gismonti, Capiba, Ricardo
Palma, Tsai Ming-liang, Cristiane Campos, Fernanda
Torres, Chen Shiang-Chyi, Revista Germina, Digerson
Araújo, Asta Vonzodas & O cérebro autista aqui.
Amor
imortal na Folia Tataritaritatá, Manuel
Bandeira, Pedro Nava, Carlo Goldoni, Cacá Diégues, Carybé, SpokFrevo Orquestra, Luís Bandeira, Ana Paula Bouzas, Tatiana
Cañas, Carnaval & Claudia Maia aqui.
Jacques
Prévert, A Paz de Ralph M. Lewis, Milton Hatoum, Eric Fischl, Jonathan Larson,
Monica Bellucci, Madhu Maretiore & Sônia Mello aqui.
Fecamepa
& Óleo de Peroba, Educação & Hilton Japiassu, Bresser Pereira & A
psicanálise de Leopold Nosek aqui.
Erro médico & dano estético aqui.
O
ativismo de Rosa Parks aqui.
A
personologia de Henry Murray aqui.
Georg Trakl, Paul Auster, Sarah Kane, Gertrude
Stein, Felix Mendelssohn, Woody Allen, Gil Elvgren, Marion Cotillard & Big
Shit Bôbras aqui.
Ginofagia & as travessuras do desejo na
manhã aqui.
Rio São
Francisco: Velho Chico, Turíbio Santos,
Cláudio Manuel da Costa, Lampião de Isabel Lustosa, Ítala Nandi, Hugo Carvana, Paulette Goddard, Natalia
Goncharova, Música & Saúde aqui.
Simone Weil, Simone de
Beauvoir, Emma Goldman, Clara Lemlich, Clara
Zetkin & Tereza Costa Rego aqui.
O homem ao quadrado de Leon Eliachar aqui.
&
A ARTE DE AMANDA MORAIS
A arte da
artista visual Amanda Morais.