quarta-feira, outubro 04, 2017

CARLOS EDUARDO NOVAES, DAVID HARVEY, NICANDRO NUNES DA COSTA, DAVID SALLE, TRABALHO, CIDADANIA & DESIGUALDADE SOCIAL

DE REPENTE A CRISE - Imagem: arte do pintor, gravador e estilista estadunidense David Salle.- Uma pedra caiu na água, danou-se! Deu-se a crise: não era nem um pedregulho para tanto transtorno alardeado, era só um cascalho, coisinha miúda de provocar pequenas ondas, nadica de nada. Já viu: se é pra manter temores, é só boato de coisa ruim pra enganar tantos bestas que nem eu. Sei não. Já soube? Um touro fugiu do cercado – assim feito um leão furioso que escapuliu da jaula -, crise: não era nem um daqueles que bufam brabeza de se correr pé na bunda levantando poeira, nada, foi só pra testar a carreira, era um garrotinho crescido que vendiam por tragédia anunciada das lendas do arco da velha. Que coisa! Ah, tem mais! Mesmo? Foi. Fulano peidou na esquina, vixe! Pronto, já davam por terremoto ineivado, coisa de matar todo mundo com a fedentina, de se esperar explosões de armagedom. Dizem até que o provocante findou reduzido às cinzas pela combustão humana. Vai-te! Pois é, pras expectativas escatológicas um dia o mundo acaba ou de fogo, ou de água, ou do sei lá o quê, sabem apenas que acaba e fim de papo. Pois é, de nada, manobras e outras escusas práticas engalobadoras dão conta de cabelinho de sapo como se fosse o fim do mundo do estardalhaço. Assim é a crise que tanto falam: basta reduzirem um tiquinho de nada os lucros ou escassearem por instantinho de nada as entradas ou captações dos que querem tudo o tempo todo, logo se instala uma crise de plantão que já dura, pelo menos pra mim, mais de sessenta anos – eu nem era nascido quando falavam de tantas crises disso e daquilo. Qual a da vez? É só passar, entra ano e sai ano, crises e crises, uma atrás da outras, encangadas, quando não enroladas, inventadas, ou fabricadas na puxada do tapete geral, sempre para amarelar o riso da maioria que sonha ter um pouco de estabilidade. Quem mandou? A crise só se justifica para não haver um mínimo de dignidade, só para educação ínfima, saúde precária, segurança pro beleléu, prestação parcas ou nenhuma dos serviços públicos que já faltam, ineficiência, incompetência, enrolação e trambicagem. Vai se vê no apurado, crise mesmo é conversa pra boi dormir – e deixar a população insone. Porque basta um maioral anunciar a dita cuja, o efeito em cadeia nacional é avassalador. Só resta segurar o tombo, envergar de quase torar – segura a onda! -, equilibrista na corda bamba que é feita de areia movediça e ventania de temporal, essa é só a primeira, vem mais, pode esperar, afinal, de golpe em golpe a gente vai aprendendo – peraí, aprender mesmo o quê? -, vai apurando, na marra, às topadas, aos empurrões. Conto outra? Ah, destá. Um dia lá, não sei quando, a gente sai dessa. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especiais com a música do artista e músico Antonio Carlos Nóbrega: Pernambuco falando para o mundo, Lunário perpétuo, Carrossel do destino, O romance de Riobaldo e Diadorim & Meu foguete brasileiro; da violoncelista britânica Caroline Dale interpretando Merlis Hate & Such Sweet Thunder; o músico e compositor estadunidense Lee Ritenour: World of Brazil, West Bound & Night Rythms; e a cantora, compositora, produtora musical e publicitária Rosana Simpson: Cigano, Só, Tela de Cinema & Tanta Agonia. Para conferir é só ligar o som e curtir.

A CONDIÇÃO PÓS-MODERNA - [...] O retrato do pós-modernismo que esbocei até agora parece depender, para ter validade, de um modo particular de experimentar, interpretar e ser no mundo - o que nos leva ao que é, talvez, a mais problemática faceta do pós-modernismo: seus pressupostos psicológicos quanto à personalidade, à motivação e ao comportamento. A preocupação com a fragmentação e instabilidade da linguagem e dos discursos leva diretamente, por exemplo, a certa concepção da personalidade. Encapsulada, essa concepção se concentra na esquizofrenia (não, deve-se enfatizar, em seu sentido clínico estrito), em vez da na alienação e na paranóia (ver o esquema de Hassan). Jameson (1984b) explora esse tema com um efeito bem revelador. Ele usa a descrição de Lacan da esquizofrenia como desordem lingüística, como uma ruptura na cadeia significativa de sentido que cria uma frase simples. Quando essa cadeia se rompe, "temos esquizofrenia na forma de um agregado de significantes distintos e não  relacionados entre si". Se a identidade pessoal é forjada por meio de "certa unificação temporal do passado e do futuro com o presente que tenho diante de mim", e se as frases seguem a mesma trajetória, a incapacidade de unificar passado, presente e futuro na frase assinala uma incapacidade semelhante de "unificar o passado, o presente e o futuro da nossa própria experiência biográfica ou vida psíquica". Isso de fato se enquadra na preocupação pós-moderna com o significante, e não com o significado, com a participação, a performance e o happening, em vez de com um objeto de arte acabado e autoritário, antes com as aparências superficiais do que com as raízes (mais uma vez, ver o esquema de Hassan). [...] pós-modernismo tipicamente descarta essa possibilidade ao concentrar-se nas circunstâncias esquizofrênicas induzidas pela fragmentação e por todas as instabilidades (inclusive as lingüísticas) que nos impedem até mesmo de representar coerentemente, para não falar de conceber estratégias para produzir, algum futuro radicalmente diferente. O modernismo, com efeito, não deixava de ter seus momentos esquizóides - em particular ao tentar combinar o mito com a modernidade heróica -, havendo uma significativa história de "deformação da razão" e de "modernismos reacionários" para sugerir que a circunstância esquizofrênica, embora dominada na maioria das vezes, sempre estava latente no movimento modernista. Não obstante, há boas razões para acreditar que a "alienação do sujeito é deslocada pela fragmentação do sujeito" na estética pós-moderna (Jameson, 1984a, 63). Se, como insistia Marx, o indivíduo alienado é necessário para se buscar o projeto iluminista com uma tenacidade e coerência suficientes para nos trazer algum futuro melhor, a perda do sujeito alienado pareceria impedir a construção consciente de futuros sociais alternativos. [...]. Trechos extraídos da obra A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural (Loyola, 2001), do professor e geógrafo britânico marxista David Harvey, definindo os contornos culturais da 'condição' pós-moderna em seus aspectos estéticos, sociais, literários e filosóficos, observando as mudanças que ocorreram na experiência do espaço e do tempo, como uma conseqüência da atual crise do capitalismo, e não como um sintoma do surgimento de uma sociedade pós-capitalista ou pós-industrial. Veja mais aqui.

FIM DO TRABALHO – [...] A imprescindível eliminação do trabalho assalariado, do trabalho fetichizado e estranhado (alienado) e a criação dos indivíduos livremente associados está indissoluvelmente vinculada à necessidade de eliminar integralmente o capital e o seu sistema de metabolismo social em todas as suas formas. O que, entretanto, não deve impedir um estudo cuidadoso da classe trabalhadora hoje, suas principais metamorfoses. [...] Claro que esta crise é particularizada e singularizada pela forma pela qual essas mudanças econômicas, sociais, políticas e ideológicas afetaram mais ou menos direta e intensamente os diversos países que fazem parte dessa mundialização do capital que é, como se sabe, desigualmente combinada. Para uma análise detalhada do que se passa no movimento operário inglês, italiano, brasileiro ou coreano, o desafio é buscar essa totalização analítica que articulará elementos mais gerais desse quadro, com aspectos da singularidade de cada um desses países. Mas é decisivo perceber-se que há um conjunto abrangente de metamorfoses e mutações que tem afetado a classe trabalhadora, e para a qual é absolutamente prioritário o seu entendimento e desvendamento, para resgatar um projeto de classe capaz de enfrentar esses monumentais desafios presentes no final deste século. [...]. Trechos extraídos da obra Adeus ao trabalho? Ensaio sobre as metamorfoses e a Centralidade do Mundo do Trabalho (Cortez, 2000), do sociólogo, filósofo e professor Ricardo Antunes. Veja mais aqui, aqui e aqui.

DESIGUALDADE E DIREITOS - [...] O grande desafio àqueles cuja matéria é, cotidianamente, lidar com as seqüelas decorrentes do processo de constituição da questão social a partir da lei geral da acumulação: conhecer as muitas faces da questão social no Brasil, das quais a mais perversa é a desigualdade econômica, política, social e cultural a que estão submetidas milhões de pessoas, o que requisita um grande esforço de pesquisa sobre o Brasil. É necessário e imprescindível conhecer profundamente nossa matéria: a questão social brasileira. [...] Falar sobre direitos e sua relação com a totalidade da vida social pressupõe considerar os indivíduos em sua vida cotidiana, espaço-tempo em que as expressões da questão social se efetivam, sobretudo, como violação dos direitos. A vida humana não é a mera reposição aleatória dos indivíduos ou explicitação de uma essência natural, mas expressa, além das respostas às demandas imediatas, vínculos com a produção da vida genérica, vida essa que se caracteriza pelo fato de os indivíduos serem relacionais, diversos e interdependentes. [...] Sabemos que, no desenvolvimento da sociabilidade, um conjunto de contradições e o antagonismo entre as necessidades do capital e as do trabalho frustraram amplamente as promessas de liberdade e de igualdade, bem como a efetivação de uma vida social sem dominação, exploração e opressão. Podemos, assim, afirmar que, no tempo presente, os segmentos do trabalho, ao invés de sujeitos de direitos, são sujeitos da desigualdade, que convivem nos cenários de violência endêmica e de barbárie a que fizemos referência anteriormente. Trechos do artigo Questão social e direitos (ABEPSS, 2006), das professoras Elaine Rossetti Behring e Silvana Mara de Morais dos Santos. Veja mais aqui e aqui.


CAPITALISMO PARA PRINCIPIANTES -  [...] A ideologia domina a sociedade, que por sua vez é difundida pela ideologia burguesa. Diante disso tudo, o mundo torna-se individualista. O que é passado pela ideologia dominante só fica na teoria. As camadas inferiores são consideradas mais solidárias. Portanto, percebe-se que o Capitalismo apesar de todas as crises e reformulações sofridas ainda assim é inviável. Torna os direitos humanos em negócios para garantirem lucros. [...]. Trecho da obra Capitalismo para principiantes (Ática, 1994), do advogado, cronista, romancista e dramaturgo Carlos Eduardo Novaes, com ilustrações do cartunista Vilmar Rodrigues.

QUEM É CATIVO NÃO AMA
Patrão não repara a sina
De quem vive escravizado,
Só lhe interessa o cuidado
De não cair na ruína
Convive com gente fina
Que tem talento e tem fama
Se o empregado reclama
Por viver do amor ausente
Ele responde imprudente
Quem é cativo não ama.
Mote de um pé, criação do grande cantador Nicandro Nunes da Costa (1829-1918).

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A ARTE DE DAVID SALLE
Imagem: arte do pintor, gravador e estilista estadunidense David Salle.