quarta-feira, setembro 20, 2017

OSMAN LINS, HÖLDERLIN, EDWARD SAID, CHAMISSO, BASQUIAT, RAYMOND ELSTAD & BIRITOALDO

MAS O QUE É QUE É ISSO, MINHA GENTE? - Imagem: arte do grafiteiro e artista visual estadunidense Jean-Michel Basquiat (1960-1988) - Jerrynaldo já tinha esse nome antes mesmo de nascer, mas não pegou. Era que a mãe dele, D. Cisaltinha era fã do cantor e queria por que queria que o nome do filho fosse uma homenagem ao ídolo da sua predileção. Já o pai, Inaldão do Inaldo, queria que o seu nome fosse perpetuado na vez do primogênito, não abrindo mão disso de jeito nenhum. Essa a razão pela qual a gravidez fora bastante recheada de animosidades de ambas as partes, passando da conta por empurrões, xingamentos e outros desaforos, a ponto de, no meio da maior arenga, o rebento nascer antes da hora. No meio do deixa disso, o bruguelo saiu calado na confusão, tendo de ser obrigado a abrir o berreiro para dar sinal de vida. De palmadas findou levando uma pisa e passar mais de hora berrando. Infelizmente foi logo enjeitado pela mãe: - Vixe! Isso nem parece ser gente, tem cara do coisa ruim! O pai, deixando por menos, relevou: - Tem nada não, melhor parecer com o satanás, assim será cabra macho feito o pai. E ela: - Pelo jeito, puxou ao pai mesmo! Cagado e cuspido. Só que mais feioso que o genitor que já não era lá grande coisa pela feiúra. Assim o menino foi crescendo, Satanás pra lá e pra cá, dando demonstrações dos seus maus bofes e jus ao seu apelido. Quando aprumou na adolescência, ele já se assinava Jerrynaldo Satanás, partindo prumas escapulidas fortuitas no arrepio da lei: de afanações bestas às deliquências mais arrepiadas, conseguia se safar amealhando trocados e antipatias. Para se limpar, entrou pra polícia noutra cidade, em Ribigudo, e logo, ao cabo de alguns anos, virou sargento, orgulho do pai, coitado, desconhecedor das façanhas delituosas do fardado. Sempre escapava das mãos da justiça porque, brincando de tiro ao alvo em ser vivente passante, sempre acorria aos perdões nos pés do santo de sua devoção: São Benedito. Parecia mais que o santo segurava suas pontas, deixando-o sempre impune. Como restara ileso em tudo, jurou fidelidade ao devotado e virou praticante religioso, a ponto de formar o Terço dos Homens na paróquia de Alagoinhanduba. Toda quinta, ele lá perfilado, Jerrynaldo santificado. Até que um dia lá, dirigindo sua fubica para o encontro religioso das quintas, no meio do caminho o mandú teve um troço, de deixá-lo na mão. E agora? Eis que um mecânico passava assobiando e foi recrutado pela autoridade pra lá de abusiva, intimando-o pro conserto imediato. Como não havia jeito pra pacutia da borreia, deixou tudo acertado com o profissional, enquanto seguia a pé pro compromisso inadiável de sempre. Aprumou e saiu às carreiras, chegando atrasado, mas logo se inteirando dos afazeres, tomando pé da situação no ato. No auge das orações, aparece o mecânico na porta da igreja: - Satamás ta aí? Vixe, foi o maior desembesto, fuga em massa dos presentes. Jerrynaldo botou as mãos à cabeça e dirigiu-se até o visitante, dizendo que o nome dele era Jerrynaldo e coisa e tal, e o cara, Ô Satanás, me desculpe, é que o carro tá embroncado, não tem conserto não, meu nome é Jerrynaldo, sim, Satanás, a coisa tá feia lá, num pega nem com reza forte nem milagre de deus ou do diabo, eu já lhe disse meu nome, não é pra me chamar assim não, ah, tá, desculpe, Satanás, mas o seu bregueço lá pifou de vez. Nessa ia saindo o Doro que estava ali pela primeira vez para angariar alguns votinhos pra sua eleição a vereador, ficou sem entender direito o acontecido, saindo acabrunhado com o ocorrido. Foi, então, que Jerrynaldo interpelou: - Perái, meu amigo, vou com você. Doro olhou pra ele dos pés à cabeça, fitou direito e disse: - Deixa pra lá, já estou muito bem acompanhado sozinho, fique com Deus, ou com o tinhoso, como quiser. E zarpou. Doro deu dois passos e depois pegou carreira com mais de mil, ao dobrar a esquina, quase sem fôlego do esforço despendido, encontrou os outros membros do Terço dos Homens que logo perguntaram: - E aí, você viu que coisa? É sério. Como é que pode? Sei não. E aí, a gente se encontra na próxima quinta? Mas o que é que é isso, minha gente? Deus me livre, se na igreja o coisa ruim já tá dentro, que é que vou fazer lá? Assim num dá preu me eleger vereador de jeito nenhum. Tá doido? Tô fora. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especiais com Sonatas de Debussy e Beethoven & Brandeburg Concert Bach, da violonista e pedagoga Elisa Fukuda; a arte musical do Duo Fênix –  dos pianistas Cláudio Dauelsberg & Délia Fischer; Cuban Guitar 1 e 3 e de Bach aos Beatles, do violonista, compositor e regente da Orquestra de Cuba, Leo Brouwer; e o JazzWoche Burghausen com as canções Dindi de Jobim e Rio de Maio de Ivan Lins, da cantora estadunidense Jane Monheit, com participação de Johnny Mathis & Ivan Lins. Para conferir é só ligar o som e curtir.

PENSAMENTO DO DIA - [...] Mas você, meu amigo, se deseja viver entre os homens, aprenda em primeiro lugar respeitar a sombra – somente então o dinheiro. Mas se quiser viver apenas para si e para o que há de melhor no seu interior, então não precisa de nenhum conselho [...]. Trecho extraído da obra A história maravilhosa de Peter Schlemihl (Estação Liberdade, 2003), do botânico e poeta do romantismo alemão, Adelbert Von Chamisso (1781-1838).

EXÍLIO & EXILADOS – [...] O exílio nos compele estranhamente a pensar sobre ele, mas é terrível de experienciar. Ele é uma fratura incurável entre um ser humano e um lugar natal, entre o eu e seu verdadeiro lar: sua tristeza essencial jamais pode ser superada. E, embora seja verdade que a literatura e a história contêm episódios heróicos, românticos, gloriosos e até triunfais da vida de um exilado, eles não são mais do que esforços para superar a dor mutiladora da separação. As realizações do exílio são permanentemente minadas pela perda de algo deixado para trás para sempre. [...] O exílio, ao contrário do nacionalismo, é fundamentalmente um estado de ser descontínuo. Os exilados estão separados das raízes, da terra natal, do passado. Em geral, não têm exércitos ou Estados, embora estejam com frequência em busca deles. Portanto, os exilados sentem uma necessidade urgente de reconstituir suas vidas rompidas e preferem ver a si mesmos como parte de uma ideologia triunfante ou de um povo restaurado. O ponto crucial é que uma situação de exílio sem essa ideologia triunfante—criada para reagrupar uma história rompida em um novo todo — é praticamente insuportável e impossível no mundo de hoje. Basta ver o destino de judeus, palestinos e armênios. [...] Os exilados olham para os não-exilados com ressentimento. Sentem que eles pertencem a seu meio, ao passo que um exilado está sempre deslocado. Como é nascer num lugar, ficar e viver ali, saber que se pertence a ele, mais ou menos para sempre? [...] Grande parte da vida de um exilado é ocupada em compensar a perda desorientadora, criando um novo mundo para governar. Não surpreende que tantos exilados sejam romancistas, jogadores de xadrez, ativistas políticos e intelectuais. Essas ocupações exigem um investimento mínimo em objetos e dão um grande valor à mobilidade e à perícia. O novo mundo do exilado é logicamente artificial e sua irrealidade se parece com a ficção. [...] O exilado sabe que, num mundo secular e contingente, as pátrias são sempre provisórias. Fronteiras e barreiras, que nos fecham na segurança de um território familiar, também podem se tornar prisões e são, com freqüência, defendidas para além da razão ou da necessidade. O exilado atravessa fronteiras, rompe barreiras do pensamento e da experiência. [...] Para o exilado, os hábitos de vida, expressão ou atividade no novo ambiente ocorrem inevitavelmente contra o pano de fundo da memória dessas coisas em outro ambiente. Assim, ambos os ambientes são vívidos, reais, ocorrem juntos como no contraponto. Há um prazer específico nesse tipo de apreensão, em especial se o exilado está consciente de outras justaposições contrapontísticas que reduzem o julgamento ortodoxo e elevam a simpatia compreensiva. Temos também um sentimento particular de realização ao agir como se estivéssemos em casa em qualquer lugar. Contudo, isso apresenta seus riscos: o hábito da dissimulação é cansativo e desgastante. O exílio jamais se configura como o estado de estar satisfeito, plácido ou seguro. Nas palavras de Wallace Stevens, o exílio é "uma mente de inverno" em que o páthos do verão e do outono, assim como o potencial da primavera, estão por perto, mas são inatingíveis. Talvez essa seja uma outra maneira de dizer que a vida do exilado anda segundo um calendário diferente e é menos sazonal e estabelecida do que a vida em casa. O exílio é a vida levada fora da ordem habitual. É nômade, descentrada, contrapontística, mas, assim que nos acostumamos a ela, sua força desestabilizadora entra em erupção novamente. Trechos extraídos da obra Reflexões sobre o exílio e outros ensaios (Companhia das Letras, 2003), do intelectual, crítico literário e ativista palestino Edward Said.

A PROFISSÃO DO ESCRITOR – [...] Escrever, para mim, é um meio, o único de que disponho, de abrir uma clareira nas trevas que me cercam. Neste sentido é que eu disse, ainda há pouco, escrevo antes de tudo para mim. Sem experiência, decerto, não há conhecimento. Contudo, pelo menos no meu caso, mesmo o conhecimento obtido pela experiência é desordenado e informe. Só o ato de escrever me permite sua ordenação; portanto, escrever se me apresenta como a experiência máxima, a experiência das experiências. Minha salvação, meu esquadro, meu equilíbrio [...]. Trecho extraído da obra Evangelho na taba & outros problemas inculturais brasileiros (Summus, 1977), do escritor e dramaturgo Osman Lins (1924-1978). Veja mais aqui e aqui.

O POEMA CONCISO DE HÖLDERLIN - Porque és tão curto? Já não amas, como noutros / Tempos, o cântico ? Nesse tempo, ainda jovem, / Quando em dias de esperança cantavas, / Nunca encontravas o fim. / Como a minha sorte, assim é minha canção. Queres-te / banhar, feliz, no pôr do Sol? Já passou! E a / Terra é fria e o pássaro da noite sibila, / Incômodo, perante os teus olhos. Poema do poeta lírico e romancista alemão Joham Hölderlin (1770-1843). Veja mais aqui.

PROEZAS DO BIRITOALDO
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A ARTE DE RAYMOND ELSTAD
A arte do fotógrafo estadunidense Raymond Elstad