UM DIA & NUNCA MAIS - Imagem:
arte do pintor e escultor do cubismo francês Georges Braque (1882-1963). - As quatro e quarenta Zé José
levantou-se para cumprir seu ritual matinal. Antecipava-se a todos em rezas e
preces de agradecimento pelas bênçãos e graças alcançadas, às agora pedidas e
às adiadas de dias renovadas em petição reiteradas ao Deus, santos e anjos de
sua devoção. Obrigações cumpridas, hora do asseio pessoal para o café da manhã,
aguentar os resmungos da mulher e a algazarra da filharada. Naquela manhã
estava pensativo, aliás ultimamente andara absorto, desde o dia que a filha
mais velha – aquela a quem dedicara especial atenção, toda afeição do coração,
todo apreço, toda ternura, toda consideração – justo ela, fugira com o filho do
marchante dos maus bofes. Não adiantara nada, contra a sua natureza e vontade,
reprimir com cinturãozadas e tabefes o namorico dela desobediente às suas
ordens, nem as descomposturas no pretenso e insolente Romeu, nada. Sua vida ruíra
desde então, nada mais dera certo. Agora, fitava a gasguita esposa Xantipa com
desprezo, os filhos desalmados ao redor da mesa, com a certeza de todos, mais
cedo ou mais tarde, arribarem pro mundo, desintegrando a família que tanto
promovera unida debaixo de suas asas. Nada mais, pra ele. Nem adiantava mais
colheradas de açúcar, o café seria amargo pra sempre na sua amargura, prevendo
o abandono. A vida minguara como os clientes e serviços, ir pro trabalho sempre
fora um prazer, agora não mais. Pelo menos, ali ficaria ruminando o que seria
dele dali pra diante. Sonhava, revia o passado, buscava alegrias e satisfações,
devia ter precavido: tudo findaria mesmo no desastre. Não conseguia esquecer o
fracasso, até que, pelas quatro e quarenta, o Sol arriando a insossa tarde pra
noite insípida e inquietante, ele baixar as portas, fechando a bodega, para, na
maior má vontade, voltar pro seu suplício. Logo encontraria a mulher aos
berros, como sempre, ela nunca o entendeu, não seria agora que pararia de lhe
arrancar o couro; os filhos logo pediriam dinheiro pras coisas fúteis, ele teria
que se virar no Tesouro Nacional para suprir tanto peditório, mais esdrúxulos
que os de antes. Vida mais sem graça a sua, ponderava. Nem via saída, jamais
teria sossego, nunca teve, não seria agora. Naquela tarde resolveu: não mais. Não
voltou pra casa, ninguém sabe o seu paradeiro. © Luiz Alberto Machado.
Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO
TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá
especiais com Dueling guitars August Rush & Chuco Merchan Live Montreaux do
guitarrista Heitor Pereira; Canta mais & Tocar na banda
da cantora da Vanguarda Paulista, Vânia
Bastos;
On the loose & Little blues do gaitista e compositor Flávio
Guimarães;
Empate, Esse meu rio, Brinquei de inventar o mundo & Quantum da cantora e
compositora Jozi Lucka. Para conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – Hoje é um dia muito especial. Mais um grande
ato em prol da cidadania. Depois de Tiradentes, Zumbi, Nossa Senhora da
Aparecida... Finalmente, hoje, foi homologado o Dia Nacional do Ator da Globo.
Não sei se vocês sabem, mas isso é baseado num estudo da UFRJ que diz que
cidadania é como o ator da Globo é tratado num restaurante... numa loja... nas
ruas... Trecho extraído da peça teatral Dinheiro
grátis (2006), texto e atuação do poeta, diretor teatral, autor, ator,
performer e apresentador de televisão, Michel
Melamed.
A EDUCAÇÃO DE CONY: [...] Não vejo alternativas, pois sou um
pessimista nato. Mas tenho na cabeça algumas opções para o país, todas
utópicas, como, por exemplo, um intenso investimento em educação. Com uma
advertência: educação não é ensino. Quando se pensa em educação no Brasil, só
se pensa em sala de aula, em ensinar os afluentes do Amazonas, os pronomes
oblíquos, as capitais da Europa. Não pode ser só isso. É preciso educação
integral, aquela em que o aluno come, toma banho, aprende a escovar os dentes e
tudo o mais na escola. Os professores passam dever de casa. Metade dos
estudantes não tem nem casa para fazer o tal dever. É preciso que as crianças
aprendam a ter uma visão do mundo, do próximo, da cidadania. O Brasil está
muito longe dessa educação, preferindo gastar rios de dinheiro com o ensino,
que, sozinho, não leva ninguém para a frente. [...] Mas eu sou um subdesenvolvido. Como eu, há um Brasil todo que prefere
viver na ilusão de palavras de ordem de “fazer um Brasil para nossos netos”,
sem qualquer ação real. Nessa minha utopia louca, o Brasil deveria jogar 80% do
seu orçamento em educação (não em ensino, repare bem). Certo, teríamos uma
geração sem confortos, que viveria parte de sua existência como anacoretas, mas
o país teria assim um futuro. Trechos de uma entrevista concedida pelo escritor,
jornalista e membro da Academia Brasileira de Letras, Carlos Heitor Cony,
ao jornalista Carlos Haag, na revista Cult (março, 2006), sob o título “O pessimista sem cura ainda ri do mundo”.
Veja mais aqui.
FOME & DESNUTRIÇÃO – [...]
A extinção da pobreza é, portanto um
desafio do desenvolvimento do país, enquanto marginaliza pessoas e grupo,
privando-os dos frutos do progresso gerados por todos, mas usufruído por um
pequeno grupo. [...] Cremos haver um
fim para a desnutrição. Esse fim pode ser atingido através de nossos próprios
esforços, no sentido de concreta formulação de políticas alimentares e
nutricionais que significam muito mais que simples declaração conceitual. As
suas diretrizes devem influir em pontos estratégicos da distribuição de renda,
da agropecuária, do abastecimento, da defesa do consumidor e das ações de saúde
que possam elastecer o consumo e otimizar o aproveitamento biológico dos
alimentos. Daí o relevante papel que compete ao setor saúde. [...]. Finalmente, é necessário insistir na ideia
de que a tecnologia médica, embora essencial, não é suficiente para produzir a
saúde integral a que aspiramos e que a nutrição adequada é um requisito
indispensável à saúde. [...]; Trechos extraídos da obra Alimentação e nutrição no Brasil. Percepção
do passado para transformação do presente (IMIP, 2008), do médico e
professor universitário Bertoldo Kruse
Grande de Arruda. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.
HISTÓRIAS PARADOXAIS - [...]
Estou escrevendo
com a mão esquerda, embora seja completamente destro. Fui operado do ombro
direito há um mês e atualmente não devo, não consigo usar o braço direito.
Escrevo devagar, desajeitado - mas com maior facilidade e naturalidade conforme
passam os dias. Estou me adaptando, aprendendo ao longo desse tempo - não
apenas a escrever, mas a fazer uma dúzia de outras coisas com a mão esquerda;
também me tornei muito hábil, capaz de apanhar coisas com os dedos dos pés para
compensar o braço na tipóia. Fiquei sem firmeza por uns dias logo que o braço
foi imobilizado, mas agora já ando de outra maneira, descobri um novo
equilíbrio. Estou desenvolvendo novos padrões e hábitos... uma identidade
diferente, pode-se dizer, pelo menos nesta esfera específica. Devem estar
ocorrendo mudanças em alguns programas e circuitos do meu cérebro - alterando
cargas sinápticas, conexões e sinais (embora nossos métodos de obtenção de
imagens cerebrais ainda sejam muito precários para mostrá-las). Apesar de
algumas das minhas adaptações serem deliberadas, planejadas, e outras
aprendidas por tentativa e erro (na primeira semana machuquei todos os dedos da
mão esquerda), a maioria aconteceu por conta própria, inconscientemente, por
intermédio de reprogramações e adaptações das quais nada sei (não mais do que
sei, ou posso saber, por exemplo, sobre minha maneira normal de andar). No
próximo mês, se tudo correr bem, posso começar a me readaptar uma vez mais,
recuperar o uso integral (e ―natural) do meu braço direito, reincorporá-lo a
minha imagem corporal, à imagem de mim mesmo, para me tornar novamente um ser
humano ágil e destro. [...] Esse sentido da
notável maleabilidade do cérebro, sua capacidade para as mais impressionantes
adaptações, para não falar nas circunstâncias especiais (e freqüentemente
desesperadas) de acidentes neurológicos ou sensórios, acabou dominando minha
percepção dos pacientes e de suas vidas. De tal forma, na realidade, que por
vezes sou levado a pensar se não seria necessário redefinir os conceitos de
―saúde e ―doença, para vê-los em termos da capacidade do organismo de criar uma
nova organização e ordem, adequada a sua disposição especial e modificada e a suas
necessidades, mais do que em termos de uma ―norma‖ rigidamente definida. A enfermidade implica
uma contração da vida, mas tais contrações não precisam ocorrer. Ao que me
parece, quase todos os meus pacientes, quaisquer que sejam os seus problemas,
buscam a vida - e não apenas a despeito de suas condições, mas por causa delas
e até mesmo com sua ajuda. [...] A ciência é uma
grande coisa quando está a nossa disposição; no seu verdadeiro sentido, é uma
das palavras mais formidáveis do mundo. Mas o que pretendem esses homens, em
nove entre dez casos, ao pronunciá-la hoje? Ao dizer que a detecção é uma
ciência? Ao dizer que a criminologia é uma ciência? Pretendem colocar-se no
exterior de um homem e estudá-lo como se fosse um inseto gigante, sob o que
chamariam luz severa e imparcial - e que eu chamaria morta e desumanizada.
Pretendem distanciar-se dele, como se ele fosse um remoto monstro
pré-histórico, e fitar a forma de seu ―crânio criminoso como se fosse uma
espécie de sinistra excrescência, como o chifre de um rinoceronte. Quando o
cientista fala de um tipo, nunca está se referindo a si mesmo, mas a seu
vizinho, provavelmente mais pobre. Não nego que a luz severa possa ser benéfica
às vezes, embora, em certo sentido, ela seja o oposto da ciência. Longe de converter-se
em conhecimento, ela é a supressão do que sabemos. É tratar um amigo como
estranho e fazer com que algo familiar pareça remoto e misterioso. É como dizer
que o homem carrega uma probóscide entre os olhos e que cai num estado de
insensibilidade a cada 24 horas. Bem, o que você chama de ―segredo‖ é exatamente o contrário. Não tento me
colocar do lado de fora do homem. Tento me colocar no seu interior. [...] Com isso em mente, tirei meu guarda-pó branco
e desertei, em grande parte, dos hospitais onde passei os últimos 25 anos, para
pesquisar a vida de meus pacientes no mundo real, sentindo-me em parte como um
naturalista que examina formas raras de vida, em parte como um antropólogo, um
neuroantropólogo, em trabalho de campo - mas sobretudo como um médico, chamado
aqui e acolá para fazer visitas a domicílio, visitas às fronteiras distantes da
experiência humana. Estas são, portanto, histórias de metamorfoses
possibilitadas pelo acaso neurológico, mas metamorfoses em estados alternativos
do ser, outras formas de vida, não menos humanas pelo fato de serem tão
diferentes. [...] Trechos extraídos da obra Um antropólogo em marte: Sete histórias
paradoxais (Companhia das Letras, 1995), do
neurologista, escritor, professor e químico britânico, Oliver Sacks (1933-2015), baseado em sete estudos de caso do
autor sobre indivíduos com condições neurológicas consideradas paradoxais para
com suas atividades, e como essas condições podem levar a um estado de
desenvolvimento pessoal e/ou profissional. Veja mais aqui.
O TEMPO ALÉM E AQUÉM – Há um tempo por vir (é o porvir) / e um
tempo de outra hora (é o outrora) / mas (entre esses dos tempos) há o hoje /
(que já foi amanhã) tempo que foge / para trás (para o ontem) porque o alcança
/ tanto a recordação (como a lembrança) / ou seja (o sonho que antecede o
tempo) / e o sono (que devolve o esquecimento) / por isso o tempo é um só (cada
manhã / eu vejo o ontem o hoje e o amanhã). Poema XVII - O tempo além e aquém, do Canto Décimo – A reinvenção do mito,
extraído da obra Sísifo (Quíron/MEC, 1976), do poeta Marcus Accioly. Veja mais aqui.
ADMMAURO GOMES: PROFESSOR DE
LITERATURA
Veja
mais:
A arte
musical de Jozi Lucka aqui.
&
I SEMINÁRIO FENOMENOLOGIA E PSICOLOGIA: UMA
VISÃO HEIDGGERIANA
Centro de
Convenções de Pernambuco – Auditório do Brum, 17 e 18 novembro de 2017.
Realização Ecxistir. Veja detalhes aqui.
A ARTE DE GEORGES BRAQUE
Imagem: arte do pintor e escultor do cubismo
francês Georges Braque (1882-1963).
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