quarta-feira, agosto 23, 2017

A MULHER & BOM PASTOR, JEAN DE LÉRY, BARDAWIL, GALBRAITH, DESIGUALDADE, PICA-PAU & ARRELIQUE DE OZI

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ARRELIQUE - Arrelique é coisa de menino, dona Judith, de menino levado da breca que sai bandoleiro todo assanhado de braço em braço, manhoso, faceiro, fogoso reinão, como quem vai ali volta já, só pra levar tição pra quem vem buscar fogo – tição apagado é agouro no trajeto, valha-me! Ô dona Judith, esse menino é danado mesmo! Inda bem que tem partes do bem, vixe! E livre da gente as coisas mandadas rente afiadas que nem peixeira amolada no toitiço da bronca lá nela, xô pra lá, pendura as figas no sino saimão pra volta no pescoço não deixar levar forquilha nem cair de coisa sinistra! Deus nos abençoe, amém! Olha lá, dona Judith, a pancada do mar lá longe atrás da mata, não sou de ficar no meio do caminho nem deixo nada pra amanhã, pago quando voltar da feira! Cadê seu menino, dona Judith? Ah, tai, né? Vamos ouvir o Ozi, esse cantor dos cantados que a gente gosta de cantar, ele canta arrelique, coisa que é do bem e que é bom de dançar. Isso é que é rastapé! Arrelique é relíquia, dona Judith, daquelas que dá vontade de cair na função dos pregões mnemônicos, como é que é, o que tem na bisaca, arrevira o caçuá, adivinha só, cheio das nove horas, vixe que coisa! Vale o refrão: quem é de dentro, dentro; quem é de fora, fora; Bão balalão, segura o pencó! Vixe, que deram nó & viva São João! Assim vai gastar o solado até esfolar os cambitos! Ozi, seu menino, afine mais um tantinho que as coisas tão abrindo agora, inda vem gente de longe, chega já, de Catende e Roçadinho! Vem gente de Pirangi e de Serro Azul, vem gente de Ribigudo e até de Paul, e de Japaranduba e Riacho dos Cachorros, de Cucaú e doutros morros, de Rio Formoso e de Barreiros, de Maraial e das bandas dos cruzeiros e de outros arraiais. É gente até de um olho só, é gente como a praga! Segure o toque, o trupé! Depois me diga como é que é, viu? Hoje a gente naufraga na beira do rio, se salva só no pencó, só quem vê, só quem viu! Vamos brincar no terreiro, vambora! E que hora já é? Oxe, é cedo, inda tem tempo, dê fé! Aprume a loa, coisa de estruir com vadiagem à-toa, brejeiro, coisa boa, todo mundo é pariceiro na trincheira no meio das ladainhas, da garoa, chuva fininha, pé no chão e cabeça no vento, dê meia volta, tome tento, cuidado, coice de jumento, fique assuntado, feito cabra isqueiro de chifre que não nega serviço, acha o que deu sumiço, moral de bigode no pagamento! Amanhã não tem mais, fica o sentimento! Hoje é noite de sonho, viva SantAntonho! Arriba que é festa, a noite é dela que sou guardião de moça donzela e, desculpe da má palavra, sou poeta da lavra que cuida de mulher que perdeu seus três vinténs, a que não é de ninguém e que dou abrigo, não bula comigo que sou valente que nem patrulha! Comigo é cisco ou fagulha, não tem geringonça! Chamo até na responsa, venha quem vier! Que é que isso, menino, qual é? Parece mais uma onça, ora! S’ajeite, seu Ozi, cante mais e direito, bote quente aí, balanço de eito! Chega de beberes e perambulagens, basta de nhem nhem nhem, camaradagens e gente de carinha n’água! O negócio tá bom, mas pode melhorar! Ajeita os teréns e as folgagens, magote de frouxo! Tenha modos de gente, danado, já vem cheio de gás, todo afoito rapaz, vai levar é acocho! S’assunte, segura aí, isso é festa de família, peraí, bata com o pé na boca que a mão não chega, seu fí duma égua! Quem não sabe lamber, não sabe vencer! Caranguejo no atá, quer brincar! Ou vamos arrochar no dancê, ou puxa no xote a dançar! Vamos louvar os que foram de pés juntos, os que não vão pra frente nem pra trás e os aluados que a folhinha não marca! Vamos organizar a coisa de novo: quem é de dentro, fica; quem é de fora, simbora! Olé, dona Judith, olá, seu Ozi, bata sua viola com calma e conte a história, a noite bate na alma, a saudade dói na memória, a madrugada se indo e é quase dia lá fora. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

TARI, TARI, TARI, TA-TÁ!
Joaninha a filha mais nova
De Gregório cabra danado
Que quando fica zangado
Leva 1, 2, 3, pra cova,
Eu quis tirar essa prova
Lhe chamei pra namorar
Ela disse vou aceitar
Mais tenho quase certeza
Que meu pai vai te matar
Fiz uma festa daquela
Embriaguei o pai dela
Me agarrei com a dozela
E tari, tari, tari, ta-tá!
No engenho Catatal
Morava lá três donzelas
Que para perdição delas
Conheceram o Pica-Pau
Foi tempo de carnaval
Por isso fomos pular
Passamos o dia a brincar
As três donzelas e eu
Mas quando anoiteceu
Tari, tari, tari, ta-tá!
Poema extraído do livro Feito d’versos (Outras Palavras, 1995), do poeta popular José Maria Sales Pica-Pau, autor dos livros Sussurros da Mata (Bagaço, 1986), Num rio de poesias (Universitária (1987), entre outros. Veja mais aqui e aqui.

LONGÍNQUA VIAGEM À TERRA DO BRASIL – Como alguns cosmógrafos e historiadores do nosso tempo já escreveram acerca das dimensões, formosura e fertilidade desta quarta parte do mundo, chamada América ou terra do Brasil, bem como a respeito das ilhas e terras adjacentes, inteiramente desconhecidas dos antigos, e das várias navegações que para aí se fizeram nestes primeiros oitenta anos decorridos desde o seu descobrimento, não me deterei nessas generalidades; minha intenção e meu objetivo serão apenas contar o que pratiquei, vi, ouvi e observei, quer no mar, na ida e na volta, quer entre os selvagens americanos com os quais convivi durante mais ou menos um ano. E a fim de que tudo se torne bem compreensível a todos, a começar pelo motivo que nos levou a empreender tão penosa e longínqua viagem, direi em poucas palavras como se originou ela. [...] livre já agora de tantos perigos, posso dizer como essa santa mulher que foi mãe de Samuel, que é o Eterno quem faz viver e morrer, descer à tumba e surgir dela. Isso me parece tão claro quanto o homem viver aqui na terra apenas o dia de hoje. Aliás, se coubesse dentro desta narrativa, diria ainda que Deus, na sua infinita bondade, me salvou de muitas outras angustias. [...]. Trechos extraídos da obra Viagem à terra do Brasil (Itatiaia, 2007), do escritor e missionário francês Jean de Léry (1536-1613). Veja mais aqui.

A ERA DA INCERTEZA - [...] A verdade da qual os homens procuram fugir ali é a de que o nosso pequeno planeta não pode sobreviver a uma permuta de bombardeios nucleares; que um conflito armado para apoiar as paixões nacionalistas ou divergências ideológicas é soturnamente definitivo [...] Ainda não chegamos a enfrentar essa realidade. Se nos perguntarem se queremos que a vida continue para os nossos filhos e netos, respondemos que sim. Quando nos perguntam a respeito de uma guerra nuclear, que é a maior ameaça pairando sobre essa vida, normalmente afugentamos esse pensamento de nossa mente. [...] Ninguém deve aceitar placidamente a evasiva fácil de que a decisão não cabe a nós. [...] Numa era em que tanta coisa é incerta, existe uma grande certeza: essa verdade, devemos enfrentar. Trechos extraídos da obra A era da incerteza (Pioneira, 1982), do filosofo, economista liberal e escritor estadunidense John Kenneth Galbraith (1908-2006).

RECONSTRUINDO A VIDA DE VOLTA PRA CASA - [...] Ao receber as mulheres que cumpriram sua pena, a sociedade ainda encara como pessoas perigosas, potencialmente capazes de cometerem os mesmos delitos. Muitas vezes é essa situação de desconfiança e intolerância que faz com que as mulheres retornem ao mundo do crime, por falta de credibilidade e oportunidade. [...] É preciso que ocorra uma mudança de pensamento em relação às pessoas condenadas nesse país. Ao cumprirem suas penas e obrigações, estando livres (ou deveriam estar), de qualquer julgamento social. Elas já não devem mais nada à sociedade. Desta forma, possuem o direito de serem respeitadas como qualquer outro cidadão. O Estado deve garantir que sua inserção na sociedade seja estruturada nos pilares dos valores que regem o sistema capitalista: o trabalho como principal deles, deve ser garantido a fim de se garantia a manutenção de sua sobrevivência, e assim evitar que os egressos caiam novamente no mundo do crime. A saúde e a assistência também são condições básicas que devem ser garantidos [...]. Trecho do estudo A mulher encarcerada, de Ítala Rodrigues e Vanessa Belmiro, extraído da obra O Bom Pastor: as histórias e os afetos (Instituto Brasileiro Pró-Cidadania, 2012), organizado por Karina Vasconcelos. Veja mais aqui e aqui.

A VIOLÊNCIA DA DESIGUALDADE - A humanidade está cheia de desigualdades. São desigualdades entre homens e mulheres, desigualdades entre brancos, negros, amarelos e avermelhados. Desigualdades entre camponeses e empresários, entre pobres e ricos, entre pessoas jovens e idosas. Desigualdades entre homossexuais e heterossexuais. As desigualdades estão por toda parte: nos países, nas nações e nas comunidades. Elas aparecem nos contos de fada, nos livros científicos, nas discussões políticas das associações de bairros e dos governos. – Mas de onde vêm as desigualdades? Da natureza ou da sociedade? As desigualdades entre as pessoas contam uma história muito antiga e variada. Elas se formam no processo de organização das sociedades, isto é, nas relações entre os seres humanos. Portanto, as desigualdades não vêm da natureza, mas, sim, da cultura. Elas são tão comuns quanto tristes! Hoje todas as desigualdades, ou cada uma delas, especificamente, são identificadas como a principal fonte de violência. A maioria das sociedades quer se livrar das desigualdades. Enfrentá-las, em qualquer lugar onde apareçam, é tarefa de todos os brasileiros e brasileiras [...]. Trecho extraído da obra Mulheres construindo a igualdade – Caderno Etnicorracial (Secretaria da Mulher de Pernambuco, 2011), organizado por Celma Tavares, Cristina Maria Buarque, Fernanda Meira, Lady Selma Albernaz, Raiza Cavalcanti, Rosangela Souza e Rosário Silva. Veja mais aqui.

A CRIAÇÃO ARTÍSTICA - [...] Quem cria instaura o inusitado, desestabiliza o previamente organizado, em si e por si. Configura novos territórios, terra firme em meio a mar revolto, tempo breve de repasto, estabilidade provisória que possibilita alguma respiração, até que ocorra nova desterritorialização. Trecho de Por um estado de invenção, da coreógrafa e profissional do teatro e da dança contemporânea, Andréa Bardawil, extraído da obra Temas para a dança brasileira (Sesc, 2010), organizada por Sigrid Nora.

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