quinta-feira, novembro 19, 2015

ARIANO, CASCUDO, LITERATURA DE CORDEL & TATARITARITATÁ!!!

VAMOS APRUMAR A CONVERSA & TATARITARITATÁ – Desde menino da beira do rio que sempre apreciei embolada, repente e cantoria. Não havia esquina em que não encontrasse dois violeiros, viola de dez cordas ao ombro, pronto para glosar qualquer mote. Quando não, uma dupla de pandeiro puxando o coco: Embolar coco é assim, se a gente perde o começo não sabe onde é o fim. Meu pai que era um sonetista de mão cheia e admirador da cultura popular, sempre provocava um ou outro cantador para destrinchar uns motes, dizendo inclusive como queria o desenrolado, se martelo agalopado, se galope, mourão, ou desafio que fosse, findando até um esculachando o outro, dos dois quase brigarem na vera e saírem no braço. Tudo só pra risadagem. Eu mesmo vira muitas vezes quase todo dia, uma velha senhora sentada num batente da igreja da matriz, berrando: Tem quatro coisas no mundo que não ensino a ninguém: é nadar num rio cheio, correr na frente de um trem, é amar quem não lhe ama, esperar por quem não vem! Tanto gostava disso que fui aprender as mais diversas formas, quadrão, galope à beira-mar, décima, sextilhas, oitava antiga ou obra de oito, dez de queixo caído, oitavão rebatido, oitava corrida, ligeira, desmancha ou décima corrida, língua d’angola, coqueiro da Bahia, dez de adivinhação, louvação, trava-língua, rojão pernambucano (Quando eu ia ela voltava, quando eu voltava ela ia), colecionando cordel de todo tipo, desde o Pavão Mysterioso até os que apareciam na hora que a gente gravava no que podia. Meu pai tinha disco de quanto fosse de cantoria, até do Daniel Cavalcanti com o seu In riba do grande hoté Boa Viagem a coisa é mermo que queijo. Ou Manuel Bentevi parando todo movimento do estado, só funciona o Recife se eu quiser. A gente se deliciava curtindo o poder de improvisação dos aedos e rapsodos da hora, inclusive alguns bem picantes, como o que descobri em um dos livros de Hermilo Borba Filho: Adão foi feito de barro / e Eva de uma costela / trepado por cima dela / fez o primeiro pecado. / Depois com grande constrangimento / tirou a rola de dentro, / ficou assim mesmo nu / deu-lhe uma câimbra no cu / diz o velho testamento. A experiência de adaptar a peça teatral João sem Terra, de Hermilo, me fez incursionar de forma mais aprofundada pela Literatura de Cordel. Não deu certo, requeria pressa por causa da data de estreia do espetáculo e eu não tinha essa perícia toda, tanto que incumbi Gilberto Melo, poeta dos bons, a fazer a poesia com o desafio entre João Sem Terra e o Pai da Mata. Ficou um primor e foi um dos pontos altos da minha adaptação. Até que depois encarei seriamente a reestudar a métrica e cometi o cordel Tataritaritatá, com a pretensão de fazer um martelo agalopado. Como quase não tinha fôlego para tal, fechei com uma martelada porque o ultimo verso ficou de pé quebrado. Depois de publicado o cordel foi que corrigi e fechei as dez estrofes com dez versos cada e dez sílabas cada verso. Uma prova e tanto. Ufa! Haja trabalhada. Foi quando passei a ministrar uma oficina de Literatura de Cordel, abordando sobre a história e a origem da literatura popular, os tipos de poesia, a métrica, entre outros assuntos. Apreciador e estudioso me mantenho até hoje, tendo já destacado grandes clássicos do cordel nordestino aqui no blog, hoje fazendo toda essa festa no dia do cordelista! E veja mais aqui.
Imagem Nu, do xilogravurista, pintor, desenhista e poeta Ciro Fernandes.


Curtindo o livro/cd Tramas do Sagrado: a poética do sertão de Elomar (Vinte Leste, 2007), de Simone Guerreiro, reunindo a poesia e a música do cantor e compositor Elomar Figueira de Mello acompanhado da Camerata Kaleidoscópio.

CANTADORES – O livro Cantadores: poesia e linguagem do sertão cearense (Cátedra, 1978), do escritor, professor, advogado, jornalista e historiador Leonardo Mota (1891-1948), reúne os mais diversos cantadores nordestinos, a exemplo do Cego Sinfronio, Jacó Passarinho, Azulão, Cego Aderaldo, Luís Dantas Quesado, Serrador, João Mendes de Oliveira – O Cantador de Juazeiro e Anselmo, bem como variantes da Literatura de Cordel, quadrinhas, a grafia de cantadores, elucidário e do sertão. Da obra destaco o trecho: Cantadores são os poetas populares que perambulam pelos sertões, cantando versos próprios e alheios; mormente os que não desdenham ou temem o desafio, peleja intelectual em que, perante o auditório ordinariamente numeroso, são postos em evidencia os dotes de improvisação de dois ou mais vates matutos. Os gêneros poéticos de que comumente se socorrem os cantadores são as obras de seis, sete ou oito pés, o moirão, o martelo, a obra de nove por seis, a ligeira, o quadrão, o gabinete, o galope, a embolada e os dez pés em quadrão. [...] Todos esses diferentes gêneros e estrofes são cantadas em toadas especiais, que evitam se tornem monótonas as justas poéticas dos rapsodos sertanejos. No desafio é que se solidam as reputações dos bardos populares. Todo cantador deve ser repentista: nem merece esse nome quem não é adestrado nas improvisações. Não é a quadra amorosa ou grácil o que mais frequentemente cai dos lábios de inculto menestrel: é a sextilha petulante ou chistosa dos longos e sensacionais desafios. [...] Morosamente embora, a civilização tem penetrado as terras interiores, matando paulatinamente as velhas tradições que tanto encantaram os comentadores de nova vida primitiva. Veja mais aqui, aqui e aqui.

VAQUEIROS E CANTADORES – O livro Vaqueiros e cantadores (1939 - Itatiaia/EdUsp, 1984), do historiador, antropólogo, advogado e jornalista Luís da Câmara Cascudo (1898-1986), trata sobre os nativos da poesia tradicional sertaneja, modelos do verso sertanejo, poesia mnemônica e tradicional, romances, pé-quebrado, os A.B.C., pelo-sinais e orações, ciclo do gado, vaquejadas e apartações, gesta de animais, o cantor, modelos de louvação, ciclo social, Padre Cicero, louvor e deslouvor das damas, o negro dos desafios do Nordeste, o cangaceiro, a cantoria, o desafio, documentário e uma reunião dos principais vaqueiros e cantadores nordestinos. Da obra destaco o trecho: A poesia tradicional sertaneja tem seus melhores e maiores motivos no ciclo do gado e no ciclo heroico dos cangaceiros. O primeiro compreende as gestas dos bois que se perderam anos e anos nas serras e capoeirões e lograram escapar aos golpes dos vaqueiros. A noticia de um animal arisco, veloz, fugindo aos melhores vaqueiros, corre de fazenda em fazenda e é comentada nas apartações. A lenda vai aparecendo. Um dia o dono resolve mandar dar campo, custe o que custar, ao boi rebelde. Juntam-se vaqueiros, prepara-se comida para todos, saem para o mato. Desta ou doutra vez, o boi é derrubado, trazido, com máscara ou peado, para humildade no curral. Incapaz de submeter-se à vida comum dos outros, abatem-no. Um cantador forja os versos. É o boi Surubim, o boi Barroso, o boi da Mão de Pau, o boi Espácio, a vaca Burel, a besta da serra de Joana Gomes. As onças preadoras de bodes, cabras e ovelhas, merecem também as honras de uma história detalhada. A onça do Cruxatu, do Sitiá são famosas. Outros animais têm sua crônica. O bode dos Grossos, um veado velocíssimo, um cavalo corredor excepcional ficam registrados no armorial da memoria sertaneja. Esses versos são espelhos da mentalidade do sertão. O cantador é a defesa única mas completa e continua do animal perseguido. Os lances de coragem, as arrancadas doidas, os saltos magníficos, a valentia de vaqueiros e caçadores, a covardia de uns, a imperícia de outros, arrogância, mentira, timidez, todos os aspectos morais são examinados duramente e expostos com nomes próprios e minucias identificadoras. Os animais perseguidores também estão vivendo na gesta. Cavalos, cães, éguas são mencionados com orgulho, indicando-lhes a moradia, os donos, as proezas, as vitorias e os insucessos. Surgem esses versos nos moldes mnemônicos dos A. B. C., nos versos, quadras, sextilhas e décimas, narrando a odisseia completa [...]. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

O ABOIO – No livro Paracoera (Schimidt, 1939), de Lauro Palhano, encontro o conto O aboi, o qual transcrevo a seguir: Vaqueiro é profissão que passa de pais a filhos durante muitas gerações. Vida de riscos e surpresas, por isso cheia de encanto para os sertanejos. Eles gastam muitos anos, a mocidade e até a idade madura guiando boiadas de uma região para outra, dormindo no caminho ao calor da fogueira, para no dia seguinte, ao luzir das primeiras estrelas, tocarem pra frente, acordando os campos e as matas com o canto plangente e prolongado do aboio. Quem deixa de ser vaqueiro, o que é raro, ou porque a enfermidade o inibe das correrias pelo campo, ou das travessias dos rios a vau, leva para o resto da existência a carga da saudade. Conta o coronel Aprigio que um seu compadre, vaqueiro de estimação, muito prezado pela família, foi por ele trazido para a cidade de Salvador, a fim de ser operado. Já na convalescença saíram juntos a passeio. Ao lusco-fusco da tarde estavam no Largo do Teatro que mais tarde passou a chamar-se Praça Castro Alves. Ali, resolveram esperar o bonde mas o vaqueiro, ao ver a multidão movediça que enchia o local, foi tomado de funda nostalgia. – Que é isso homem? está se sentindo mal? – Ih, compadre... que vontade de aboiá! – Tenha mão, compadre. Você pensa que está no sertão? – Qual o que, compadre! Não posso arresisti! Olhou para a multidão e começou: - Ô boiada lutrida! Eu quero aboiá! Não houve meio de dissuadi-lo do seu propósito. Afastou-se do coronel, meteu o mindinho no ouvido, conforme o hábito dos da profissão, e botou a boca no mundo, a cantar aquela toada melancólica, como se estivesse montado no seu cavalo tangendo bois: É boi turino! Boi Turino malabá! / Se não fosse boi turino / a vaca não ia no curráá... / ê... boi turino... Veja mais aqui e aqui.


A VIDA DE CANCÃO DE FOGO – Um dos cordéis que mais apreciei na vida foi A vida de Cancão de Fogo e o seu testamento, do poeta editor e cordelista paraibano Leandro Gomes de Barros (1865-1918): Cancão de Fogo já tinha / nove ou dez anos de idade / quando o pai dele morreu / deixou-os em necessidade / Cancão quando soube disso: / - Isso não é novidade. / - Mamãe está sem marido / por isso não vá chorar / eu também fiquei sem pai / porém sempre hei de passar / ela pode achar marido / pai é que não posso achar. / - Eu digo como o macaco / a um outro respondeu / quando ele disse: - Meu mano / sua mão hoje morreu; / disse-lhe então o macaco: / - Por isso esperava eu! / A mãe de Cancão de Fogo / decidiu-se a trabalhar / Cancão de Fogo não quis / a isso se sujeitar / dizendo: - Não tenho força / para serviço acabar. / Agora, pela viagem / ou para qualquer mandado / achava-se de prontidão / não se mostrava enfadado / ninguém conseguia dele / era trabalho pesado. / - Minha mãe acha que fez / favor ter me concebido / eu cá, sim, fiz-lhe um favor / livrei-a de ter morrido / e o que seria dela / se eu não tivesse nascido? / - Se ela deu-me de mamar / qu’eu não sei, ela é quem diz / eu não lhe pedi o peito / se me deu, foi porque quis / em eu lhe vazar os seios / foi um favor que lhe fiz. / Eu cá só devo favor ; ao sol e à água do rio / a água porque eu bebo / e tomo banho no estio / devo ao sol porque me esquenta / nas horas que tenho frio. / Cancão ganhou a estrada / da Paraiba a Goiana / passando por um partido / entrou chupou a cana / disse: - Nessas condições / eu viajo uma semana. / Às seis horas da manhã / encontrou ele um menino / um desses que vêm ao mundo / por capricho do destino / e ao princípio da vida / triste como a voz do sinhô. / Cancão perguntou a ele: / - O que tem que vens chorando? / já vão te doendo os pés? / e te vejo suspirando! / respondeu ele: - Eu devia / só viver me lastimando. / - Fui um menino enjeitado / fui logo triste ao nascer / nem uma ave noturna tão triste poderá ser / eu sou igual ao deserto / onde ninguém quer viver! / - Eu também sou como tu / só não fui foi enjeitado / mas até por minha mãe / eu sou bastante odiado / porém este mundo é grande / eu hei de viver folgado. / - Como se chama você? / respondeu: - Chamo-me Alfredo / - E eu sou Cancão de Fogo / meu nome eu digo sem medo / tendo precisão eu nego / porque em tudo há segredo. / - Quer ir comigo, acompanhe-me / faço-lhe observação / não há de insultar ninguém / e nem há de ser ladrão / ser esperto nos negócios / isso é uma obrigação. / - Só furtará uma coisa / estando necessitado / se não quiserem lhe dar / tem o direito sagrado / aí se rouba até Deus / se achar ele descuidado. / Disse Alfredo: - Pois vamos / porém eu quero saber / nós ainda tão pequenos / de que podemos viver? / disse Cancão: - Ora bolas! / Vivemos do que comer. / O Alfredo tinha um jeito / para os olhos revirar / que representava um cego / que fazia até jurar / até um médico oculista / era fácil de enganar / E dava um jeito na boca / que parecia aleijado / o Cancão de Fogo disse: / - Agora tenha cuidado / você vá para a cidade / para ver o que é passado. / Alfredo foi à cidade / e lá viu os movimentos / parecia um aleijado / e cego dos mais nojentos / soube de tudo que havia / trouxe três mil e trezentos. / Quando Alfredo chegou / Cancão ficou satisfeito / deu-lhe um abraço dizendo: / - És um menino direito / presta atenção aos mandados / tudo que faz é bem feito. / Meia-noite eles saíram / quando o dia amanheceu / dizia Cancão: - Neste mundo / não há mestre como eu / disse: - Nem o diabo pode / escapar de um laço meu. / Com seis dias de viagem / começaram a esmolar / Cancão aonda pedia / fazia gente chorar / a fim de dar uma esmola / era capaz de furtar. / No Ceará não ficou / uma só povoação / que não fosse explorada / por Alfredo e por Cancão / e nunca chegou o dia / que gastassem um só tostão. / Sou forçado aqui, leitores / a partir as aventuras / desse quengo inteligente / esse reis das travessuras / que já foi classificado / campeão das diabruras. / Leiam o segundo volume / desse livro apreciado / e veja o que fez Cancão / depois de tudo arranjado / com o dinheiro das emolas / deixando o padre danado. Veja mais aqui e aqui.

O CASTIGO DA SOBERBA – A peça teatral O castigo da soberba (entremês popular, 1952), do escritor e dramaturgo Ariano Suassuna (1927-2014), é baseada em um dos versos da peça Os persas, de grego Ésquilo, como também do cordel homônimo do famoso poeta popular paraibano Silvino Pirauá de Lima (1448-1913), que era mantida pelo cantador cearense Anselmo Vieira de Sousa, conforme recolhido no livro Violeiro do Norte (A Noite, 1955), do escritor, professor, advogado, jornalista e historiador Leonardo Mota (1891-1948). Do cordel destaco os trechos: Agora eu passo a contar Do que houve em algum tempo: O Castigo da Soberba, Que ficou para exemplo, Foi um caso acontecido, Não é coisa que eu invento. Era um homem muito rico, Tinha honras de Barão, Tinha vinte engenho de ferro, Em metal trinta milhão, Doze mil vacas paridas Nas fazendas do sertão. A mulher deste Barão Tinha honras de rainha, Sessenta e cinco criadas Para lhe servir na cozinha, Parecia inda mais bela Pelos cabelos que tinha. [...] (Cão) – “Isto era o que faltava: MANUEL padeceu as dor, E tu reza e caridade Nunca fez por seu amor, Confissão e penitença Tu toda vida abusou.” (Jesus) – “Alma, tu bem estás ouvindo Esta grande acusação, Eu, até pra defender-te Não vejo um pé de razão, Abre a tua consciência, Faz a tua confissão.” (Cão) – “Isso é só tempo perdido, Não tem ele o que dizer, Pois, enquanto andou no mundo, Só tratou de te ofender, Nunca lhe veio à lembrança Que ainda haverá de morrer!” (Alma)- “Ai, Senhor, se compadeça, Nunca a vós eu quis servir, Não sei mesmo o que vos diga Pois não vos posso iludir E me vejo na presença De Quem não posso mentir.” Disse os demônio duns pros outros: - “Boa confissão aquela! Agora queremos ver Essa alma pra quem apela... MANUEL é reto e justo, Nós hoje carreja ela!” (Jesus) – “Alma, pelo que me dizes Eu não posso te valer: Tu me viste morto de fome, Não me deste de comer! Tu me viste morto a sede, Não me deste de beber!” “Eu estava muito mortal, Tu não foste visitar; Tu me viste na cadeia, Não foste me consolar; Quando eu te vi errado, Te mandei aconselhar.” “Assim agora, alma ingrata, Vai cumprir teu triste fado, Que tu não fez pela vida De purgar os teus pecado, Na minha Glória só entra Coração purificado.” (Alma) – “Vala-me, ó Virgem Maria, Pelo vosso resplandor, Pelo dia em que nasceu Pelo nome que tomou, O nome do vosso filho Que no ventre carregou!” (Maria) – “Alma, já que me chamaste, Na presença te cheguei, Tu falaste com fiança Neste nome que eu tomei, No nome do meu filhinho Que no ventre carreguei.” (Alma) – “Ai, Senhora, Virgem Pura, Padroeira mãe dos home, Valei-me nesta agonia, Nesta sorte que consome, Sempre vejo protegido Quem recorre a vosso nome.” (Cão) – “Como ele está com ponta Só pra iludir Maria, Com tantos anos de vida Nome dela nem sabia, Só sabia decorado Era praga e harizia.” (Maria) – “Alma, tu nunca assististe, Nem ao menos um momento, Dentro dum lugar sagrado Onde houvesse um Sacramento, Que tu ouvisses meu nome Com grande contentamento?...” (Alma) – “Senhora, eu passando, um dia, Numa casa de oração, Eu, vendo o povo lovando A vossa consagração, Eu ouvi com muito gosto Com meus dois joelho no chão.” (Cão) – “Já Maria está puxando, A coisa se desmantela, Aquilo nunca se deu, Vejam que mentira aquela! Eu vi que esta mulher Todo mundo ilude ela!” “Ela põe-se a esmiuçar Puxa de diante pra trás, Pega com tanta pergunta, Também isso não se faz, Até aparecer coisa Que ninguém se lembra mais.” (Alma) – “Mãe amada, me livrai Das grandes rigoridade, Sei que gastei meus dias Envolvido em vaidade, Mas espero ser valido: Valei-me por caridade!” (Maria) – “Alma, o que tu me pediste Eu não posso prometer, Se tivesse em penitença, Com razão eu ia ver: Mas assim é impossível Te salvar, sem merecer.” (Alma) – “Rainha, Mãe Amorosa, Esperança dos mortais, Quem me recorre a vosso nome Sei que não desamparais, Eu pegando em vossos pés, Sei que não largo eles mais.” (Maria) – “Pois, alma, demora aí, Enquanto eu vou consultar, Fazer pedido a meu Filho, Ver se eu posso te salvar, Ver se teus grandes pecados Têm grau de se perdoar.” (Cão) – “Como esta tal Maria Eu mesmo nem nunca vi: Uns pedem por interesse, Pedem porque é para si, Mas ela pede é pros outros, Não se enjoa de pedir...” (Maria) – “Meu filhinho, aqui cheguei, Vim te fazer um pedido Para uma alma que chegou Lá do mundo corrompido... Tu, não tendo compaixão, Pra ela o céu está perdido.“(Jesus) – “Mas, minha Mãe, não é assim, Todos bem podem saber: Lá deixei as Escrituras Contando como há de ser... Os profetas publicando, Foi pra todos compreender.”  (Cão) – “Isso é outro português! Quem se engana é porque quer... Loucura grande a do home Que se ilude com mulher... Nem sei como se defende Uma alma tão lheguelhé...” (Maria) - “Meu Filho, dê-me a resposta Pra ciença do cristão, Eu sei que é grande pecado Não procurar confissão, Porém, meu filho, o pecado Vem desde o tempo de Adão.” (Jesus) – “Minha Mãe, larguemo esta alma, Foi muito ruim criatura... Se eu chegar a salvar ela, Muitas outra estão segura, E eu não posso salvar A quem a mim não procura.” (Maria) – “Pra isto mesmo, meu Filho, Foi vossa ressureição, Trespassaram vós no peito, Foi Longuim cãs suas mão, Sofrestes muito trumento Na vossa morte e paixão.” “Por vossa misericórdia Cipriano se salvou, Vós salvaste a outros muito Pelo vosso santo amor, Também perdoaste Paulo, Sendo teu perseguidor.” “Matia estava sofrendo, Vós avisaste num sonho Também livraste da morte Pai do senhor Santo Antônio E a filha de Cananéia Da vexação do demônio.” “Enfim sempre perdoaste A quem vos pediu perdão; Longuim, por se converter, Prostrou-se e pediu perdão, Por isto lhe deste a vida E também a salvação.” “Quando os Judeus vos faziam Grandes tormentos e horror, Pedro, por três vez seguida, Vos desconheceu, negou, Mas vós lhe deste o poder De ser vosso sucessor.” “Meu filho, perdoe esta alma, Tenha dela compaixão! Não se perdoando esta alma, Faz-se é dar mais gosto ao cão: Por isso abissolva ela, Lançai a vossa benção.” “Se vós não salvar esta alma Que aos vossos pés se apresenta, O demônio, sabendo disto, Agora é que bem atenta, E eu quero que ele hoje Réle a teste e quebre a venta.” (Jesus) – “Pois, minha Mãe, carregue a alma, Leve em sua proteção, Dia às outras que a recebam, Façam com ela união... Fica feito o seu pedido: Dou a ela salvação.”  (Cão) – “Vamos todos nos embora Que o causo não é o primeiro, E o pior é que também Não será o derradeiro... Home que a mulher domina Não pode ser justiceiro!” (Jesus) – “Os demônios se arretirem, Vão lá pras suas prisão Que é pra não atentar mais A todo fiel cristão... Quem recorrer ao meu nome, Eu garanto a salvação.” Agora acabei o verso Minha história verdadeira... Toda vez que eu canto ele, Dez mil réis vem pra algibeira, Porém hoje eu dou por cinco: Talvez não ache quem queira! Veja mais aqui, aqui aqui e aqui.

CINEMA E CORDEL – O livro Cinema e cordel: jogo de espelho, da estudiosa do cinema nordestino e doutora em literatura comparada pela Universidade Le Mirail de Toulouse, Sylvie Debs, traz o estudo realizado sobre o cinema brasileiro, investigando as formas tradicionais de expressão artística do povo brasileiro, ao abordar sobre a poesia popular do Nordeste, escrita em folhetos de cordel ou improvisada nas cantorias, inspirando o cinema brasileiro. A autora é considerada uma das maiores especialistas de cinema brasileiro na França e já publicou Patativa do Assaré (2000), Os mitos do sertão: emergência de uma identidade nacional (2002) e Brasil: o ateliê dos cineastas (2004), assim como inúmeros artigos sobre cinema, literatura de cordel e cultura popular, em revistas especializadas. Ela foi produtora associada de filmes de longa-metragem e participou como jurado em festivais de cinema no Brasil e em outros países. Como adida de cooperação e ação cultural na Embaixada de França no Brasil (2006-2010), foi uma das organizadoras do Ano França-Brasil e, depois, no México (2010-2013), também como adida cultural, promoveu e participou de importantes eventos e intercâmbios culturais e artísticos entre o México e França. Veja mais aqui.

IMAGEM DO DIA
Xilogravura de Mariana Pabst Martins.