segunda-feira, novembro 12, 2018

DRUMMOND, CLELIA IRUZUN, TATIANA MÓES, CATENDE & IMAGINAUTAS


VIAGEM DE VOLTA - Imagem da série Morpheus, da escritora, pintora e ilustradora Tatiana Móes. - Quantas vezes por janeiros que se pareciam férias no Zimbábue e pensei em quem espera a condução pra onde vai com dinheiro contado no bolso, só pra fugir do tédio e participar do movimento que ninguém sabe aonde e ler os letreiros nas marquises, os anúncios, rabiscos, pichações, os recados indecifráveis entre motores raivosos com seus pousos e decolagens, turbulências e trepidações, o mundo e o universo aos catabis na fantasia de fevereiro e nem sabia das paradas do trajeto, casas e casas, nenhum lar e escalas, embarques e desembarques para que o cenário voe depressa por sonhos que nascem do nada, só entretenimento. Quantos foram e nem voltaram, passagens sem destino, bagagens perdidas em Burundi como se o carnaval das árvores das queimadas, os céus esfumaçados e a vida dos mortos insepultos no cordão dos famélicos até o ponto do enguiço com o golpe do martelo inesperado na cabeça que endoida quantas cores, transeuntes, gente que apenas vive, tantos em marcha à ré e não sabem quão novas e mesmas são de tão imperceptíveis, como se a popa ditasse a direção e a proa só passeio, outras revisitas, reencontros não sabidos e a sensação mais vã de quem vai com todos em sentido contrário do que imagino ser o caminho exato ou líquido e certo, sei lá. Não dá pra entender, devo estar perdido no que penso por engates e reboques que a outros dão o prenúncio dos maremotos e enchentes por março das águas e o que deixei de ver por distração na camisa de Sol, atalhos perdidos, talhos que doem no abril das nênias e os afetos descartáveis por quintais devastados, leirões destruídos, pomares incendiados, mórbidas existências com seus sinistros sorrisos e alaridos nas travessias desmoronadas e escorregadias pelas britas dos armazéns da memória que se dissolvem nos plexos das desídias, amplexos da traição na língua dos efluentes para famintos do Haiti e as sílabas do Congo nas bandeiras apócrifas, estandartes dos interesses, a procissão de pedintes e camelôs nas indústrias das ruínas com todos os maios das ladainhas do apocalipse da Libéria e as molas inseguras com seus depósitos de abismos da Eritreia e nos descampados da razão do Niger, entradas confusas entre antenas e pararraios de Malawi, tudo é tão dolorido quanto sofrível, quem dera fosse diferente. As fogueiras de junho estão acesas, são patíbulos das vaidades e reputações de Madagascar, sou eu no meu Brasil de tantos brasis e eu crucificado nas placas indicativas e sinalizações do reino do impreciso, interditos, superstições, interstícios e tripas torcidas nos templos do paroxismo com as rezas das blasfêmias, ecos do passado sempresente, catequeses e delírios perenes, caduquices por pinhões e palmeiras e favelas do Afeganistão e as malsinações invernosas de julho pro aziago agosto que parecem Mali, porque sei quase não há mais galope à beira-mar, quase tudo devastado pela erosão do tempo que parou em Togo e a primavera nos dentes de setembro em Guiné, com as porteiras de morros intransponíveis, serragens, pedreiras, trilhas desfeitas pelo matagal, sabores que reportam coisa alguma de nada, ferro-velho, lixões, acessos proibidos, perigo de propriedade privada da Etiópia com as emancipadas crianças sexagenárias de outubro em Moçambique e quase também não há mais como levantar vanguardas defuntas pelos disparos de Natal. São chuvas de bombas ácidas de Ano Novo às vésperas dos túmulos de novembro, quando enterram-se as horas de dezembro com a implosão dos espaços e o ruir dos tempos nas sucatas recicladas e tudo é coisificado no reaproveitamento do câncer vivificado na reificação dos simulacros e outras ilusões pelos estuários das imundícies e nas fontes dos lodaçais e charcos das cloacas, ah, o inferno de Dante nas misérias de Huxley, difícil é voltar e a cidade é um deserto. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

DITOS & DESDITOS:
Convidaram-me a falar sobre a educação em face da guerra. Eis aí um grave problema. Antes de mais nada, os dois termos parecem repelir-se. Uma educação ideal importaria na eliminação da guerra como meio de solução do choque de interesses entre os homens. Uma guerra total, por sua vez, importaria no fim do trabalho educativo do homem. Entretanto, paradoxalmente, vemos que educação e guerra também se conciliam e que há mesmo, elaborada pelos regimes fascistas, uma “educação para a guerra”, monstruosa e implacável, como também, por outro lado, a guerra introduz nos sistemas normais de educação câmbios violentos e profundos. Dessa educação para a guerra seria pouco todo o mal que se dissesse. A criança submetida a um treinamento moral e psicológico para o ódio é, sem dúvida, o mais triste exemplar humano. E é com o coração encharcado de horror e piedade que pensamos nesse menino alemão, nascido de 1933, para cá, e destinado a aprender uma gramática, uma filosofia, uma poesia, uma arte preconceituosas, agressivas e totalitárias. Mas já que essa educação existe e produz os seus frutos cruéis, força é enfrentá-la, neutralizá-la, anulá-la. Não por uma contra-educação igualmente tendenciosa e dirigida. Mas sim por uma educação natural, a pura e desinteressada educação do espírito, destinada a formar homens de boa vontade e calma coragem, não autômatos ou possessos. A guerra que o facismo espalhou pelo mundo impõe-nos, assim, uma tarefa: a de restaurar a educação nos princípios básicos de que se haja afastado; e de cultivá-la na parte em que se haja mantido fiel a esses princípios. Ao lado dos problemas militares, econômicos e políticos que dizem respeito à organização e à movimentação da guerra, devemos cuidar de estabelecer normas educativas que importem na saúde moral e mental da criança e do jovem. E é voltando às letras clássicas, às boas e esquecidas humanidades [...] restituiu ao nosso currículo secundário, e temperando-as com gosto da pesquisa e o sentimento da vida moderna; é mantendo a tradição do espírito com as ferocidades do mito racial e político, é, em suma “cultivando o nosso jardim”, como queria o mestre francês, que prepararemos gerações mais felizes e menos susceptíveis da embriaguez pela guerra, mas realmente dispostas a fazer essa guerra quando periclitem os valores humanos. Cultivemos o nosso jardim, e que esse jardim seja espaçoso e nele caibam todas as espécies dignas de ser contempladas, como todos os encantos que se dirigem ao melhor da nossa sensibilidade e de nossa inteligência. Não deixemos que o animal feroz do nazismo invada esse horto sereno. Eis aí, em linguagem figurada, mas que pode ser facilmente transcrita para termos reais, o dever que incumbe hoje primacialmente ao educador. Mesmo não pegando em armas ele pode trazer uma contribuição inestimável à luta que todos os países livres hoje desenvolvem contra os países de rapina e destruição. Que o educador prepare homens livres, e a liberdade reinará no mundo.
A educação em face da guerra, do poeta, contista e cronista Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), extraído da obra Drummond, testemunho da experiência humana (Abravídeo, 2011), de João Camilo Penna. Veja mais aqui.

A ARTE DE TATIANA MÓES
A arte da escritora, pintora e ilustradora Tatiana Móes.

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