quinta-feira, outubro 11, 2018

MANUEL SCORZA, JANE MONHEIT, TERESINHA SOARES & GALDINÁCIO


ENFRENTANDO A BRONCA – Imagem: arte da escritora, professora e artista Teresinha Soares. - Antes de Alagoinhanduba sumir do mapa, conheci um homem de bem, daqueles da gente admirar pela altivez, sinceridade e presteza. Era o Galdinácio uma figura: direito a toda prova, honesto até dizer basta. Achar um defeito nesse homem era difícil, esbanjava virtude e hospitalidade. Era viúvo, pai de três filhos – dois deles, Deus os tenham: um que foi recolhido na calçada por um possante veículo desgovernado nas ruas de São Paulo, de restar espremido e emburacado nos escombros duma loja, provocado pelo acidente; o outro, nadava com uma turma na praia do litoral, veio um jetsky ineivado e acabou com a graça na hora: boiava sem vida nas ondas -, só agora convivendo com a lindíssima filha, Galdinita. Vivia dali praqui, sorrindo, acenando, amigo das horas difíceis. Não fosse isso, havia educado todos na linha da retidão, uns meninos de ouro, diziam, dela ser cobiçada por toda marmanjada, coisa que o povo gabava mesmo. Ocorre que o filho do ricaço Zé Brabão, o Brabãozinho, que não era lá flor que se cheirasse, achou de arriar de amores pras bandas dela, isso depois de haver desgraçado a reputação para a perdição de umas três dúzias de garotas lindas dali. Galdinácio desconfiou e falou sério pro rapaz: Filha minha é pra casar. E eu quero casar com ela. O genitor não engoliu a lorota e fez com que ele arribasse dali que não era de abrir pro pai dele não. O menino bem que não queria arengar com ele, mas também não queria deixar por menos e o negócio engrossou. Mesmo Galdinácio educadamente firme dissuadiu a procurar outro terreiro para suas estripulias, o malcriado insistia em não arredar o pé dali, precisando dele usar de medidas um tanto enérgicas para botá-lo pra fora, exigindo respeito. Só que o folgado não levou na conta devida, precisando de uma reprimenda severa pra mode tomar jeito. Oxe, o negócio não ficou nisso não. Logo o ricaço Zé Brabão tomou ciência do fato, mandou logo a capangagem escorraçar o homem impávido que não abriu da vela e o pipoco de bala comeu no centro. Feridos, pai e filha, findaram hospitalizados, morre mas não morre. Brabãozinho foi ao pai: Não era para tanto, pai! Comigo é assim: mexeu, come bala. Eu quero casar com ela. Como é? Ficou doido, foi? Trate logo de se afastar de gentinha da mundiça. Se vai fodê-la, que faça logo o serviço e saia fora, esse negócio de casório não sai agora não, tais ouvindo? Eu vou casar com ela, pai. Se casar com ela, eu deserdo. Bate boca inflamado, o primogênito saiu fora, do valentão vê-se falando sozinho: Esse menino está precisando de umas lamboradas boas pra se endireitar. E começou a fazer uma faxinada, foi ter com o enfermo e encarou olho no olho: Sabe quem sou eu? Sei de quantos morreram para que montasse sua riqueza, quantos não foram jogados nos fornos da sua olaria para que nunca fossem obstáculos nos seus objetivos escusos, quantos pais de famílias não perderam suas vidas em nome da sua exclusiva justiça pras suas posses, quantos não tremeram feio diante de sua presença com um batalhão de jagunços para tomar tudo de quem quisesse, só os covardes andam acompanhados, homem que é homem enfrenta sozinho os seus problemas: você nunca foi um desse. Eu sou Zé Brabão, o dono de tudo isso aqui. Você pode ser o que for, mas para mim é como um qualquer. Eu acabo de lhe matar, seu cabra, acabo com a sua raça. Você pode fazer o que quiser, mas uma coisa eu lhe digo... e Galdinácio destemidamente disse na lata dele: Sempre soube que riqueza material nunca foi, é ou será grandeza de espírito. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais  aqui.

DITOS & DESDITOS:
[...] Vocês são homens ou mulheres? – Mas o que é, Dom Fortunato? – Os empregados da Cerro surpreenderam a Sra. Tufina, pisotearam os carneiros com seus cavalos e em seguida soltaram os cachorros. Morreram. Não sei se são homens ou mulheres. Que esperam? Que a Cerca entre em nossas casas? Esperam que a mulher não possa mais deitar-se com o macho? Os rostos se apequenavam, se azulavam com uma cor diferente do dia nascente. Nos olhos se apagava e se acendia, nascia e renascia uma coragem extinta. Agora já não se pode mais recuar. Recuar é bater no céu com o cu. Homens ou mulheres, não sei o que são, mas temos que brigar. A bruta névoa não se dissipava. As rochas exalavam fumarolas brancacentas. Incas, caciques, vice-reis, corregedores, presidentes da República, prefeitos e subprefeitos eram os próprios nós de um quipo, de uma corda de terror imemorial. [...] Ignorantes de que o Código Militar prescreve que “o indivíduo ou indivíduos que ousem atacar a Força Armada se tornam passíveis de um Conselho de Guerra sumário e que...”, os comuneiros dançavam. A tempestade não cedia. O caminho se acabava debaixo da raiva do granizo. O procurador cuspiu um dente e mandou trazer picaretas e vergalhões. Sob a granizada se atiraram a derrubar os postes. Arrancaram os quebra-pernas. Trezentos metros de arame sentiram uma vertigem. Gritavam e dançavam, possessos. Rompiam a Cerca, meteram as últimas ovelhas exaustas. Marcelino Muñoz – terceiro lugar na escola regional – teve a ideia de perpetrar um espantalho. Já no roxo do entadecer enfiou o espantalho no montão de quebra-pernas vencidos. Na luta, os guardas tinham abandonado um abrigo e um gorro. Marcelino pediu licença para uniformizar o espantalho de republicano. O Procurador Rivera deu-lha. Que acontece quando o homem é obrigado a retroceder pelo caminho da besta? Que sucede quando nas fronteiras do seu infortúnio, devolvido ao seu terror de carnívoro acossado, o homem deve escolher entre voltar a ser animal ou encontrar a centelha de uma grandeza? Fortunato tinha razão: retroceder ali era bater nas nuvens com o cu. [...] Assim estando as coisas, uma manhã, Guillermo, o Cumpridor, se deteve na encruzilhada do caminho entre Cerro de Pasco e Rancas, Guillermo, o Cumpridor, desceu do jeep. Instantaneamente se congelou uma coluna de pesados caminhões repletos de guardas de assalto. Nesse lugar, mais ou menos cinquenta mil dias antes, outro chefe deteve a sua tropa: o General Bolívar, na véspera da Batalha de Junín, livrada nesse altiplano. Minutos mais, minutos menos, quase à mesma hora, Bolívar contemplou os verdosos telhados de Rancas. [...] O velho corria que corria. Oito guerras perdidas com o estrangeiro; mas, em compensação, quantas guerras ganhas contra os próprios peruanos? Ganhamos a guerra não declarada contra os índios de Huancané: quatro mil mortos. Não figuram nos textos. Constam, em compensação, os sessenta mortos do conflito de 1866 com a Espanha. [...] O velho divisou os telhados de Rancas. Parou junto a um penhasco. Cinquenta mil dias antes o General Bolívar tinha-se detido ali: na manhã da sua entrada em Rancas. Bolívar queria Liberdade, Igualdade, Fraternidade. Que engraçado! Deram-nos Infantaria, Cavalaria, Artilharia. Fortunato avançou, afogando-se na ruazinha. No gesso da sua cara viram a desgraça. - Já vêm. A Guarda de Assalto está chegando! [...] Quem falou foi Fortunato. - A que se deve a visita, meu alferes? - Há uma ordem de expulsão. Vocês invadiram a propriedade alheia. Temos ordem de despejá-los. Vão embora! Vão embora agora mesmo! - Não podemos sair desta terra, meu alferes. Nós somos daqui. Nós não invadimos nada. Outros nos invadem... - Têm dez minutos para irem embora. O uniforme voltou à fila parda. - É a Cerro de Pasco que nos invade, meu alferes. Os gringos nos cercam e nos perseguem como ratos. A terra não é deles. A terra é de Deus. Eu conheço bem a história da Cerro. Ou será que trouxeram a terra no ombro? [...] Nestes lugares nunca houve cercas, meu alferes. Nós nunca soubemos o que era um muro. Desde os nossos avós, e até antes, nem cadeados conhecemos até que chegaram esses gringos de merda. Eles é que trouxeram cadeados. E não foi só cadeados. Eles... [...] Nos tratam como animais. Nem nos falam. Se nos queixamos, não nos vêem; se protestamos... Eu me queixei ao prefeito. Eu levei os carneiros, meu alferes. Que diz? O alferes tirou vagarosamente o seu revólver. - Já não falta nada- disse, e atirou. Uma debilidade universal destituiu a raiva. Fortunato sentiu que o céu desabava. Para defender-se das nuvens ergueu os braços. A terra se abriu. Tentou agarrar-se nas ervas, à margem da escuridão vertiginosa, mas os seus dedos não obedeceram e rodopiou, sufocado, até o fundo da terra. [...].
Trecho do romance Bom dia para os defuntos ou Rufam tambores por Rancas (Civilização Brasileira, 1970), do romancista e poeta peruano Manuel Scorza (1928-1983), o primeiro volume da pentalogia La guerra silenciosa, narrando a luta dos camponeses andinos contra os latifundiários e uma mineradora estadunidense durante as décadas de 1950 e 1960, no Peru. Veja mais aqui, aqui e aqui.

A ARTE DE TERESINHA SOARES
A arte da escritora, professora e artista Teresinha Soares.

AGENDA
Congresso de Literatura Fantástica de Pernambuco (8º CLIF-PE), a ocorrer nos dias 30 e 31 de outubro e 01 de novembro de 2018, com o tema “A metamorfose na literatura fantástica”, promoção de Belvidera – Núcleo de Estudos Oitocentistas, grupo de pesquisa do Departamento de Letras da UFPE /CNPq & muito mais na Agenda aqui.
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Uma coisa e outra mais, Franz Kafka, Jean Cocteau, Gilles Deleuze & Félix Guattari, Michel Foucault, Tanussi Cardoso, Margaret Dyer, Tom Zé, Sonia Maria Vieira, Isao Tomita & Cristina Azuma aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje curta na Rádio Tataritaritatá a música da cantora estadunidense Jane Monheit: Live at the Rainbow Room, Taking a change on love, Jazzwoche Burghausen & The Best Greatest Hits & muito mais nos mais de 2 milhões & 700 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui e aqui.