quarta-feira, agosto 29, 2018

EDU LOBO, ROGERS, GUATTARI, MAETERLINCK, DONIZETE GALVÃO, KAMEL REKOUANE & ALAGOINHANDUBA


DAS COISAS DE ALAGOINHANDUBA – Imagem: arte do artista visual argelino Kamel Rekouane. - Alagoinhanduba nem existe no mapa, coisa que remete ao desprestígio daquelas cidadezinhas escondidas nos cafundós. Até hoje o senso não foi concluído, não havendo concórdia quanto ao exato número de habitantes, sabendo-se apenas dos votantes no período eleitoral. Afora isso, tudo de extraordinário acontece todo dia, desde correr bicho, ataques de tochas sobrenaturais, mula sem cabeça, perna cabeluda, afora escândalos, assassinatos, protestos, assaltos, passeatas, arengas e revoltas, enfim, tudo lá acontece de verdade, a ponto de se constatar que o mundo todo está ali em ebulição. Sempre sujeita às mais insólitas acontecências, o extravagante faz parada diária na resenha popular. Principalmente depois da pendenga instalada pelo estranhamento entre o Padre Quiba e o então coroinha Bidião, que a coisa pegou fogo a ponto de rachar a população no meio e deixá-la em pé guerra. Os anos se passaram e, de um lado, os encolerizados asseclas do pároco local que acusam o então sacristão de partes com o tinhoso e de hereges aqueles que debandaram pras bandas do desavergonhado papa-hóstia, acoloiados dos fuxiqueiros e fanáticos fiéis mais fervorosos. De outro, os antipatizantes do furioso vigário, que elegeram Bidião clérigo opositor, representante dos pobres, oprimidos e espremidos da sede, distritos e periferia, facção essa que vem ganhando simpatia na redondeza, chegando a outros estados e até o estrangeiro. Por conta desse embate escandaloso, deu-se de chegar uma bonitona de uma monja, risonha e amável que atendia pelo nome de Lenora. Ao botar os pés na localidade, a coitada alheia aos últimos acontecimentos, logo foi surpreendida pela hostilidade de guerra civil entre os munícipes, cada qual empunhando seu estandarte e motim. Qual não foi seu assombro no meio do maior fogo cruzado, carregado de pulhas, pedradas e esconjuros entre as trincheiras. Procurou de todo jeito um diálogo com a população aguerrida, estarrecendo-se com as feitiçarias e crendices que reinavam, pasma com tanta gente envenenada pelas grosseiras superstições, cultora de sórdidas e torpes abusões, amuletos, simpatias, benzeduras, feitiços, portadores de ferraduras para se livrarem da sexta-feira treze, de pés de coelho e trevos de cinco pétalas para se salvarem do mau agouro da coruja, do mau-olhado e das esconjuras dos mandingueiros, de só andar com o pé direito evitando passar embaixo de escada ou cruzar com gatos pretos, valendo-se de rezas para proteção contra as pragas do inferno e as tentações do cabuloso. Ao tentar dissuadi-los por uma conciliação, a simpática monja sentiu de perto que não haveria ali consenso algum, sendo logo instada a escolher de que lado ia ficar e, mediante a informação de que não partilhava de nenhuma das duas, foi esculhambada sob a ameaça de quem vai contra a corrente da opinião geral: Ou é herege ou está com a sanidade comprometida, o que pra eles é a mesma coisa. Qual que é, não pode ficar em cima do muro, ou pra lá ou pra cá, resolva! Assustou-se com a emergência da situação. Tentou se abrigar, porém a turba reunida agora já a tinha por inimiga pública número um e já pronta para ser sacrificada em substituição à malhação do Judas que estava em vias de comemoração. Capturada pelo opróbrio, foi arrastada para um local onde erguiam uma cruz, arrancaram-lhe as vestes e escorraçada completamente nua, já investiam em pregá-la crucificada, quando o disco voador do Padre Bidião deu sinal de vida com um rasante de afastar a mundiçada toda e, finalmente, salvá-la daquela humilhação geral. Acolhida quase sem vida, mesmo assim foi achincalhada por todos, resultando acamada por semanas em estado de coma, voltando a si mais de três meses depois, sem saber nem quem era, nem onde estava e o que fazia ali. Coitada, agora zanzava entre as vestais e freiras bidiônicas como uma sonâmbula que perdera o juízo e a própria identidade. Deu trabalho para aprender a balbuciar qualquer coisa que necessitasse, restando seus dias assim, como uma alma penada. Ninguém se compadecia do seu estado, exceto o Padre Bidião que, vez em quando, a levava para seções iniciáticas com o objetivo de lhe recuperar a memória e a vida. Tornou-se com o tempo, patrimônio folclórico do sitio bidiônico dançando com anjos e santos da sua imaginação, vez ou outra vítima de estupros e escárnios sem que nada seja feito em sua proteção. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo e aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do compositor, arranjador, instrumentista e cantor Edu Lobo: Camaleão, Limite das Águas, Tantas Marés & Ao vivo & muito mais nos mais de 2 milhões & 600 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui e aqui.

PENSAMENTO DO DIA – [...] Os organismos estão sempre em busca de algo, sempre iniciando algo, sempre “prontos para alguma coisa”. Há uma fonte central de energia no organismo humano. Essa fonte é uma função do sistema como um todo, e não uma parte dele. A maneira mais simples de conceituá-la é como uma tendência à plenitude, à autorrealização, que abrange não só a manutenção, mas também o crescimento do organismo [...]. Trecho extraído da obra Um jeito de ser (EPU, 1987), do psicólogo estadunidense e criador da abordagem psicoterapeuta Terapia Centrada na Pessoa, Carl Rogers (1902-1987). Veja mais aqui, aqui e aqui.

AS TRÊS ECOLOGIAS - [...] O planeta Terra vive um período de intensas transformações técnico-científicas, em contrapartida das quais engendram-se fenômenos de desequilíbrios ecológicos que, se não forem remediados, no limite, ameaçam a vida em sua superfície. Paralelamente a tais perturbações, os modos de vida humanos individuais e coletivos evoluem no sentido de uma progressiva deterioração. As redes de parentesco tendem a se reduzir ao mínimo, a vida doméstica vem sendo gangrenada pelo consumo da mídia, a vida conjugai e familiar se encontra frequentemente "ossificada" por uma espécie de padronização dos comportamentos, as relações de vizinhança estão geralmente reduzidas a sua mais pobre expressão. [...] Através de cada um desses exemplos, encontra-se o mesmo questionamento dos modos dominantes de valorização das atividades humanas, a saber: 1. o do império de um mercado mundial que lamina os sistemas particulares de valor, que coloca num mesmo plano de equivalência os bens materiais, os bens culturais, as áreas naturais etc; 2. o que coloca o conjunto das relações sociais e das relações internacionais sob a direção das máquinas policiais e militares. Os Estados, entre essas duas pinças, vêem seu tradicional papel de mediação reduzir-se cada vez mais e se colocam, na maioria das vezes, a serviço conjugado das instâncias do mercado mundial e dos complexos militar-industriais. [...] as três ecologias deveriam ser concebidas como sendo da alçada de uma disciplina comum ético-estética e, ao mesmo tempo, como distintas uma das outras do ponto de vista das práticas que as caracterizam. Seus registros são da alçada do que chamei heterogênese, isto é, processo contínuo de ressingularização. Os indivíduos devem se tornar a um só tempo solidários e cada vez mais diferentes. (O mesmo se passa com a ressingularização das escolas, das prefeituras, do urbanismo etc). A subjetividade, através de chaves transversais, se instaura ao mesmo tempo no mundo do meio ambiente, dos grandes Agenciamentos sociais e institucionais e, simetricamente, no seio das paisagens e dos fantasmas que habitam as mais íntimas esferas do indivíduo. A reconquista de um grau de autonomia criativa num campo particular invoca outras reconquistas em outros campos. [...]. Trechos extraídos da obra As três ecologias (Papirus,1990), do filósofo, psicanalista e militante revolucionário francês Félix Guattari (1930-1992). Veja mais aqui.

LINDA – [...] Eu vi o sol, a água e o fogo. Eu vi montanhas e o semblante das pessoas e flores raras... as quais não existem aqui na ilha. É muito sombrio e frio, aqui. Desde que eu não enxergo mais, eu não reconheço mais o seu perfume... Eu vi meus pais e minha irmã, eu era muito jovem para saber onde estava... Eu também brincava na praia. Como eu me recordo de ter podido enxergar! Um dia, eu estava no pico de uma montanha, e vi a neve... então eu comecei a reconhecer aqueles que ficam infelizes... [...]. Trecho extraído da peça teatral Os cegos (Cátedra, 2009), do escritor, dramaturgo e ensaísta belga Maurice Maeterlinck (1862-1949). Veja mais aqui.

LIÇÕES DA NOITE - Antes de sair de casa, / mesmo com o sol ainda alto, / convém preparar / a lamparina. / Enchê-la de querosene, / subir-lhe um tanto o pavio / e deixá-la bem perto da porta. / Antes de se ir para a cama, / todo cuidado é pouco: / há que apagar / a lamparina. / Sua fumaça desenha abstrações / que marcam a cal da parede / e tingem de negro nossas narinas. / Quando a luz é precária / e as sombras têm poderes, / tateia-se pela casa a buscar/ a lamparina. / A brevidade de sua chama / e a baixa luz com que nos ilumina / lembram-nos de que a noite é nossa sina. Poema extraído da obra A carne e o tempo (Nankin, 1997), premiado poeta e jornalista mineiro Donizete Galvão. Veja mais aqui.

A ARTE DE KAMEL REKOUANE
A arte do artista visual argelino Kamel Rekouane.

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