TUDO PODE ACONTECER EM ALAGOINHANDUBA – Imagem da série Nature
in Layers, da artista norueguesa Eva
Isaksen. - Tudo começou ao ouvirem falar que tinha um Olho de Pires boiando
no delta do rio. O quê? Danou-se! Que droga é nove? Quem sabe, ora! Mistérios pairavam
no ar, maior zunzunzum. Foram ver, não havia nada. Só o boato persistia. E tome
conversa. No outro dia, novos rumores: o Olho de Pires levitava na queda d’água.
De novo? Aonde? Ali, viravam o beiço. Quero ver! E foram. Ao chegarem lá, os
mais curiosos e boateiros perderam a viagem, lugar mais limpo. É lorota, só
sendo! É não, eu vi! Cadê? Estava bem ali. Tô vendo não! Deve de ter endoidado.
É, parece mesmo que pirou. Vai inventar outra, desgraçado! Uns batiam pé que a
coisa estava lá ao vivo e em cores, outros só na gozação, riam-se à longa. A coisa
ficou feia mesmo com a correria das lavadeiras da pedraria: há três dias elas
eram assombradas e molestadas por pires, bacias e troços voadores, de findarem em
desabaladas carreiras ao vento com as saias na cabeça, todas elas taradas e nuinhas.
Era só o que faltava, pode? Como é que é? As lavadeiras parecem que estão todas
tantãs de vez! Como é que pode? Só vendo. E viram: óóóóóóóóóóóó! Não demorou
muito as mulheres da beirada do ribeirão ficaram trocando os olhos,
revirando-os, levantando a roupa, endoidadas e aos delíquios. Que porra é essa,
hein? Maior estrupício. A coisa dava nos nervos. O converseiro em polvorosa
dava conta de que corria bicho pela redondeza. Nossa, assim de mão beijada? Ora,
isso é tramoia. Não era. É coisa de outro mundo, cochichavam amedrontados. Tem peta
nesse angu. Daí mais um pouco a rádio calou-se, relógios pararam, telefones
mudos, nem um pé de gente no meio da rua, nem nada, silêncio e abandono, todo
mundo embaixo das camas. Quem teve coragem de botar as ventas pelas brechas da
janela disseram que no céu havia um desfile dos planetas, um por um tirando
fino no meio de uma aurora equatorial rachada por um arco-íris medonho, cometas
e asteroides com rasantes por cima das casas, as estrelas caindo e se
espatifando no chão. Minha nossa! Ninguém dava um pio, só de olhos pregados nas
cenas que testemunhavam, arregalados, arrepiados. Bem tarde da noite, a terra começou
a tremer remexendo tudo, o fogo com labaredas por todas as bandas, a inundação
de tudo no maior tsunami, a ventania derrubando o que encontrasse pela frente. Quem
tinha a quem recorrer, danava-se em rezas fortes enquanto a coisa flanava pelas
ruas. Foi então que madrugada adentro as coisas deram de levitar tudo de cabeça
pra baixo. Valei-me todos os santos! E o pânico não deixou ninguém dormir, mãos
na cabeça enterrada no chão suspenso no ar. Ao amanhecer, ninguém resistiu,
dormiram a sono solto. Só despertaram com os pipocos da chuvarada aos
relâmpagos e trovões. Quem botou a cara na rua não pôde sair, intransitável. Uma
semana depois, maior silêncio, ouvia-se apenas o prefeito gritando que sumiram as
verbas da educação, da saúde e de todas as obras, e às carreiras arrastando uma
tuia de malas; logo atrás o juiz aperreado com o sumiço de todos os processos
do Fórum e mais arrastados de malas; depois o delegado em diligências pela fuga
dos presos e mais e mais malas arrastadas, até o padre reclamava que os fiéis
foram embora com o zoadeiro das malas arranhando o asfalto. Assim foi o dia
todo, autoridade que tinha, usineiro, ricaço que fosse, passava puxando seus
muafos, ninguém tinha coragem nem de abrir portinhola alguma, só brechando os
acontecimentos. Foram necessárias mais dez noites sem lua e dez dias sem sol
para que alguém ousasse espiar pelos cantos. Ao cabo de mês corrido, o fuxicado
assumia seu lugar pras loas desbragadas. Em Alagoinhanduba tudo pode acontecer,
inclusive nada. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais abaixo
e aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do cantor cazaque Dimash Kudaibergen: Bastau Concert, Recital Bastau, D-Dinasty Fuzhou &
Changsha Concert & muito mais nos mais de 2 milhões &
500 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja
mais aqui.
PENSAMENTO DO DIA – [...] Dormimos
durante quase a metade de nossas vidas! A vida para nós é como um rio. [...]
A luz que cega nossos olhos é uma
escuridão para nós. Só amanhece o dia para o qual estamos acordados e ainda há
muitos dias por amanhecer. O sol nada mais é do que a estrela da manhã. Trechos
da obra Walden ou a vida nos bosques
(Global, 1984), do ensaísta, poeta, naturalista, ativista
anti-impostos, crítico, pesquisador, historiador, filósofo e transcendentalista
norte-americano Henry David Thoreau (1817-1852). Veja mais aqui.
LIÇÕES DE EDUCAÇÃO – [...] não
se pode conseguir essa formação em uma escola por sessões, com os curtos
períodos letivos que hoje tem a escola brasileira. Precisamos restituir-lhe o
dia integral, enriquecer-lhe o programa com atividades práticas, dar-lhe amplas
oportunidades de formação de hábitos de vida real, organizando a escola como miniatura
da comunidade, com toda a gama de suas atividades de trabalho, de estudo, de
recreação e de arte [...] A escola
ampliou os seus deveres até participar de todos os deveres do lar, assumindo a
responsabilidade de dar às crianças todas as condições que lhe asseguram – ou
lhe deviam assegurar – na família, a continuidade e a integridade de uma ação
formadora completa. Educação e não instrução apenas. Condições de vida e não
condições de ensino somente. Mas nem por isso a escola substitui integralmente
o lar. Esse continuará e, para continuar, deve também ser refundido em suas
bases intelectuais e sociais, como já o foi nas suas bases econômicas [...]
A importância da educação, nos dias de
hoje, não é apenas uma consequência da complexidade da vida moderna, porém,
talvez ainda mais, da inclusão no seu campo de todas as questões da vida
humana, que anteriormente possuíam técnicas ou setores diversos de ação [...]
só posso compreender a educação como o
processo de preparação e distribuição de homens pelas diversas ocupações que
caracterizam a vida humana, na atualidade. Três anos de escola elementar [...]
não bastam para habilitá-los às ocupações
corriqueiras, nem ao menos os preparam para fazer um pouco melhor o que terão
que fazer de qualquer modo, mesmo levando a mais rudimentar das existências
[...] a escola deve ensinar a todos a
viver melhor, a ter a casa mais cuidada e mais higiênica; a dar às tarefas mais
atenção, mais meticulosidade, mais esforço e maior eficiência; a manter padrões
mais razoáveis de vida familiar e social; a promover o progresso individual,
através os cuidados de higiene e os hábitos de leitura e estudo, indagação e
crítica, meditação e conhecimento [...] representa,
realmente, uma observação superficial julgar que é a educação que produz a
civilização. Confusão entre efeito e causa [...] resta toda a obra de familiarizar a criança com os aspectos
fundamentais da civilização, habituá-la ao manejo de instrumentos mais
aperfeiçoados de cultura e dar-lhes segurança de inteligência e de crítica para
viver em um meio de mudança e transformação permanentes [...] A escola deve fornecer a cada indivíduo os
meios para participar, plenamente, de acordo com as suas capacidades naturais,
na vida social e econômica da civilização moderna, aparelhando-o, simultaneamente,
para compreender e orientar-se dentro do ambiente em perpétua mudança que
caracteriza esta civilização [...]. Trechos extraídos da obra Educação para a democracia (EdUFRJ,
1997), do educador Anísio Teixeira
(1900-1971). Veja mais aqui.
A ARANHA CARANGUEJEIRA - [...] uma noite, apareceu um camarada de fora, que
não sabia da história. Creio que um viajante, um representante qualquer de uma
casa comissária de Santos. Hospedou-se com ele. Cheio de prosa, de novidades.
Os dois ficaram conversando longamente, inesperada palestra de cidade naqueles
fundos de sertão. Negócios, safras, cotações, mexericos. Às tantas, esquecido até
da velha amiga, o Melo tomou do violão, velho hábito que era um prolongamento
de sua vida. Começou a tocar, distraído. Não se lembrou de avisar o amigo. A
aranha quotidiana apareceu. O amigo escutava. De repente, seus olhos a viram.
Arrepiou-se de espanto. E, num salto violento, sem perceber o grito desesperado
com que o procurava deter o hospedeiro, caiu sobre a aranha, esmagando-a com o
sapatão cheio de lama. O Melo soltou um grito de dor. O rapaz olhou-o sem
compreender, comentou: – Que perigo, hein? – O outro não respondeu logo. Estava
pálido, uma angústia mortal aos olhos. – E justamente quando eu tocava a Gavota
de Tárrega, a que ela preferia, coitadinha... – Mas o que há? Eu não
compreendo... E vocês imaginam o desapontamento, a humilhação com que ele ouviu
toda essa história que eu contei agora... – Desce! Desci. Trecho do conto A aranha (MEC, 2001), do escritor, jornalista, ensaísta e imortal
da Academia Brasileira de Letras, Orígenes Lessa (1903-1986). Veja mais
aqui.
TE AMO - Te amo
de uma maneira inexplicável, / de uma forma inconfessável, / de um modo
contraditório. / Te amo, com meus estados de ânimo que são muitos / e mudar de
humor continuadamente / pelo que você já sabe / o tempo, / a vida, / a morte. /
Te amo, com o mundo que não entendo / com as pessoas que não compreendem / com
a ambivalência de minha alma / com a incoerência dos meus atos / com a
fatalidade do destino / com a conspiração do desejo / com a ambigüidade dos
fatos / ainda quando digo que não te amo, te amo / até quando te engano, não te
engano / no fundo levo a cabo um plano / para amar-te melhor / Te amo , sem
refletir, inconscientemente / irresponsavelmente, espontaneamente / involuntariamente,
por instinto / por impulso, irracionalmente / de fato não tenho argumentos
lógicos / nem sequer improvisados / para fundamentar este amor que sinto por ti
/ que surgiu misteriosamente do nada / que não resolveu magicamente nada / e
que milagrosamente, pouco a pouco, com pouco e nada, / melhorou o pior de mim.
/ Te amo / Te amo com um corpo que não pensa / com um coração que não raciocina
/ com uma cabeça que não coordena. / Te amo incompreensivelmente / sem
perguntar-me porque te amo / sem importar-me porque te amo / sem questionar-me
porque te amo / Te amo / simplesmente porque te amo / eu mesmo não sei porque
te amo… Poema do poeta chileno Pablo Neruda (1904-1973).
Veja mais aqui, aqui e aqui.
COISAS DE ALAGOINHANDUBA
Imagem: Cidade do interior (2011), do pintor Elmar Castelo Branco.
O Centro
Cultural Vital Corrêa de Araujo informa:
VII Seminário Corpo, Gênero e Sexualidade:
resistências e ocupa(ações) nos espaços de educação & muito mais na Agenda aqui.
&
Assembly-Opening,
da pintora norueguesa Eva Isaksen.
&
O quibungo e a caranguejeira, A aula
de Pedro Demo, o pensamento de Mumon Yamada, a arte de Latifa Laâbissi, a música
de Maria Teresa Madeira, Yamandu Costa, Cristina Ortiz & Laurindo Almeida aqui.
APOIO CULTURAL: SEMAFIL
Semafil Livros nas faculdades Estácio de Carapicuíba e Anhanguera de São
Paulo. Organização do Silvinha Historiador, em São Paulo.