quinta-feira, março 22, 2018

QUINTANA, PAULA FOX, CASAIS MONTEIRO, ÍNDIO CACHOEIRA & KATHRYN STOTT, ROHMER, HÉLIO OITICICA & EDUARDO PRADO DE MENDONÇA

PASSANDO A LIMPO - Imagem: To Organize Delirium, do pintor, escultor, artista plástico e performático de aspirações anarquistas Hélio Oiticica (1937-1980). - Já fui xodó de mãe, avós, tias, isso quando bolotinho mimado imitando os olhos de peixe, de soslaio, até ser destronado adolescente magro seco, envergado, barbicha rala no queixo, desengonçado com a revolta de tudo na corcunda de avexado, e me incomodando com o que pensavam que eu queria ser quando crescesse. Desde que botei a perna no mundo jamais fui o mesmo: coisas de ir e voltar, troca de pele, ritos de passagem, epifanias. Nunca fui de virar casaca, nem seguir ao pé da letra, ou cumprindo à risca, afinal de contas, nunca soube o xis do problema e, na horagá, adeus, minhas encomendas. Já fui fanático por futebol, hoje não mais, não há graça nenhuma na competitividade das retrancas. Não tenho mais pressa pra nada, pois já corri tanto e ao chegar a minha vez nunca era – o sistema saiu do ar, deu pane no equipamento, só depois ou deus dará. Nunca fui de cortar caminho por atalhos nem tirar proveito do desleixe de outro, se tenho de ir vou até o fim, nunca desisti no meio do caminho. Nunca subestimei a inteligência ou a ignorância alheia, indignado com a estupidez e com os tantos desatinos. Já não ligo pro noticiário, há tempo que as noticias são mesmas de sempre e se repetem infinitamente. Não professo nenhuma fé, sou da espiritualidade, embora nutre simpatias pelos taoístas, quackers e zen-budistas. Nunca me levei tão a sério, nem aprendi a andar na linha porque me precavenho, tudo tende a piorar. Sei que existo pelos documentos ao bolso, assim que me reconhecem, mesmo que me chamem pelo apelido. Pelejo que só e nutro a esperança de que um dia eu chego lá, só não sei onde. Como todo mundo, atravesso na faixa e respeito o sinal. Reconheço nenhuma coerência nos meus atos, quase sempre sou assaltado pela paradoxalidade. Já não enxergo lá muito bem – antes por completa ausência de tino e formação, hoje por deficiência promovida pelos anos de vistas apregadas nos livros. Chego quase sempre atrasado porque só tomo conhecimento das coisas quando não tem mais nem graça. Só chego adiantado porque ou foi adiado ou já cancelado. Tem horas que até eu mesmo nem me reconheço no espelho. Vou de cara pro Sol já que não tem mais sombra pra refrescar, arrancaram as árvores das calçadas e a violência grassa nas praças. Hoje prefiro ouvir, porque quando falo ninguém entende. Por mais que eu me esmere em fazer tudo certo a minha vida toda, dá sempre tudo errado. Ainda bem que só passo aperto quando estou sozinho, o que é recorrente, ninguém sabe, mesmo com as melhores intenções, sempre piso na bola. E me revolto por não ter a resposta certa na ponta da língua na hora exata, só quando chego em casa, tarde da noite e lastimo por ter perdido a oportunidade. Vou sempre adiante mesmo que pareça não ter saído um mínimo centímetro do lugar. Acredito na vida porue ela não pode estar reduzida apenas a uma convenção científica, nem a masturbação intelectual da indiferente racionalidade. Hoje pouco importa, não dou a mínima pro que pensam a meu respeito e tranquilizo a todos dizendo que tudo é verdade, nada mais nem demais. Se estou sempre sozinho, não há de ser nada, cultivo a utopia de que o mundo pode ser bem melhor e que, com certeza, a gente ainda possa ser feliz. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do violeiro Índio Cachoeira: Viola de Ouro, Solos de Viola Caipira & Prelúdio dos Pássaros; da pianista britânica Kathryn Stott: Suite Bergamasque Debussy, Valsa da dor Villa-Lobos & com Janine Jansen Sonata for violin and piano Cesar Franck; & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.

PENSAMENTO DO DIA – [...] Paixão não tem significado de cegueira, nem de demência, mas indica precisamente aquela força comunicativa que se propõe ao frio raciocínio. O frio raciocínio nunca poderia levar um critico a tomar partido, porque o caracteriza precisamente aquela presunção de objetividade à qual se deve por uma grande parte a má fama de que goza a crítica pelos seus repetidos malogros [...]. Extraído da obra Clareza e mistério da crítica (Fundo de Cultura, 1961), do poeta, ensaísta, crítico literário e professor universitário português Adolfo Casais Monteiro (1908-1972). Veja mais aqui.

OS LIMITES DA LIBERDADE – [...] Quando se diz que liberdade de um acaba quando começa a liberdade do outro, o que se procura no fundo é evitar o questionamento do que deva ser a liberdade. A posição limita-se a considerar o seu exercício, sem maiores especulações sobre oq eu efetivamente possa ser considerado como liberdade. Nestas condições, admite-se como direito de liberdade de um individuo ele realizar tudo quanto queira desde que suas ações não venham a interferir na vida do outro. O que não se admitem são os choques, os conflitos. Deste modo, teria eu o direito de fazer tudo quanto quisesse desde que não perturbasse a vida de outra pessoa. [...] O homem é de fato um animal social. Desta forma, não podemos esperar que realize o plano de sua liberdade a não ser dentro de um contexto social. A sua liberdade é na verdade uma co-liberdade. Ele constrói a sua liberdade em espírito de comunidade, dentro de um sentido de co-participação. [...] Extraído da obra A construção da liberdade (Comvivio, 1977), do filósofo, professor e escritor Eduardo Prado de Mendonça (1924-1978).

DESESPERADOS – [...] Otto entrou na sala. "O que você vai vestir?" "Aquele vestido Pucci", ela disse, "só que eu acho que engordei demais para ele." Ela se levantou. "Otto, por que ele me mordeu? Eu estava fazendo um carinho nele." "Achei que você disse que ele tinha arranhado." "Seja lá o que for... mas por que ele me atacou assim?" Subiram a escada. O corrimão de mogno brilhava na luz oleosa e macia do globo de vidro soprado que pendia do teto. Ela e Otto tinham trabalhado uma semana para remover a tinta preta velha do corrimão. Foi a primeira coisa que fizeram juntos depois de comprar a casa. "Porque ele é selvagem", disse ele. "Porque o que ele queria de você era só comida." Ao pôr o pé no primeiro degrau, disse, como se fosse para si mesmo, "Vou me dar melhor sozinho". "Você sempre teve seus próprios clientes", ela disse, irritada, abrindo e fechando a mão machucada. "Não entendo por que não podiam continuar juntos." "Aquele melodrama todo... Não consigo conviver com aquilo. E ele não conseguia parar. Se eu não estivesse a favor dele, estava contra. Não estou querendo dizer que não havia causa. Não estou querendo dizer que o mundo seja justo. Mas eu conheço o Charlie. Ele está usando essas pessoas e os casos delas. Ele só não quer ficar de fora. E eu quero ficar de fora. Ah... estava na hora de acabar. Nós dois nos usamos até onde deu. A verdade é que eu não gosto mais dele." "Me pergunto como ele deve estar se sentindo." "Como Paul Muni, defendendo os não-amáveis e não-amados. Nunca existiu advogado assim. Lembra? Aqueles filmes todos dos anos trinta? Os jovens médicos e advogados indo para o interior para edificar os caipiras." "Paul Muni! Charlie tem razão", disse ela. "Você não está no século certo." "É verdade." "Mas Charlie não éruim!", ela exclamou. "Eu não disse que ele é ruim. Ele é irresponsável, vaidoso, histérico. Não tem nada a ver com ruindade." "Irresponsável! O que você quer dizer com irresponsável?" Fique quieta!", disse Otto. E passou os braços em torno de Sophie. "Cuidado!", disse ela. "Vai se sujar de sangue!" [...]. Trecho extraído da obra Desesperados (Companhia das Letras, 2007), da escritora estadunidense Paula Fox (1923-2017).

DE GRAMÁTICA E DE LINGUAGEM - E havia uma gramática que dizia assim: / "Substantivo (concreto) é tudo quanto indica / Pessoa, animal ou cousa: João, sabiá, caneta". / Eu gosto das cousas. As cousas sim !... / As pessoas atrapalham. Estão em toda parte. Multiplicam-se em excesso. / As cousas são quietas. Bastam-se. Não se metem com ninguém. / Uma pedra. Um armário. Um ovo, nem sempre, / Ovo pode estar choco: é inquietante...) / As cousas vivem metidas com as suas cousas. / E não exigem nada. / Apenas que não as tirem do lugar onde estão. / E João pode neste mesmo instante vir bater à nossa porta. / Para quê? Não importa: João vem! / E há de estar triste ou alegre, reticente ou falastrão, / Amigo ou adverso...João só será definitivo / Quando esticar a canela. Morre, João... / Mas o bom mesmo, são os adjetivos, / Os puros adjetivos isentos de qualquer objeto. / Verde. Macio. Áspero. Rente. Escuro. luminoso. / Sonoro. Lento. Eu sonho / Com uma linguagem composta unicamente de adjetivos / Como decerto é a linguagem das plantas e dos animais. / Ainda mais: / Eu sonho com um poema / Cujas palavras sumarentas escorram / Como a polpa de um fruto maduro em tua boca, / Um poema que te mate de amor / Antes mesmo que tu saibas o misterioso sentido: / Basta provares o seu gosto... Poema do poeta, tradutor e jornalista Mário Quintana (1906-1994). Veja mais aqui.

PAULINE NA PRAIA
A comédia Pauline na Praia (1983), do cineasta, crítico de arte, roteirista e professor francês Eric Rohmer (1920-2010), conta a viagem em férias de verão de uma adolescente para as praias da Normandia, com uma prima adulta que está se divorciando e reencontra uma antiga paixão. Durante essas férias a adolescente orgulhosa e sensível descobre os jogos do amor com um jovem que está à procura de uma garota da sua idade. As duas vão se envolver com seus amigos aproveitando a vida e as situações, independentemente das consequências. Veja mais aqui.
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O cordão dos a favor & os do contra, a música de Jorge Ben Jor, a arte de Hélio Oiticica, Vampirella de Forrest J. Ackerman, Eliane Queiroz Auer & Lia Kosta aqui.