quarta-feira, março 21, 2018

NAIPAUL, ROBERT FROST, DEWEY, POPPER, CLARICE & NELSON, ANA LUIZA REGO, GUSTAVO SANTAOLALLA & LISBETH SCOTT

A CABEÇA NA BANDEJA - Imagem: arte da artista visual Ana Luiza Rego. – Quando eu estava para nascer, havia uma expectativa. O que será que será? Ninguém previa o que pudesse surgir ali, naquela hora, se um monstro, um duende, um et, um vampiro, ou o saci Pererê, coisa que valha das abusões e terrores do mundo. Estavam todos prontos para tudo, eu poderia ser qualquer coisa, inclusive um aleijão, ou uma maldição, ou a besta do apocalipse. Fisionomias graves se confundiam com as da minha mãe que não sabia ao certo se estava com oito ou dez meses, atrapalhada com a contagem. A parteira lá a postos, conferindo as dilatações, as contrações, dizia: O bregueço vai nascer já já. Está quase na hora dele se mostrar! E tome espera. Ninguém ali dos presentes, parentes e aderentes sabiam se três da madrugada, dez da manhã ou cinco da tarde, sabe-se, apenas, que de repente pinotei do ventre da minha mãe pras mãos da parteira, com um berreiro macho de quem queria mesmo era azucrinar o mundo. Pronto, disse a parteira toda ancha, conferindo tudo: Dois olhos, dois buracos no nariz, uma boca, dois ouvidos, pescoço, dois braços, duas mãos e cinco dedos, dois pés e cinco dedos, duas pernas, virou, revirou, desvirou, tudo parece perfeito, pelas aparências não é bicho, nem coisa de outro mundo, parece mesmo que é gente, nunca se sabe. Pode ser que vire coisa ruim, vai depender das circunstâncias. Mas tem um detalhe! Ao dizer isso todos ficaram apreensivos. O detalhe é que esse menino será a perdição do mundo se não cortarem o mal pela raiz. Como assim? Esse menino será os pés da doida e se derem manha para ele, tudo estará perdido. Por quê? Se não cortarem logo as asas dele, esse menino quando crescer vai dar muito trabalho, vejam! Aí ela me futucou, eu dei um espirro e a terra tremeu caindo uma chuva torrencial. Como é? Ela buliu e eu arrotei. Nessa hora tudo virou de pernas pro ar. Ôôôô! Deu outra cutucada e eu peidei, pronto, trovões e relâmpagos abriam serras e morros! Ôôô! Estão prestando a atenção, né? Sim, todos afirmativamente. Pois bem, quando esse menino sorrir tudo vai desequilibrar, quando ele chorar os rios transbordarão a ponto das barragens romperem, quando ele tossir vai mudar a cor das coisas, quando estalar os dedos vai causar catabis que assustarão todo mundo, quando cagar as placas tectônicas se reacomodarão, quando ele mijar vai soltar sacarose de virar açúcar cristalizado, quando ele correr vai sumir, porque vai ficar invisível e só voltará quando bem quiser, mas não deixem ele cantar, será bastante desafinado, prefira as mentiras que ele conte porque será um grande mentiroso, mas nunca, sob hipótese alguma, deixe-o cantar, pois causará um desastre imprevisível. Estão avisados. Muitas outras coisas esse menino pode proporcionar para prejuízo de todos. Muitas mesmo. Cuidem dele em cima da risca, não deixem que viva solto, qualquer descuido será tarde demais, qualquer brecha ele foge, qualquer desatenção ele bota fogo na casa, tem de ser vigiado vinte e quatro horas por dia. Entendido? Sim, tudo nos conformes. Só não esperavam que eu começasse ali naquela hora a armar das minhas até hoje, premiado com a cabeça exposta na bandeja. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do compositor argentino Gustavo Santaolalla: Pajaros, Biutifull & The Best; a cantora e compositora armênia Lisbeth Scott: Desert song, Globus Preliator & The Best; & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.

PENSAMENTO DO DIA – [...] Temos de reconhecer que a consciência ordinária do homem comum [...] é uma criatura de desejos e não de estudo intelectual, investigação e especulação. O homem vive num mundo de sonhos antes que de fatos, e um mundo de sonhos organizado em tono de desejos cujo sucesso ou frustração constitui sua própria essência. [...]. Pensamento extraído da obra Reconstrucion in philosophy (Beacon, 1962), do filósofo e pedagogo estadunidense John Dewey (1859-1952). Veja mais aqui.

A CIÊNCIA & A VERDADE - [...] A ciência não é um sistema de declarações certas e bem estabelecidas, nem tampouco um sistema que avança para um estado final. Nossa ciência não é conhecimento (episteme): ela nunca pode pretender haver atingido a verdade, nem mesmo um substituto para ela, como a probabilidade [...]. Trecho extraído da obra The logic scientific discovery (Harper & Bow, 1968), do filósofo austríaco Karl Popper (1902-1994).

SOBRE AMIGOS & AMIZADEVocê se sente um homem só? Do ponto de vista amoroso, encontrei Lúcia [...] Mas, diante do resto do mundo, sou um homem maravilhosamente só. Uma vez fiquei gravemente doente, doente para morrer. Recebi em três meses de agonia três visitas, uma por mês. Note-se que minha doença foi promovida em primeiras páginas. Aí eu sofri na carne e na alma esta verdade intolerável: o amigo não existe. [...]. Trechos da entrevista realizada por Clarice Lispector com Nelson Rodrigues, extraído da obra Clarice Lispector: entrevistas (Rocco, 2007).

O NASCIMENTO & O FUTURO DA CRIANÇA – [...] - O que é?, pergunta o velho. Menino ou menina? – Menino, menino, gritou a parteira. R wur mrnino! Tem seis dedos e nasceu virado! [...] Em primeiro lugar, falemos dos traços dessa infeliz criança. Ele terá bons dentes, mas muito largos e espaçados. Suponho que vocês saibam o que isso significa. O menino será devasso e pródito. Talvez, também, mentiroso. É difícil reconhecer tudo isso com precisão, com todos esses buracos entre os dentes. Eles podem pressagiar uma dessas coisas, ou todas as três ao mesmo tempo. – E os seis dedos, pandit? – Um sinal pavoroso, não é mesmo? Tudo o que posso aconselhar é que o mantenham longe das árvores e da água. Sobretudo da água. [...]. Trecho extraído da obra Uma casa para o Sr. Biswas (Companhia das Letras, 2010), do escitor britânico nascido em Trinidad e Tobago, Prêmio Nobel de 2001, Vidiadhar Surajprasad Naipaul. Veja mais aqui.

DOIS POEMASCONHECIDO DA NOITE – Da noite sou conhecido / sob a chuva vou e venho / além das luzes que tenho ido. / Visto os tristes becos tenho. / Mas, sem ver, passo o rondante / fechado em seu sobrecenho. / Paro, e para o passo errante. / Quando interrompido grito / vem de outra rua distante / não para chamar-me ou aflito / dar adeus. No ceu, polido / relógio, o tempo descrito / tem, sem bo, nem mau, sentido. / Da noite sou conhecido. FOGO E GELO – Alguns dizem que o mundo acaba em fogo / outros dizem que em gelo acabará / pelo que do desejo já provei / favoreço a versão da ignescência. / Mas se houver de acabar-se duas vezes / eu penso conhecer o ódio bastante / para afirmar que nessa destruição / o gelo também serve / e é mesmo suficiente. Poemas do poeta estadunidense Robert Frost (1874-1963).

A ARTE DE ANA LUIZA REGO
A arte da artista visual Ana Luiza Rego.
IV Colóquio Internacional de Literatura e Gênero & muito mais na Agenda aqui.
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A lição de cada amanhecer, Lendas da Amazônia, a música de Anne Schneider, Edla Fonseca, a arte de Alice Soares & a escultura de Lorenzo Quinn aqui.