terça-feira, março 06, 2018

GRAZIA DELEDDA, RACINE, KIRI TE KANAWA, IVAN ILLICH, FLORA PURIM, ROBERT HOOKE & CYANE PACHECO

TOADA DE PEITO – Imagem: arte da artista plástica Cyane Pacheco. - O que tenho de mim nem mesmo me basta, como se errasse de ontem os designios extraviados e nem mais opção qual fuga restasse, antes certeza que nem duvidou, quando ademais era o lacre na porta e o verão a espera no ermo. O ouvido do mundo me fez só silêncio, quanto eu já não dei a mim do que perdi o rio e a minha cidade comigo distante e sem aceno, não vivia de tão desfeita, porque nada servia mesmo se assim não quisesse. Vinte coisas me disseram de outras tantas nem mais disfarçadas, coisas à cata que nem sabe o que é, sobrei pelas costas sem ter pra onde ir, a ilusão que sobrava de partir pra melhor. Sorria amarelo o dia anoitecido, e se calavam desavindos nas encruzilhadas e precisava saber das horas, só desdenhavam: amanhã será você. Pra mim era, e não era; era como se quisessem que eu soubesse a letra A de quem vai ou já foi com os melhores tempos do passado, eu atrás do futuro jogado pra trás por consoantes e vogais que nem se diziam: tem lógica? Não, não tinha, nem poderia jamais, o que seria pretexto pra toda desistência. Mais eu insistia refeito na marra e quase tudo a se decompor aos desamparos e exortações, porquanto eu pudesse sobreviver entre a vingança e o perdão, das quais sabia sequer as cinzas ao vento, trapos e migalhas eram haveres e se esvaiam entre os dedos. Renascia e revidava perempto e pombos saíam-me ao tronco ganhando a brisa como truques malogrados pela vulgaridade com todos encobertos pros sustos inexplicáveis, e a remar sem saber da maré escondida, meus braços quais hélices pras asas sonhadas, estranguladas pelos chiados das corujas com as agruras movediças colhendo estrelas pra não saber mais do céu, e a despencar na perplexidade dos embaraços como se dessem as contas para nunca mais. Retornava à semente, teimoso do zero pro que desse, apócrifo triunfo pros anos pesarem nos pés descalços, fincados no chão sem vestígios. Eu me refazia teimando em ganhar e o Sol a dançar na ponta dos dedos até o cansaço do crepúsculo, um brinde, cores e perfumes, meu salva-vida pelas fornalhas da via crucis, a prosperar na treva como se nada mais existisse, porque ninguém vê o escuro até o porvir. E assim a vida brinca de morte e vice-versa, a todo instante, aprendo sem jeito e querer, vou adiante pra que tudo seja hoje, amanhã e depois, mais uma vez. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá Todo dia é Dia da Mulher com especial da cantora Flora Purim: Speak no evil, Airto Moreira Live & Ohne Filter Live; da cantora lírica e aclamada soprano neozelandesa Kiri Te Kanawa: The jazz álbum, Ária (Cantilena) Bachianas Brasileiras 5 de Villa-Lobos & Montreal Concerts; & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.

PENSAMENTO DO DIA – [...] Precisamos ainda encontrar um nome para os que valorizam mais a esperança do que as expectativas. Precisamos de um nome para os que amam mais as pessoas do que os produtos, os que acreditam que Ninguém é desinteressante. Seu destino é semelhante à crônica dos planetas. Nada há nele que não seja particular, cada planeta é diferente de outro. Precisamos encontrar um nome para os que amam a Terra onde cada um possa encontrar o outro. E se uma pessoa viver na obscuridade, fizer seus amigos nesta obscuridade, a obscuridade não é desinteressante. [...] Trecho da obra Sociedade sem escolas (Vozes, 1985), do pensador e polímata austríaco Ivan Illich (1926-2002), tratando sobre a desinstalação da escola e sua fenomenologia, a ritualização do progresso, os mitos dos valores institucionalizados, da mensuração dos valores dos valores empacotados, do progresso autoperpetuavel, o jogo ritual e a nova religião do mundo, o reino que há de vir & a universalização das expectativas, a nova alienação, o potencial revolucionário da desescolarização, o espectro institucional, os falsos serviços públicos & as escolas como falsos serviços públicos, as concordâncias irracionais, as teias de aprendizagem, serviço de consultas a objetos educacionais, intercâmbio de habilidades, encontro de parceiros, educadores profissionais, renascimento do homem Epimeteu, entre outros assuntos. No texto Aplea for research on lay litteracy (Cambridge University Press, 1991), o autor observa que: [...] Em uma sociedade oral, uma pessoa tem que manter sua palavra. Ele a confirma fazendo um juramento, que é uma maldição condicional a ameaçá-lo caso não seja fiel ao que prometeu. Enquanto jura, segura a barba ou os testículos, oferecendo o próprio corpo como garantia. [...] No regime da escrita, o juramento perde valor diante do manuscrito; não é mais a memória que conta, porém o registro. [...].

LEITURA DO MUNDO – [...] Sempre que perceber que me aventurei a fazer qualquer mínima conjetura sobre as causas do que observei, peço-lhe que as considere apenas como questões duvidosas e palpites incertos, não como conclusões inquestionáveis. [...] Procurei tanto quanto pude primeiramente descobrir a aparência verdadeira e depois representá-la simplesmente. [...]. Trecho extraído da obra Micrographia (Micrographia, or some physiological descriptions of minute bodies made by magnifying glasses with observations and inquiries thereupon - Dover, 1961), do filósofo e cientista experimental inglês Robert Hooke (1635-1703), obra esta que foi uma das primeiras obras onde o microscópio foi aplicado ao estudo dos seres vivos, com descrições detalhadas e minuciosos desenhos que se tornaram famosos, introduzindo com a microscopia um novo modo de ver o mundo.

CANIÇOS AO VENTO - [...] Já algumas mulheres tinham-se reunido ao redor da sanfona, dando-se as mãos, para começar o baile. Os botões de seus corpetes brilhavam ao fogo, as sombras se cruzavam no chão pardacento. Lentamente formaram uma fileira, com as mãos trançadas, e levantaram os pés, experimentando os primeiros passos do baile; ainda eram rígidas e incertas, e pareciam que se escorassem reciprocamente. [...] Uma corrente de magia pareceu atravessar as mulheres, provocando uma excitação, controlada, mas ardente. A fila começou a ondular, dobrando as pontas até formar uma roda. A todo momento uma mulher de fora chegavam separava duas mãos juntas, trançava-se com as suas e acrescentava um elo à cadeia multicor, ao redor da qual se formava no chão uma franja de sombras animadas. E os pés levantavam-se sempre mais rápidos, batendo entre si, e batendo depois a terra, como para despertá-la da sua imobilidade. [...]. O grito ecoava como um relincho e as pernas das mulheres, desenhadas pelas saias escuras, e os pés curtos, emergindo das ondulantes barras vermelhas, moviam-se quase freneticamente, como esquentados pelo prazer do baile. [...]. Trechos extraídos da obra Caniços ao vento (Delta, 1964), da escritora sarda Grazia Deledda (1871-1936), Prêmio Nobel de Literatura de 1926, narrando neste livro as crises existenciais e fragilidades humana das suas personagens, bem como descreve em detalhes e com um realismo claro os costumes e lendas da sociedade agro-pastoril da sua amada ilha da Sardenha.

A DEVOÇÃO - Das celestes regiões pouso da Divindade, / desço à mansão que hospeda a graça e a virgindade; / paira a Inocência ai, minha irmã eternal, / que não tem som os céus asilo mais real. / Aqui, longe do mundo e de seu ruído vão, / guio ao dever mais santo um povo em formação: / nutro-lhe na alma pura o germe alvo e fecundo / das virtudes que deve espalhar pelo mundo. / Um rei que me protege, ilustre e vitorioso, / confiou a minhas mãos um cargo tão precioso. / E lhes transpondo já fronteiras e defesas, / destrói ele os bastiões de suas fortalezas. / Deste-lhe um filho atento em alçar-lhe o poder, / que cabe comandar, lutar, obedecer; / e, que a seus pés, também, vendo sempre a vitória, / a merecer-lhe o amor limita a própria gloria; / sujeito com ternura ao cetro paternal, / é de todo inimigo o infortúnio eternal/ aos raios similar, que envia o céu possante / quando, seu rei diz: “Parte”, arroja-se exultante; / de um vingador trovão abrasa a terra e os céus / e, tramquilo, a seus pés vem depor seus troféus; / E, enquanto um grande rei me vinga das desfeitas, / vós, que gozais aqui delicias tão perfeitas, / se ele olvidar uma horas as glorias que constrói, / as diversões da fé chamai aquele herói: / retratai-lhe de Ester, a imorredoira história, / e sobre a irreligião, da piedade a vitória. / Mas, vós que preferis essas loucas paixões / que acendem na alma humana as profanas ficções, / espectadores vãos de frívolos prazeres, / cujo ouvido aborrece o som de meus dizeres, / fughi do meu prazer à santa austeridade: / aqui tudo respira a Deus, paz e verdade. Prólogo da tragédia Esther (Irmãos Pongetti, 1949), do poeta trágico, dramaturgo, matemático e historiador francês Jean Racine (1639-1699). Trata-se de uma peça em três atos, escrita em 1689, dramatizada para satisfação dos professores e alunos que declamaram e cantaram com tanta graça e modéstia, que esse pequeno drama, destinado apenas para o benefício dos jovens alunos, tornou-se a admiração do rei e do tribunal. Veja mais aqui e aqui.

OS DESENHOS DE CYANE PACHECO
Dentre as linguagens escolhidas, o desenho, desde sempre me pareceu a mais rematada forma de expressar minha busca no universo das Artes Visuais. Desenho para esquadrinhar perguntas, para constituir um vocabulário particular, para constituir o ambiente que me circunda, para desempenhar um papel político através da Arte e em fazer compreender pelo viés daquilo que não é palavra. Eu achava que o traço significava minha inaptidão com a literatura, ou seja, desenho, esculpo, gravo, fotografo e produzo em outras linguagens para desvelar um texto visual que me é necessário. Embora goste de expandir as formas clássicas das linguagens artísticas (desenho, pintura, gravura e escultura), guardo o cuidado que me antepare das ondas vãs e do amontoado das ruínas precoces dos modismos que, não raro, propositadamente esvaziam os discursos e são, em sua maioria, feitos para ingênuas diversões, nesse sentido, das linguagens expandidas, agradam-me as intersecções e as estratificações que contêm todo o tempo. Incorporo o discurso que alinhava as imagens, buscando através dele, remontar às experiências e às surpresas do novo o enfrentamento da criação, sabendo que “desprovido da experiência, o homem não deixa rastro”, como bem assinala Walter Benjamin, recrio, portanto, minha existência, o que me ocorreu e o que imagino, os vestígios da memória, os conteúdos inconscientes, absorvo os saberes alheios, exponho o horror das potências inumanas, mesmo sabendo que essa exposição não atingirá ou destruirá a barbárie, o horror. Durante o final dos anos oitenta e início dos anos noventa do século XX, quando trabalhei no Museu do Estado de Pernambuco e participei de uma equipe responsável pela restauração de uns painéis votivos representando uma batalha havida no século XVII, percebi que as figuras que compunham tais painéis, eram soldados, cães, famílias, personagens circenses, numa procissão extravagante, representados através de uma bidimensionalidade ingênua em suas posturas sobrepostas, subvertendo as regras da perspectiva. Dispostos em um plano diverso das alegorias por nós conhecidas, as figuras que compunham esse painel votivo, pareciam surgir com imensa liberdade de gestos, relevando a primazia da mensagem, da ilustração despreendida da rigidez acadêmica. Transpus essa lógica ou forma representativa do traço, para o plano, o papel, o espaço dos suportes eleitos, esquecendo intencionalmente as regras pré-estabelecidas, desobedecendo as leis da composição ensinadas nos livros sobre o assunto. Dei conta no papel tão somente do texto que me interessou naquele primeiro momento e continua me impelindo a resolver, com fluidez e poucas regras ditadas ao acaso, o sentido dos traços e das figuras que dele surgem. Imaginei que os personagens oriundos da imaginação despontavam dessa clivagem na rigidez do gesto, da criatividade e da ilusão da liberdade, há tanto guardada e, isso me faz pressentir, até hoje, que tais figuras sentem-se expressamente alforriadas. No momento seguinte do meu percurso, quando julguei que a madureza dos traços podia criar uma linguagem pessoal, íntima, um vocabulário que dissesse não apenas o que penso, mas retratasse algo mais amplo, do campo do mito, do sonho público, decidi que podia tirá-los da condição limitada e bidimensional, modelando-os e alargando as suas expressões. Como seria soltá-los do plano achatado do papel? Essa foi a atitude primeira para que eu empreendesse incursões nos territórios mais extensos da arte. O desenho continua portanto, o ponto de partida para qualquer texto que eu pretenda em Arte. O corpo é meu foco e meu objeto de investigação, escolhido pelas possibilidades várias que vão desde a metáfora, a metonímia, as camadas temporais, as alterações entre motivo e suporte à literalidade. Busco, além do fazer artístico, respeitar o ínfimo espaço entre arte e vida, senão viver as duas coisas como se fora uma só.
Texto extraído de Eutomia - Revista de Literatura e Linguistica (Recife, 14 (1): v-xix, Dez.2014), da artista plástica & visual Cyane Pacheco. (Veja mais abaixo).

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Ana Lins, a Revolução Pernambucana de 1817 & Todo dia é dia da mulher aqui.
Festa no céu do amor, a música de Tom Jobim, a poesia de Nauro Machado, a fotografia de Elizabeth Zusev & a arte de Steve K. aqui.
História da mulher: da antiguidade ao século XXI aqui.
O que é de sonho quando real, Yukio Mishima, Marisa Rezende & David Alfaro Siqueiros aqui
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A morte e a morta, Tarsila do Amaral & Byam Shaw aqui
O beijo dela de sol na minha vida de lua, José Régio, Ceumar & Luciah Lopez aqui
Gabriel García Marquez, Lev Vygotsky, Edmond Rostand & Cyrano de Bergerac, Elizabeth Barrett Browning, Flora Purim, Andrzej Wajda, Michelangelo & Anna Mucha aqui
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Alan Watts & Todos os Brasis do Brasil aqui
História do Cinema aqui.

ARTE DE CYANE PACHECO
A arte da artista plástica & visual Cyane Pacheco, que edita os blogs Cyane Pacheco & Arte Cyane Pacheco, mantendo seus trabalhos em um canal do YouTube e perfil no Flickr. Veja mais aqui.