quinta-feira, fevereiro 22, 2018

ŽIŽEK, GIROUX, HALLDÓR LAXNESS, JOSEPH BENNET, JACOB DE HAAN, CRIS OLIVEIRA, JANINE JANSEN, YVONNE JEANETTE KARLSE, CORLISS LESSER, DAY WILLIAMS & JUSTINITA

A SINA DE JUSTINITA – Imagem: Lady Justice under fire, art by Day Williams. - Desde o dia em que fora atropelada pela cabrita, ocorrera uma drástica transformação no comportamento de Justinita. Ao pensar se ao invés do golpe caprino fosse ela recolhida pelo caminhão desgovernado, hoje estaria de pés juntos no reino dos esquecidos. O destino assim quisera, ela refeita do susto. Esse fato fizera repensar a vida e pode perceber ao seu redor a miséria dos famintos, o desamparo dos despejados, o sofrimento dos desvalidos, o desespero dos desabrigados. Aos seus olhos isso tudo era injusto, Deus não promoveria tanto sofrimento à toa, por certo haveria outra razão para tal desgraça. Homens, mulheres, crianças, idosos, tanta gente supliciada, tudo isso provocava nela um ar de soturnidade jamais visto na sua sempre sorridente forma de ser. Tinha de fazer alguma coisa, não sabia, logo descobriria. E assim passou dias imaginando como saber a verdade e ajudar os pobres coitados que sofriam em todos os lugares pela periferia da cidade. Voluntariamente passou a assistir os necessitados, visitando abrigos, hospitais, penitenciárias, manicômios, e a cada visita chorava com tanto meninos e meninas cancerosas, tantos macróbios abandonados, tantos pobres desassistidos, tantos presos amontoados, era sofrimento demais para sua sensibilidade. Nas suas visitas levava o que podia de alimentos, abraços, palavras amigas, lágrimas de solidariedade. Mas logo percebeu que caridade não resolveria, dia mais dia, nada mudaria se ficasse apenas na filantropia, precisava fazer algo mais e não sabia. E usou de sua jovialidade encantadora para promover campanhas em defesa dos desassistidos. Por ser uma jovem bela e sedutora, muitos simpatizantes logo acorreram em socorro e aumentaram o prestígio das suas manifestações. Cobiçada por todos os marmanjos da cidade, não demorou muito a ser disputada por advogados, promotores, juízes, desembargadores e até ministros que lhe prometiam fundos vultosos para seus pleitos, afora o apoio irrestrito no que ela pretendesse realizar para alcançar seus intentos. A sua causa logo alcançou a marca de milhões de participantes, chegando mesmo a ter ações como a construção de casas populares, assistência médico-hospitalar gratuita para os enfermos, assistência social para os desamparados, enfim, tornou-se o símbolo da defensora dos pobres e oprimidos. Logo cogitaram filiações partidárias para pleito eleitoral, ao que ela imediatamente rechaçou alegando completa descrença nas coisas de política e nas promessas eleitoreiras, deixando claro que se os políticos e autoridades até então nada fizeram por tais problemas, não seria agora que partidos e gestores tomariam a iniciativa de fazê-lo. Não, mil vezes disse não, alegando a partir de agora ser a responsabilidade de cada ser humano a preservação da sua espécie, promovendo a existência do outro na verdadeira iniciativa pela proteção e promoção do exercício da cidadania e dignidade da pessoa humana entre todos e isso começava por ela, era o seu exemplo, quem quisesse que seguisse. Contudo, não contava ela com as astúcias ardilosas dos cortejadores, entendia que era presenteada não por algo em troca, mas pela sensibilização das pessoas por sua causa. Jamais previra a incestuosa intenção de um seu irmão de criação agora representante do Ministério Público, nem a investida estupradora de um primo em terceiro grau, muito menos que seria vendada pelo juridiquês de advogados, a ponto de não ver mais nada e enredada numa teia de tenebroso coral barítono, Eu não vejo nada, e mãos tateavam suas carnes por baixo de suas vestes, pegavam-lhe dos pés à cabeça a puxar-lhe a calcinha pernas abaixo, a soltarem o sutiã, remover-lhe as vestes e deixa-la nua desamparada, pegada, puxada, levada, agarrada, beliscada, apertada, e uma grave voz: Cumpra-se! E mais era tomada por muitas mãos na sua cegueira, e riam cochichando que ia dormir com o juiz no primeiro sono, muitos juízes, e com desembargadores o segundo o sono, e com os ministros o terceiro sono, e ouvia e tentava se soltar e acorrentada por mãos e riam, murros em mesas, gritos exigindo silêncio, muitas vozes no seu juízo e sentiu a vagina invadida por um pênis enlouquecido, muitos outros e tantos pênis se enfiavam nela, no seu ânus, sua boca, ouvido, muitos e mais pênis esfregando-se em suas faces, ao pescoço, aos ombros, seios, mãos, entre as pernas e coxas, costas e ventre, gargalhadas insolentes explodiram enquanto sentia a urina deles sobre seu rosto e corpo, chamavam-na de puta, gritavam safada, quenga, puta, puta, e quanto mais relutava mais era fodida, cuspida, mijada, seviciada, nada podia fazer senão desmaiar e morrer, nunca mais acordar. Ao recobrar os sentidos, nua algemada, vendada e amordaçada, o frio e vozes como solenidade do Tribunal do Juri, muitas vozes de ambiente repleto de gente e ela ali desamparada entre sentenças e penas. Não sabia nada, não via nada, nada podia fazer ali, nada mais a fazer por nada. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

Imagem: Bound Justice, art by Corliss Lesser.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá é dia de especial com a música do compositor holandês Jacob de Haan: Concerto d’ Amore, Ross Roy, Utopia & Pacific Dream; a interpretação da virtuosa e belíssima violinista e violista holandesa Janine Jansen: Concert Tchaikovisky Live, Four Seasons Vivaldi e Concert Violin Dvorak; & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.

PENSAMENTO DO DIA – [...] Ensinar, nos termos de Paulo Freire, nãoé simplesmente estar na sala de aula, mas estar na hostória, na esfera mais ampla de um imaginário político que oferece aos educadores a oportunidade de uma enorme coleção de campos para mobilizar conhecimentos e desejos que podem levar a mudanças significativas na minimalização do grau de opressão na vida das pessoas. [...]. Extraido da obra Um livro para os que cruzam fronteiras (Cortez 1996), do pedagogo e crítico cultural estadunidense Henry Giroux.

DESERTO DO REAL - [...] Sempre que cencontramos um mal tão puro no exterior, devemos reunir a coragem para apoiar a lição hegeliana: nesse exterior puro, nós devemos reconhecer a versão destilada de nossa propria essência. Pois nos últimos cinco séculos a prosperidade e paz (relativas) do Ocidente “civilizado” foram compradas pela exportação de impiedosa violência e destruição ao Exterior “bárbaro”: a longa história desde a conquista da América ao massacre no Congo. Por mais que soe cruel e indiferente, nós também deveríamos, agora mais do que nunca, ter em mente que o efeito desses ataques é de fato muito mais simbólico do que real. [...] Os EUA apenas experimentaram o que acontece no resto do mundo diariamente, de Sarajevo a Grozni, de Ruanda e do Congo a Serra Leoa. Se forem adicionados à situação em New York atiradores de elite e estupros em massa, é possível ter uma ideia do que era Sarajevo uma década atrás. Foi quando assistirmos na tela de TV ao colapso das duas torres do World Trade Center que se tornou possível experimentar a falsidade de “reality shows” da TV: mesmo se esses shows forem “de verdade”, as pessoas ainda atuam neles – elas simplesmente atuam como elas mesmas. [...]. Trechos extraídos da obra Bem-vindo ao deserto do real: cinco ensaios sobre o 11 de setembro e datas relacionadas – Estado de Sítio (Boitempo, 2003), do filósofo, teórico crítico e cientista social esloveno Slavoj Žižek. Veja mais aqui e aqui.

A ESTAÇÃO ATÔMICA – [...] E como essas palavras de uma saga soavam falso, em sua boca, tentou dar=-lhe peso, atirando-se em cima de mim. Bateu-me, várias vezes, com seus punhos serrados. Depois tentou morder-me, mas não o permiti. Acabou perdendo a vontade de lutar comigo e quando viu que não conseguia desembaraçar-se voltou ao vestíbulo e lá, bem no meio do aposento, após a luta, deixou escorregar, de seus ombros magros, até o chão o casado de pele, como se o estivesse perdendo. E lá o deixou, como se abandonasse uma pele de animal dos encantamentos. Voltara a ser uma menina, com seus gestos desajeitados e desarticulados. Encolheu-se a um canto do sofá, o queixo nos joelhos, os pinhos fechados sobre os olhos e pos-se a chorar: a princípio, com grandes soluços e grandes suspiros, depois, lamuriante como uma criança que se lamenta. Então vi que não se tarataba apenas de comédia. Ou seria uma comedia bem representada? Tentei aproximar-me dela, com o máximo de precaição possível [...] O resultado dessa discussão foi que a senhorita Sangue de Maçã nada fez do que ameaçou. Por sua vez, não iria suicidar-se, nem mataria seu amante. Mas pediu-me licença para dormir comigo o resto da noite, porque era pequena e tinha os nervos fracos, enquanto eu era robusta e vinha do campo. [...]. Procurei com o olhar o caminho mais curto para sair dessa praça, apertei meu buquê de flores contra o peito e pus-me a caminhar. Que preço teria tido a vida, a meus olhos, se essas flores não tivessem existido? Trechos da obra A estação atômica (Delta, 1966), do escritor islandês Halldór Laxness (1902-1998), Prêmio Nobel de 1955.

OUTONALAndas sobre o outonal assoalho, onde o seu corpo, / dela, sob três pés de folhas decompõe-se / imensos membros seus trazidos pelo vento. / E nos montes de terra o cavalo furioso / mergulha, vira e corre através de tal carne. / Ela, a flama outonal, a carne em taça molda, / onde sólida e espessa a carne impede o vento. / A fumaça a fluir do arruinado cadáver / oculto à palidez no intimo da pele / e a urina as folhas suja embaixo do cavalo. / O sentido da massa envolve estes cavalos / ao tempo emque um a um mergulha sobre a carne. / A sempre devagar liquescência da pele / é o espesso queimar do cadáver corrupto. / Esra plimagem trela ao vento solta livre! / Nesse vento a fluir os gases que se evolam / as memórias arrancam do afogado cavalo. / As árvores, largando a carne, cegas vão. / A folha a se erodir na fusão do cadáver. / As fissuras se abrindo em chamas pela pel. / Suporta a forte vinha o impulso sob a pele. / Combustivel suporta o óleo espesso da carne, / o gás a vista ensopa ao cavalo enforacado / as chamas a jorrar pelos poros do vento / pegam o focal estilo achado no cadáver. / Cadáver em chama nu exposto a todo vento / o cavalo a arder se difundindo em pele / a folha a extinta folha a correr sobre a carne. Poema do poeta estadunidense Joseph Bennet.

O LEITO POR DETRÁS DO RIO, DESTILAR A PELE
O leito por detrás do rio, destilar a pele é um solo concebido e interpretado pela atriz Cris Oliveira, resultado da pesquisa interdisciplinar sobre a percepção e os cinco sentidos, em especial o tato. A experiência partiu da interação da pele com os elementos: leite, mel, água, óleo e sangue. A temática trata dos limites do corpo e a re-materialização da própria identidade, enquanto substância. O trabalho apropria-se do sentido filosófico e alquímico dos elementos na busca por transformação.

Veja mais:
Justinita & a cabrita braba, o pensamento de Amartya Sen & Zilda Arns, a crônica de Kledir Ramil, o cinema de Penny Marshall & Elizabeth Perkins, a arte de Dorina Costras, a música de Arnaldo Antunes & Roberta Sá aqui.
Rascunho solitário, a literatura de Arturo Ambrogi, a música de Edino Krieger, a pintura de Camille Corot & a arte de Jim Thompson aqui.
Gato escaldado pra se enturmar é um pé na frente e outro atrás, a música de Sonia Bach, a fotografia de Mariana Beltrame & a pintura de Umberto Boccioni aqui.
Quando te vi na Crônica de amor por ela, Marques Rebelo, Eduardo Giannetti, Luzilá Gonçalves, Francis Poulenc, William Shakespeare, Patrícia Petibon, Anatol Rosenfeld, Anésia Pinheiro Machado, Marcela Rafea, Franz von Bayros, Asztalos Gyula & Magda Zallio aqui.
Marguerite Duras & Todo dia é dia da mulher aqui.
Pagu – Patrícia Galvão & Todo dia é dia da mulher aqui.
Serenar na Crônica de amor por ela, Dinah Silveira de Queiroz, Jacques Prévert, Validivar, Paulo Santoro, Arieta Corrêa, Wong Kar-Wai, Manuel Puig, Peter Greenaway, Elisete Retter, Shirley Kwan, Agi Strauss, A educação e seus problemas & Lilian Pimentel aqui.
A árvore de Humberto Maturana & Francisco Varela, Darel Valença Lins, Luiz Melodia, Terra Oca & Lady Francisco aqui.
Debussy, Pierre Bonnard, Laurindo Almeida, Carl Rogers, Emily Greene Balch & Pós-Modernidade aqui.
Projeto Tataritaritatá aqui.
Educação, Sexualidade & Orientação Sexual aqui.
Big Shit Bôbras: Ói nois aqui traveiz aqui.
Big Shit Bôbras: o despranaviado geral aqui.
A campanha do Doro Presidente aqui.
Tolinho & Bestinha: Quando Bestinha enfiou-se na bronca da vida e num teve quem desse jeito aqui.
O que deu, deu; o que não deu, só na outra aqui.
Aprendi a voar nas páginas de um livro aqui.
Canção de quem ama além da conta aqui.
Inutescência & Maria Luísa Persson aqui.
Ulysses Gaze, Eleni Karaindrou & Kim Kashkashian, Tunga & Giuseppe Gioachino Belli aqui.
Steven Pinker & Lou Vilela aqui.
Psicanálise & Roger Cruz aqui.
Nélida Piñon, Oduvaldo Vianna Filho & Júlio Pomar aqui.
O pensamento de Arthur Schopenhauer aqui e aqui.
O cinema de Luis Buñuel aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
A arte de Andy Warhol aqui e aqui.
Dia Branco, Ítalo Calvino, Isaac Newton, Henrich Heine, Mark Twain, Moisés, John Watson, Meio Ambiente & Programa Tataritaritatá aqui.
As muitas e tantas do Rei Salomão aqui.
Cantiga de amor pra ela & Programa Tataritaritatá aqui.
Haroldo de Campos & Jacques Lacan aqui.
Tempo & Expressão Literária de Raúl Castagnino & Totem e Tabu de Freud aqui.

ARTE DE YVONNE JEANETTE KARLSE
Art by Yvonne Jeanette Karlse