O QUE FOI DO
PASSADO – Imagem: arte da artista plástica Irene Duarte. - Uma tarde de maio
Nazilma deu por conta do olhar insistente de Delzito. De início incomodava e
como aquela afincada postura dele causava asco, rejeitava até. Depois de muitos
flagrantes de dias, tardes e noites, acostumou-se. Antes repugnante, passou a
ser prazeroso aquele fitar flamejante e firme, provocador, insistente,
imantado. Ele mirava, ela correspondia, de soltar até um leve sorriso no canto
da boca. Pronto, bastou, lá vinha ele em sua direção: Sabia que você tem o
sorriso mais lindo mundo? Não. Saiba. Frases entrecortadas formadas por
simpáticas reações de tímidos risinhos tornaram-se o preâmbulo para um mínimo
de contato. Sem conseguirem encaixar uma conversa propriamente dita, lá se iam
de sim em sim, que coisa, deixe disso, vamos lá, quando chegou a hora da
despedida, um certo temor tomou conta de ambos. Ele adiantou-se meio desajeitado:
A gente pode aprumar conversa qualquer hora dessa? Sim, por que não? Então, tá.
Então, tá. Inté. Até logo. Cada qual pro seu lado, não antes conferência de uma
virada de ambos, uma piscadela em sinal de adeus com um quase aceno distante.
Mais dois ou três encontros, lá estavam em conversa animada. O assunto?
Qualquer coisa, o que importava é que se deliciam com o que diziam, jogando
conversa fora: Está vendo aquilo? Nossa, que coisa, hem? Já viu? Nunca pensei,
mas é legal, nunca tinha prestado atenção. Pois é, também não. E aquilo ali?
Estranho, né? É. Papo vai, palra vem, menos se espera já ocorrência de um
namoro firme, noivado anos depois. Já era maio de uma década desde o primeiro
flerte, ambos desposavam numa cerimônia simples, alguns familiares e uma lua de
mel modesta num apartamento alugado. Amaram e se estranharam algumas vezes,
trabalhavam para o sustento, sem filhos, atraídos um pelo outro cada vez mais,
às juras de amor na madrugada, a pegação de manhã ao acordarem de sono pesado,
as beliscadas mútuas no cruzamento dos corpos pelos cantos, as fantasias
sensuais ao telefone antes de largar do expediente no trabalho, a correria de
chegar em casa e surpreender quem chegasse primeiro, as brincadeiras de
esconde-pega, os cochichos carinhosos com as escolhas dos fetiches nas
indumentárias de enfermeira, bombeiro, escravos, dominação. Mais uma década e
tramavam surpresas as mais imprevisíveis: no escurinho do cinema, na escadaria
de prédios abandonados, nas esquinas inóspitas, lugares ermos, paragens
insólitas. Realizavam-se amantes e amados, comodamente adequados aos quereres e
prazeres recíprocos. Amavam e desamavam, se ajustavam, espalhavam brasa nos
desentendimentos, se engalfinhavam nas pazes, arengavam nas vésperas, seguiam e
se separavam vez ou outra, vai e vem durante três décadas. Um dia, Delzito
sente uma dor no peito e bate as botas. Um choro interminável dominou Nazilma
por todo velório. Era chegada a hora da última despedida, coração apertado,
sepultamento concretizado. À noite densa dominava o silêncio, ela não sabia o
que fazer, anestesiada, sem conseguir conciliar o sono, cochilava, teimando em
ficar acordada. Adormecia e por um instante o domínio de um sonho: Venha me
buscar, estou vivo, me socorra! Acordava atônita, aperreio aos extremos, prantos
desolados, era ele veementemente insistindo para que ela fosse buscá-lo. Não
sabia o que fazer. Dormitava envolvida na oníria presença dele chamando-a.
Aquilo perseguiu a noite toda em claro. Ao amanhecer procurou amigos e foi
encaminhada ao delegado. Este por sua vez despachou pro Juiz. Já final da tarde
conseguira a autorização judicial para reabrir a cova, agitada, ansiosa, pás
cavando, hora passando, o coração aos pulos, enfim, o caixão, ao removerem a
tampa, ele estava de bruços, agora definitivamente morto, chegara tarde,
pensara. E nunca mais conseguiu ser feliz. © Luiz Alberto Machado.
Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especiais com o
guitarrista britânico de jazz John McLaughlin: Extrapolation & In after the
rain; da pianista e compositor polonesa Felicja Blumental (1908-1991): Valsas
de Chopin & Piano Português Espanhol; do músico, arranjador, regente,
pianista e compositor Wagnert Tiso: Trem mineiro & Preto & Branco; e músicas
com o talento e a arte da violonista francesa Ida Presti (1924-1967). Para conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA - Cada pessoa deve trabalhar para o seu
aperfeiçoamento e, ao mesmo tempo, participar
da responsabilidade coletiva por toda a humanidade.
Pensamento da cientista polonesa Prêmio Nobel de 1903 e 1911, Marie Curie (1867-1934). Veja mais
aqui.
RIBEIRÃO
- Ribeirão teve origem num aglomerado de
casas populares, construídas em torno de uma capela sob a invocação de Santana,
usto no séc. XVIII, segundo tradição local. Daí apareceu o Engenho Ribeirão,
mais tarde a Usina Pinto, depois Usina Ribeirão, que contribuiu para o
desenvolvimento do povoado. O seu progresso, com a abertura da estação da
estrada de ferro Rio São Francisco, em 1862, foi grandemente acelerado. Em 1910
foi construído um ramal ferroviário, partindo de Ribeirão para Barreiros, e
outro para Cortês, o que veio favorecer grandemente o município. O distrito foi
criado por Lei municipal em 19 de agosto de 1895 e a sua sede foi elevada à
categoria de vila por Lei estadual 991, de 01 de julho de 1909. O distrito
pertencia ao município de Gameleira. A lei estadual 1931, de 01 de janeiro de
1928, criou o município de Ribeirão, cuja instalação ocorreu em 01 de janeiro
de 1929. A sua sede foi elevada à categoria de cidade, pelo Decreto-Lei
estadual 235, de 09 de dezembrop de 1938. Administrativamente, o município é
formado pelos distritos sede, Aripibu e José Mariano e pelo povoado de Usina
Estreliana. Anualmente, no dia 11 de setembro, a cidade comemora a sua
emancipação política. Veja mais aqui.
O MITO DE SÍSIFO – [...] Julgar se
a vida vale ou não vale a pena ser vivida é responder à questão fundamental da
filosofia. O resto, se o mundo tem três dimensões, se o espírito tem nove ou doze
categorias, aparece em seguida. São jogos. É preciso, antes de tudo, responder.
E se é verdade, como pretende Nietzsche, que um filósofo, para ser confiável,
deve pregar com o exemplo, percebe-se a importância dessa resposta, já que ela
vai preceder o gesto definitivo. Estão aí as evidências que são sensíveis para
o coração, mas é preciso aprofundar para torná-las claras à inteligência.
[...]. Trecho extraído da obra O mito de Sísifo: ensaio sobre o absurdo
(Livros do Brasil, 2002), do escritor, dramaturgo e filósofo francês Albert
Camus (1913-1960), abordando sobre a filosofia do absurdo, pela qual
entende-se que o homem busca sentido, unidade e clareza no rosto de um mundo
ininteligível desprovido de Deus e eternidade. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.
CÂNTICO II – CECÍLIA MEIRELES
Não sejas o de
hoje.
Não suspires por
ontens...
Não queiras ser o
de amanhã.
Faze-te sem limites
no tempo.
Vê a tua vida em
todas as origens.
Em todas as
existências.
Em todas as mortes.
E sabe que será
assim para sempre.
Não queiras marcar
a tua passagem.
Ela prossegue.
É a passagem que se
continua
É a tua
eternidade...
É a eternidade...
És tu.
Poema
extraído da obra Cânticos (Moderna,
1981), da escritora, pintora, professora e
jornalista Cecília Meireles (1901-1964). Veja mais aqui.
Veja mais:
Dia do Radilaista: a voz ao coração
aqui.
A neurociência de Eric Kandel aqui.
&
A ARTE DE IRENE
DUARTE
A arte da artista plástica Irene Duarte.