quinta-feira, agosto 31, 2017

INÊS BOGÉA, JOÃO DO RIO, BIBLIOTECA & INCLUSÃO, ARTE & ENTREVISTA DE VILMAR ANTÔNIO CARVALHO

ZANGÃO NA COLMÉIA – Sou zangão na colméia: nasci das lágrimas do deus Ra pra ser fóssil no âmbar do Báltico; sou as jóias do túmulo de Childerico I, sou antiga moeda grega, sou Melissa - a ninfa que criou Zeus na gruta de Ida e participei da ressurreição do apiário de Aristeu após o ataque vingativo de Orfeu pela morte de Eurídice que esquivara dos seus galanteios e sedução intrometida; sou a palavra dos hebreus e estou na boca do leão de Mitra: sou seu verbo; estou ao lado do junco coroando o cartucho de Tutmés III; estou entre as mil colméias na Ática de Péricles e as castas de Aristóteles, sou a inteligência divina nas Geórgicas de Virgílio, sou padroeiro Ambrósio salvo pelo mel nos lábios, sou os estudos de Brunetto Latini, as constatações de Koelreuter e Darwin; sou o estandarte do império napoleônico, o simbolismo de Champollion e dos valores humanitários, o Summum Bonum de Robert Fludd, a sabedoria e a unidade espiritual pra Lucien Besson e testemunha ecológica do bem-estar da humanidade hoje e amanhã. Sou apenas um zangão atraído pelo néctar das folhas do ingá para polinização. Sou apenas um zangão pelo séquito de devotadas operárias na colméia pra fecundar a rainha, é preciso alimentá-la e lambê-la pro voo nupcial. Sou apenas um zangão, a sugar os líquidos dos pulgões e cigarrinhas pro melaço; sou apenas um zangão, sou pro outro o que somos juntos, um pro outro, a coesão pro ninho na solidariedade e as nossas interações pelos sinais táteis, químicos, vibratórios no universo dos alvéolos e da geléia real. Sou apenas um zangão na colméia, nada mais. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

BIBLIOTECA INCLUSÃO
Projeto de Inclusão, da Biblioteca Pública Municipal Fenelon Barreto, em reunião realizada com o diretor da Biblioteca João Paulo & Sil Neves (SEMED). Veja mais sobre o tema aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

LETRADOS & UFANOS - [...] Os clubes literários pós-monarquistas foram aprisionados na figura impar da Academia Brasileira de Letras e de suas seções estaduais (a Academia Pernambucana de Letra foi fundada em 26 de janeiro de 1901). Instancias que herdaram as inúmeras associações mirins que as precederam nos ideais literatos. Uma grande academia canonizada definitivamente sob o manto da cultura letrada, para defender a norma culta gramatical e o vernáculo nacional, a obra e o autor imortal, as cadeiras e os patronos que, certa vez, começaram as tradições letradas do país. Ali a circularidade entre oralidade e literalidade foi escamoteada, fazendo prosperar, da mesma matriz dos preconceitos étnicos, lingüísticos e culturais, a ideia da suposta superioridade do discurso acadêmico sobre outras falas, palavras e gestos. Nesse clube que deixou de ler e escrever e ganhou um salão de festas e jogos, silenciaram as pretensões literárias que a mocidade boemia sonhava. Realkengo, o Club Litterario de Palmares não escreveu mais. O sonho literário adormeceu post-scriptum. [...] Aquela ilha de letrados morreria, marcando o tempo e o espaço que se transformou em lenda urbana, memora e história de Palmares. Trecho de Letrados e ufanos: história do Club Litterario de Palmares (1882-1910) (Bagaço,. 2011), do historiador, poeta e professor Vilmar Antonio Carvalho. Veja mais aqui e aqui.

A DANÇA PELO MUNDOAgarrada aminha mala, contente pela viagem, fui para o aeroporto. Cada vez mais a minha vida seria cheia de vôos, malas, novos países, novas línguas. O mundo inteiro era meu, e nada era meu. Para qualquer lugar que fosse – de um lado a outro do Brasil e fora do país também -, ia só para dançar. Fazia um ano que dançava no Grupo Corpo. Quando a gente viaja mais de seis meses por ano, os hotéis passam a ser a nossa casa. Um quarto num canto do mundo, com fotos, roupas e objetos, torna-se um lugar conhecido, no meio do desconhecido. Mas, para o bailarino, sua casa mesmo é o palco. De dentro, os palcos são uns; da plateia, outros. Por mais diferentes que sejam, se transformam no nosso espaço de sempre. Luzes, tapetes, coxias, cenários: tudo vai sendo montado para o espetáculo. E, depois do primeiro ensaio, já ficam do jeito habitual. Todos os palcos têm histórias. [...]. Trecho extraído da obra O livro da dança (Companhia das Letras, 2002), da bailarina, escritora e professora Inês Bogéa.

MÚSICA & IDENTIDADE NACIONAL - [...] A identidade nacional não pode mais ser pensada somente a partir de uma instancia, q1ue seria o Estado, nem de uma classe social nacional. [...] a identidade nacional, quanto a sua geração de sentido, que atua em um cenário global, deve ser vista como um discurso hierarquizado a partir das complexas re3lações de formas que atuam neste cenário e que se relacionam, em torno de seus interesses, a partir de mecanismos de controle. [...] o pensamento sociológico deve ser capz de assumir os mais diferentes artífices na conformação identitária naci0onal, também deve perceber que a relação deve enxergar na fragmentação dos atores operantes a ausência de poder ou o descontrole. [...]. Trecho do livro Música brasileira e identidade nacional na mundialização (Fapesp/Annablume, 2009), de Michel Nicolau Neto.

IMPRENSA & COMUNICAÇÃO - [...] Definir o comportamento ético é um pouco como definir arte, e a maioria de nos segue a regra do eu-o-conheço-quando-o-vejo. Colecionar histórias de horror sobre os delitos jornalísticos é fácil, mas avançar na direção de uma cura racional para os problemas da profissão é muito mais difícil. As ocorrências são tão variáveis que frequentemente parece não haver recurso se não manejá-las uma de cada vez, à medida que aparecem. [...] Mas o aperfeiçoamento deve começar em alguma parte, e se não puder começar nesse nível simples e fundamental, talvez os jornalistas deveriam encarar a possibilidade de que não pode ser alcançado de modo algum. A imparcialidade, o equilíbrio, a objetividade e a defesa de métodos incomuns são vazios sem capacidade básica de reunir e relatar os fatos. Seu jornal deve-lhe ao menos isso. Trecho extraído da obra A ética no jornalismo: um guia para estudantes, profissionais e leitores (Forense Universitaria, 1989), de Philip Meyer. Veja mais aqui.

AS MULHERES MENDIGAS - A mendicidade é a exploração mais regular, mais tranqüila desta cidade. Pedir, exclusivamente pedir, sem ambição aparente e sem vergonha, assim à beira da estrada da vida, parece o mais rendoso oficio de quantos tenham aparecido, e a própria miséria, no que ela tem de doloroso e de pungente, sofre com essa exploração. É preciso estudar a sociedade complicada e diversa dos que pedem esmola, adivinhar até onde vai a verdade e até onde chega a malandrice, para compreender como polícia descura o agasalho da invalidez e a toleima incauta dos que dão esmolas. Entre os homens mendigos há irmãos da opa, agentes de depravação viciados, profissionais de doenças falsas, mascarando um formidável cenário de dores e de aniquilamento. Só depois de um longo convívio é que se pode assistir à iniciação da maçonaria dos miseráveis, os estudos de extorsão pelo rogo, toda a tática lenta do pedido em nome de Deus que, às vezes, acaba em pancada. [...] Do fundo desse emaranhamento de vício, de malandragem, de gatunice, as mulheres realmente miseráveis são em muito maior numero do que se pensa, criaturas que rolaram por todas as infâncias e já não sentem, já não pensam, despidas da graça e do pudor. Para estas basta um pão enlameado e um níquel, basta um copo de álcool para as ver taramelar, recordando a existência passada. [...].Trecho de As mulheres mendigas, extraído da obra A alma encantadora das ruas (Companhia das Letras, 2008), do jornalista, escritor, tradutor e teatrólogo João do Rio (1881-1921).


A arte da bailarina, escritora e professora Inês Bogéa.

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EPÍLOGO
Dizem os parentes mais velhos que,
Mesmo numa família de gente branca,
Meu avô foi um homem de cor...
Um sujeito amistoso,
Querido porque tocava violão de um jeito
Que o mais duro ouvido
Baixava guarda para admirar
Sua música melancólica...
Dizem que ganhou respeito ao consertar
As porteiras e as cercas do engenho da família...
Consertou tudo com a mesma fúria
De quem outrora escravizou, explorou e matou?
Como saber?
Dizem que a única coisa que exigia do clã,
Era o esquecimento da história de Cristina.
Ainda perturbava-lhe a lembrança do roseiral
Esculpido do lado de fora da janela do bordel.
Poema da obra Bordel barroco: alegorias de Epicuro Soares (Bagaço, 2011), do poeta, historiador e professor Vilmar Carvalho. Veja a entrevista dele aqui.