quarta-feira, agosto 30, 2017

BRAPO & MANOEL CARVALHO, DOLTO, HÉLIO PELLEGRINO, PEDRO DEMO, MARGARIDA DE MESQUITA, TRANSVERSALIDADE, INCLUSÃO & PLURALIDADE CULTURAL

NO CORAÇÃO DA CIDADE – (Imagem: Park, art by Leonid Afrenov) - Pelas ruas distribuo acenos e afetos: segredos a se esgarçarem das minhas emoções por sentimentos incontidos e a se revelarem no que sou do que sempre fui: o amor desmedido por esta terra que me fez fruto de suas entranhas mais profundas de mim mesmo. Os becos me são íntimos, veias da minha carne a sorrir sangue vivo na interação de quem sobrevoa gestos desconhecidos ou abraços estranhos que não ousam se expressar. As praças me completam no aconchego do seio materno, estrangeiro sou, sempre fui na intimidade de suas flores com aroma de vida aos meus pulmões pedintes por seus recantos de meus braços a se estenderem para que eu seja inteiro mais do que sou. Meus pés se enraízam neste chão que sou e a cada passo me completo até a infinitude dos caminhos a brotarem dos meus interstícios às insones estradas mais longínquas a saltarem dos meus dedos e me perco nas curvas do meu olhar atento por ignotas paragens a me revelar tão perto do que perdi e ausente do que encontrei, pra jamais sentir-me fora de onde estou. Reconheço-me nas suas entranhas pelas paisagens que completam meus flancos e ânimo, para que eu seja a cidade mudando de lugar por voltas que foram minhas idas e partidas que foram todas as minhas chegadas que jorram a se diluírem no tempo pra definir o espaço do que era pra ser em mim. Sou o vento que vem entre as flores na plantação do canavial da minha alma entre-morros e quilombos dali e a presença espalmada nas correntes dos rios a servirem da fonte dos meus desencontros. Logo vou e sirvo-me da direção incerta de tantos rumos e lugares que se refazem para que não me sejam tão distanciados porque sou íntimo do chão que piso pra ser-me o coração da cidade na noite iluminada do meu voo. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

BRAPO & MAESTRO MANOEL CARVALHO
Brasília Popular Orquestra (BRAPO), do maestro e professor palmarense da Escola de Música de Brasília, Manoel Carvalho, a minha homenagem.

QUE PAÍS É ESTE? - [...] Uma constatação cada vez mais constante é que nosso país não deu certo. É verdade que ainda vivemos sob o choque da desilusão após anos de euforia econômica. É difícil acreditar que o país não está crescendo, que somos muito pobres,que estamos nas mãos de credores internacionais, que não soubemos, nem um pouquinho, nos colocar dentro do realismo histórico de nossas reais capacidades. Nos rodeamos de grandes obras, sob o delicio da “grande potência” que hoje nos fazem ainda mais expostos à pobreza, porque falta pão. Talvez pudéssemos dizer que o país não funciona. Por quê? [...] É certamente uma temeridade encontrar alguma resposta. [...] Nossa burocracia não funciona. Se o modelo weberiano reflete uma realidade prática, não será a nossa. Teríamos a impressão de que a burocracia é um modo certo de não funcionar. [...] Nossa universidade também funciona muito mal. A grande maioria não é. Porque é pura cópia, de algo que é praticamente impossível replicar aqui, e talvez sequer fizesse sentido aqui. Mas, por imitação, insistimos nisso. Nossas leis também não funcionam. [...] Será que somos perversos? Idealizamos uma democracia, geralmente de feição norte-americana. Esquecemos, todavia, que a democracia depende intrinsecamente de uma densidade cultura especifica, que é a capacidade comunitária de controlar o poder de baixo para cima. Aqui, em séculos de opressão, formou-se o paternalismo, o assistencialismo, o parasitismo, que não conseguem ver no Estado mais que um acesso fácil a verbas públicas. Tudo se corrompe. Será que somos corruptos? [...] Diríamos que perdemos a sabedoria e o bom senso, mesmo porque o europeu não os tem. Fomos domesticados, treinados a obedecer, profissionalizados em copiar subservientemente. Colocaram-nos numa senzala, onde estamos até hoje. E mais, conseguiram nos convencer de que é uma honra ser senzala de uma casa grande. Em si, temos condições de auto-sustentação. [...] Somos, em sentido claro, uma caricatura. Nossa democracia é uma caricatura, nossa universidade, nossa burocracia, nosso planejamento são caricaturas. Não conseguimos aprender que, o que é nosso, é melhor, por menor que seja. Assim, não temos em verdade como nos desenvolver, porque sequer sabemos o que seria isto para nós. Quando nos colocamos o problema, sabemos apenas fantasiar uma ilusão européia. E nela sucumbimos. [...] Se cada povo tem sua mensagem, condensada na sua identidade cultural histórica, nós temos a nossa [...]. Trechos extraídos da obra Ciências sociais e qualidade (Almed, 1983), do sociólogo e professor Pedro Demo. Veja mais aqui e aqui.

TRANSVERSALIDADE - [...] O cotidiano é a fonte idônea para abastecer tanto o senso comum como o pensamento científico de alunos e alunas. Nele desenha-se um continuo que parte da observação e da análise dos fatos de cada dia, chegando-se às explicações teóricas mediante a comparação entre os fenômenos concretos e particulares aos quais correspondem as teorias. Nesta abordagem diminui consideravelmente a contraposição entre o público e o privado, entre senso comum e pensamento científico. As histórias pessoais estão formadas por um continuo de fatos privados com os quais se teceu uma maneira particular de olhar e entender todas as coisas. As ciências também são consideradas com um olhar repleto de significação pessoal que emerge à superfície sempre que as circunstâncias o permitem. Assim, por exemplo, quando se aprofunda o estudo das ideias previas à aprendizagem de qualquer conteúdo curricular, verifica-se que, em última instância, as ideias e opiniões dos estudantes estão profundamente enraizadas em sua intimidade pessoal. Assim, se as ideias prévias dos estudantes forem exploradas, sem se alterar o fio de seus pensamentos individuais, descobre-se que eles entendem o significado dos conteúdos curriculares a partir de imagens de sua vida pessoal, na qual confluem espontaneamente reflexos do público e do privado. Se assumirmos com todas as suas conseqüências a importância das ideias prévias na elaboração dos saberes, não poderemos aceitar que uma linha separe nitidamente o publico e o privado. Uma leitura detalhada das ideias de alunos e alunas mostra com toda a clareza que a privacidade não é sombra de pensamentos gerados na esfera pública. [...] Sua conscientização de que adaptavam seu comportamento individual a normas e pautas sociais, cuja existência nem sequer tinham considerado, foi um poderoso estímulo para o estudo das relações entre indivíduo e a sociedade. [...]. Trechos extraídos da obra Temas transversais em educação: bases para uma formação integral (Ática, 1997), de Maria Dolors Busquets, Manuel Cainzos, Teresa Fernández, Aurora Leal, Monteserrat Moreno e Genoveva Sastre. Veja mais aqui, aqui & aqui.

INCLUSÃO & PLURALIDADE CULTURAL - [...] pensamos em caminhos dialogais pela palavra, corpos, raça, gênero, idades, estéticas, ritmos, e por aquilo que alunos/as e professores/as possam se deparar na vida; uma ação que colocasse o humano e suas contradições, ambiguidades e complexidades à frente do nosso pensar e praticar a educação. Precisamos refletir sobre nossos tempos e espaços sociais e a partir disso (re)elaborar nossa vida na escola, nosso lidar com o conhecimento, com as atitudes avaliativas, com o certificado e seu valor para a sociedade. [...] A vida fora da escola – seus valores, dogmas, tabus e crenças, - é levada para dentro dela, mas também o que se constrói dentro da escola sai, vai para as ruas, lares, igreja, trabalho e para onde os sujeitos forem. Essa via de mão dupla é concreta. A ação pedagógica - o “conduzir pela mão” -, em nossa compreensão, procura a aproximação entre os sujeitos, procura fazer com que se conheçam e se reconheçam uns aos outros [...]. Trechos da obra Pluralidade cultural e inclusão na formação de professoras e professores: gênero, sexualidade, raça, educação especial, educação indígena, educação de jovens e adultos (Formato, 2004), organizado por Margareth Diniz e Renata Nunes Vasconcelos. Veja mais aqui e aqui.

A MULHER - A mulher, como ser sexuado feminino, é para a espécie humana um fenômeno impensável. Uma mulher também é um ser humano, dizia Freud. Ela julga sua própria sexualidade como ser humano com a capenga lógica homossexual que conserva da sua infância pré-genital. É portanto graças à sua bissexualidade que ela pode tentar considerar em seu papel genital. O que a mulher é para os representantes machos da espécie, ela o é também para si mesma: uma criatura carnalmente símbolo do intangível: quanto mais ela se dá, quanto mais fala do insensato, do aético, mais moral ela é. Uma mulher não pode senão formular esse juízo e, ao mesmo tempo, não pode deixar de sentir-se gratificada de ser, para o homem a quem deseja e ama, a absurda necessidade do desejo dele, e a grave cúmplice da encarnação do “EU” num encontro que ela é incapaz de assumir com lucidez. Trecho extraído da obra Sexualidade feminina: libido, erotismo, frigidez (Martins Fontes, 1983), da médica e pediatra francesa Françoise Dolto (1908-1988). Veja mais aqui e aqui.

A NUDEZ SEM PECADO - [...] Nem só a alma humana é oceânica. Se tudo é inesgotável, tudo é oceânico – haja Deus. A postura religiosa diante do mundo implica, necessariamente, a intuição – e o exercício – de um sentimento oceânico, por cujo intermédio os seres, captados em sua inexaurível riqueza, se banham num mesmo mar de transcendência que os liga – e religa. A posição religiosa legitima é o contrário da intolerância e do sectarismo. [...] O preconceito, adiposidade espiritual anti-religiosa, cria uma obtusão oftálmica e otorrinolaringológica que dispensa a realidade – e a torna despicienda. A nudez da personagem de Godard está imantada de inocência – Adão e Eva andavam nus, no paraíso, antes do pecado original – e nada tem a ver com leituras cobiçosas ou recalcadas que dela possam fazer-se. Trecho de A nudez sem pecado, extraída da obra A burrice do demônio (Rocco, 1989), do psicanalista e escritor Hélio Pellegrino (1924-1988). Veja mais aqui.

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RADIOSA MANHÃ
Naquele tempo
O dia era eterna manhã
Sementes desabrochavam
Flores coloriam os campos
A água corrente era límpida
E corria desordenada
Molhando pedras
Inundando os vales
Naquele tempo
O feio era bonito
O triste era alegre
Havia volúpia
E rubor em nossas faces
Nossas mãos transmitiam sensações
Vibrávamos com o canto dos pássaros
E a borboleta era a bailarina colorida
Que impulsionava a nossa imaginação
Não havia limites para os sonhos
E quedávamos estáticos
Nem futuro nem passado
O riso corria solto em nossos lábios
As lágrimas eram pérolas escondidas
E a tristeza certamente não existia
Ao nosso redor o mundo se agitava
Mas vivíamos o momento
Sem angustias nem inibições
Naquele tempo
O sangue corria quente em nossas veias
O desejo aflorava em nossos silêncios
Expectativas em novas descobertas
No ar o perfume de todas as essências
Nos ouvidos os acordes de todas as melodias
Vida! Muita vida!
Nada mais que vida!
Naquele tempo estávamos em plenitude
Porque éramos jovens
E havíamos descoberto o amor
Poema da premiada escritora Margarida de Mesquita, extraído da antologia Poetas de Palmares: um século de poesia (Fundação Hermilo/Prefeitura dos Palmares, 2002), organizada pelo poeta e editor Juareiz Correya. Veja mais aqui.