ZANGÃO NA COLMÉIA – Sou
zangão na colméia: nasci das lágrimas do deus Ra pra ser fóssil no âmbar do
Báltico; sou as jóias do túmulo de Childerico I, sou antiga moeda grega, sou
Melissa - a ninfa que criou Zeus na gruta de Ida e participei da ressurreição
do apiário de Aristeu após o ataque vingativo de Orfeu pela morte de Eurídice
que esquivara dos seus galanteios e sedução intrometida; sou a palavra dos
hebreus e estou na boca do leão de Mitra: sou seu verbo; estou ao lado do junco
coroando o cartucho de Tutmés III; estou entre as mil colméias na Ática de
Péricles e as castas de Aristóteles, sou a inteligência divina nas Geórgicas de
Virgílio, sou padroeiro Ambrósio salvo pelo mel nos lábios, sou os estudos de
Brunetto Latini, as constatações de Koelreuter e Darwin; sou o estandarte do
império napoleônico, o simbolismo de Champollion e dos valores humanitários, o
Summum Bonum de Robert Fludd, a sabedoria e a unidade espiritual pra Lucien
Besson e testemunha ecológica do bem-estar da humanidade hoje e amanhã. Sou
apenas um zangão atraído pelo néctar das folhas do ingá para polinização. Sou
apenas um zangão pelo séquito de devotadas operárias na colméia pra fecundar a
rainha, é preciso alimentá-la e lambê-la pro voo nupcial. Sou apenas um zangão,
a sugar os líquidos dos pulgões e cigarrinhas pro melaço; sou apenas um zangão,
sou pro outro o que somos juntos, um pro outro, a coesão pro ninho na
solidariedade e as nossas interações pelos sinais táteis, químicos, vibratórios
no universo dos alvéolos e da geléia real. Sou apenas um zangão na colméia,
nada mais. © Luiz Alberto Machado.
Direitos reservados. Veja mais aqui.
BIBLIOTECA INCLUSÃO
Projeto
de Inclusão, da Biblioteca Pública Municipal Fenelon Barreto, em reunião
realizada com o diretor da Biblioteca João Paulo & Sil Neves (SEMED). Veja
mais sobre o tema aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
LETRADOS & UFANOS - [...]
Os clubes literários pós-monarquistas
foram aprisionados na figura impar da Academia Brasileira de Letras e de suas
seções estaduais (a Academia Pernambucana de Letra foi fundada em 26 de janeiro
de 1901). Instancias que herdaram as inúmeras associações mirins que as
precederam nos ideais literatos. Uma grande academia canonizada definitivamente
sob o manto da cultura letrada, para defender a norma culta gramatical e o
vernáculo nacional, a obra e o autor imortal, as cadeiras e os patronos que,
certa vez, começaram as tradições letradas do país. Ali a circularidade entre
oralidade e literalidade foi escamoteada, fazendo prosperar, da mesma matriz
dos preconceitos étnicos, lingüísticos e culturais, a ideia da suposta
superioridade do discurso acadêmico sobre outras falas, palavras e gestos.
Nesse clube que deixou de ler e escrever e ganhou um salão de festas e jogos,
silenciaram as pretensões literárias que a mocidade boemia sonhava. Realkengo,
o Club Litterario de Palmares não escreveu mais. O sonho literário adormeceu
post-scriptum. [...] Aquela ilha de
letrados morreria, marcando o tempo e o espaço que se transformou em lenda
urbana, memora e história de Palmares. Trecho de Letrados e ufanos: história do Club Litterario de Palmares
(1882-1910) (Bagaço,. 2011), do historiador, poeta e professor Vilmar Antonio Carvalho. Veja mais aqui
e aqui.
A DANÇA
PELO MUNDO
– Agarrada aminha mala, contente pela
viagem, fui para o aeroporto. Cada vez mais a minha vida seria cheia de vôos,
malas, novos países, novas línguas. O mundo inteiro era meu, e nada era meu.
Para qualquer lugar que fosse – de um lado a outro do Brasil e fora do país
também -, ia só para dançar. Fazia um ano que dançava no Grupo Corpo. Quando a
gente viaja mais de seis meses por ano, os hotéis passam a ser a nossa casa. Um
quarto num canto do mundo, com fotos, roupas e objetos, torna-se um lugar
conhecido, no meio do desconhecido. Mas, para o bailarino, sua casa mesmo é o
palco. De dentro, os palcos são uns; da plateia, outros. Por mais diferentes
que sejam, se transformam no nosso espaço de sempre. Luzes, tapetes, coxias,
cenários: tudo vai sendo montado para o espetáculo. E, depois do primeiro
ensaio, já ficam do jeito habitual. Todos os palcos têm histórias. [...]. Trecho
extraído da obra O livro da dança
(Companhia das Letras, 2002), da bailarina, escritora e professora Inês
Bogéa.
MÚSICA
& IDENTIDADE NACIONAL
- [...] A identidade nacional não pode
mais ser pensada somente a partir de uma instancia, q1ue seria o Estado, nem de
uma classe social nacional. [...] a
identidade nacional, quanto a sua geração de sentido, que atua em um cenário
global, deve ser vista como um discurso hierarquizado a partir das complexas
re3lações de formas que atuam neste cenário e que se relacionam, em torno de
seus interesses, a partir de mecanismos de controle. [...] o pensamento sociológico deve ser capz de
assumir os mais diferentes artífices na conformação identitária naci0onal,
também deve perceber que a relação deve enxergar na fragmentação dos atores
operantes a ausência de poder ou o descontrole. [...]. Trecho do livro Música brasileira e identidade nacional na
mundialização (Fapesp/Annablume, 2009), de Michel
Nicolau Neto.
IMPRENSA
& COMUNICAÇÃO
- [...] Definir o comportamento ético é
um pouco como definir arte, e a maioria de nos segue a regra do
eu-o-conheço-quando-o-vejo. Colecionar histórias de horror sobre os delitos
jornalísticos é fácil, mas avançar na direção de uma cura racional para os
problemas da profissão é muito mais difícil. As ocorrências são tão variáveis
que frequentemente parece não haver recurso se não manejá-las uma de cada vez,
à medida que aparecem. [...] Mas o
aperfeiçoamento deve começar em alguma parte, e se não puder começar nesse
nível simples e fundamental, talvez os jornalistas deveriam encarar a
possibilidade de que não pode ser alcançado de modo algum. A imparcialidade, o
equilíbrio, a objetividade e a defesa de métodos incomuns são vazios sem capacidade
básica de reunir e relatar os fatos. Seu jornal deve-lhe ao menos isso. Trecho
extraído da obra A ética no jornalismo:
um guia para estudantes, profissionais e leitores (Forense Universitaria,
1989), de Philip Meyer. Veja mais aqui.
AS
MULHERES MENDIGAS
- A mendicidade é a exploração mais
regular, mais tranqüila desta cidade. Pedir, exclusivamente pedir, sem ambição
aparente e sem vergonha, assim à beira da estrada da vida, parece o mais
rendoso oficio de quantos tenham aparecido, e a própria miséria, no que ela tem
de doloroso e de pungente, sofre com essa exploração. É preciso estudar a
sociedade complicada e diversa dos que pedem esmola, adivinhar até onde vai a
verdade e até onde chega a malandrice, para compreender como polícia descura o
agasalho da invalidez e a toleima incauta dos que dão esmolas. Entre os homens
mendigos há irmãos da opa, agentes de depravação viciados, profissionais de
doenças falsas, mascarando um formidável cenário de dores e de aniquilamento.
Só depois de um longo convívio é que se pode assistir à iniciação da maçonaria
dos miseráveis, os estudos de extorsão pelo rogo, toda a tática lenta do pedido
em nome de Deus que, às vezes, acaba em pancada. [...] Do fundo desse emaranhamento de vício, de malandragem, de gatunice, as
mulheres realmente miseráveis são em muito maior numero do que se pensa,
criaturas que rolaram por todas as infâncias e já não sentem, já não pensam,
despidas da graça e do pudor. Para estas basta um pão enlameado e um níquel,
basta um copo de álcool para as ver taramelar, recordando a existência passada.
[...].Trecho de As mulheres mendigas,
extraído da obra A alma encantadora das
ruas (Companhia das Letras, 2008), do jornalista, escritor, tradutor e
teatrólogo João do Rio (1881-1921).
A arte da bailarina, escritora e professora
Inês Bogéa.
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EPÍLOGO
Dizem os parentes mais velhos que,
Mesmo numa família de gente branca,
Meu avô foi um homem de cor...
Um sujeito amistoso,
Querido porque tocava violão de um jeito
Que o mais duro ouvido
Baixava guarda para admirar
Sua música melancólica...
Dizem que ganhou respeito ao consertar
As porteiras e as cercas do engenho da
família...
Consertou tudo com a mesma fúria
De quem outrora escravizou, explorou e matou?
Como saber?
Dizem que a única coisa que exigia do clã,
Era o esquecimento da história de Cristina.
Ainda perturbava-lhe a lembrança do roseiral
Esculpido do lado de fora da janela do bordel.
Poema da
obra Bordel barroco: alegorias de Epicuro
Soares (Bagaço, 2011), do poeta, historiador e professor Vilmar Carvalho. Veja a entrevista dele
aqui.