quinta-feira, agosto 31, 2017

INÊS BOGÉA, JOÃO DO RIO, BIBLIOTECA & INCLUSÃO, ARTE & ENTREVISTA DE VILMAR ANTÔNIO CARVALHO

ZANGÃO NA COLMÉIA – Sou zangão na colméia: nasci das lágrimas do deus Ra pra ser fóssil no âmbar do Báltico; sou as jóias do túmulo de Childerico I, sou antiga moeda grega, sou Melissa - a ninfa que criou Zeus na gruta de Ida e participei da ressurreição do apiário de Aristeu após o ataque vingativo de Orfeu pela morte de Eurídice que esquivara dos seus galanteios e sedução intrometida; sou a palavra dos hebreus e estou na boca do leão de Mitra: sou seu verbo; estou ao lado do junco coroando o cartucho de Tutmés III; estou entre as mil colméias na Ática de Péricles e as castas de Aristóteles, sou a inteligência divina nas Geórgicas de Virgílio, sou padroeiro Ambrósio salvo pelo mel nos lábios, sou os estudos de Brunetto Latini, as constatações de Koelreuter e Darwin; sou o estandarte do império napoleônico, o simbolismo de Champollion e dos valores humanitários, o Summum Bonum de Robert Fludd, a sabedoria e a unidade espiritual pra Lucien Besson e testemunha ecológica do bem-estar da humanidade hoje e amanhã. Sou apenas um zangão atraído pelo néctar das folhas do ingá para polinização. Sou apenas um zangão pelo séquito de devotadas operárias na colméia pra fecundar a rainha, é preciso alimentá-la e lambê-la pro voo nupcial. Sou apenas um zangão, a sugar os líquidos dos pulgões e cigarrinhas pro melaço; sou apenas um zangão, sou pro outro o que somos juntos, um pro outro, a coesão pro ninho na solidariedade e as nossas interações pelos sinais táteis, químicos, vibratórios no universo dos alvéolos e da geléia real. Sou apenas um zangão na colméia, nada mais. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

BIBLIOTECA INCLUSÃO
Projeto de Inclusão, da Biblioteca Pública Municipal Fenelon Barreto, em reunião realizada com o diretor da Biblioteca João Paulo & Sil Neves (SEMED). Veja mais sobre o tema aqui, aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

LETRADOS & UFANOS - [...] Os clubes literários pós-monarquistas foram aprisionados na figura impar da Academia Brasileira de Letras e de suas seções estaduais (a Academia Pernambucana de Letra foi fundada em 26 de janeiro de 1901). Instancias que herdaram as inúmeras associações mirins que as precederam nos ideais literatos. Uma grande academia canonizada definitivamente sob o manto da cultura letrada, para defender a norma culta gramatical e o vernáculo nacional, a obra e o autor imortal, as cadeiras e os patronos que, certa vez, começaram as tradições letradas do país. Ali a circularidade entre oralidade e literalidade foi escamoteada, fazendo prosperar, da mesma matriz dos preconceitos étnicos, lingüísticos e culturais, a ideia da suposta superioridade do discurso acadêmico sobre outras falas, palavras e gestos. Nesse clube que deixou de ler e escrever e ganhou um salão de festas e jogos, silenciaram as pretensões literárias que a mocidade boemia sonhava. Realkengo, o Club Litterario de Palmares não escreveu mais. O sonho literário adormeceu post-scriptum. [...] Aquela ilha de letrados morreria, marcando o tempo e o espaço que se transformou em lenda urbana, memora e história de Palmares. Trecho de Letrados e ufanos: história do Club Litterario de Palmares (1882-1910) (Bagaço,. 2011), do historiador, poeta e professor Vilmar Antonio Carvalho. Veja mais aqui e aqui.

A DANÇA PELO MUNDOAgarrada aminha mala, contente pela viagem, fui para o aeroporto. Cada vez mais a minha vida seria cheia de vôos, malas, novos países, novas línguas. O mundo inteiro era meu, e nada era meu. Para qualquer lugar que fosse – de um lado a outro do Brasil e fora do país também -, ia só para dançar. Fazia um ano que dançava no Grupo Corpo. Quando a gente viaja mais de seis meses por ano, os hotéis passam a ser a nossa casa. Um quarto num canto do mundo, com fotos, roupas e objetos, torna-se um lugar conhecido, no meio do desconhecido. Mas, para o bailarino, sua casa mesmo é o palco. De dentro, os palcos são uns; da plateia, outros. Por mais diferentes que sejam, se transformam no nosso espaço de sempre. Luzes, tapetes, coxias, cenários: tudo vai sendo montado para o espetáculo. E, depois do primeiro ensaio, já ficam do jeito habitual. Todos os palcos têm histórias. [...]. Trecho extraído da obra O livro da dança (Companhia das Letras, 2002), da bailarina, escritora e professora Inês Bogéa.

MÚSICA & IDENTIDADE NACIONAL - [...] A identidade nacional não pode mais ser pensada somente a partir de uma instancia, q1ue seria o Estado, nem de uma classe social nacional. [...] a identidade nacional, quanto a sua geração de sentido, que atua em um cenário global, deve ser vista como um discurso hierarquizado a partir das complexas re3lações de formas que atuam neste cenário e que se relacionam, em torno de seus interesses, a partir de mecanismos de controle. [...] o pensamento sociológico deve ser capz de assumir os mais diferentes artífices na conformação identitária naci0onal, também deve perceber que a relação deve enxergar na fragmentação dos atores operantes a ausência de poder ou o descontrole. [...]. Trecho do livro Música brasileira e identidade nacional na mundialização (Fapesp/Annablume, 2009), de Michel Nicolau Neto.

IMPRENSA & COMUNICAÇÃO - [...] Definir o comportamento ético é um pouco como definir arte, e a maioria de nos segue a regra do eu-o-conheço-quando-o-vejo. Colecionar histórias de horror sobre os delitos jornalísticos é fácil, mas avançar na direção de uma cura racional para os problemas da profissão é muito mais difícil. As ocorrências são tão variáveis que frequentemente parece não haver recurso se não manejá-las uma de cada vez, à medida que aparecem. [...] Mas o aperfeiçoamento deve começar em alguma parte, e se não puder começar nesse nível simples e fundamental, talvez os jornalistas deveriam encarar a possibilidade de que não pode ser alcançado de modo algum. A imparcialidade, o equilíbrio, a objetividade e a defesa de métodos incomuns são vazios sem capacidade básica de reunir e relatar os fatos. Seu jornal deve-lhe ao menos isso. Trecho extraído da obra A ética no jornalismo: um guia para estudantes, profissionais e leitores (Forense Universitaria, 1989), de Philip Meyer. Veja mais aqui.

AS MULHERES MENDIGAS - A mendicidade é a exploração mais regular, mais tranqüila desta cidade. Pedir, exclusivamente pedir, sem ambição aparente e sem vergonha, assim à beira da estrada da vida, parece o mais rendoso oficio de quantos tenham aparecido, e a própria miséria, no que ela tem de doloroso e de pungente, sofre com essa exploração. É preciso estudar a sociedade complicada e diversa dos que pedem esmola, adivinhar até onde vai a verdade e até onde chega a malandrice, para compreender como polícia descura o agasalho da invalidez e a toleima incauta dos que dão esmolas. Entre os homens mendigos há irmãos da opa, agentes de depravação viciados, profissionais de doenças falsas, mascarando um formidável cenário de dores e de aniquilamento. Só depois de um longo convívio é que se pode assistir à iniciação da maçonaria dos miseráveis, os estudos de extorsão pelo rogo, toda a tática lenta do pedido em nome de Deus que, às vezes, acaba em pancada. [...] Do fundo desse emaranhamento de vício, de malandragem, de gatunice, as mulheres realmente miseráveis são em muito maior numero do que se pensa, criaturas que rolaram por todas as infâncias e já não sentem, já não pensam, despidas da graça e do pudor. Para estas basta um pão enlameado e um níquel, basta um copo de álcool para as ver taramelar, recordando a existência passada. [...].Trecho de As mulheres mendigas, extraído da obra A alma encantadora das ruas (Companhia das Letras, 2008), do jornalista, escritor, tradutor e teatrólogo João do Rio (1881-1921).


A arte da bailarina, escritora e professora Inês Bogéa.

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EPÍLOGO
Dizem os parentes mais velhos que,
Mesmo numa família de gente branca,
Meu avô foi um homem de cor...
Um sujeito amistoso,
Querido porque tocava violão de um jeito
Que o mais duro ouvido
Baixava guarda para admirar
Sua música melancólica...
Dizem que ganhou respeito ao consertar
As porteiras e as cercas do engenho da família...
Consertou tudo com a mesma fúria
De quem outrora escravizou, explorou e matou?
Como saber?
Dizem que a única coisa que exigia do clã,
Era o esquecimento da história de Cristina.
Ainda perturbava-lhe a lembrança do roseiral
Esculpido do lado de fora da janela do bordel.
Poema da obra Bordel barroco: alegorias de Epicuro Soares (Bagaço, 2011), do poeta, historiador e professor Vilmar Carvalho. Veja a entrevista dele aqui.

 

quarta-feira, agosto 30, 2017

BRAPO & MANOEL CARVALHO, DOLTO, HÉLIO PELLEGRINO, PEDRO DEMO, MARGARIDA DE MESQUITA, TRANSVERSALIDADE, INCLUSÃO & PLURALIDADE CULTURAL

NO CORAÇÃO DA CIDADE – (Imagem: Park, art by Leonid Afrenov) - Pelas ruas distribuo acenos e afetos: segredos a se esgarçarem das minhas emoções por sentimentos incontidos e a se revelarem no que sou do que sempre fui: o amor desmedido por esta terra que me fez fruto de suas entranhas mais profundas de mim mesmo. Os becos me são íntimos, veias da minha carne a sorrir sangue vivo na interação de quem sobrevoa gestos desconhecidos ou abraços estranhos que não ousam se expressar. As praças me completam no aconchego do seio materno, estrangeiro sou, sempre fui na intimidade de suas flores com aroma de vida aos meus pulmões pedintes por seus recantos de meus braços a se estenderem para que eu seja inteiro mais do que sou. Meus pés se enraízam neste chão que sou e a cada passo me completo até a infinitude dos caminhos a brotarem dos meus interstícios às insones estradas mais longínquas a saltarem dos meus dedos e me perco nas curvas do meu olhar atento por ignotas paragens a me revelar tão perto do que perdi e ausente do que encontrei, pra jamais sentir-me fora de onde estou. Reconheço-me nas suas entranhas pelas paisagens que completam meus flancos e ânimo, para que eu seja a cidade mudando de lugar por voltas que foram minhas idas e partidas que foram todas as minhas chegadas que jorram a se diluírem no tempo pra definir o espaço do que era pra ser em mim. Sou o vento que vem entre as flores na plantação do canavial da minha alma entre-morros e quilombos dali e a presença espalmada nas correntes dos rios a servirem da fonte dos meus desencontros. Logo vou e sirvo-me da direção incerta de tantos rumos e lugares que se refazem para que não me sejam tão distanciados porque sou íntimo do chão que piso pra ser-me o coração da cidade na noite iluminada do meu voo. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

BRAPO & MAESTRO MANOEL CARVALHO
Brasília Popular Orquestra (BRAPO), do maestro e professor palmarense da Escola de Música de Brasília, Manoel Carvalho, a minha homenagem.

QUE PAÍS É ESTE? - [...] Uma constatação cada vez mais constante é que nosso país não deu certo. É verdade que ainda vivemos sob o choque da desilusão após anos de euforia econômica. É difícil acreditar que o país não está crescendo, que somos muito pobres,que estamos nas mãos de credores internacionais, que não soubemos, nem um pouquinho, nos colocar dentro do realismo histórico de nossas reais capacidades. Nos rodeamos de grandes obras, sob o delicio da “grande potência” que hoje nos fazem ainda mais expostos à pobreza, porque falta pão. Talvez pudéssemos dizer que o país não funciona. Por quê? [...] É certamente uma temeridade encontrar alguma resposta. [...] Nossa burocracia não funciona. Se o modelo weberiano reflete uma realidade prática, não será a nossa. Teríamos a impressão de que a burocracia é um modo certo de não funcionar. [...] Nossa universidade também funciona muito mal. A grande maioria não é. Porque é pura cópia, de algo que é praticamente impossível replicar aqui, e talvez sequer fizesse sentido aqui. Mas, por imitação, insistimos nisso. Nossas leis também não funcionam. [...] Será que somos perversos? Idealizamos uma democracia, geralmente de feição norte-americana. Esquecemos, todavia, que a democracia depende intrinsecamente de uma densidade cultura especifica, que é a capacidade comunitária de controlar o poder de baixo para cima. Aqui, em séculos de opressão, formou-se o paternalismo, o assistencialismo, o parasitismo, que não conseguem ver no Estado mais que um acesso fácil a verbas públicas. Tudo se corrompe. Será que somos corruptos? [...] Diríamos que perdemos a sabedoria e o bom senso, mesmo porque o europeu não os tem. Fomos domesticados, treinados a obedecer, profissionalizados em copiar subservientemente. Colocaram-nos numa senzala, onde estamos até hoje. E mais, conseguiram nos convencer de que é uma honra ser senzala de uma casa grande. Em si, temos condições de auto-sustentação. [...] Somos, em sentido claro, uma caricatura. Nossa democracia é uma caricatura, nossa universidade, nossa burocracia, nosso planejamento são caricaturas. Não conseguimos aprender que, o que é nosso, é melhor, por menor que seja. Assim, não temos em verdade como nos desenvolver, porque sequer sabemos o que seria isto para nós. Quando nos colocamos o problema, sabemos apenas fantasiar uma ilusão européia. E nela sucumbimos. [...] Se cada povo tem sua mensagem, condensada na sua identidade cultural histórica, nós temos a nossa [...]. Trechos extraídos da obra Ciências sociais e qualidade (Almed, 1983), do sociólogo e professor Pedro Demo. Veja mais aqui e aqui.

TRANSVERSALIDADE - [...] O cotidiano é a fonte idônea para abastecer tanto o senso comum como o pensamento científico de alunos e alunas. Nele desenha-se um continuo que parte da observação e da análise dos fatos de cada dia, chegando-se às explicações teóricas mediante a comparação entre os fenômenos concretos e particulares aos quais correspondem as teorias. Nesta abordagem diminui consideravelmente a contraposição entre o público e o privado, entre senso comum e pensamento científico. As histórias pessoais estão formadas por um continuo de fatos privados com os quais se teceu uma maneira particular de olhar e entender todas as coisas. As ciências também são consideradas com um olhar repleto de significação pessoal que emerge à superfície sempre que as circunstâncias o permitem. Assim, por exemplo, quando se aprofunda o estudo das ideias previas à aprendizagem de qualquer conteúdo curricular, verifica-se que, em última instância, as ideias e opiniões dos estudantes estão profundamente enraizadas em sua intimidade pessoal. Assim, se as ideias prévias dos estudantes forem exploradas, sem se alterar o fio de seus pensamentos individuais, descobre-se que eles entendem o significado dos conteúdos curriculares a partir de imagens de sua vida pessoal, na qual confluem espontaneamente reflexos do público e do privado. Se assumirmos com todas as suas conseqüências a importância das ideias prévias na elaboração dos saberes, não poderemos aceitar que uma linha separe nitidamente o publico e o privado. Uma leitura detalhada das ideias de alunos e alunas mostra com toda a clareza que a privacidade não é sombra de pensamentos gerados na esfera pública. [...] Sua conscientização de que adaptavam seu comportamento individual a normas e pautas sociais, cuja existência nem sequer tinham considerado, foi um poderoso estímulo para o estudo das relações entre indivíduo e a sociedade. [...]. Trechos extraídos da obra Temas transversais em educação: bases para uma formação integral (Ática, 1997), de Maria Dolors Busquets, Manuel Cainzos, Teresa Fernández, Aurora Leal, Monteserrat Moreno e Genoveva Sastre. Veja mais aqui, aqui & aqui.

INCLUSÃO & PLURALIDADE CULTURAL - [...] pensamos em caminhos dialogais pela palavra, corpos, raça, gênero, idades, estéticas, ritmos, e por aquilo que alunos/as e professores/as possam se deparar na vida; uma ação que colocasse o humano e suas contradições, ambiguidades e complexidades à frente do nosso pensar e praticar a educação. Precisamos refletir sobre nossos tempos e espaços sociais e a partir disso (re)elaborar nossa vida na escola, nosso lidar com o conhecimento, com as atitudes avaliativas, com o certificado e seu valor para a sociedade. [...] A vida fora da escola – seus valores, dogmas, tabus e crenças, - é levada para dentro dela, mas também o que se constrói dentro da escola sai, vai para as ruas, lares, igreja, trabalho e para onde os sujeitos forem. Essa via de mão dupla é concreta. A ação pedagógica - o “conduzir pela mão” -, em nossa compreensão, procura a aproximação entre os sujeitos, procura fazer com que se conheçam e se reconheçam uns aos outros [...]. Trechos da obra Pluralidade cultural e inclusão na formação de professoras e professores: gênero, sexualidade, raça, educação especial, educação indígena, educação de jovens e adultos (Formato, 2004), organizado por Margareth Diniz e Renata Nunes Vasconcelos. Veja mais aqui e aqui.

A MULHER - A mulher, como ser sexuado feminino, é para a espécie humana um fenômeno impensável. Uma mulher também é um ser humano, dizia Freud. Ela julga sua própria sexualidade como ser humano com a capenga lógica homossexual que conserva da sua infância pré-genital. É portanto graças à sua bissexualidade que ela pode tentar considerar em seu papel genital. O que a mulher é para os representantes machos da espécie, ela o é também para si mesma: uma criatura carnalmente símbolo do intangível: quanto mais ela se dá, quanto mais fala do insensato, do aético, mais moral ela é. Uma mulher não pode senão formular esse juízo e, ao mesmo tempo, não pode deixar de sentir-se gratificada de ser, para o homem a quem deseja e ama, a absurda necessidade do desejo dele, e a grave cúmplice da encarnação do “EU” num encontro que ela é incapaz de assumir com lucidez. Trecho extraído da obra Sexualidade feminina: libido, erotismo, frigidez (Martins Fontes, 1983), da médica e pediatra francesa Françoise Dolto (1908-1988). Veja mais aqui e aqui.

A NUDEZ SEM PECADO - [...] Nem só a alma humana é oceânica. Se tudo é inesgotável, tudo é oceânico – haja Deus. A postura religiosa diante do mundo implica, necessariamente, a intuição – e o exercício – de um sentimento oceânico, por cujo intermédio os seres, captados em sua inexaurível riqueza, se banham num mesmo mar de transcendência que os liga – e religa. A posição religiosa legitima é o contrário da intolerância e do sectarismo. [...] O preconceito, adiposidade espiritual anti-religiosa, cria uma obtusão oftálmica e otorrinolaringológica que dispensa a realidade – e a torna despicienda. A nudez da personagem de Godard está imantada de inocência – Adão e Eva andavam nus, no paraíso, antes do pecado original – e nada tem a ver com leituras cobiçosas ou recalcadas que dela possam fazer-se. Trecho de A nudez sem pecado, extraída da obra A burrice do demônio (Rocco, 1989), do psicanalista e escritor Hélio Pellegrino (1924-1988). Veja mais aqui.

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RADIOSA MANHÃ
Naquele tempo
O dia era eterna manhã
Sementes desabrochavam
Flores coloriam os campos
A água corrente era límpida
E corria desordenada
Molhando pedras
Inundando os vales
Naquele tempo
O feio era bonito
O triste era alegre
Havia volúpia
E rubor em nossas faces
Nossas mãos transmitiam sensações
Vibrávamos com o canto dos pássaros
E a borboleta era a bailarina colorida
Que impulsionava a nossa imaginação
Não havia limites para os sonhos
E quedávamos estáticos
Nem futuro nem passado
O riso corria solto em nossos lábios
As lágrimas eram pérolas escondidas
E a tristeza certamente não existia
Ao nosso redor o mundo se agitava
Mas vivíamos o momento
Sem angustias nem inibições
Naquele tempo
O sangue corria quente em nossas veias
O desejo aflorava em nossos silêncios
Expectativas em novas descobertas
No ar o perfume de todas as essências
Nos ouvidos os acordes de todas as melodias
Vida! Muita vida!
Nada mais que vida!
Naquele tempo estávamos em plenitude
Porque éramos jovens
E havíamos descoberto o amor
Poema da premiada escritora Margarida de Mesquita, extraído da antologia Poetas de Palmares: um século de poesia (Fundação Hermilo/Prefeitura dos Palmares, 2002), organizada pelo poeta e editor Juareiz Correya. Veja mais aqui.
 

terça-feira, agosto 29, 2017

LEWIS CARROLL, ROGERS, DEJOURS, CESAR LEAL, ANSIEDADE, GINÁSIO MUNICIPAL, CIDADANIA & MOBILIDADE URBANA

O BRASIL ÀS AVESSAS NA HORA DA CRISE - Quando alguém me pergunta sobre o Brasil, a primeira imagem que me aparece no quengo é aquela do indivíduo cabeça de fósforo, bicudo de endinheirado, entrando numa daquelas lojas de magazine do tipo hipermercado, pegando um velocípede embaixo do sovaco, uma vassoura e um rodo pruma faxina de limpeza das brabas nas intimidades do recinto domiciliar, uma lata de queijo do reino, uma caçamba de ovos e um botijão de vinho pra comemoração inusitada e, no caixa, mandando fazer um embrulho só pra presente prele mesmo, ora! Isso porque ele presenciou o discurso de uma daquelas raposas vetustas dos políticos profissionais que há mais de 50 anos mamam nas tetas dos municípios e da capital estadual, ao assumir uma das secretarias berrando aos microfones & alto-falantes: - Nos últimos 50 anos este estado sucumbiu às más gestões e à corrupção de políticos incompetentes. A partir de agora, todos verão, assume quem vai fazer deste estado o mais promissor da nação! Tenho dito! Aí, nessa hora, grita um gaiato da plateia: - Ô, meu, onde é que tu tava esses anos todos, hem? Tuf! Um tiro no próprio pé. Mais feliz ainda com o anúncio do Ministério da Educação de que ninguém precisa mais estudar! Nunca vi tanta gente impando de satisfação, ainda ontem eu vi um dizendo: - Eu mesmo, se soubesse quem inventou estudo, mandava matar! Afora ser este país o último dos últimos: o último a abolir a escravatura (e de quê jeito, hem?), o último a ficar independente, a se tornar República (e que ré-pública!), só não é o pior em Educação porque ainda restam o Haiti, Ruanda e Porto Príncipe, salvou-se da lanterninha. Ah, mas aqui é o país do deixa pra lá ou, se tem que tomar providência que seja pra amanhã, que hoje não dá! Está precisando? Vá ver se estou na esquina! Pois é, quem sabe, de Brasil em Brasil a gente um dia faça um que preste, um que saiba porque a gente escreve com “S”, enquanto o mundo todo só sabe com “Z”, e que mostre pra gente como é que tudo foi de verdade! Porque o de agora, ah, não, parece que se a gente deu uns dois ou três passos com um pinote pra frente, de um dia desses pra cá deu uns trocentos pra trás, isso sem falar do cai-cai, do se segura que lá vem queda, do balança quase cai, afora as prioridades mais duvidosas que ninguém sabe se é enredo pros Irmãos Metralhas ou pro Ali Babá com seus mais de quatrocentos e tantos ladrões. Entre gatunildos e ladronaldos, salva-se quem? O que é certo é que tem muita gente que ainda não entendeu a fita, só se perguntando: - O que é que tá havendo, hem? Como é mesmo? Sei que já tem gente pedindo penico, outros tantos pedindo parada pra descer. Onde vai parar, ninguém sabe. A sensação que fica é que a coisa vai desgovernada, só esperando o desmantelo! Já que vai rachado no meio, um rachão a mais só aumenta a corda de guaiamum, mais nada, rachado por um, rachado por mil. E tome bola pra frente que o campeonato é só no tapetão e, por favor, que não venha alemão passear na nossa frente que agora aqui tudo é perna-de-pau, avisei! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

GINÁSIO MUNICIPAL DOS PALMARES
[...] Naqueles tempos, no currículo existia a música como disciplina obrigatória. O Ginásio teve mais de um professor de música. A professora Celecina, o professor José da Justa e outros. Quando comecei a ensinar, tínhamos como professor José da Justa. Além da cadeira de música ele criou um orfeão. Foi muito importante para p Ginásio o orfeão de José da Justa. Mais de uma vez exibiu-se em festas religiosas e cívicas, não somente em Palmares, como em outras cidades vizinhas. Claro que sempre alcançou nota dez. atualmente estamos procurando reviver o orfeão. Não sei se é coral ou orfeão a designação atual. Sei que contamos com o velho mestre  José da Justa, gerou da campanha da Princesa e do atinado piston que toca como gente grande. Ao alinhavarmos a vida do Ginásio temos que relatar fatos deploráveis e fatos mais ou menos jocosos. O que não podemos é omiti-los sob pena de prejudicar a verdade. [...].
Trecho do livro Contribuição à história do Ginásio Municipal dos Palmares, do Professor Brivaldo Leão de Almeida, lançado pela Prefeitura dos Palmares, em 1992. Veja mais aqui e aqui.

A AMPLITUDE DA REEDUCAÇÃOÀ medida que o cliente ganha a consciência e a autocompreensão, dá-se uma alteração nítida do caráter da relação terapêutica. O cliente fica sob menos tensão. Aborda com mais confiança os seus problemas. Tenta com menos freqüência pôr-se na dependência do psicólogo e mostra que trabalha melhor com ele. A relação torna-se mais genuinamente cooperadora e em que ambos, consultor e cliente, analisam os próximos passos a dar no sentido da maior independência do segundo. Como o cliente desenvolveu a capacidade de se acietar como é, tem uma atitude menos defensiva e é capz de apreciar de forma mais construtiva as sugestões e os conselhos, embora seja duvidoso que se ganhe muito fazendo-lhe sugestões, mesmo nesta fase do tratamento. O cliente tem, não raramente, necessidade de informação que o ajude a atingir os seus novos objetivos e o psicólogo está apto a fornecer-lhe esse conhecimento ou pode-se indicar outras fontes a que se dirigir. [...]. Trechos extraídos da obra Psicoterapia e consulta psicológica (Martins Fontes, 1987), , do psicólogo norte-americano e criador da abordagem psicoterapeuta Terapia Centrada na Pessoa, Carl Rogers (1902-1987). Veja mais aqui, aqui e aqui.

CIDADANIA & MOBILIDADE URBANAA primeira atitude a ser tomada em respeito à cidadania é analisar como ocorre a mobilidade de sua cidade ou no seu bairro. Isto permitirá que você comece a avaliar não apenas o comportamento das outras pessoas mas também o seu comportamento no trânsito. A partir deste conhecimento inicial você poderá rever o que acontece hoje e reorganizar a sua participação no trânsito, de forma a torná-la mais “cidadã”. [...] Você vai se surpreender ao constatar que é possível alterar seus hábitos com pouco de esforço e desta forma contribuir para um trânsito mais seguro e ambientalmente saudável. [...]. Trechos extraídos da obra Mobilidade urbana e cidadania (Senac, 2012) do sociologo e engenheiro civil doutor em Políticas Públicas, Eduardo Alcântara Vasconcellos. Veja mais aqui.

O PAÍS DAS MARAVILHAS DE ALICE - [...] ela imaginou como aquela sua irmãzinha pequena, em algum tempo, ia se transformar em mulher feita. E como ela guardaria, nos anos maduros, o coração simples e amoroso de sua infância. E como reuniria em volta de si outras crianças, seus filhos, e faria seus olhinhos ficarem brilhantes e curiosos, com muitas histórias estranhas, talvez mesmo o sonho que tivera com o País das Maravilhas muito tempo antes. E como ela sentiria todas as tristezas simples que eles sentissem e teria prazer com todas as suas alegrias singelas, lembrando sua própria vida de criança e os dias felizes de verão. Trecho extraído da obra Alice no País das Maravilhas (Ática, 1989), do escritor, desenhista, fotografo e matemático Lewis Carroll (1832-1898). Veja mais aqui e aqui.

A LOUCURA DO TRABALHO - [...] a organização do trabalho exerce, sobre o homem, uma ação específica, cujo impacto é o aparelho psíquico. Em certas condições, emerge um sofrimento que pode ser atribuído ao choque entre uma história individual, portadora de projetos, de esperanças e de desejos, e uma organização do trabalho que os ignora. Esse sofrimento, de natureza mental, começa quando o homem, no trabalho, já não pode fazer nenhuma modificação na sua tarefa no sentido de torná-la mais conforme às suas necessidades fisiológicas e a seus desejos psicológicos – isso é, quando a relação homem-trabalho é bloqueada. [...] O trabalho repetitivo cria a insatisfação, cujas consequências não se limitam a um desgosto particular. Ela é de certa forma uma porta de entrada para a doença, e uma encruzilhada que se abre para as descompensações mentais ou doenças somáticas, em virtude de regras que foram, em grande parte, elucidadas. [...] Considerando o lugar dedicado ao trabalho na existência, a questão é saber que tipo de homens a sociedade fabrica através da organização do trabalho. Entretanto, o problema não é, absolutamente, criar novos homens, mas encontrar soluções que permitiriam pôr fim à desestruturação de um certo número deles pelo trabalho. Trechos extraídos da obra A loucura do trabalho: estudo de psicopatologia do trabalho (Cortez/Oloré, 1987), do psiquiatra e psicanalista francês especialista em medicina do trabalho, Christophe Dejours. Veja mais aqui.

ANSIEDADE & OS DIAS DE HOJE - [...] Todas as ansiedades que atribulam a vida do ser humano, em geral, são aquelas que podem ser atribuídas ao fracasso da pessoa em estar certa de algum, valor que perdurará, a despeito do que mais possa acontecer. As incertezas, medos, preocupações, superstições e outros problemas, existentes na vida das pessoas, devem-se principalmente ao fato de que a pessoa está sob a impressão de que aquilo que tem valor para ela pode lhe ser arrebatado. Em tais circunstâncias, ela sente-se frustrada e tem a sensação de que nada lhe pode dar apoio em momento de necessidade para se adaptar a um ambiente novo ou modificado. O que o indivíduo precisa é de um senso de valores que não esteja relacionado com as ansiedades que atribulam cada dia. Esses valores terão de ser valores que não pertençam ao mundo material. São valores do espírito, aqueles que vêm da própria força vital que, afinal, é a essência do homem. [...] Parece-me que as ansiedades do dia-a-dia nos acompanharão por toda vida. Não nos livramos delas; aprendemos a viver com elas e delas. Somente a paciência e a perseverança ocasionarão esse fim almejado. [...] Esse deveria ser o objetivo da vida, ir mais longe do que jamais acreditamos ser possível. Precisamos não só nos dirigir para o crescimento como também temos de fixar metas e ideais que estão muito além de nosso alcance no mento, mas rumo aos quais nos podemos dirigir, lembrando que a paciência e a perseverança são as chaves. Essas metas ajudarão a aliviar as ansiedades que nos atribulam a vida. Trechos extraídos da obra Ansiedade: um obstáculo entre o homem e a felicidade (Renes, 1978), do escritor e pesquisador místico estadunidense Cecil A. Poole (1907-1989). Veja mais aqui.

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CANÇÃO AO AMANHECER
Entre as chuvas e o Sol
Este canto tão puro,
Esta língua de fogo,
Estes vulcões ocultos,
Este veludo claro,
Estas palavras secas,
Esta colina aérea,
Este sol cor de seda,
Esta luz nas varandas,
Esta fala dos deuses,
Esta fome de canto,
Fome de canto ou sede?
Cabelos de cristal,
Alamedas de estrelas,
Brancas barbas de sal,
Alvas asas lhes selam,
Olhos fluviais nos lagos
Da face, fitam o mar,
O tempo sem correnteza
Está sempre a passar.
Poema extraído da obra O arranha-céu e outros poemas (Tempo Brasileiro, 1994), do poeta, jornalista, professor e crítico literário Cesar Leal (1924-2013).

 

segunda-feira, agosto 28, 2017

EDUCAÇÃO & CECÍLIA MEIRELES, VALLEJO, CALASSO, ELIPHAS LÉVI, PEÑUELA, NEOCONCRETO, SOCORRO DURÁN & BIBLIOTICA FENELON.

ETERNO RETORNO – Quantas vezes ao amanhecer saí de casa na trilha do sol sem saber pra onde, lugar algum na ideia e a zanzar equilibrista do tempo pra voltar ao crepúsculo e me recolher à escuridão, quem não esteve inúmeras vezes perdido sem saber se ia ou voltava optando pro retorno cabisbaixo, o mesmo percurso sempre de volta ao útero pra me agasalhar, terra pra deitar a cabeça, chão pra esquentar o frio. Muitas e tantas vezes acordei sobressaltado, entre compromissos e pesadelos, sempre perdi a hora, desvirando a ampulheta e a vida inteira para seguir o curso regular do mundo, entre dores e prazeres, entre o choro e a derrisão, o patético e o risível, o arcaico e o inédito, o tímido e o insolente, não sei, meia noite, meio dia, tudo meio a meio, cada qual sua infâmia execrável. Pelas buscas nos caminhos muitos das tantas opções, quantas vezes me deparei com todas as quartas e quintas intenções a romper o mais profundo segredo, como acerto de contas pra me reconciliar com o passado e seguir em frente pronde der. Até agora, desconfio que me surjam a qualquer momento outros antípodas ou antagônicos, que venham, penso tanta coisa que nem sei, talvez seja um meio pensamento que subjaz das minhas cavernas mais remotas só para me atormentar e eu sei, vou superar. Ser-me uma questão aberta é o que quero, o vazio na cabala das minhas ideias com a insidia do impostor, como quem já anestesiado da dor parte pra vingança de viver o instante como se tudo se repetisse sem cessar ao eterno retorno e refaço-me na agonia de não mais ser-me como antes, outro agora, a vida revirada aos hecatombes. Aprendi que artista é aquele que olha o passado, pula academia, suja-se na terra e segue em frente sem futuro. É evidente que chore e se envergonhe muitas vezes de si mesmo, eu também chorei olhando pra frente: funâmbulo sobre vigas-mestras em falso. Quem sabe, um nômade que corre todos os riscos, como se fosse Édipo decapitado pela própria crença dos pecados, como se a culpa fosse a presença inexorável da morte de plantão, vigilante e eu nem ligo, me esqueço do mundo, sem testemunhas nem espectadores pro meu monólogo, como se amputado todos os meus membros e órgãos, servido por próteses defeituosas e me fizesse o outro que sou meu próprio juiz e algoz e a minha incompletude, talvez, tudo e nada disso, mesmo que minhas palavras sejam abissais, o meu poema definitivo, para que eu me cale com o silêncio de um palco vazio. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

BIBLIOTECA PÚBLICA FENELON BARRETO
A simpática equipe de funcionários da Biblioteca Pública Municipal Fenelon Barreto, em Palmares – PE, comandada por João Paulo. Veja mais aqui e aqui.

A EDUCAÇÃO NO BRASIL – [...] O Brasil tem como grande desgraça a ser combatida a pseudo-autoridade do “medalhão”. O “medalhão”m homem de “pose”, dado à “intelectualidade”, falador e gesticulador, dizendo coisas floridas e ocas, tem sido nosso pior inimigo em política, em literatura, em arte, em ciência, em administração. [...]. Trecho extraído da obra Crônicas de educação (Nova Fronteira, 2001), da escritora, pintora, professora e jornalista Cecília Meireles (1901-1964). Veja mais aqui e aqui.

MANIFESTO NEOCONCRETO – [...] Não concebemos a obra de arte nem como “máquina” nem como “objeto”, mas como um “quase-corpus”, isto é, um ser que, decomponível em partes pela análise, só se dá plenamente à abordagem direta, fenomenológica. Acreditamos que a obra de arte supera o mecanismo material sobre o qual repousa, não por alguma virtude extraterrena: supera-o por transcender essas relações mecânicas (que a Gestalt objetiva) e por criar para si uma significação tácita (M. Pority) que emerge nela pela primeira vez. Se tivéssemos que buscar um símile para a obra de arte, não o poderíamos encontrar, portanto, nem na máquina nem no objeto tomados objetivamente, mas, como S. Lanoer e W. Wleidlé, nos organismos vivos. Essa comparação, entretanto, ainda não bastaria para expressar a realidade específica do, organismo estético. É porque a obra de arte não se limita a ocupar um lugar no espaço objetivo – mas o transcende ao fundar nele uma significação nova - que as noções objetivas de tempo, espaço, forma, estrutura, cor etc não são suficientes para compreender a obra de arte, para dar conta de sua “realidade”. A dificuldade de uma terminologia precisa para exprimir um mundo que não se rende a noções levou a crítica de arte ao uso indiscriminado de palavras que traem a complexidade da obra criada. A influência da tecnologia e da ciência também aqui se manifestou, a ponto de hoje, invertendo-se os papéis, certos artistas, ofuscados por essa terminologia, tentarem fazer arte partindo dessas noções objetivas para aplicá-las como método criativo. Inevitavelmente, os artistas que assim procedem apenas ilustram noções a priori, limitados que estão por um método que já lhes prescreve, de antemão, o resultado do trabalho. Furtando-se à criação espontânea, intuitiva, reduzindo-se a um corpo objetivo num espaço objetivo, o artista concreto racionalista, com seus quadros, apenas solicita de si e do espectador uma reação de estímulo e reflexo: fala ao olho como instrumento e não olho como um modo humano de ter o mundo e se dar a ele; fala ao olho-máquina e não ao olho-corpo. É porque a obra de arte transcende o espaço mecânico que, nela, as noções de causa e efeito perdem qualquer validez, e as noções de tempo, espaço, forma, cor estão de tal modo integradas - pelo fato mesmo de que não preexistiam, como noções, à obra - que seria impossível falar delas como de termos decomponíveis. A arte neoconcreta, afirmando a integração absoluta desses elementos, acredita que o vocabulário “geométrico” que utiliza pode assumir a expressão de realidades humanas complexas, tal como o provam muitas das obras de Mondrian, Malevitch, Pevsner, Gabo, Sofia Taueber-Arp etc. Se mesmo esses artistas às vezes confundiam o conceito de forma-mecânica com o de forma-expressiva, urge esclarecer que, na linguagem da arte, as formas ditas geométricas perdem o caráter objetivo da geometria para se fazerem veículo da imaginação. [...] Trecho do Manifesto Neoconcreto (1959), assinado por Ferreira Gullar, Amílcar de Castro, Franz Weissmann, Lygia Clark, Lygia Pape, Reynaldo Jardim & Theon Spanúdis.

MAS ANTES QUE SE ACABE Mas antes que se acabe / toda essa felicidade, perde-a, detendo-a, / toma-lhe a medida, antes que ela ultrapasse o teu gesto; / ultrapassa-a, / ver se ela cabe estendida em tua extensão. / Bem lhe sei pela chave, / conquanto não saiba, às vezes, se esta felicidade / anda só, apoiada em teu infortúnio, / ou se vibra, só para te dar gosto, em tuas falanges. / Bem a sei única, sozinha, / de uma sabedoria solitária. / Em tua orelha a cartilagem está bela / e te escrevo por isso, te medito: / não te esqueças, em teu sonho, de pensar que és feliz, / que a felicidade é uma coisa profunda, quando acaba, / mas quando começa, assume / um católico aroma de haste morta. / Mofando de tua morte, / o chapéu até as orelhas, / alvo, te desvias ao ganhar tua batalha de escadas, / soldado do talo, filosofo do grão, mecânico do sonho. / (Me percebes, animal?) / me deixo comparar por meu tamanho? / Não respondes e me olhas silencioso / através da idade da tua palavra.) / Desviando assim tua felicidade, tua língua / voltará a chamá-la, a despedi-la, ; felicidade tão desgraçada de durar. / Antes, se acabará violentamente, / dentada, pedernalina estampa, / e então ouvirás como medito, / e então saberás, ao tocá-la, como a tua sombra / é esta minha sombra desvestida / e então farejarás como eu sofri. Poema Mas antes que se acabe dos Poemas Humanos (1932-1937), extraídos da Poesia completa (Philobiblion, 1984), do poeta vanguardista e dramaturgo peruano César Vallejo (1892-1938). Veja mais aqui.

AS PENAS DO MUNDO - [...] A poesia, sempre arraigada na dor que subjaz aos enganos da clarividência, pode surgir, de repente, da simples alteração do sentido comum de uma palavra ou de uma imagem e gerar desordens consideráveis em qualquer tipo de situação, porque, no fundo, a poesia sempre foi uma arma eficaz para desmantelar a pasmaceira semântica que se instala, com excessiva freqüência, no cérebro humano quando este se defronta com qualquer evento que não se encaixa no habitar da normalidade. Os atentados poéticos, contudo, não têm o objetivo de aniquilar pessoas nem demolir edifícios. Mesmo sendo agressivos, eles afetam exclusivamente o engessamento das linguagens, a rigidez e a intransigência dos códigos fortes inventados pelos seres ditos racionais para fixar fronteiras em arrogantes cartografias. As rupturas poéticas, por conseguinte, rumam na direção dessa inteireza planetária que se vislumbra, desde o tempo em que nossos mais remotos ancestrais escreviam signos rudimentares, nos sentimentos limpos que se moldavam nos favos da colméia de uma identidade primordial. Desfeita tal colméia e rotulados os restos que dela ficaram com as palavras “teu” e “meu”, os processos de comunicação se tornaram cada vez mais complexos e neles se presevaram resíduos de certas hecatombes que se opõem à poesia deixando amargo sabor de que a dor, como confessa César Vallejo em Poemas Humanos, cresce no mundo a cada instante, cresce em velocidade de trinta minutos por segundos [...].  Trechos do artigo As penas do mundo (Bravo, nov-2001), de Eduardo Peñuela Canizal.

O TERROR DAS FÁBULAS - [...] Se observarmos o uso comum das palavras, logo nos damos conta de que a palavra mito sobrevive principalmente em duas acepções. De um lado, a que remete a um absoluto, a algo de prodigioso além do qual não se pode ir. É nisso que pensa o publicitário quanto escolhe a expressão “O mito integral” para designar o carro a ser glorificado. “Mítico”, aqui, é portanto algo envolto pela aura do extremo. O segundo significado é bem o oposto: por todos os lados vemos cercados por pessoas que declaram não acreditar no “mito” de alguma coisa, que combatem e o condenam ao desprezo publico. Aqui mito assume simplesmente o significado de “mentira”: uma mentira geralmente imaginosa, acompanhada de algo pathos, que a mente livre deve afastar e derrotar. Por trás da banalidade desoladora dessas duas acepções da palavra mito, creio que se oculte uma longa história, tudo menos banal. Melhor, diria que nela se escancara a própria voragem da história. [...] o mito é justamente um conhecimento do simulacro através do simulacro. O relato mítico não só não se opõe ao “oceano infinito da dessemelhança”, mas parece exaltá-lo, como se pudesse ultrapassar a barreira variada do aparecer. [...] O primeiro sintoma do terror das fábulas foi assim a elaboração de uma certa reconstrução teórica de sua origem. A função de tal pratica exorcista era primeiramente obliterar o fato de que o próprio mito nascia como uma teoria omnicompreensiva e auto-suficiente. [...] os perigos da imitação: as histórias míticas, por sua natureza, induzem a alma a imitá0las, como se pertencessem inevitavelmente à circulação dos simulacros. [...] os gestos dos mitos sejam modelos para as ações humanas nos é assegurado, pela primeira vez, na Ilíada. [...] quando observamos ao nosso redor o espetáculo do mundo, já nos encontramos dentro de um mito. [...] Aquelas histórias são uma paisagem, são a nossa paisagem, simulacros hostis e convidativos que ninguém inventou, que continuamos a encontrar, que de nós esperam somente serem reconhecidos. Assim, agora podemos confessar-nos o que era, o que é aquele antigo terror que as fabulas continuam a incutir. Não é nada diferente do terror que é o primeiro dentre todos: o terror do mundo, o terror perante seu enigma mudo, enganador, opressivo. Terror diante deste lugar da metamorfose perene, da epifania, que inclui primeiro nossa mente, onde assistimos sem trégua à dança dos simulacros. [...] é o próprio mito que já nos interpreta [...]. Trechos de O terror das fábulas, extraída da obra Os 49 degraus (Companhia das Letras, 1997) do escritor e ensaísta italiano Roberto Calasso. Veja mais aqui.
  
OS VIVOS E OS MORTOS Uma vez, passando Jesus por um campo de sepulturas, encontrou um jovem estava de joelhos e chorava junto a uma delas. Ao vê-lo, Jesus se compadeceu da sua dor e, aproximando-se, disse-lhe: - Jovem, por que choras? Voltando-se, o jovem estendeu a mão e respondeu: - Minha mãe está aqui há três dias. – Não, meu filho – disse-lhe Jesus – tua mãe não está aqui. aqui só estão depositados todos os despojos últimos que ela abandonou. Por que choras, pois, sobre esses despojos? Levanta-te, caminha, que tua mãe te espera. O desesperado jovem moveu tristemente a cabeça e disse: - Não, esperarei aqui até que venha a morte, e ela virá. Então, eu o sei, irei reunir-me à minha mãe. Replicou Jesus: - A morte espera a morte e a vida vai em busca da vida! Não entristeças com uma dor egoísta e estéril a alma daquela que te precedeu; não retardes a sua marcha para com Deus com teu desespero e com a tua inércia. O amor de tua mãe vive ainda em seu coração e tu não o perderás nunca se o fizerdes viver dignamente em ti. Jovem, em vez de chorares a tua mãe, ressuscita-a! não me olhes com admiração, nem julgues que me divirto com tua dor. Aquela cuja perda lamentas, está sempre perto de ti; um dos véus que separava as vossas almas acaba de cair; ficou ainda um, entretanto. E estais separado hoje unicamente por este véu, deveis viver um para o outro. Tu trabalharás para ela, e ela rogará por tu. – Como trabalharei para ela? – perguntou o órfão. – Agora que ela está debaixo da terra, não tem mais necessidade de coisa alguma. – Enganas-te, meu filho – disse Jesus. Tu confundes a alma com o vestuário. Por isso digo-te: levanta-te e caminha, porque a alma de tua mãe se levantará e caminhará contigo, e tu a ressuscitará em ti, frutificando o seu pensamento e o seu amor. Ela tem um corpo na Terra – é o teu. Tu tens uma alma no Céu – é a dela. Se este corpo e esta alma caminharem juntos, tua mãe reviverá. Acredita-me, filho, o pensamento e o amor não morrem nunca e aqueles que tu supões mortos, vivem mais do que pensas e cada vez mais se amam. Filho, os verdadeiros mortos são aqueles que não pensam e não amam, pois trabalham para a corrupção, e a corrupção por sua vez os consumirá. O jovem, então, levantou-se, suas lágrimas cessaram de correr e ele contemplou a face do Cristo, cujos olhos eram resplandecentes de imortalidade. Tomando o jovem pela mão, disse Jesus: - Vem. O Cristo conduziu o jovem ao alto de uma colina, que dominava a cidade e de onde esta podia ser vista. E disse: - Contempla, filho, a verdade cidade das sepulturas. Lá, nesses palácios que entristecem os horizontes é que estão os mortos que necessitam ser chorados. Moço que choravas e cujas lagrimas secaram-se ante as minhas palavras, chora e sofre agora por esses mortos. Sofre por aqueles que se julgam vivos e que não passam de cadáveres atormentados. Jovem, mantém-te disposto e cuida para não morrer da verdadeira morte, que hoje te mostro! Vive para aqueles a quem amas e não chores por aqueles que tenham alcançado mais um grau na escala da vida. Choras, antes, pelos que não pensam em ti e não te amam. Em verdade te digo, que a humanidade não tem mais do que um corpo e uma alma. Um membro que há não é sensível ao bem-estar e à dor dos outros membros, está em verdade morto, e será suprimido em breve. Texto Os vivos e os mortos (Lótus Branco, 1917), do escritor e ocultista francês Eliphas Lévi (1810-1875).

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A LITERATURA DE SOCORO DURÁN
Para amar uma terra,
É preciso conhecer suas raízes,
Ver com o olhar do coração
E enxergar com a alma
Os tesouros ao seu lado,
Às vezes despercebidos.
Sobretudo respeitar seu povo,
Sua identidade,
Valores e tradições.
Extraído da obra O casamento da Doida do Bambu com o Neguinho do Tibungo (Autor, 2016), da escritora e professora Maria do Socorro Barros y Durán. Veja mais aqui e aqui.