sexta-feira, junho 23, 2017

O VAZIO DE LIPOVETSKY, FERNANDO ARRABAL, A ESCRITORA DE YAZBEK, NAIR BENEDICTO & QUADRILHA DA PAIXÃO

A QUADRILHA DA PAIXÃO – Imagem: arte da poeta, artista visual e blogueira Luciah Lopez - Lá vem ela faceira feito linda roseira a se exibir no jardim. Uma camisa xadrez aberta entre os seios que são do tamanho das minhas mãos. Um nó na cintura sobre o umbigo provocador qual beijo jogado pra mim, uma saia rodada cheia de rendas, laços e fitas, a realçar suas coxas e pernas incendiando a minha libido. Solta aos passos de dama casamenteira, olhos vivos com todo viço e eu enamorado na sua franja ornada com duas tranças laterais, a imprimir-lhe sedução juvenil nas bochechas rosadas. E o batom encarnado nos lábios me convidando ao prazer, a me levar sorridente pra esquentar a carne nas fogueiras juninas, saboreando roletes de cana, milho assado, queijo de coalho, canjica e arroz doce, sorvendo caldo de cana e uma pinga com a fruta vez: caju, manga, ciriguela, jaca ou cajá, carambola, acerola, laranja e limão. Ah, como é bom nela brincar o meu São João. E seus dedos aveludados alisam o meu gibão de vaqueiro, chapéu e colete de couro, a se engraçar com as perneiras e alpercatas que correram mato, pastagens, caatingas do que sou e fui, tudo da cor de ferrugem ao curtimento, pra que sua pele macia me toque como voz entoando meu aboio pra que o gado invisível e todos os bichos dos campos estejam no céu de estrelas que alumiam mais que presentes no nosso festejo. Ah, como é bom nela brincar o meu São João. En avant tous, en arrière, gritaram! Todos respondiam, pra frente pra trás, casais dando as mãos aos passos marcados: ananvantú, anarriê, alavantú, anarriê. Dancê! Balancê! Changê! Autre fois! Dancê! Mão na mão, passo a passo, lá vou eu no cumprimento às damas e cavalheiros, pelos túneis e caminho da roça, olha a cobra! É mentira! Caracol, desviar, coroação de damas e cavalheiros, grande roda, damas ao centro, o passeio. Era o salvo-conduto: na cintura dela eu me agarrei ao seu rebolado, encangado na sua garupa fui mandando direção por atalhos, moitas, grotas e grotões, do que ela não sabia da mata, do litoral, agreste e sertão que sou, alma nordestina na sua pele de sul que vou passageiro porque ela reina em mim, na água, no fogo, na terra e no ar! E me ajoelhei aos seus pés atrás do oitão, descalçando a sua sandalhinha como quem cuida amante do seu bem-querer. E jurei por toadas o amor do coração entre suas pernas e coxas, pra ter sua saia como cobertor pras noites de frio em plena invernada. A chuva ameaça cair, pouco importa, ah, como é bom nela brincar o meu São João. As fogueiras queimam ao chuvisco, o cheiro de comida boa no ar. Um vento frio e me abrigou em seu ventre, a me fazer seu senhor e feitor no seu corpo de todas as montanhas e plantações, como se fosse uma roda gigante a nos embalar no gira girar de céus e paraísos, pra que eu tenha sempre a certeza de que sou o dono na posse do amor. © Luiz Alberto Machado. Veja mais aqui.

O VAZIO DE LIPOVETSKY
[...] Não há como não ver que a indiferença e a desmotivação de massa, a progressão do vazio existencial e a extinção progressiva do riso são fenômenos paralelos: por todo lado surge a mesma desvitalização e a mesma erradicação das espontaneidades pulsionais, a mesma neutralização das emoções, a mesma auto-absorção narcísica [...] A sociedade, cujo valor cardeal passou a ser a felicidade e massa, é inexoravelmente arrastada a produzir e a consumir em grande escala os signos adaptados a esse novo éthos, ou seja, mensagens alegres, felizes, aptas a proporcionar a todo momento, em sua maioria, um prêmio de satisfação direta [...] quanto mais as grandes opções deixam de se opor drasticamente, mais a política se torna uma caricatura com cenas de luta livre a dois ou a quadro; quanto mais a desmotivação política aumenta, mais a cena política parece um strip-tease de boas intenções, de honestidade, de responsabilidade e se metamorfoseia em episódio burlesco [...] A impulsividade extrema e desenfreada dos homens, correlativa das sociedades que precedem o estado absolutista, foi substituída por uma regulamentação de comportamentos, pelo autocontrole do indivíduo, enfim, pelo processo de civilização que acompanha a pacificação do território realizada pelo Estado moderno. [...] Nos nossos dias a violência desaparece maciçamente da paisagem urbana e se torna a maior proibição das nossas sociedades. [...] O indivíduo renuncia à violência não apenas porque apareceram novos bens e novas finalidades particulares mas também porque, no mesmo rastro, o outro se encontra privado de substância, tornando-se um figurante vazio de risco [...]. A violência entra no ciclo de reabsorção dos conteúdos; de acordo com a era narcísica, a violência perde sua substância em uma culminância hiperrealista sem programe sem ilusão. Uma violência hard, desencantada [...].
Trecho da obra A era do vazio: ensaio sobre o individualismo contemporâneo (Relogio D'agua, 1983), do filósofo, professor e teórico da Hipermodernidade Gilles Lipovetsky, tratando sobre o narcisismo e as novas relações sociais, a apatia, indiferença e susbstituição do princípio da sedução ao da convicção, expondo em um prólogo e seis capítulos temas como o enfraquecimento da sociedade,d os costumes, do indivíduo contemporâneo na era do consumo de massa, da emergência de um modo de sociabilização e de individualização inédito, numa ruptura como que foi instituído a partir dos séculos XVII e XVIII. Na obra ele traz o conceito de sociedade pós-moderna, o vazio, a sedução vigente e suas consequências, a indiferença pura, a anemia emocional, suicídio e depressão, homo politicus x homo psychologicus, o corpo reciclado e o teatro discreto, o apocalipse now, os mil watts, a solidão e o vazio. Veja mais aqui, aqui e aqui.

Veja mais sobre:
Quadrilha das paixões mais intensas, Vaqueiros & cantadores de Luís da Câmara Cascudo, Terra de Caruaru de José Condé, A setilha do cantador Serrador, a música da Orquestra Armorial, O casamento da Maria Feia de Rutinaldo Miranda Batista, a xilogravura de J. Miguel & Costa Leite, as gravuras de Roberto Burle Marx, a arte de Vermelho & Severino Borges aqui.

E mais:
Viva São João, Quadrilha & Nordeste de Ascenso Ferreira, a música de Luis Gonzaga, Tratada da lavação da burra de Ângelo Monteiro, Terra de Caruaru de José Condé, Viva São João de Artur Azevedo, Noite de São João de Sérgio Silva & Dira Paz, a gravura de José Barbosa, Brincarte de Nitolino, a pintura de Rosangela Borges & Valquíria Barros aqui.
Vamos aprumar a conversa, Augusto Matraga de João Guimarães Rosa, Princípios de uma nova ciência de Giambattista Vico, Canto do último encontro de Anna Akhmátova, a música de Rozana Lanzelotte, Devassos no paraíso de João Silvério Trevisan, a arte de Dercy Gonçalves, o cinema de Roberto Santos, o documentário Moacir arte bruta de Walter Carvalho, a pintura de Eliseo d'Angelo & Vilmar Lopes aqui.
O que são as coincidências & outros ditos inauditos, Haverá amor de Anna Akhmatova, Cântico dos cânticos de Salomâo, a música de Carl Reinecke, Chico Buarque & Elza Soares, a arte de Naldinho Freire aqui.
O catecismo de Zéfiro & o rol da paixão aqui.
História & literatura do teatro aqui.
Vamos aprumar a conversa, Divina comédia de Dante Alighieri, Ensaios de Ralf Waldo Emerson, Macunaíma de Mário de Andrade, a música de Mikko Härki, o teatro de Luigi Pirandello, História de O de Guido Crepax & a pintura de Mark Gertler aqui.
Pensando o ritual de Mario Perniola, Entre nós de Emmanuel Lévinas, Teatro em tempo de síntese de Maria Helena Kühner, a música de Sivuca, o cinema de Wolf Maia & Maria Clara Gueiros, a pintura de Emanuel Leutze, a fotografia de Dorothea Lange, Livro das incandescências de Jaci Bezerra & Programa Tataritaritatá aqui.
Brincarte do Nitolino, Parque humano de Peter Sloterdijk, Viagem ao fim da noite de Ferdinand Céline, a pintura de Georges Rouault, a música de Ivete Sangalo, Aprendizagem do autor de Antonio Januzelli – Janô, o cinema de Mark Robson & Barbara Parkins, arte de Sharon Tate & Isadora Duncan aqui.
E lá vou eu noutras voltas, Variações sobre o corpo de Michel Serres, Tarde demais de Antonio Tabucchi, A jangada de Ulisses de Vianna Moog, a música de Mundo Livre S/A, a fotografia de Raoul Hausmann, a pintura de Aja-ann Trier & a arte de Matthew Guarnaccia aqui.
As mulheres mandam ver nas olimpíadas & a arte de Hubert B. W. Ru aqui.
A festa das olimpíadas do Big Shit Bôbras – o Big Bode do Brasil, Sonhos e pesadelos da razão de Oswaldo Giacoia Junior, Gasolina & Lady Vestal de Gregory Corso, Intelectuais à brasileira de Sergio Miceli, a música de Wanda Sá, a pintura de Augusta Stylianou & Nancy L Jolicoeur, a arte de Banksy & Natalia Gal Stabile aqui.
O sonho do amor, As bodas de Fígaro de Beaumarchais, a Psicologia de Afonso Lisboa da Fonseca, a música de Ana Cascardo, a pintura de Sandra Hiromoto, Luciah Lopez, a arte de Ana Viera Pereira & Ana Maia Nobre aqui.
Livros Infantis do Nitolino aqui.
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GUERNICA & LA MUERTE DE FERNANDO ARRABAL
Entre as obras do poeta, dramaturgo, roteirista e diretor de cinema Fernando Arrabal, primeiramente destaco L'arbre de Guernica (1975), drama surreal de guerra, contando a história de um pintor excêntrico que se aloja em um castelo quando começa a guerra, realçando o amor no meio da crueza da Guerra Civil Espanhola, reproduzindo de forma ficticia o conflito geral em toda a Espanha, culminando com a aniquilação da cidade de Guernica. O destaque fica por conta da belíssima atriz italiana Mariangela Melato (1941-2013). O segundo, o drama Viva la Muerte (1971), contando a história de um jovem que teve o pai entregue às autoridade por suspeita de comunista, por sua própria mãe simpatizante fascista. O destaque do filme fica por conta da sequencia de desenhos do artista, ator e romancista francês Roland Topor (1938-1997) e atuação da atriz francesa Anouk Ferjac. Veja mais aqui e aqui.

A ESCRITORA DA ENTREVISTA DE SAMIR YAZBEK
[...] Sinceramente, eu acho que o mundo em si. De repente ficou muito difícil viver, simplesmente isso. E eu me lembro que há pouco tempo não era assim. Antigamente, havia uma crença comum de que nós iríamos melhorar como humanidade, que hoje eu já não encontro mais. Ficou muito pior do que eu imaginava. E do que muita gente imaginava. As pessoas, os lugares, a literatura, a competição entre os colegas, como se fôssemos executivos. Os leitores que não lêem. E se lêem, não têm o que dizer. E se têm o que dizer, normalmente dizem superficialidades. Acho que foi por tudo isso que eu fui me retraindo. E aí, no começo, como forma de entender o que acontecia comigo e com o mundo, eu achei importante falar sobre isso, mas agora eu queria expandir esse horizonte, eu me sinto presa. Parece que eu fui ultrapassada pelos acontecimentos e que não faz mais sentido pensar como eu pensava. Ou seja, ou eu encontro uma nova forma de escrever, ou então eu vou viver esse eterno tormento de estar sempre insatisfeita comigo mesma. [...] Ter medo do silêncio? Como é que eu posso ter medo do único amigo que me acompanha do início ao fim? A diferença é que esse de agora está preenchido de algo. Algo cujo nome eu desconheço, mas existe. Existe porque eu sinto que existe. Que mais eu preciso dizer?
Trechos da peça teatral A entrevista (2004), extraída da coletânea O fingidor, A terra prometida, A entrevista (Cultura/Fundação Padre Anchieta, 2006) do dramaturgo e diretor teatral Samir Yazbek. Veja mais aqui.

O QUARTO DIA DE LUCIAH LOPEZ
Minha vontade era de estar contigo, sem importar-me com interpretações que venham a ser feitas sobre isso -, não me sinto a caminho do Gólgota pelo fato de amar demasiadamente. Basta a realidade mais divertida do que uma completa incredulidade na existência do Amor. E se me olhas resolutamente nos olhos, posso saber onde reside a felicidade, e, contrariando a própria vida e suas maledicências eu me percebo um novo ser, quando em suas mãos vivencio o crescimento da minha alma. Encerra-se a solidão e eu sou capaz de fazer versos...
Quarto dia, poema/arte da poeta, artista visual e blogueira Luciah Lopez.

A ARTE DE NAIR BENEDICTO
[...] Eu queria documentar a realidade da Amazônia naquele momento, o modo como grandes projetos interferiam na vida das aldeias, como, por exemplo, a usina de Tucuruí. Naquela época eu não achava que o caminho certo para difundir esse trabalho seria o livro. O audiovisual funcionava muito melhor para promover a discussão. Uma coisa era ter o livro pronto, outra coisa era mostrar isso diretamente para as pessoas. Eu sempre me interessei muito pela relação da fotografia com a educação. Eu publiquei muita coisa, tanto no Brasil como no exterior, mas nunca achei que uma revista faria a matéria que eu queria. Então encontrei no audiovisual um modo bastante eficiente de fazer essa junção. Dávamos muitas palestras em escolas, por exemplo. [...] O áudio sobre a Amazônia teve trilha sonora do Hermeto Paschoal. Fiz audiovisuais de outros assuntos importantes também: “O Prazer é nosso”, “Não Quero ser a Próxima”, “E agora, Maria”, todos ligados diretamente à questão da mulher. Também fiz outros focados na questão da terra e na ecologia. [...].
Trechos da entrevista concedida pela fotógrafa e fotojornalista Nair Benedicto, à publicação O índio na fotografia brasileira (2012), por ocasião do lançamento do seu Vi ver: fotografias de Nair Benedicto (Brasil Imagem, 2012), dividido em duas partes: Amazônias (imagens do desmatamento promovido pela construção da Transamazônica e o surgimento das cidades abrigando os migrantes) e Desenredos (com imagens das ruínas e lixões urbanos do garimpo em Serra Pelada e nas terras ianomâmis, entre outras).