segunda-feira, maio 29, 2017

CORPO A CORPO DE GULLAR, MANICÔMIO DE MCGRATH, A ARTE DE MAX DUPAIN & JR, COISAS DA VIDA DE RIR & CHORAR.

COISAS DA VIDA DE RIR & CHORAR – Imagem: Woodkid Les Bosquets, do fotógrafo e artista francês JR. - Nasci entre um rio e um riso de mulher. O rio, a extensão do quintal meu reinado, a lição pra trilhar os tortuosos caminhos da vida. O riso, o talismã, desiderato: seguir adiante, apesar de todos os pesares e percalços. Fui menino arteiro, precoce e feliz: monograma do pai super-herói no peito, os cuidados extremos da mãe e a brecha do portão entreaberto era a fuga pra liberdade do mundo no prematuro adolescer de quase homem feito avexado, que nem teve tempo pra fruir do que foi. Virava a página pro que viesse, amanhã é outro dia: lambia as feridas e ia adiante parindo sonhos e muitos, acordando com o talho do tombo na topada que dizia não ser aquilo que eu pensava, era outra coisa. Amanhã seria outro dia, ora, embora parecesse o mesmo, olvidei dos tropeços embarcando outros novos sonhos até teimar emperrado na areia, para adultecer de antemão como quem ainda menino não tivesse tirado a catinga do mijo nas fraldas arrancadas da infantilidade. A cabeça no infinito e os pés puxados pelas quedas entre pedras no chão, nunca olhei pra trás, nem sabia mais de anteontem. Ia pro alto, insistia debaixo ao cair na poeira, persistia e quedava pra perseverar, desabando de noite aos prantos pras refeitas manhãs sorridentes a desesperar no crepúsculo de sucumbir de novo e novamente sorrir na alvorada escorregando nas horas, derrapando a cada retomada, até vergar sem fôlego arrumando a casa entre batalhas perdidas e guerras declaradas. Juntava cacos e trapos, tateava e restabelecido teimava por reiteradas decisões irrefletidas e as inevitáveis reações com seus insultantes pretextos pra tomar outra direção, que nada, lá fui eu trocando as pernas a desatar nós, labéus, revertérios e vicissitudes pelas encruzilhadas repletas de enrascadas que deram o creu pra me deixar sem saída até hoje, quando ainda sou aquele menino de sempre entre o quintal, o riso e o rio que nem existem mais ou quase, mas tatuados na alma e doendo o pulso, o muque, a pleura, o bolso, calçar as meias e os cadarços do sapato, moedas no chão ou ficar de cócoras, doendo tudo, a chatura de entrevado com os espirros destrambelhados e o pigarro arranhando a goela, a incontinência e os perdigotos difusos com o ronco quebrando a madrugada. Dói achar que é dono da verdade pela experiência adquirida sem dizer nexo de coisas, desdizendo afirmações e negando o que redizera no meio de foi não foi por voltas que se esqueceu de ter ido, porque o que se diz não se escreve e o assinado não vale mais nada, pra perder a esperança com tudo sem mesmo saber o que do quê – como é que é? O que é mesmo? Dói não ouvir direito e entender o contrário, não vê quase nada e só enxergar lembranças perdidas sem pés nem cabeça que mais fazem virar ranzinza ou levar na pilhéria, até tomar vergonha na cara pra falar sério e logo perdê-la na primeira esquina no vão da lorota. Nesse trâmite, perdoar e pedir perdão, assumir o que fez e chorar e rir da leseira que foi o tempo da vida toda pra voltar atrás quando botou moral e passou vexame, olhando pros lados pra soltar um pum por escape e pedir licença pra desaforar o primeiro desplante que der na telha, mijando nas calças e nem aí porque esqueceu o perfume na inhaca da sovaqueira, chamar na grande e dá risadas por arriar a lenha em tudo e na droga de vida que teve quando acertava e dava errado, e ao dar errado ficava assim mesmo porque não tinha mais outra coisa pra fazer, até se perder entre ideias noutras tantas misturadas e sem saber nem o que estava falando, pois é, onde é que eu estava mesmo? Ah, se soubesse disso tudo não teria graça nenhuma ter vivido e viver, né não? Vamos aprumar a conversa. © Luiz Alberto Machado. Veja mais aqui.

CORPO A CORPO DE FERREIRA GULLAR
A história humana não se desenrola apenas nos campos de batalhas e nos gabinetes presidenciais. Ela se desenrola também nos quintais, entre plantas e galinhas, nas ruas de subúrbios, nas casas de jogos, nos prostíbulos, nos colégios, nas usinas, nos namoros de esquinas. Disso eu quis fazer a minha poesia. Dessa matéria humilde e humilhada, dessa vida obscura e injustiçada, porque o canto não pode ser uma traição à vida, e só é justo cantar se o nosso canto arrasta consigo as pessoas e as coisas que não tem voz.
Trecho extraído da obra Corpo a corpo com a linguagem (Museu/Arquivo da Poesia Manuscrita, 1999),
premiado e aplaudidíssimo poeta, crítico de arte, tradutor e ensaísta maranhense Ferreira Gullar (1930 – 2016). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

Veja mais sobre:
Sujeito, indivíduo, quem?, Folhas da relva de Walt Whitman, Ecce Homo de Friedrich Nietzsche, Princípios fundamentais de filosofia de Politzer, Besse & Caveing, a música de Emmanuelle Haïm, a pintura de Lasar Segall & Carolyn Anderson, a arte de Emerson Pingarilho, Kate Wiloch, Sally Trace & Claudio Adrian Natoli aqui.

E mais:
Brincar para aprender aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.
Entrega & vamos aprumar a conversa, O indivíduo na sociedade de Emma Goldman, A metamorfose de Franz Kafka, a música de Isaac Albéniz, Auto da barca do inferno de Gil Vicente, o cinema de Sam Mendes & Annette Bening, a  pintura de Fritz von Uhde & a fotografia de Freddy Martins aqui.
Bolero, Gertrudes & Cláudio de John Updike, a música do Trio Images, Os degraus de Roberto Calasso, Engraçadinha de Nelson Rodrigues, a pintura de Norman Engel, o cinema de J. B. Tanko & Irma Álvarez, a poesia de Frederico Barbosa & Aecio Kauffmann aqui.
As trelas do Doro: o testamento de bocó aqui.
O xote no auto de natal, Conto de Natal de Rubem Braga, a música de Ernesto Nazareth & Maria Teresa Madeiram a pintura de Wilhelm Marstrand & Aprendendo a viver com a lição do natal aqui.
Pode até ser, mas se não for, nunca será, a música de Lina Cavalieri, a fotografia de Chris Maher & a pintura de Eloir Amaro Júnior aqui.
A desmedida correria para perder o bom da vida, Novum Organum de Francis Bacon, a pintura de Fúlvio Pennnacchi, a música de Heitor Villa Lobos & Quarteto Amazônia aqui.
O maravilhoso mistério da vida, A literatura de Rebecca West, a música de Ana Torroja, a pintura de Marie-Louise Garnavault, o cinema de Alan Bridges & Julie Christie aqui.
Quem quer diferente tem que fazer diferente, a pintura de Cândido Portinari, a música de Xiomara Fortuna, o ativismo de Marcus Garvey, a escultura de Emmanuel Villanis aqui.
O prazer de amar e de ser amado, o cinema de Bigas Luna & Aitana Sánchez-Gijón, a música de Joyce & Maurício Maestro & a arte de Luciah Lopez aqui.
Todo dia um novo ano feliz, a fotografia de John Poppleton, a música de Egberto Gismonti, Sy Miller & Jill Jackson aqui.
Fecamepa: quando o Brasil dá uma demonstração de que deve mesmo ser levado a sério aqui.
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O MANICÔMIO DE PATRICK MCGRATH
[...] O céu estava claro, a brisa, morna, e o mundo que se estendia abaixo de nós, os terraços, o Muro, a charneca, tudo estava quieto e esmaecido sob o luar. A voz de Stella chegou-nos claramente através do ar morno da noite. Ah, conheci muitas mulheres elegantes e adoráveis, mas nenhuma seria capaz de comparar-se a Stella naquela noite. Ela envergava um vestido preto decotado de seda canelada, um gorgorão primoroso que eu nunca tinha visto antes. O decote era quadrado e mostrava a curva dos seios. O vestido se agarrava ao corpo e se abria na cintura, abaulando-se sobre cada joelho como uma tulipa, com uma fenda intermediaria. Stella calçava sapatos de saltos muito altos e tinha uma echarpe jogada sobre os ombros. Ela estava perguntando a Jack sobre seu último par de dança, e eu, ao ter ouvido o nome de meu paciente, revi brevemente na memória os homens e mulheres que haviam se arrastado na pista de dança com suas roupas desajeitadas, e em todos havia algo ligeiramente distorcido – menos nele. [...] Jack gostava de Stella pelas mesmas razões que eu: sua vivacidade, sua compostura, sua aparência atraente. Sei que era considerada linda; havia muitos comentários sobre seus olhos, e tinha pele pálida, quase translúcida, e cabelos louros espessos, quase brancos, cortados bastante curtos e escovados para trás. Era uma mulher bastante carnuda, de seios grandes, mais alto do que a média, e naquela noite usava um colar de pérolas que realçava bem a brancura de seu pescoço, ombros e seios. Na época eu a considerava uma amiga e, com freqüência, especulava sobre sua vida inconsciente. Perguntava-me se haveria paz e ordem por debaixo daquele exterior contido, ou se ela simplesmente controlava suas neuroses melhor do que outras mulheres. [...] Nesse momento ela se voltou e me contemplou. Puxou a alça do vestido, que escorregara do ombro. “Caridosa?”, perguntou, e vi Max olhar em nossa direção, limpando distraidamente os óculos sem que suas feições tristonhas se alterassem nem um pouco. Ela também o notou e, voltando-se, murmurou: “E suponho que minha recompensa esteja no céu”. [...].
Trechos do romance Manicômio (Planeta De Agostini, 2004), do escritor britânico de ficção gótica Patrick McGrath, contando a história de um médico psiquiatra que trabalha no tratamento de um artista assassino da esposa e há cinco anos internado em hospital com diagnóstico de psicose paranóia e que se envolve com a atraente esposa do vice-superintendente da clínica, um caso de amor, obsessão e loucura.

CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na Terra:
A fotografia moderna deve fazer mais do que divertir, deve incitar o pensamento e por suas claras declarações de realidade, cultivar uma compreensão compreensiva de homens e mulheres e a vida que eles vivem e criam.
A arte do fotógrafo australiano Max Dupain.
Recital Musical Tataritaritatá - Fanpage.
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