segunda-feira, novembro 09, 2015

SAGAN, DINÁ SILVEIRA, TORQUATO, DITA, ESSLIN & AS MANCHETES DO DIA!

VAMOS APRUMAR A CONVERSA: SEGUNDA FEIRA, NOTÍCIAS DO DIA - (BG: Maraton, de Carlos Santana) – 3, 2, 1, no ar! – Ô, macobeba, diminui esse ar condicionado aí que tô com a garganta engilhada, capaz de sair a voz tremendo! – Já tá no ar, desgraçado! – Desculpe, falha nossa. Podexá. – Solta o BG de novo, contando: 3, 2, 1, no ar! (Sobe BG). Na Terra de todos os bichos são pontualmente... que horas são? O relógio parou! Lascou! Isso é um vitupério! (Sobe BG) Acidente de Minas Gerais: lama de Mariana deixa Governador Valadares sem água e já chega no Espírito Santo! (Sobe BG) O rompimento da barragem de Mariana já um dos maiores acidentes do Brasil (Nossa, que coisa! Putzgrila! Parece mais aquele tsunami que vitimou vários municípios de Pernambuco e Alagoas em plena Copa do Mundo de 2010. Só que dessa vez se sabe de quem é a barragem; na outra, de quem era mesmo a barragem e quem arcou com os prejuízos?!?). Sobe BG: Protestos contra Cunha movimentam as principais capitais do Brasil! (O cara é duro na queda! Antes a gente falava de São Benedito; agora, será o Eduardo Cunha? Pois é, de olho no PL 5069 e mais uma derrota na Suíça deixa o apaideguado na maior saia-justa! Na trave! Não é futebol não, desajustado! Isto é Brasilzilzilzilzilzilzilzilzil! Tô de olho!). Sobe BG: Greve dos caminhoneiros promete parar o país! (Pausa para o comercial: inserção de 15 segundos com a Wanessa Morgado falando sobre depilador de pererecas e anunciando promoção imperdível dos de última geração para proctos!). Sobe BG: Muro antigo descoberto no Peru traz novas informações sobre agrogramas na América Latina! (Rapaz, como é que aquilo foi parar ali? Ô papo chato da porra! Parece mais o History Channel!). Sobe BG: Astronomia investiga buraco negro! (Assim não dá! Hum, hum! – Desenrola aí! Bg Claire de Lune, de Debussy: Procure aliviar o estresse com respirações profundas, relaxamento corporal e tome muita água durante o dia. Nem ligue se aparecerem com um pelo de dinossauro, unha de dragão, ou pentelho de mamute! Você precisa é acabar com essa ansiedade, respire fundo e viva mais!). Sobe BG (Maraton, Carlos Santana): Indústria recorre aos bancos para pagar 13º (eita! Tão dizendo que a crise brasileira já poluiu uma grande parcela dos aquíferos, chegando até a atingir uma placa tectônica que pode provocar maior mudança geológica do planeta! Bote a coragem em dia e não se atrase: a coisa é séria e não saia fora da oferta do momento!) Pausa para o comercial: inserção de quinze segundos de uma bosta qualquer dessa aí! Vai porra, bota o comercial! É?... ótima oportunidade! Oferta imperdível! De que mesmo? Pelamordedeus, isso é estelionato! Cadê a reputação? Manda ver no Código de Defesa do Consumidor aí, meu! Aumenta BG: Seca castiga Rio São Francisco! (Danou-se! Tão matando mesmo o Velho Chico! Enquanto isso, não fazendo a menor ideia, empresa promete lançar no mercado um produto revolucionário capaz de atiçar os casais com relações esfriadas, deles ficarem subindo pelas paredes e andando feito aranha pelo teto. Peraí, como é que é? Aguarde, lançamento em dezembro. Enquanto isso, discaí... cadê o número? Ah, nuvem tsunami na Austrália? Vixe! Não tem um lugar mais pertinho, não? É longe pra caraca! Pô, meu, você não tem o menor senso de ridículo? Aprumaí, vai!). Sobe BG: Avaliação no país da violência contra mulheres! Cuma? Já faz tempo que ouço a ladainha, tanto tempo passou e não melhora, eu não sei por que há tanta demora, pra tirar essa causa a picuinha. A mulher para mim é ser rainha, ser humano que merece louvação, vem da mãe que é só adoração, querer bem que se ama e bem-me-quer, todo homem que maltrata a mulher, não merece jamais qualquer perdão. Sobe BG (créditos, patrocinadores, legenda geral. Pronto, passou, tudo creditado! Fecha a barraca!). E vamos aprumar a conversa aqui!

 Imagem: Mary Spencer Watson - Sunlight Nude, do pintor britânico George Spencer Watson (1869-1934).


Curtindo o álbum Il tormento e l’estasi (Torment and Ecstasy, Daroca, 2010), do compositor italiano Domenico Mazzocchi (1592-1665) & do compositor Giacomo Carissimi (1605-1674) & compositor Luigi Rossi (1597-1653), com Los Musicos de Su Alteza, direção de Luis Antonio Gonzalez.

COSMOS – O livro Cosmos (Random House, 1980), do astrônomo e biólogo estadunidense Carl Sagan (1934-1996), trata sobre divulgação científica abordando sobre as fronteiras do oceano cósmico, a harmonia dos mundos, céu e inferno, planeta vermelho, histórias de viajantes, a espinha dorsal da noite, viagem no espaço e no tempo, as vidas das estrelas, o limite do eterno, a persistência da memória, Encyclopaedia Galactica, quem responde pela Terra, Reductio ad Absurdum e a Raiz Quadrada do Dois, os Cinco Sólidos Pitagóricos, entre outros assuntos. Da obra destaco os trechos: [...] A superfície da Terra é uma fronteira do oceano cósmico. Dele aprendemos a maior parte do que sabemos. Recentemente, aventuramo-nos no mar o suficiente para umedecer os pés ou, no máximo, molhar nossos tornozelos. A água parece nos convidar. O oceano chama. Uma parte do nosso ser sabe que lá é o local de onde viemos. Demoramos a retornar. Estas aspirações, penso, não são irreverentes, embora possam perturbar, independente dos deuses que existem. As dimensões do Cosmos são tão grandes que, se utilizássemos as unidades de distância familiares, como metros ou milhas, escolhidas pela sua utilidade na Terra, fariam pouco sentido. Medimos, então, as distâncias com a velocidade da luz. Em um segundo, um raio de luz percorre 186.000 milhas, aproximadamente 300.000 quilômetros ou sete voltas em torno da Terra; em oito minutos ele viaja do Sol à Terra. Podemos dizer que o Sol está a oito minutos-luz de distância. Em um ano ele atravessa perto de dez trilhões de quilômetros, cerca de seis trilhões de milhas de espaço. Esta unidade de comprimento, a distância que a luz percorre em um ano, é chamada ano-luz. Mede não o tempo, mas distâncias — distâncias enormes. A Terra é um lugar. De maneira nenhuma o único lugar, nem mesmo um lugar típico. Nenhum planeta, estrela ou galáxia pode ser típica, pois o Cosmos é, em sua maior parte, vazio. O único lugar típico é o vácuo universal, frio e vasto, a noite interminável do espaço galáctico, um local tão estranho e desolado que, por comparação, planetas, estrelas e galáxias parecem dolorosamente raros e adoráveis. Se estivéssemos aleatoriamente inseridos no Cosmos, a chance de nos descobrirmos em um planeta ou próximo a um deles seria menos de uma em um bilhão de trilhão de trilhão (1033, um seguido de 33 zeros). Na vida diária, tais probabilidades são chamadas de "forçadas". Os mundos são preciosos. De um ponto do espaço intergaláctico privilegiado, veríamos, espalhados como espuma no mar em ondas do espaço, inumeráveis punhados de estilhaços de luz pálida. São as galáxias. Algumas são viajantes solitárias, muitas habitadas por aglomerados comunais em confusão, levadas eternamente na imensa escuridão cósmica. Diante de nós está o Cosmos, na maior escala que conhecemos. Estamos no reino das nebulosas, oito bilhões de anos-luz da Terra, a meio caminho da fronteira do universo conhecido. Uma galáxia é composta de gás, poeira e estrelas — bilhões e bilhões de estrelas. Cada uma delas pode ser um sol para alguém. Em uma galáxia existem estrelas e mundos e, talvez, uma proliferação de formas de vida e seres inteligentes e civilizações espaciais. Mas de tão longe uma galáxia me lembra uma coleção de objetos, conchas marinhas, ou talvez corais, produtos do trabalho da Natureza por eternidades no oceano cósmico. [...] Somos a personificação local de um Cosmos que cresceu pelo autoconhecimento. Começamos a contemplar nossas origens: material estelar meditando sobre estrelas; assembleias organizadas de dezenas de bilhões de bilhões de bilhões de átomos considerando a evolução dos átomos, traçando a longa jornada através da qual, pelo menos aqui, a consciência surgiu. Nossas lealdades são para com a espécie e com o planeta. Nós respondemos pela Terra. Nossa obrigação quanto à sobrevivência é devida não somente a nós mesmos, mas também a esse Cosmos, antigo e vasto, do qual surgimos. Veja mais aqui e aqui.

A MORALISTA – No livro Histórias do amor maldito (Record, 1967), da romancista, contista e cronista brasileira Diná Silveira de Queirós (1911-1982), encontro o conto A moralista, o qual transcrevo: Se me falam em virtude, em moralidade ou imoralidade, em condutas, enfim, em tudo que se relacione com o bem e o mal, eu vejo Mamãe em minha ideia. Mamãe — não. O pescoço de Mamãe, a sua garganta branca e tremente, quando gozava a sua risadinha como quem bebe café no pires. Essas risadas ela dava principalmente à noite, quando — só nós três em casa — vinha jantar como se fosse a um baile, com seus vestidos alegres, frouxos, decotados, tão perfumada que os objetos a seu redor criavam uma pequena atmosfera própria, eram mais leves e delicados. Ela não se pintava nunca, mas não sei como fazia para ficar com aquela lisura de louça lavada. Nela, até a transpiração era como vidraça molhada: escorregadia, mas não suja. Diante daquela pulcritude minha face era uma miserável e movimentada topografia, onde eu explorava furiosamente, e em gozo físico, pequenos subterrâneos nos poros escuros e profundos, ou vulcõezinhos que estalavam entre as unhas, para meu prazer. A risada de Mamãe era um "muito obrigada" a meu Pai, que a adulava como se dela dependesse. Porém, ele mascarava essa adulação brincando e a tratando eternamente de menina. Havia muito tempo uma espírita dissera a Mamãe algo que decerto provocou sua primeira e especial risadinha: — Procure impressionar o próximo. A senhora tem um poder extraordinário sobre os outros, mas não sabe. Deve aconselhar... Porque... se impõe, logo à primeira vista. Aconselhe. Seus conselhos não falharão nunca. Eles vêm da sua própria mediunidade... Mamãe repetiu aquilo umas quatro ou cinco vezes, entre amigas, e a coisa pegou, em Laterra. Se alguém ia fazer um negócio, lá aparecia em casa para tomar conselhos. Nessas ocasiões Mamãe, que era loura e pequenina, parecia que ficava maior, toda dura, de cabecinha levantada e dedo gordinho, em riste. Consultavam Mamãe a respeito de política, dos casamentos. Como tudo que dizia era sensato, dava certo, começaram a mandar-lhe também pessoas transviadas. Uma vez, certa senhora rica lhe trouxe o filho, que era um beberrão incorrigível. Lembro-me de que Mamãe disse coisas belíssimas, a respeito da realidade do Demônio, do lado da Besta, e do lado do Anjo. E não apenas ela explicou a miséria em que o moço afundava, mas o castigo também com palavras tremendas. Seu dedinho gordo se levantava, ameaçador, e toda ela tremia de justa cólera, porém sua voz não subia do tom natural. O moço e a senhora choravam juntos. Papai ficou encantado com o prestígio de que, como marido, desfrutava. Brigas entre patrão e empregado, entre marido e mulher, entre pais e filhos vinham dar em nossa casa. Mamãe ouvia as partes, aconselhava, moralizava. E Papai, no pequeno negócio, sentia afluir a confiança que se espraiava até seus domínios. Foi nessa ocasião que Laterra ficou sem padre, porque o vigário morrera e o bispo não mandara substituto. Os habitantes iam casar e batizar os filhos em Santo Antônio. Mas, para suas novenas e seus terços, contavam sempre com minha Mãe. De repente, todos ficaram mais religiosos. Ela ia para a reza da noite de véu de renda, tão cheirosa e lisinha de pele, tão pura de rosto, que todos diziam que parecia e era, mesmo, uma verdadeira santa. Mentira: uma santa não daria aquelas risadinhas, uma santa não se divertia, assim. O divertimento é uma espécie de injúria aos infelizes, e é por isso que Mamãe só ria e se divertia quando estávamos sós. Nessa época, até um caipira perguntou na feira de Laterra: — Diz que aqui tem uma padra. Onde é que ela mora? Contaram a Mamãe. Ela não riu: — Eu não gosto disso. — E ajuntou: Nunca fui uma fanática, uma louca. Sou, justamente, a pessoa equilibrada, que quer ajudar ao próximo. Se continuarem com essas histórias, eu nunca mais puxo o terço. Mas, nessa noite, eu vi sua garganta tremer, deliciada: — Já estão me chamando de "padra"... Imagine! Ela havia achado sua vocação. E continuou a aconselhar, a falar bonito, a consolar os que perdiam pessoas queridas. Uma vez, no aniversário de um compadre, Mamãe disse palavras tão belas a respeito da velhice, do tempo que vai fugindo, do bem que se deve fazer antes que caia a noite, que o compadre pediu: — Por que a senhora não faz, aos domingos, uma prosa desse jeito? Estamos sem vigário, e essa mocidade precisa de bons conselhos... Todos acharam ótima a idéia. Fundou-se uma sociedade: "Círculo dos Pais de Laterra", que tinha suas reuniões na sala da Prefeitura. Vinha gente de longe, para ouvir Mamãe falar. Diziam todos que ela fazia um bem enorme às almas, que a doçura das suas palavras confortava quem estivesse sofrendo. Várias pessoas foram por ela convertidas. Penso que meu Pai acreditava, mais do que ninguém, nela. Mas eu não podia pensar que minha Mãe fosse um ser predestinado, vindo ao mundo só para fazer o bem. Via tão claramente o seu modo de representar, que até sentia vergonha. E ao mesmo tempo me perguntava: — Que significam estes escrúpulos? Ela não une casais que se separam, ela não consola as viúvas, ela não corrige até os aparentemente incorrigíveis? Um dia, Mamãe disse ao meu Pai, na hora do almoço: — Hoje me trouxeram um caso difícil... Um rapaz viciado. Você vai empregá-lo. Seja tudo pelo amor de Deus. Ele me veio pedir auxílio... e eu tenho que ajudar. O pobre chorou tanto, implorou... contando a sua miséria. É um desgraçado! Um sonho de glória a embalou: — Sabe que os médicos de Santo Antônio não deram nenhum jeito? Quero que você me ajude. Acho que ele deve trabalhar... aqui. Não é sacrifício para você, porque ele diz que quer trabalhar para nós, já que dinheiro eu não aceito mesmo, porque só faço caridade! O novo empregado parecia uma moça bonita. Era corado, tinha uns olhos pretos, pestanudos, andava sem fazer barulho. Sabia versos de cor, e às vezes os recitava baixinho, limpando o balcão. Quando o souberam empregado de meu Pai — foram avisá-lo: — Isso não é gente para trabalhar em casa de respeito! — Ela quis — respondeu meu Pai. — Ela sempre sabe o que faz! O novo empregado começou o serviço com convicção, mas tinha crises de angústia. Em certas noites não vinha jantar conosco, como ficara combinado. E aparecia mais tarde, os olhos vermelhos. Muitas vezes, Mamãe se trancava com ele na sala, e a sua voz de tom igual, feria, era de repreensão. Ela o censurava, também, na frente de meu Pai, e de mim mesma, porém sorrindo de bondade: — Tire a mão da cintura. Você já parece uma moça, e assim, então... Mas sabia dizer a palavra que ele desejaria, decerto, ouvir: — Não há ninguém melhor do que você, nesta terra! Por que é que tem medo dos outros? Erga a cabeça... Vamos! Animado, meu Pai garantia: — Em minha casa ninguém tem coragem de desfeitear você. Quero ver só isso! Não tinha mesmo. Até os moleques que, da calçada, apontavam e riam, falavam alto, ficavam sérios e fugiam, mal meu Pai surgisse à porta. E o moço passou muito tempo sem falhar nos jantares. Nas horas vagas fazia coisas bonitas para Mamãe. Pintou-lhe um leque e fez um vaso em forma de cisne, com papéis velhos molhados, e uma mistura de cola e nem sei mais o quê. Ficou meu amigo. Sabia de modas, como ninguém. Dava opinião sobre os meus vestidos. À hora da reza, ele, que era tão humilhado, de olhar batido, já vinha perto de Mamãe, de terço na mão. Se chegavam visitas, quando estava conosco, ele não se retirava depressa como fazia antes. E ficava num canto, olhando tranqüilo, com simpatia. Pouco a pouco eu assistia, também, à sua modificação. Menos tímido, ele ficara menos afeminado. Seus gestos já eram confiantes, suas atitudes menos ridículas. Mamãe, que policiava muito seu modo de conversar, já se esquecia de que ele era um estranho. E ria muito à vontade, suas gostosas e trêmulas risadinhas. Parece que não o doutrinava, não era preciso mais. E ele deu de segui-la fielmente, nas horas em que não estava no balcão. Ajudava-a em casa, acompanhava-a nas compras. Em Laterra, soube depois, certas moças que por namoradeiras tinham raiva da Mamãe, já diziam, escondidas atrás da janela, vendo-a passar: — Você não acha que ela consertou... demais? Laterra tinha orgulho de Mamãe, a pessoa mais importante da cidade. Muitos sentiam quase sofrimento, por aquela afeição que pendia para o lado cômico. Viam-na passar depressa, o andar firme, um tanto duro, e ele, o moço, atrás, carregando seus embrulhos, ou ao lado levando sua sombrinha, aberta com unção, como se fora um pálio. Um franco mal-estar dominava a cidade. Até que num domingo, quando Mamãe falou sobre a felicidade conjugal, sobre os deveres do casamento, algumas cabeças se voltaram quase imperceptivelmente para o rapaz, mas ainda assim eu notei a malícia. E qualquer absurdo sentimento arrasou meu coração em expectativa. Mamãe foi a última a notar a paixão que despertara: — Vejam, eu só procurei levantar seu moral... A própria mãe o considerava um perdido — chegou a querer que morresse! Eu falo — porque todos sabem — mas ele hoje é um moço de bem! Papai foi ficando triste. Um dia, desabafou: — Acho melhor que ele vá embora. Parece que o que você queria, que ele mostrasse que poderia ser decente e trabalhador, como qualquer um, afinal conseguiu! Vamos agradecer a Deus e mandá-lo para casa. Você é extraordinária! — Mas — disse Mamãe admirada. — Você não vê que é preciso mais tempo... para que se esqueçam dele? Mandar esse rapaz de volta, agora, até é um pecado! Um pecado que eu não quero em minha consciência. Houve uma noite em que o moço contou ao jantar a história de um caipira, e Mamãe ria como nunca, levantando a cabeça pequenina, mostrando a sua nudez mais perturbadora —seu pescoço — naquele gorjeio trêmulo. Vi-o ao empregado, ficar vermelho e de olhos brilhantes, para aquele esplendor branco. Papai não riu. Eu me sentia feliz e assustada. Três dias depois o moço adoeceu de gripe. Numa visita que Mamãe lhe fez, ele disse qualquer coisa que eu jamais saberei. Ouvimos pela primeira vez a voz de Mamãe vibrar alto, furiosa, desencantada. Uma semana depois ele estava restabelecido, voltava ao trabalho. Ela disse a meu Pai: — Você tem razão. É melhor que ele volte para casa. À hora do jantar, Mamãe ordenou à criada: — Só nós três jantamos em casa! Ponha três pratos... No dia seguinte, à hora da reza, o moço chegou assustado, mas foi abrindo caminho, tomou seu costumeiro lugar junto de Mamãe: — Saia!... — disse ela baixo, antes de começar a reza. Ele ouviu — e saiu, sem nem ao menos suplicar com os olhos. Todas as cabeças o seguiram lentamente. Eu o vi de costas, já perto da porta, no seu andar discreto de mocinha de colégio, desembocar pela noite. — Padre Nosso, que estais no céu, santificado seja o Vosso Nome... Desta vez as vozes que a acompanhavam eram mais firmes do que nos últimos dias. Ele não voltou para a sua cidade, onde era a caçoada geral. Naquela mesma noite, quando saía de Laterra, um fazendeiro viu como que um longo vulto balançando de uma árvore. Homem de coragem, pensou que fosse algum assaltante. Descobriu o moço. Fomos chamados. Eu também o vi. Mamãe não. À luz da lanterna, achei-o mais ridículo do que trágico, frágil e pendente como um judas de cara de pano roxo. Logo uma multidão enorme cercou a velha mangueira, depois se dispersou. Eu me convenci de que Laterra toda respirava aliviada. Era a prova! Sua senhora não transigira, sua moralista não falhara. Uma onda de desafogo espraiou-se pela cidade. Em casa não falamos no assunto, por muito tempo. Porém Mamãe, perfeita e perfumada como sempre, durante meses deixou de dar suas risadinhas, embora continuasse agora, sem grande convicção — eu o sabia — a dar os seus conselhos. Todavia punha, mesmo no jantar, vestidos escuros, cerrados no pescoço. Veja mais aqui.

COGITO, TRÊS DA MADRUGADA & GO BACK – No livro Os últimos dias de paupéria: do lado de dentro (M. Limonad, 1982), do poeta, jornalista, letrista e experimentador da contracultura, Torquato Neto (1944-1972), destaco inicialmente o poema Cogito: eu sou como eu sou / pronome / pessoal intransferível / do homem que iniciei / na medida do impossível / eu sou como eu sou / agora / sem grandes segredos dantes / sem novos secretos dentes / nesta hora / eu sou como eu sou / presente / desferrolhado indecente / feito um pedaço de mim / eu sou como eu sou / vidente / e vivo tranquilamente / todas as horas do fim. Também o poema Três da Madrugada: Três da madrugada / Quase nada / Na cidade abandonada / Nessa rua que não tem mais fim / três da madrugada / tudo é nada / a cidade abandonada / e essa rua não tem mais / nada de mim... / nada / noite alta madrugada / na cidade que me guarda / e esta cidade me mata / de saudade / é sempre assim... / triste madrugada / tudo é nada / minha alegria cansada / e a mão fria mão gelada / toca bem leve em mim / saiba: / meu pobre coração não vale nada / pelas três da madrugada / toda palavra calada / nesta rua da cidade / que não tem mais fim / que não tem mais fim. Por fim o poema Go Back: Você me chama / Eu quero ir pro cinema / Você reclama / Meu coração não contenta / Você me ama / Mas de repente / A madrugada mudou / E certamente / Aquele trem já passou / E se passou, passou / Daqui pra melhor, foi / Só quero saber do que pode dar certo / Não tenho tempo a perder. Veja mais aqui e aqui.

A NATUREZA DO DRAMA – No livro Uma anatomia do drama (Zahar, 1978), do jornalista, professor de arte dramática, tradutor e crítico húngaro Martin Esslin (1918-2002), encontro o capítulo A natureza do drama, do qual destaco o trecho: Em grego, a palavra drama significa apenas ação. Drama é ação mimética, ação que imita ou representa comportamentos humanos (à exceção dos poucos casos extremos de ação abstrata que já mencionei). O que é crucial é a ênfase sobre a ação. De modo que o drama não simplesmente uma forma de literatura (muito embora as palavras usadas em uma peça, ao serem escritas, possam ser tratadas como literatura). O que faz com que o drama seja drama é precisamente o elemento que reside fora e além das palavras, e que tem de ser visto como ação – ou representado – para que os conceitos do autor alcancem sua plenitude. [...] O que o drama tem de imediato e concreto, bem como o fato de ele forçar o espectador a interpretar o que está acontecendo a sua frente em uma multiplicidade de níveis, fazendo com ele seja obrigado a decidir se o tom de voz do personagem era amigável, ameaçador ou sarcástico, significa que o drama tem todas as qualidade do mundo real, das situações reais que encontramos na vida – porém com uma diferença fundamental: na vida as situações que se nos confrontam são reais; no teatro – ou nas outras formas de drama (rádio, TV, cinema) – elas são apenas representação, faz-de-conta, jogo. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

LOVE NEST – A comédia dramática Love Nest (O segredo das viúvas), dirigida por Joseph Newman, é baseado no romance The Reluctant Landlord do escritor estadunidense Scott Corbett (1913-2006), contando a história de um soldado que retorna de Paris para sua cidade natal, espantando-se ao descobrir que bem-intencionada mas irrealista esposa, investiu todo seu salário em um deteriorado edifício residencial. A história vai ganhar com outras tramas envolvendo riqueza e pobreza, num interessante drama de vitórias e perdas, consequências para umas boas risadas. O destaque do filme vai para a atriz estadunidense e estrela do cinema mudo Leatrice Joy (1893-1985), que nesse filme vai contracenar com nada mais nada menos que o furacão sensual Marilyn Monroe e a não menos bela June Haver. Veja mais aqui.

IMAGEM DO DIA
Todo dia é dia da controvertida atriz, modelo e artista popular burlesca estadunidense Dita Von Teese, que reinventou a estética pin-up e do burlesco, tornando-se sex symbol com o livro duplo Burlesque and the Art of Teese/Fetish and the Art of Teese.

Veja mais no MCLAM: Hoje é dia do programa Crônica de Amor, a partir das 21hs (horário de verão), com apresentação sempre especial e apaixonante de Meimei Corrêa. Em seguida, o programa Mix MCLAM, com Verney Filho e na madrugada Hot Night, uma programação toda especial para os ouvintes amantes. Para conferir online acesse aqui .