segunda-feira, novembro 23, 2015

MULHER DA SOMBRINHA, CELAN, ALAMOA, SANTORO, SAVALLA, MESSALINA, VIDRÁGUAS & TATARITARITATÁ!

VAMOS APRUMAR A CONVERSA? A MULHER DA SOMBRINHA – Naquela segunda feira tomei conhecimento de que corria um boato de décadas e décadas de que uma linda mulher dava sumiço nos trabalhadores da Usina Catende. Ela andava sensualmente bela pelas ruas, mas ninguém via. Só se davam conta quando desaparecia uma pessoa, entre os homens e funcionários da usina canavieira, para logo atribuírem a ela o seu desaparecimento. Todos falavam, porém, jamais tinham sequer visto. Só se sabia que apenas os escolhidos enxergavam a sua sedução. Anos e anos se passaram e a cada safra, sempre às sextas-feiras, desapareciam os homens. Fizeram vigilância na cidade para flagrar seus passos e parar com esses desaparecimentos, todas investidas foram infrutíferas. No final de semana, sempre havia o alvoroço de acontecimentos similares. E todos logo diziam: - Foi a mulher da sombrinha. Certa feita, acertando uma apresentação minha naquela cidade, pude detectar a presença de um rosto de mulher inenarravelmente bonita que se destacava na multidão. Tinha certeza de que já vira aquelas fascinantes faces outras vezes. Aliás, sempre que eu visitava a localidade, me deparava com aquele ser que logo impactava no meu íntimo trazendo-me sensações desconhecidas. Qualquer volta que eu desse por quaisquer das vias dali, eu me pegava com a sua presença a me provocar. Até que no dia marcado para minha apresentação no Leão XIII, do palco pude vê-la na plateia, dando-me a sensação de presença familiar e que eu já me dava por obsessivo por encontrá-la, ou pelo menos vê-la de qualquer forma. E ela estava ali, linda como sempre. Mais uma vez ela estava ali e eu não sabia como fazer para tê-la mais de perto ou ao meu alcance, isso eu já tentara diversas vezes sem êxito, sempre que vinha prali. Era, inclusive, vigente que todo homem palmarense que fosse macho de verdade, tinha de ter uma amante em Catende, senão sua homência era posta em dúvida. Pois, aquela pacata cidade parecia mais reduto da macharia palmarense, do que mesmo dos daquele lugar. Havia também o ditado de que naquela cidade os habitantes eram majoritariamente femininos, na proporção de trinta por um. Ou seja, trinta mulheres para um homem só. E isso devido ao desaparecimento costumeiro das sextas dos marmanjos por mais de cinquenta anos ou mais. Pois bem, quando entrei no camarim durante o intervalo em que a banda mandava ver num momento instrumental, mal entrei e dei de cara com aquela bela mulher que, de sopetão, encheu-me de vida e prazer. Então, agarrou-me num beijo inesquecivelmente demorado. Senti seu hálito de flor, seu perfumado corpo elegantemente assimétrico com curvas e saliências estonteantemente sedutoras, e sua respiração ofegante de fatal e exuberante mulher insaciável. Remexeu-me as entranhas, o sexo e todas as veias do meu corpo, dominando-me num beijo para lá de anímico e sideral. Era como se estivesse voando pelo universo agarrado às carnes suculentas de um ser sobrenatural. Foi demais, tão demais, de eu me perder de tudo, quando, depois do beijo, ela fitou-me, passou as mãos ternas e requerentes por meus cabelos, faces, pescoço, tórax, até descer até o meu sexo rijo e acariciá-lo deliciosamente. Suspirou e me disse: - Mais tarde quero vê-lo. Venha ao meu encontro. E saiu tal como entrou. Tive que passar um certo tempo para me recompor, vez que a banda já repetia a introdução da música que me convidava a retornar ao palco. Embalado por aquele momento, cantei até o final e não consegui, depois de tudo, me recompor daquele encontro fortuito que fincara forte sua marca por todo meu corpo e alma. Quando saí do palco para o camarim, imaginei reencontrá-la. Nada, ninguém ali. Vasculhei todos os cantos da sala, nenhum sinal dela. Atendi os que chegaram para autógrafos e felicitações, e logo arribei com a banda para o jantar comemorativo. Mal chegamos no restaurante, eu me encaminhava para o sanitário, quando uma mão delicada me pegou pelo braço. Era ela. E disse: - Venha, estava lhe esperando. Puxou-me e seguimos andando pelas ruas, até darmos no cemitério da cidade. Ela virou-se agarrada ainda à minha mão, encarou-me com o olhar mais sensual que já vira e me disse: - Venha, preciso da sua ajuda. Venha me salvar. E me levou entre as catacumbas até atrás de uma capela onde havia uma gruta que se iluminara de repente, até que me deparei com uma alcova cujo perfume inebriante me dominava e ao chegar à sua cama, ela de forma materna e amante, me deitou e fez-se tudo a maior escuridão. A partir daí o maior prazer do universo me contemplou num gozo de orgasmo infindável. Viajei céus, infernos e paraísos, até ver-me restituído à vida como se vivendo num sonho perene que nunca mais me deixara acordar. Quando dei por mim, passei a ter a sensação de que ela vivia em mim, dentro de mim, acariciando meu coração e fazendo o meu ser sentir-se para sempre ao seu comando. Ela nunca mais saiu de dentro de mim, morando comigo em meu próprio corpo para nunca mais sair nem atormentar a cidade com desaparecimentos. Só as sextas pré-carnavalescas que ela foge um tantinho de mim, para desfilar impune pelas ruas da cidade e com a madrugada já sábado, ela volta pros meus sonhos para retomar os seus domínios. E isso até o dia em que... depois eu conto e vamos aprumar a conversa aqui.


Imagem: Dessert, da artista plástica Suzy Smith.

 Curtindo Sinfonia (Festa, 1958), do compositor e maestro Cláudio Santoro (1919-1989) & Orquestra Sinfônica Brasileira.

COMO SAIR DA MARGINALIDADE – O livro A mulher do pai: essa estranha posição dentro das novas famílias (Summus, 2007), de Fernanda Carlos Borges, aborda sobre a mulher do pai na família, parentesco, visita ou da casa, madrasta, relação civilizada, emergência mítica, marginalidade, questão de identidade, harmonia pela assimetria, bruxa não vira fada, entre outros assuntos. Da obra destaco o trecho: Os mitos (razões de ser) que orientam a trajetória humana na cultura estão enraizados em ritos (modos de fazer). Os modos de fazer são organizados nas formas do corpo, e estas são sustentadas na postura do corpo: nos músculos e no esqueleto. Comecemos com uma situação concreta: quando lidamos com algum objeto-força, primeiro nos posicionamos. Se vamos empurrar um guarda-roupa, primeiro nos posicionamos com relação a ele. Essa posição determinará os parâmetros do espaço para a ação que realizaremos. Depois, a posição transforma-se em atitude, que é a preparação do corpo para a ação. Tudo isso é organizado na postura do corpo. [...] As atitudes do corpo são organizações psicomotoras que nos fazem lidar com determinadas situações de certo modo característico. Precisamos preparar o corpo para lidar com situações pessoais, com forças humanas e sociais. É assim que identificamos o jeito de alguns personagens sociais mais característicos. Nossas atitudes existenciais são modos como sustentamos as forças do mundo significativamente por meio do nosso corpo e como manipulamos e direcionamentos o que nos afeta. As atitudes existenciais – como forma do corpo – mais comuns da cultura e da experiência humana podem ser entendidas como arquétipos que orientam a experiência coletiva. Tudo acontece no corpo significativo e no corpo significador. [...]. Veja mais aqui.

A LENDA DE ALAMOA – No livro Sob o céu dos trópicos (José Olympio, 1038), de Olavo Dantas, encontro a narrativa A lenda de Alamoa, descrita a seguir: Em Fernando de Noronha, em tempos muito recuados, um lindo reino encantado. Havia na ilha uma rainha loura, de beleza deslumbrante. Seu palácio magnifico, situado no alto de uma colina verde, era um eterno deslumbramento. Todos os dias, a rainha de cabelos da cor douradas das manhãs de sol passava pelos esplendidos domínios, que seu poder cobria de palácios, e a primavera, de flores. O seu reino era uma permanente festa de noivado. Nunca faltavam, pendentes das ramadas, a policromia das inflorescências e a abundância das bagas amadurecidas. A renda das espumas do mar bordava continuamente em torno da ilha venturosa uma teia delicada, que se fazia e se desfazia. Mas as quilhas das caravelas entraram de sulcar as águas do Atlântico, aquém da linha do Equador. O Cruzeiro do Sul começava a ser avistado por estranha gente. O reino encantado devia desaparecer. Os palácios foram convertidos em massas negras de basalto. As galeras foram transformadas em rochedos. Mas a alma errante da rainha loura ainda mora na ilha. Seu palácio soberbo foi metamorfoseado no Pico. E hoje a sua sombra vaga pelos montes e praias da ilha. Por vezes, os montados – cães selvagens que vivem nos altos montes, como o morro Francês, e o monte do Espinhaço do Cavalo – soltam longos e sinistros uivos. É a Alamoa que vai passando. Às sextas-feiras, a pedra do Pico se fende, e na chamada da Porta do Pico aparece uma luz. A Alamoa vaga pelas redondezas. A luz atrai sempre as mariposas e os viandantes. Quando um deles se aproxima da Porta do Pico, vê uma mulher loura, nua, com o corpo mal encoberto pelos cabelos que descem quase ao chão. Os habitantes de Fernando chamam-na Alamoa – corruptela de alemã. A Alamoa parece ter sido feita para satisfazer a volúpia dos homens. O passante incauto são resiste à fascinação daquela mulher sedutora que o chama com a voz quente das grandes apaixonadas. O enamorado viandante transpõe a Porta do Pico, crente de ter entrado num palácio, para fruir as delícias daquele corpo fascinante. Ele, entretanto, é infeliz. A Alamoa se transforma de repente numa caveira. Os seus lindos olhos, que tinham o brilho das estrelas, são dois buracos horripilantes. E a pedra logo se fecha, novamente, atrás do louco apaixonado. Ele desaparece para sempre. A angustia de seus últimos gritos ressoa ainda durante muitos dias pelos flancos do Pico, escapando-se das fendas profundas do monte e misturando-se ao uivo dos montados e ao silvo dos ventos do sueste. Veja mais aqui.

QUANDO ME ABANDONEI EM TI & OUTROS POEMAS – No livro Selected Poems, do poeta ucraniano-francês Paul Celan (1920-1970), destaco inicialmente o poema Quando me abandonei em ti: eras pensamento, / algo / murmura entre nós dois: / do mundo a primeira / das últimas / asas, / em mim cresce / a pele sobre / tempestuosa / boca,  tu não chegas até ti. Também o poema Como te extingues em mim: ainda no último / e gasto / nó de ar / estás lá com uma / faísca / de vida. Ainda o poema Errático: As noites se fixam / sob teu olho. As sílabas re- / colhidas pelos lábios — belo, / silencioso círculo — / ajudam a estrela rastejante / em seu centro. A pedra, / um dia perto da fronte, abre-se aqui: / ante todos os / espalhados / sóis, alma, / estavas, no éter. O poema Cristal: Não procura nos meus lábios tua boca, / não diante da porta o forasteiro, / não no olho a lágrima. / Sete noites acima caminha o vermelho ao vermelho, / sete corações abaixo bate a mão à porta, / sete rosas mais tarde rumoreja a fonte. Por fim a Canção de uma dama na sombra: Quando vem a taciturna e poda as tulipas: / Quem sai ganhando? / Quem perde? / Quem aparece na janela? / Quem diz primeiro o nome dela? / É alguém que carrega meus cabelos. / Carrega-os como quem carrega mortos nos braços. / Carrega-os como o céu carregou meus cabelos no ano em / que amei. / carrega-os assim por vaidade. / E ganha. / E não perde. / E não aparece na janela. / E não diz o nome dela. / É alguém que tem meus olhos. / Tem-nos desde quando portas se fecham. / Carrega-os no dedo, como anéis. / Carrega-os como cacos de desejo e safira: / era já meu irmão no outono; / conta já os dias e noites. / E ganha. / E não perde. / E não aparece na janela. / E diz por último o nome dela. / É alguém que tem o que eu disse. / Carrega-o debaixo do braço como um embrulho. / Carrega-o como o relógio a sua pior hora. / Carrega-o de limiar a limiar, não o joga fora. / E não ganha. / E perde. / E aparece na janela. / E diz primeiro o nome dela. / E é podado com as tulipas. Veja mais aqui.

PIGMALEOA & FRIZILEIA – A trajetória de mais quarenta anos de carreira da atriz de teatro, cinema e televisão Elizabeth Savalla iniciou quando indicada pela atriz Lourdes de Moraes para a Escola de Artes Dramáticas de São Paulo, quando estudava no Liceu Eduardo Prado. Tudo começa quando ela assiste no teatro a peça A Moreninha, baseada no romance de Joaquim Manuel de Macedo, quando tinha apenas treze anos e se apaixonou pela arte dramática desde então. Profissionalmente iniciou a carreira com Pigmaleão (1975), seguindo-se Barreado (1981), Lua Nua (1987/90), Ações ordinárias (1991/93), Mimi, uma adorável doidivanas (1993/95), É... (1996=2003), e Frizileia – uma esposa à beira de um ataque de nervos (2004/2008). No cinema, ela participou filme Pra frente Brasil (1982) e dedicou grande parte do seu trabalho para a televisão. Veja mais aqui.

MESSALINA – O filme Messalina (1951) dirigido pelo cineasta italiano Carmine Gallone (1885-1973), traz a história de uma mulher sedenta por poder e prazer, que possuía diversos amantes, atuando de forma eficiente com seus interesses e caprichos. No livro Transtornos de preferência sexual (Del Rey, 1996), do médico psiquiatra e professor Renato Posteli, encontro que messalinismo ou ninfomania é a parafilia mais agressiva da mulher, lembrando a imperatriz romana Messalina, que foi a quarta mulher de Claudio I, famosa por seus excessos. Por transladação do tempo, do ponto de vista semântico ou semasiológico e histórico, Messalina passou a significar mulher extremamente lasciva, libertina, dissoluta, devassa. Trata-se da mulher que é preocupada com ideias eróticas a todo momento e que sente permanentemente desejo sexual e a cópula, por mais repetida que seja, não a acalma. Em virtude do exemplo dessa imperatriz romana, que copulava dezenas de vezes seguidas, que saía à tarde para correr as tabernas à procura de homens rudes e atléticos e que regressava ao palácio de madrugada, cansada, mas não saciada. Por isso, houve então o aparecimento de casas de prostituição de homens em Roma, nas quais os homens robustos e viris eram mantidos sob vigilância para atenderem às damas romanas. Cada homem era propriedade de determinada dama e só a ela podia atender, embora pudesse ela manter vários homens. Quando a dama romana retirava-se após o ato sexual, mandava selar aquele homem, colocando em sua cintura e pênis uma cinta com cadeado para impossibilitá-lo de manter relações com outra mulher. A ninfomania era tão difundida na antiga Roma que havia festas e reuniões de mulheres ninfomaníacas, as quais faziam entre si concursos sobre quem seria capaz de despertar nos homens mais sensações voluptuosas. Escritores daquela época deixaram descrições vivas dessas orgias, que se realizavam nos templos ou nos palácios dos nobres. A ninfomania é uma hiperestesia sexual acentuadíssima, é libido insatiabilis e seus sinônimos são andromania, histeromania, metromania, uteromania, furor uterino. Em um relato, certa ninfomaníaca explicou: Não sou prostituta, só sou ninfomaníaca. As prostitutas não sentem prazer; eu, cada vez que faço amor, tento sentir prazer. O destaque do filme é para a belíssima e sempre charmosa atriz mexicana Maria Félix (1914-2002), a famosa La Doña, Veja mais aqui e aqui.

IMAGEM DO DIA

A arte do pintor francês Pierre-Paul Prud'hon (1758-1823)

DEDICATÓRIA
A edição de hoje é dedicada à editora e poetamiga Carmen Silvia Presotto & Vidráguas. Veja aqui e aqui.