terça-feira, novembro 24, 2015

ÍSIS NEFELIBATA, ESPINOZA, ARUNDHATI, VENEGAS, TOULOUSE, VERA PEDROSA CANOVA, CICERO MELO & TEATRO!


VAMOS APRUMAR A CONVERSA? O OLHAR DE ÍSIS NEFELIBATA (Imagem: arte de Meimei Corrêa) – Foi olhar de Ísis que primeiro dela vi naquela tarde de dezembro, na tumultuada rodoviária de São Paulo. Um olhar de verdade, de amor e de ternura, tudo reunido num ser que me deu de si o presente de ser vivo. E aquele olhar me levou pra saber que a vida vale a pena. E a primeira coisa que fez foi tirar-me o mundo dos ombros, removendo culpas e lembranças, até me fazer relaxar de tudo e de toda carga que eu trazia pesando no meu penar a vida toda. E me despiu para deixar-me pronto pro seu ritual, ah que ritual de gueixa a ensinar-me da respiração e toda vitalidade para reanimar meu combalido sentido existencial, ao que me levava a uma excitação íntima e sexual. E se fez pomba-gira esvoaçante sobre meu corpo a levitar enquanto fazia uma profunda faxina no meu coração carregado de tantas coisas inúteis de vivências esdruxulas por anos. E removeu resíduos de todos os cantos e me cerziu todos os pedaços que restavam do que sobrou de mim. E soergueu meu ego em frangalhos e chamou-me rei de toda a sua mais inatingível reinação e me fez deus de toda sua deificação e me enbalou com os mais belos sonhos que um homem possa sonhar. E apontou-me os pontos cardeais para me localizar no mundo entre os trópicos dessa banda atlântica, e me dispôs os quadrantes de seu corpo para que não me perdesse à toa. E me fez proprietário de todas as suas posses e haveres, usufrutuário de todas as suas heranças, palco pras suas performances e me fez maior que eu mesmo, mais largo que todos os diâmetros, mais amplo que todas as dimensões. E me fez possuidor de todos os seus desejos, e me fez lavrador de sua alma, e me fez governador do seu destino e me acalmou nos temporais. E me ensinou do fogo de todas as paixões que movem o mundo, de acumulação e egoísmo e aquelas do coração, aquelas que ditam normas e governam os interesses, as que dominam os amantes e o que é amor. Ensinou-me os segredos das águas, rios e mares. E me levou no ar flutuando no voo do impossível infinito e me ensinou do fogo restaurando minha vida para me libertar do passado e me ensinou da terra, o amor de mãe colhendo os frutos e a missão. Mostrou-me o não visto, o invisível e a aura de todas as coisas e me deu o beijo revelador de todos os mistérios da humanidade com todos os desvarios, todas as guerras e dissensões. Em compensação, deu-me as nuvens para sonhar apagando todos os meus pesadelos, deu-me o gesto para que eu aprendesse que tudo começa pelas menores coisas, deu-me atenção para que eu soubesse ser o que sou e pudesse ser melhor do que já fui; deu-me a profundeza dos mares e abismos para que me tornasse o maior revolucionário de todas vitórias do planeta, e deu-me o horizonte para mostrar que a vida vai além das percepções, deu-me o dia para que tivesse tudo louvando para mim, deu-me a noite com todas as lições de céu e terra, deu-me o sorriso para que eu saiba que a vida vale mesmo a pena e me deu a luz para me tirar da escuridão, deu-me a paz para todos os tormentos; deu-me tudo e eu, simples macho, apenas... dei-lhe um beijo de gratidão, apenas. Dela sou cônscio de que um homem sem mulher não gira bem da cabeça, não tem capacidade nem discernimento para enfrentar as agruras do mundo e da vida, eterno dependente sou e desde que nasci. E ela que removeu tudo de sofrido e imprestável dentro de mim, ocupa hoje e eternamente todo meu interior por ser o meu perpétuo amor, reinando nua e soberana para sempre no meu coração. Veja mais aqui e aqui

 Imagem Reclining Nude, do pintor francês Henri de Toulouse-Lautrec (1864-1901). Veja mais aqui.


Curtindo o cd/dvd Julieta Venegas MTV Unplugger (Sony/BMG, 2008), da cantora e compositora mexicana Julieta Venegas.

SERVIDÃO HUMANA – A obra Ética demonstrada à maneira dos geômetras (1677 - Martin Claret, 2002), do filósofo racionalista holandês Baruch Espinoza (1632-1677), trata sobre Deus, a natureza e a origem da mente, a origem da natureza dos afetos e sobre a potência do intelecto, liberdade humana, destacando, porém, a Parte IV – Sobre a servidão humana ou sobre a força dos afetos nos trechos seguintes: Chamo de servidão a impotência humana em moderar ou limitar os afetos, pois o homem que está submetido aos afetos não depende de si, mas está sob o poder da fortuna, a ponto de frequentemente ser coagido a fazer o pior para si, mesmo vendo o melhor. [...] Quem decidiu fazer algo e agiu até que a coisa estivesse feita por inteiro (perfecit), diz que a coisa está perfeita (perfectam) e diz o mesmo quem sabe, ou acredita saber, o que o Autor tinha em mente e qual o objetivo da obra. Por exemplo, se alguém vê uma obra (que suponho não estar completa) e sabe que o objetivo do autor era construir uma casa, dirá que a casa está imperfeita. Ao contrário, dirá que ela está perfeita se vê que a obra alcançou o fim que o autor tinha decidido. Mas se alguém vê uma obra sem nunca antes ter visto outra semelhante e se ignora o que o artífice tinha em mente, não pode saber se a obra está perfeita ou imperfeita. Esta parece ter sido a significação primeira de tais vocábulos. Porém, depois que os homens começaram a formar ideias universais de casas, edifícios, torres, etc., e começaram a preferir alguns modelos a outros, eles passaram a chamar de perfeito o que veem convir com a ideia universal que formaram da coisa. Ao contrário, passaram a chamar de imperfeito aquilo que veem convir menos com o como seu modelo, ainda que, segundo a concepção do artífice, estivesse perfeitamente acabado. E não se vê outra razão para que as coisas naturais, que sem dúvida não foram feitas pela mão humana, sejam chamadas pelo vulgo de perfeitas ou imperfeitas. Pois os homens costumam formar ideias universais tanto das coisas naturais quanto das artificiais e as têm como modelos para as coisas. E eles creem que a natureza (que eles estimam agir somente com vistas a um fim) os vê e os propõe a si mesma modelos. Quando veem algo na natureza que convém menos com o conceito modelo que têm de uma coisa, creem que a natureza falhou ou pecou e que ela deixou imperfeita a coisa. Vemos assim que os homens se habituaram a chamar as coisas naturais de perfeitas ou imperfeitas mais por preconceito do que por verdadeiro conhecimento. [...] Veja mais aqui e aqui.

O DEUS DAS PEQUENAS COISAS – O romance O deus das pequenas coisas (Companhia das Letras, 1998), da escritora e ativista indiana Arundhati Roy, trata da uma história de dois gêmeos que se encontram retidos numa manifestação de trabalhadores que envolve cristianismo, hinduísmo, islamismo e marxismo, inventando uma infância à sombra da ruína de família. Da obra destaco o trecho: [...] Os dois quase nasceram num ônibus, Estha e Rahel. O carro em que Baba, pai deles, estava levando Ammu, a mãe deles, para o parto no hospital em Shillong quebrou na estrada sinuosa das fazendas de chá em Assam. Eles abandonaram o carro e deram sinal para um ônibus lotado do Transporte Público. Com aquela estranha compaixão que têm os muito pobres com os que são, comparativamente, ricos, ou talvez simplesmente por terem visto como Ammu estava gigantescamente grávida, os passageiros sentados abriram espaço para o casal e durante o resto da viagem o pai de Estha e Rahel teve de segurar a barriga da mãe deles (com os dois dentro) para que não balançasse. Isso foi antes de se divorciarem e Ammu voltar a viver em Kerala. Segundo Estha, se eles tivessem nascido no ônibus, teriam direito a viajar de ônibus de graça pelo resto da vida. Não dava para saber de onde ele tinha tirado essa informação ou como descobria essas coisas, mas durante anos os gêmeos guardaram um vago ressentimento contra os pais por terem sido privados de uma vida inteira de viagens de ônibus gratuitas. Eles acreditavam também que se fossem mortos em cima das listas brancas de um cruzamento o governo teria de pagar por seus funerais. Tinham a nítida impressão de que os cruzamentos listados serviam para isso. Funerais grátis. Claro que não havia cruzamento com listas em Ayemenem, e nem mesmo em Kottayam, que era a cidade mais próxima, mas tinham visto alguns pela janela do carro quando foram para Cochin, que ficava a duas horas de carro. O governo nunca pagou pelo funeral de Sophie Mol, porque ela não foi morta nas listas de um cruzamento. O funeral dela foi na igreja velha de pintura nova em Ayemenem. Era prima de Estha e Rahel, filha do tio Chacko. Estava de visita, vinda da Inglaterra. Estha e Rahel tinham sete anos quando ela morreu. Sophie Mol tinha quase nove. Ganhou um caixão especial, tamanho infantil. Forrado de cetim. Com alças de latão brilhantes. Ali, deitada, com a calça boca-de-sino amarela de Crimplene, com uma fita no cabelo e a bolsa go-go Made in England que adorava. O rosto pálido e mais enrugado que um dedão de dhobi por ter ficado muito tempo dentro da água. Os fiéis reuniram-se em volta do caixão, e a igreja amarela inchou como uma garganta com o som de cantos tristes. Os padres de barbas crespas balançaram frascos de incenso dependurados de correntes e não sorriram para os bebês como sempre sorriam aos domingos. As velas grandes do altar estavam tortas. As pequenas não estavam. Uma velha fingindo ser uma parente distante (que ninguém conhecia), mas que surgia sempre ao lado dos corpos em funerais (uma viciada em funerais? uma necrófila latente?), pôs água-de-colônia num chumaço de algodão e, com um suave ar de desafio, esfregou a testa de Sophie Mol. Sophie Mol cheirava a água-de-colônia e madeira de caixão. Margaret Kochamma, a mãe inglesa de Sophie Mol, não deixou Chacko, o pai biológico de Sophie Mol, pôr o braço em volta dos seus ombros para consolá-la. A família ficou agrupada. Margaret Kochamma, Chacko, Baby Kochamma e, ao lado dela, sua cunhada, Mammachi, avó de Estha e Rahel (e de Sophie Mol). Mammachi era quase cega e usava sempre óculos escuros quando saía de casa. As lágrimas corriam por trás dos óculos e tremulavam em seu queixo como gotas de chuva na beirada de um telhado. Ela parecia pequena e doente em seu sári branco-cru engomado. Chacko era o único filho de Mammachi. A dor dela própria a entristecia. A dele a devastava. Embora permitissem que Ammu, Estha e Rahel comparecessem ao funeral, fizeram com que ficassem separados, não junto com o resto da família. Ninguém olhava para eles. Estava quente na igreja, e as bordas brancas dos copos-de-leite secavam e enrolavam. Uma abelha morreu numa flor do caixão. As mãos de Ammu tremiam e o livro de hinos tremia junto. Sua pele estava fria. Estha ficou a seu lado, quase dormindo, os olhos doloridos brilhando como vidro, o rosto fervendo contra a pele nua do trêmulo braço de Ammu segurando o hinário. Rahel, por outro lado, estava bem acordada, ferozmente vigilante e alerta de exaustão, em sua batalha contra a Vida Real. Ela notou que Sophie Mol estava acordada para o próprio funeral. Ela mostrou Duas Coisas para Rahel. A Coisa Um era a alta abóbada recém-pintada da igreja amarela que Rahel nunca tinha visto por dentro. Estava pintada de azul como o céu, com nuvens flutuantes e minúsculos aviões a jato chiantes com rastros brancos que ziguezagueavam pelas nuvens. É verdade (e é preciso dizer) que era mais fácil notar essas coisas deitada num caixão de cara para cima do que de pé junto aos bancos, cercada de quadris tristes e hinários. Rahel imaginou alguém se dando ao trabalho de subir lá em cima com latas de tinta, branca para as nuvens, azul para o céu, prata para os jatos, e pincéis e solvente. Imaginou-o lá em cima, alguém como Velutha, de corpo nu e brilhante, sentado numa prancha, balançando do andaime na alta abóbada, pintando jatos prateados num céu azul de igreja. Imaginou o que aconteceria se a corda rebentasse. Imaginou-o caindo como uma estrela escura do céu que tinha feito. Ali, quebrado, no chão quente da igreja, sangue escuro escorrendo-lhe do crânio como um segredo. Já então Esthappen e Rahel tinham aprendido que o mundo tem outras formas de quebrar homens. Já conheciam o cheiro. Docenjoativo. Como rosas velhas numa brisa. A Coisa Dois que Sophie Mol mostrou a Rahel foi o bebê morcego. Durante a cerimônia funerária, Rahel viu um morceguinho preto subir, dependurado em suaves garras recurvadas, pelo sári caríssimo que Baby Kochamma usava em funerais. Quando ele chegou ao ponto entre o sári e a blusa, aquele rolo de tristeza da cintura nua, Baby Kochamma deu um grito e golpeou o ar com o hinário. O canto foi interrompido para um "Quefoisso? Oqueaconteceu?" e agitação e sári sacudindo. Os tristes padres espanaram as barbas crespas com dedos cheios de anéis, como se aranhas ocultas tivessem tecido súbitas teias dentro delas. O bebê morcego voou para o céu e transformou-se num avião a jato sem a trilha em ziguezague. Só Rahel percebeu o salto secreto que Sophie Mol deu em seu caixão. O canto triste recomeçou e cantaram duas vezes o mesmo verso triste. E mais uma vez a igreja amarela inchou como uma garganta com vozes. Quando baixaram o caixão para a terra, no pequeno cemitério atrás da igreja, Rahel sabia que Sophie Mol ainda não estava morta. Ela ouviu (em nome de Sophie Mol) os sons macios da lama vermelha e os sons duros da laterita laranja que estragavam o verniz brilhante. Ouviu os sons surdos através da madeira polida, através do forro de cetim. As vozes dos padres tristes abafadas por lama e madeira. A ti confiamos, Pai misericordioso, A alma desta nossa filha que se foi, E devolvemos seu corpo à terra. Das cinzas às cinzas, do pó ao pó. Debaixo da terra, Sophie Mol gritava e rasgava o cetim com os dentes. Mas não se podem ouvir gritos através de terra e pedra. Sophie Mol morreu porque não podia respirar. O funeral a matou. Do pó ao pó ao pó ao pó ao pó. Em seu túmulo se lia Um Raio de Sol Que Brilhou Entre Nós Mui Brevemente. Ammu explicou depois que Mui Brevemente queria dizer Por Muito Pouco Tempo. Depois do funeral, Ammu levou os gêmeos de volta à delegacia de polícia de Kottayam. Eles conheciam aquele lugar. Tinham passado ali boa parte do dia anterior. Prevendo o fedor duro e exalante de urina velha que permeava as paredes e os móveis, apertaram bem as narinas com os dedos antes de o cheiro começar. Ammu pediu para ver o Delegado e, quando entrou em sua sala, disse que tinha havido um erro terrível e que queria fazer uma declaração. Pediu para ver Velutha. O bigode do inspetor Thomas Mathew tremia igual ao do simpático Marajá da Air India, mas seus olhos eram dissimulados e vorazes. "É um pouco tarde para tudo isso, não acha?", ele disse. Falava o áspero dialeto malayalam de Kottayam. Olhava fixamente os seios de Ammu enquanto falava. Disse que a polícia já sabia tudo o que tinha de saber e que a Polícia de Kottayam não aceitava depoimentos de veshyas nem de seus filhos ilegítimos. Ammu disse que ia cuidar desse assunto. O inspetor ThomasMathew deu a volta na mesa e aproximou-se de Ammu com seu cassetete. "Se eu fosse você", disse, "voltava para casa quietinha." E tocou os seios dela com o cassetete. Delicadamente. Tap, tap. Como se estivesse escolhendo mangas numa cesta. Apontando as que queria que fossem embrulhadas e entregues. O inspetor Thomas Mathew parecia saber quem podia destratar e quem não podia. Policiais têm esse instinto. Atrás dele uma placa vermelha e azul dizia: Polidez Obediência Lealdade Inteligência Cortesia Eficiência Quando saíram da delegacia, Ammu estava chorando, por isso Estha e Rahel não lhe perguntaram o que queria dizer veshya. Nem tampouco ilegítimo. Era a primeira vez que viam a mãe chorar. Ela não soluçava. Seu rosto estava duro como pedra, mas as lágrimas brotavam de seus olhos e escorriam pelas faces rígidas. O que deixou os gêmeos doentes de medo. As lágrimas de Ammu tornavam real tudo o que até agora parecera irreal. Voltaram de ônibus para Ayemenem. O cobrador, um homem esguio, vestido de cáqui, deslizou na direção deles pelos canos do ônibus. Equilibrou o quadril ossudo nas costas de um banco e clicou o picotador de bilhetes para Ammu. Para onde?, era o que o clique queria dizer. Rahel sentiu o cheiro da pilha de bilhetes e o cheiro acre dos canos de aço do ônibus nas mãos do cobrador. "Ele está morto", Ammu sussurrou para ele. "Eu matei." "Ayemenem", Estha disse depressa, antes que o cobrador perdesse a paciência. Ele tirou o dinheiro de dentro da bolsa de Ammu. O cobrador lhe deu os bilhetes. Estha dobrou-os cuidadosamente e guardou no bolso. Depois passou os bracinhos em torno da mãe rígida, que chorava. Duas semanas depois, Estha foi Devolvido. Ammu foi forçada a mandá-lo de volta para o pai deles, que já então tinha pedido demissão de seu emprego solitário na fazenda de chá em Assam e se mudado para Calcutá, para trabalhar numa companhia que fabricava pigmentos preto-de-carbono. Tinha casado de novo, parado de beber (mais ou menos) e sofria só recaídas ocasionais. Estha e Rahel não se viam desde então. [...]. Veja mais aqui.


FARS & SONHO DO VESTIDO VIOLETA – Na antologia 26 poetas hoje (Aeroplano, 2007), organizada por Heloisa Buarque de Hollanda, destaco as poesias da poeta, filósofa e diplomata Vera Pedrosa. Inicialmente o seu poema Fars: Foi há tanto tempo e entre amores / decisivos / cataclismas / criações confinamentos jaulas / aeronaves / trens. / Foi antes das exposições de motivos. / Houve uma época / tão descansada em que / desde que se tivesse / uma janela em movimento / ele era imagem / deslizando ante folhas. / Se estendia embaixo de árvores / entrava em corredores / saía de portas. / Na areia ele era / as manhãs do desejo mais difuso. / Quando havia cinza no mar / era ele que estava  (de sueter) / na antepenumbra molhada. / Quando era noite / ele era quase raiva, na espera. / Doce e nu, sentado no banquete / numa horta de alfaces / sonhei com ele esta noite. Também o seu poema Sonho do vestido violeta:  “Le reveur de la nuit ne peut énoncer un cogito” / Descobri o cadáver muito mais tarde / no meio de uma viagem. / Passava por regiões / de passado futuro / o trem atacado por índios atarefados / ruínas negras de megalópolis de concreto / E tendo achado o cadáver / soube que me haviam enterrado / com meu vestido de seda violeta / um vestido precioso anunciador /da precognição da morte. / Então determinei / que desencarnassem o cadáver / e enterrassem a ossada límpida, polida / numa cova de terra úmida / enquanto a multidão de índios / sem real perigo / cercava o cemitério / mas depois se dedicava à tarefa muito mais séria / de destroçar as vigas que sustentavam nosso teto. Por fim o poema Cortejo: Tendo estado / toda uma tarde / ouvindo / um tempo branco / sentindo dedos de água / descidos da noite. / Figuras / surgem paralelas / como saídas agora / da cal da parede. / Ali onde a sombra joga / na brisa de outra água. / De perto, / a superfície do muro / pára: / distração. Veja mais aqui.

A TRAGÉDIA GREGA – Na obra Teatro Vivo (Civita, 1976), organizada por Sábato Magaldi, encontro que na Atenas democrática do século V aC., os grandes autores trágicos usariam de maneira mais racional, embora carregados de emocionalismo, os elementos que Téspis desorganizadamente vislumbrava nas suas imitações. À túnica, à máscara, à luz das tochas e aos eventuais recursos de encenação improvisada incorporou-se a poesia como núcleo. Ao mesmo tempo, em substituição à pequena carroça de Téspis, implantou-se a grande plataforma fixa, um palco verdadeiro sobre o qual já se podia organizar um espetáculo, com atores, coro e arquibancadas, anualmente levantadas para um imenso público. Esse dimensionamento ganhou ainda maior proporção quando se escolheu um local para as representações: o terreno consagrado a Dioniso, na escola sudeste da Acrópole. Ali Ésquilo (525-456aC), Sófoles (496-406aC), e Eurípedes (480-406) tiveram encenadas quase todas as suas tragédias, sempre marcadas pelo mesmo tom ritualístico com que os clãs da Grécia arcaica celebravam Dioniso, a boa divindade da paixão e da embriaguez, capaz de transmitir a ilusão mágica de que os mortais comungam da natureza divina. No entanto, o théatron da Atenas clássica, embora respirasse ainda muitas das propriedades do ritual, era apenas lugar de onde se vê – uma plateia. Nesta, o vinho já não corria com a mesma facilidade e os cantos e as danças das solenes celebrações a Dioniso se achavam substituídos pelo respeitoso silêncio. Com os olhos nos proskénion – o palco onde os atores fingiam emoções e ações alheias -, os assistentes submetiam-se à catarse, fenômeno que, segundo o filósofo Aristóteles (384-322aC), purifica a alma das paixões sufocantes. De acordo com ele, ao inspirar, por meio da ficção, certas emoções penosas ou malsãs, especialmente a piedade e o terror, a catarse liberta dessas mesmas emoções. E veja mais aqui, aqui e aqui.

L’AFFAIRE FAREWELL – O drama de espionagem e suspense L’affaire farewell (O caso Farewell, 2009), dirigido por Christian Carion, cujo roteiro é baseado na história do alto funcionário soviético Vladimir Vetrox, contada no livro Bonjour Farewell: La vérité sur la taupe française du KGB (1997) de Serguei Kostine. A história se passa na década de 1980, quando um alto funcionário da KGB está desiludido com o regime soviético e decide repassar aos países do Ocidente informações e documentos secretos de espionagem, inclusive a lista de nome dos espiões de seu país no exterior. Ele faz contato com um mensageiro francês. A esposa do mensageiro não quer que o marido continue agindo como espião mas ele não lhe dá ouvidos. O destaque do filme vai para a bela atriz e modelo alemã Diane Krüger. Veja mais aqui.

OS VÍDEOS QUE ELA FEZ PRA MIM – Nos últimos quatro eu fui mais que premiado, pois fui agraciado pelo talento dessa maravilhosa mulher e superparceria amada do meu coração, Meimei Corrêa, ao realizar uma série de vídeos com meus poemas, músicas e realizações. Ela não só realizou clipes com minhas próprias interpretações, como, também, realizou algumas delas na própria voz dela, fato que me fez envaidecido e capaz de felicitar pela premiação tão bem recebida. Por isso mesmo, não me vejo ainda manifestando minha eterna gratidão que será sempre muito pouca perto do que este ser pra lá de fascinante e generosa realizou no meu trabalho. A ela devo tudo que alcancei até hoje. Obrigado, Meimei, obrigado, obrigado, obrigado. E convido vocês pra conferirem os vídeos aqui. E mais dela aqui e aqui.

IMAGEM DO DIA
A ninphe, do escultor, pintor, desenhista e arquiteto italiano Antonio Canova (1757-1822), Veja mais aqui.

DEDICATÓRIA
A edição de hoje é dedicada ao poetamigo, ensaísta e crítico alagoano Cicero Melo & o blog Pequena Reunião Poética. Veja detalhes aqui.