sexta-feira, outubro 16, 2015

WILDE, LEILA PINHEIRO, LEBASQUE, MATHAM, ARTE & ZÉ CORNINHO.

VAMOS APRUMAR A CONVERSA? A COMILANÇA DO ZÉ CORNINHO (Imagem: Justo na hora da foto do Zé Corninho, alguém atravessa na frente e ele fica escondido!) - Não havia tempo ruim pro apetite voraz do Zé Corninho. Servido duma terrina que acomodava confortavelmente uns quarenta centímetros de repasto às colheradas, ele amolava os dentes num misturado, quer seja de arroz, feijão, marcarrão, saladas, frutas – do tipo jaca, fruta-pão, palmas de banana, feixe de cana, melancia, e isso entre uma colherada e outra -, milho, inhame, batata-doce, batata-inglesa, cará, vargem, quer seja conservas, tutanos, salames, charques, toucinhos, titelas, ao grosso com verduras diversas, raízes de todo tipo, mato de toda espécie, tudo entre assados, grelhados e guisados, e num mesmo molho, lavado com ponches, sucos, lapadas de cana, cervejas ou bebida que seja. Ô paladar macho esse, hem? E isso podia ser a qualquer hora do dia, no café da manhã, no almoço, na janta, no lanche dos três horários, no desjejum de quando acordava de madrugada ou da sesta, e aos bocados. O cara é bom de boca, nunca teve fastio, nem enjeitava sobremesas ou tira-gosto do que quer que fosse. Era só pintar na sua frente que ele traçava. – Esse disgraçado deve de ter um poço fundo nas tripas! -, era o que mais reclamavam dele nessa hora. Apesar disso, ele nunca teve um bucho carregado duma indigestão na vida, nem sofria de um calombo pronunciado embaixo da caixa dos peitos, nada disso. Diziam aos cochichos que ele só devia de transferir toda gordura ingerida pros chifres e pras partes pudendas, fato este que era o centro das anedotas, vez que, reiteravam os pinoientos: - O cabra é ajegado, o que tem de pra-ti-vai e culhão, dá pra assombrar até éguas ou jumentas num carreirão infeliz. Afora as gaias qui se engancham pelos fios afora. Coitada da madame dele, deve ser um afolosado só. Pois é, sempre achegado a dá uma de penetra em qualquer rega-bofe ocasional, o lambão, antes de tudo, tem um pantim da gota feito um ritual que ele faz em volta do dicomer, agradecendo em devotada oração pra Santa Edwiges – a protetora dos pobres e endividados -, e pra deusa Lakshimi – a deusa hindu da riqueza, fortuna e prosperidade (esta última, fruto duma enrolada num rabo de saia budista ou coisa parecida, que de tão marcante não deu pra perder o costume de venerá-la em todas as horas de fartura). Mas eis que um dia lá, no meio dum empanturrado, o regalão teve um empazinamento de tripa forra, chega deu-lhe uma agonia dos bofes botar tudo pra fora e ele danar-se a morrer todo estropiado. Pegaram-no pelo saco e pelas orelhas, adentraram numa emergência hospitalar de num ver o sujeito por menos de seis dias encarreados. Só deu o ar da graça quase uma semana depois do engasgamento, agora regrado com uma dieta que lhe doía nos quengo. O médico, aos esporros, dava o tom da situação: - O senhor é corno, mas não é eterno! Não é a comida que vai lhe evitar as gaias. Tome tento, coma direitinho senão vai engrossar a fila dos pés juntos e vai pro saco loguinho, loguinho, tá ouvindo? Oxe, ele ouvia submisso de nem bater as pálpebras. O de branco ainda gritou de quase deixá-lo mouco: - Olhe, como hoje é o Dia Mundial da Alimentação, faça-me o favor de seguir à risca essa dieta, entendido? Eita! Ele baixou a guarda acenando com a cabeça afirmativamente. Quando saiu estava tão murcho que mais parecia que ele tinha ressuscitado do Hades. Aí eu gritei: - E aí, Zé Corninho, tá pronto pra outra? E ele: - Não fui nessa, nem vou nem tão cedo. Vamo é arrochar nos engolidos que a vida é só uma! E foi exercitar a dentadura na primeira rapadura que viu pela frente. E vamos aprumar a conversa! Veja mais aqui, aqui e aqui.


Imagem: Grand Nude Constantinople, do pintor pós-impressionista francês Henri Lebasque (1865-1937).


Curtindo o dvd Nos horizontes do mundo – ao vivo (2007), da cantora e compositora Leila Pinheiro.

UM POUCO SOBRE ARTE – No livro Psicossomática e a psicologia da dor (Pioneira Thomson Learnig, 2012), organizado por Valdemar Augusto Angerami, aborda temas como a dor. O entrelace da adolescência à convivência do câncer e sonorizações da dor, abordagem psicossomática da mulher dolorida e a interface entre objetividade e subjetividade das dores de ser mulher, a primeira suinã florida desse inverno, a dor da perda da saúde, dor psíquica e significados do cuidar de um filho com câncer, o fenômeno da fé e a construção da subjetividade, o esplendor da deificação e a mulher morena, com as cordas partidas e um excerto sobre a psicoterapia junto a pacientes laringectomizados, o fascínio de uma conferência, dor crônica e os aspectos biológiocos, psicológicos e sociais, aspectos psicológicos em pacientes com dor crônica, a expressão da dor na arte, entre outros assuntos. Na obra destaco o trecho Um pouco sobre arte: Muitas são as definições de arte. Conforme definem Luigi Pareyson e Umberto Eco, arte é a atividade formadora ou formante, ação de retirar do nada a matéria e dar forma, segundo um sentido ou significado do mundo que tenha o propósito de agradar ou impressionar a percepção. Para tolstoi, arte é uma atividade humana cujo objetivo é transmitir aos outros os melhores e mais elevados sentimentos que se atinge na vida, e dessa maneira, possui assim para a humanidade a mesma importância da palavra, que expressa o pensamento e gera comunhão social entre as pessoas. A comunhão social da arte é gerada através do sentimento compartilhado. É muito comum hoje em dia ouvir dizer que determinada obra de arte é boa, mas incompreensível. Para Tolstoi, a boa arte é sempre compreendida por todos. [...] Quando Leonardo afima a pintura deve dar a impressão de uma janela através da qual vemos uma sessão do mundo visível, entendo que a pintura tem seu próprio lugar no espaço. Esse espaço criado (pintura) propõe uma nova realidade visual formada a partir da interação da percepção do artista com o mundo real. Alguns teóricos afirmam que o ser humano é um ser inacabado, uma vez produz sua cultura ao passo em que é produzido pela mesma. [...] A arte, segundo Merleau-Ponty, é uma reflexão figurada da visão na visão. Forma de processar o que existe e transformar em reflexão figurada, ou seja, reflexão elaborada no campo senso-perceptivo, originada no imaginário sem a necessidade de uma correlação com o real. Seria como buscar em um trabalho artístico uma nova proposta de realidade visual. Sartre afirma que o homem, em uma de suas características inerentemente humanas, não se conforma em ser o que é. Segundo Angerami, o homem existe em relação a sua condição de ser-no-mundo, o que implica numa luta constante consigo próprio para não perder sua dignidade existencial e suas características individuais. Dessa maneira, o poeta, o pintor, o artista, enfim, é aquele que possibilita uma nova proposta de mundo através de seu trabalho [...]. Veja mais aqui.

A MÃE E O DEMÔNIO – No livro The japanese psyche: major motifs in the fairy tales of Japan (Spring, 1988), de Hayao Kawai, encontro a história A mãe e o demônio: Uma mulher vivia com seu abastado marido e sua amada filha. Quando chegou o dia em que a moça se deveria casar, a mãe ficou muito feliz. Acompanhou a filha em uma viagem pelas montanhas, num grupo que festejava o casamento, rumo à casa do futuro marido. A noiva seguia de carruagem, enquanto a mãe, os amigos e parentes caminhavam ao lado, cantando e rindo. De repente, uma nuvem escura caiu do céu e rodeou a carruagem. Todos fugiram, temendo que fosse um mau espirito, mas ela se dissipou tão rapidamente quanto se havia formado. Contudo, a noiva sumira da carruagem. “Minha filha! Onde está minha filha?”, fritava a mãe. “Um demônio a raptou!”, exclamaram todos. “Devemos correr” “Mas onde está minha filha? Tenho de encontra-la!”, repetia a mãe. Seus parentes e amigos arrastaram-na com eles, correndo para longe da montanha. A salvo, de volta na aldeia, a mãe não conseguia descansar. “Devo encontrar minha filha!”, ela repetia, embora todos aconselhassem-na a não regressar à montanha, do contrário o demônio a mataria. Mas mãe estava decidida. Embrulhou um pouco de arroz para comer, vestiu roupas quentes, calçou seus sapatos mais resistentes e partiu na direção da montanha. Por todo dia ela escalou encostas e trilhou vales, chamando o nome da filha, mas apenas o vento e as aves lhe respondiam. Quando caiu a noite, a mãe estava cansada [...] o que encontrou foi um templo no meio do campo e quando se acercou, uma monja apareceu à porta. “Reverenda senhora”, disse a mãe inclinando-se para cumprimenta-la, “estou longe de casa. Posso ficar em seu templo por esta noite?”. A monja de imediato introduziu-a no recinto. [...] “Você está em busca de sua filha”, disse a monja suavemente, “e eu sei o que lhe aconteceu e como você poderá encontra-la. Ela foi raptada por um demônio que vive do outro lado do rio que passa aqui perto [...]”. A mãe adormecera com a cabeça no pagode que lhe serviu de travesseiro. O vento soprou o capim alto, tangendo-o com um som melancólico e solitário. “Será que foi apenas um sonho com o templo e a monja?”, perguntava-se a mãe. [...] A mãe esperou paciente [...] Então ouviu o som de um tear. “Talvez ela esteja tecendo!”, pensou a mãe, e foi diante de um tear que encontrou sua filha. Ao se verem, mãe e filha choraram de felicidade, correram uma ao encontro da outra e abraçaram-se. “Você está a salvo!”, exclamou a mãe. “O demônio deste castelo raptou-me”, explicou a filha. “Ele e seus servos saíram e ficarão fora o dia todo, assim estamos a salvo [...] No castelo, o demônio acordou e pôs-se a chamar pela esposa. “Traga-me água!”, ele ordenou, mas vendo que a esposa não lhe respondia começou a quebrar a caixa de madeira, destruindo as sete tampas e os sete cadeados. “Onde está a minha esposa?”, ele berrava. “Ela deve ter escapado!” Despertou seus servos e correram até o estábulo, onde encontraram os cavalos e as carriagens ainda no lugar. Correram até o rio e viram a mãe e a filha no bote. “Lá está ela, a desgraçada!”, guinchou o demônio. “E está com alguém. Eu tinha razão, havia outro ser humano no castelo!”. O demônio voltou-se para seus servos. “Bebam toda a água do rio! As duas mulheres não podem escapar!” Ele se curvou e pôs-se a engolir a água. Seus servos fizeram o mesmo e, à medida que sugavam o rio, o bote das mulheres se arrastava até eles. “Estamos perdidas”, mãe e filha gritaram conforme o bote se aproximava do demônio. Subitamente, a monja apareceu a bordo. “Levantem a saia”, ela ordenou. “Exibam as partes íntimas para o demônio! Rápido, vocês não têm tempo a perder!”. As três mulheres levantaram seus quimonos, exibindo-se e saltando no ar. Diante da cena, o demônio e seus asseclas desataram a rir. “Mas o que é isso!”, e o demônio engasgou. “Nunca vi nada mais engraçado!” O demônio e seus servos cuspiram toda a água que engoliram, e a torrente empurrou o bote das mulheres rio abaixo. As três logo estavam longe do castelo do demônio. “Reverenda irmã”, a mãe voltou para a monja, “você salvou nossas vidas. Como lhe agradecer?” A monja parou por um momento e disse: “Vocês podem fazer algo por mim. Eu sou o espirito do pagode de pedra na campina. Muitas vezes sinto-me solitária, sem companhia. Se todo ano vocês trouxerem um novo pagode de pedra até a clareira, e o colocarem próximo ao meu, então terei companhia”. Depois, a monja desapareceu. Mãe e filha retornaram a salvo para casa, e, assim, todo ano levavam um pago de pedra à campina, e em razão disso o local se transformou numa comunidade perdida na montanha. A partir de então, todos viveram felizes para sempre: a mãe, a filha, as famílias e a monja com suas novas companhias. Veja mais aqui.

A ATRIZ – No livro O príncipe feliz e outras histórias (1888), do escritor e dramaturgo britânico Oscar Wilde (1854-1900), encontro o conto A atriz: Existiu outrora uma grande atriz. Uma mulher que alcançara tamanhos triunfos que todo o mundo da arte a adorava, curvado a seus pés. O incenso da adoração perfumara-lhe a vida por muitos anos e vedara-lhe os olhos para as outras coisas, de sorte que ela a nada mais aspirava. Não obstante, chegou o dia em que conheceu um homem, a quem amou com toda a força da alma. Então sua arte, seus triunfos e as nuvens de incenso nada mais significaram para ela – o amor era toda a sua vida. Mas embora pensasse assim, o homem que ela amava tornou-se ciumento – ciumento do público que não mais lhe interessava. Pediu-lhe que desistisse da sua carreira e abandonasse o palco para sempre. Ela acedeu sem resistência, e disse: – O amor é melhor do que a arte, melhor do que a fama, melhor do que a própria vida. E logo abandonou alegremente o palco e todos os triunfos para dedicar sua vida ao homem que amava. O tempo transcorreu, o amor do homem começou rapidamente a diminuir e a mulher que tudo havia sacrificado por ele perecebeu-o; a certeza disso caiu-lhe n`alma como a neblina fria do entardecer, envolvendo-a da cabeça aos pés numa mortalha de desespero. Tratava-se, porém, de uma mulher corajosa, decidida, e embora com a mágoa estampada no rosto, não se deixou abater. Compreendeu que teria de sobrepujar a crise da sua vida, a crise da qual dependia o seu destino. Com perspicácia e cruel clarividência, sentiu a realidade que lhe despedaçava o coração. Sacrificara a carreira ao seu amor e agora este amor lhe fugia. Se não encontrasse meios para reanimar a chama que bruxuelava e breve se apagaria totalmente, se conservaria solitária em meio aos escombros de sua vida arruinada. E a mulher, que fora uma grande atriz, percebera que a sua arte, em vez de ser-lhe um estímulo ou uma inspiração nesta fase penosa da vida, demonstrara o contrário – era desvantagem e obstáculo. Alheara-se da orientação dos diretores de cena e das idéias e conselhos dos autores. Até então nada fizera sem eles – cada pensamento, cada entonação de voz e, mesmo, cada gesto era-lhe sugerido, pois esta é a arte do ator. E, agora, quando se via obrigada a pensar, criar e agir por si mesma, sentia-se desamparada, sem recursos, como uma criança repentinamente às voltas com um grande problema. Mas à medida que os dias se passavam, impunha-se cada vez mais ação pronta e enérgica. Um dia, quando andava de um lado para o outro, com o gérmen selvagem do desespero crescendo-lhe no íntimo a cada minuto que passava, um homem foi vê-la. Ele fora empresário do teatro onde ela trabalhara. Viera pedir-lhe que representasse numa nova peça. Ela recusou. Que iria fazer no palco com essa arte falsa que transforma aqueles que a praticam em fantoches, fantoches irremediáveis, movidos por cordéis manejados pelas mãos dos autores e diretores de cena? Agora ela se encontrava face a face com a verdadeira tragédia da vida, ao lado da qual todas as falsas tristezas do palco nada mais eram senão lantejoulas e bambinelas. Contudo, o empresário insistiu, dizendo-lhe que a oferta significava dinheiro para ele, zumbindo-lhe em torno com a persistência de uma mosca no outono, que não quer ser enxotada. Não quereria pelo menos ler a peça? Para livar-se dele, leu-a, e reconheceu que a tragédia impressa era a tragédia da sua própria vida. A mesma situação: o problema estava resolvido. O destino viera em auxílio da atriz numa peça teatral. Ela devia representá-la dominando inteiramente cada detalhe do enredo. Estudou, então, a parte que lhe competia e a representou para um grande auditório. Atuou com fervor do gênio que jamais ultrapassara durante a sua carreira e o aplauso que retumbou de todos os lados foi a homenagem irresistível tributada pelos espíritos e corações dos homens àqueles que possuem gênio. Quando tudo chegou ao fim, ela voltou para casa fatigada e um tanto surpresa com os gritos e aplausos da multidão ainda lhe ressoando nos ouvidos. Dera-lhe o máximo, pusera-lhe aos pés o poder e a maravilha da sua alma. Tudo que lhe restava agora era um sentimento de impotência e fragilidade. Chegara à casa entristecida e carregada de flores. Repentinamente, observou que havia dois pratos na mesa preparada para a ceia e lembrou-se de que, nesta noite, fora resolvido o seu destino. Esquecera-o até então. Naquele momento o homem que ela amara entrou, indagando: – Cheguei na hora? Ela olhou para o relógio, e respondeu: – Chegaste na hora, mas demasiadamente tarde. Veja mais aqui, aqui e aqui.

O ARTISTA, O MESTRE & O DISCIPULO – No livro Poemas em prosa (1894), do escritor e dramaturgo britânico Oscar Wilde (1854-1900), destaco, inicialmente, o poema O artista: Uma noite veio à sua alma o desejo de criar uma imagem d “O Prazer que durava um Momento”. E ele foi pelo mundo para procurar por bronze. Pois ele podia apenas pensar em bronze. Mas todo o bronze do mundo inteiro havia desaparecido, nem existia em lugar algum do mundo inteiro bronze a ser achado, exceto pelo bronze da imagem d “O Sofrimento que resistia para Sempre”. Essa imagem ele mesmo tinha, e com suas próprias mãos, criado, e havia colocado sobre a tumba da única coisa que ele havia amado na vida. Na tumba da coisa morta que ele mais amara ele colocou essa imagem criada por ele, para que servisse como um símbolo do amor do homem que não morria, e um símbolo da dor do homem que resistia eternamente. E no mundo inteiro não havia outro bronze, salvo o bronze dessa imagem. E ele pegou a imagem que ele havia criado, e a colocou numa grande fornalha, e a deu ao fogo. E do bronze da imagem d “O Sofrimento que resistia para Sempre” ele criou uma imagem d “O Prazer que durava um Momento”. Também o poema O mestre: Agora quando a escuridão pairou sobre a terra José de Arimatéia, tendo acendido uma tocha de madeira, desceu da colina ao vale. Pois ele tinha assunto a tratar em sua casa. E ajoelhado nas pedras do Vale da Desolação ele viu um rapaz nu que chorava. Seu cabelo era da cor do mel, e seu corpo era como uma flor branca, mas ele havia ferido seu corpo com espinhos e coroado seu cabelo com cinzas. E ele que tinha muitas posses disse ao rapaz que estava nu e chorando, “Eu entendo seu sofrimento ser tão grande, pois certamente Ele foi um homem justo.” E o rapaz respondeu, “Não é por Ele que eu choro, mas por mim mesmo. Eu também transformei água em vinho, e eu curei o leproso e fiz o cego enxergar. Eu andei sobre as águas, e dos habitantes das tumbas expulsei demônios. Eu alimentei o faminto no deserto onde não havia comida, e eu levantei os mortos de suas casas apertadas, e ao meu comando, e diante de uma multidão de pessoas, uma figueira estéril secou totalmente. Tudo que esse homem fez eu também fiz. E no entanto eles não me crucificaram”. Por fim, o poema O discípulo: Quando Narciso morreu o lago de seu prazer mudou de uma taça de águas doces para uma taça de lágrimas salgadas, e as Oréades vieram chorando pela mata com a esperança de cantar e dar conforto ao lago. E quando elas viram que o lago havia mudado de uma taça de águas doces para uma taça de lágrimas salgadas, elas soltaram as verdes tranças de seus cabelos e clamaram, “Nós entendemos você chorar assim por Narciso, tão belo ele era.” “E Narciso era belo?” disse o lago. “Quem pode sabê-lo melhor que você?” responderam as Oréades. “Por nós ele mal passava, mas você ele procurava, e deitava em suas margens e olhava para você, e no espelho de suas águas ele refletia sua própria beleza.” E o lago respondeu, “Mas eu amava Narciso porque, quando ele deitava em minhas margens e olhava para mim, no espelho de seus olhos eu via minha própria beleza refletida”. Veja mais aqui, aqui e aqui.

O LEQUE DE LADY WINDERMERE – A comédia em quatro atos O leque de Lady Windemere (Aguilar, 1975), do escritor e dramaturgo britânico Oscar Wilde (1854-1900), tem um enredo baseado em situações que envolvem intrigas e mentiras, retratando a elegância e a superficialidade da sociedade vitoriana. A protagonista, sem saber que é filha de uma senhora, desconfia de que o marido mantém um caso de amor clandestino com ela, mal sabendo que ele, o marido, conhecendo a verdadeira história, não tem o menor interesse amoroso pela sra. Erlynne e, sim, um respeito profundo por saber que ela é, na verdade, sua sogra. Enciumada, Lady Windermere pretende vingar-se de Robert, cometendo adultério. A sra. Erlynne, conhecendo os planos da filha, tenta evitar que esta cometa tolice semelhante a dela, a qual, no passado, custou-lhe o afastamento da família. Da obra destaco o trecho da cena inicial: A ação da peça se desenrola dentro de 24 horas, começando numa terça-feira, às 5 da tarde, e terminando no dia seguinte, a uma e meia da tarde. Época: 1892. Primeiro ato. Cenário: Sala de estar da casa de Lorde Windermere, em Carlton House Terrace, em Londres. Portas ao centro e à direita. Escrivanhinha com livros e papeis à direita. Sofá com pequena mesa para chá à esquerda. Grande janela abrindo para terraço à esquerda. Mesa à direita. (Lady Windermere está à mesa à direita, arranjando rosas num jarro azul. Entra Parker.) PAR – Está vossa senhora em casa esta tarde? L – Sim... quem veio? PAR – Lorde Darlington, senhora. L – (hesita um momento). Mande subir... e estou em casa para todos quantos chegarem. PAR – Sim, senhora. (Sai pelo centro). L – É melhor para mim vê-lo antes desta noite. Alegra-me que haja vindo. (Entra Parker pelo centro) PAR – Lord Darlington. (Entra Lorde Darlingjton pelo centro. Sai Parker). DAR – Como vai a senhora? L – Como vai o senhor? Não, não posso apertar-lhe a mão. Minhas mãos estão úmidas por causa destas rosas. Não são lindas? Chegaram de Selby esta manhã. DAR – São totalmente perfeitas (Vê um leque que está sobre a mesa). E que maravilhoso leque! Posso examiná-lo? L – Pode, sim. Lindo, não é? Tem meu nome escrito e tudo mais. Acabo de recebe-lo. Foi o presente de aniversário que me deu meu marido. Sabe que hoje é dia de meus anos? DAR – Não. É mesmo? L – Sim, entro na maioridade. Dia importantíssimo na minha vida, não é mesmo? Por isso dou esta noite uma recepção. Sente-se (Continua arranjando as floras). DAR – (Sentando-se) Sinto não ter sabido que era dia de seu aniversário, Lady. Teria mandado cobrir a rua inteira, diante de sua casa, com flores para que passeasse sobre elas. São feitas para a senhora (Curta pausa). L – Lorde Darlington, o senhor importunou-me a noite passada no Ministério dos Estrangeiros. Receio que venha importunarme de novo. DAR – Eu, Lady? (Entram Parker e lácaio pelo centro, com bandeja e serviço de chá). Veja mais aqui, aqui e aqui.

O RETRATO DE DORIAN GRAY – O romance filosófico O retrato de Dorian Gray (1890 – Lanmark, 2012), do escritor e dramaturgo britânico Oscar Wilde (1854-1900), contando a história de um jovem que é retratado em um quadro por um artista plástico que se encanta por sua beleza e que se envolve com o hedonismo da aristocracia decantando que a beleza sensual são as coisas mais importantes da vida. Ocorre, porém, que o belo jovem se mantem sempre rejuvenescido, enquanto o seu quadro envelhece registrando todos os pecados que lhe corrompem a alma. Taxada como uma história indecente e que foi censurada, ofendeu a sensibilidade moral dos críticos literários britânico. Da obra destaco o trecho inicial: O artista é o criador de coisas belas. O objetivo da arte é revelar a arte e ocultar o artista. O crítico é aquele que sabe traduzir de outro modo ou para um novo material a sua impressão das coisas belas. A mais elevada, tal como a mais rasteira, forma de crítica é um modo de autobiografia. Os que encontram significações torpes nas coisas belas são corruptos sem sedução, o que é um defeito. Os que encontram significações belas nas coisas belas são os cultos, Para esses há esperança. Eleitos são aqueles para quem as coisas belas apenas significam Beleza. Um livro moral ou imoral é coisa que não existe. Os livros são bem escritos, ou mal escritos. E é tudo. A aversão do século XIX pelo Realismo é a fúria de Caliban ao ver a sua cara ao espelho. A aversão do século XIX pelo Romantismo é a queixa de Caliban por não ver a sua cara ao espelho. A vida moral do homem faz parte dos temas tratados pelo artista, mas a moralidade da arte consiste no uso perfeito de um meio imperfeito. Nenhum artista quer demonstrar coisa alguma. Até as verdades podem ser demonstradas. Nenhum artista tem simpatias éticas. Uma simpatia ética num artista é um maneirismo de estilo imperdoável. Um artista nunca é mórbido. O artista pode exprimir tudo. Sob o ponto de vista da forma, a arte do músico é o modelo de todas as artes. Sob o ponto de vista do sentimento, é a profissão de ator o modelo. Toda a arte é, ao mesmo tempo, superfície e símbolo. Os que penetram para além da superfície, fazem-no a expensas suas. Os que lêem o símbolo, fazem-no a expensas suas. O que a arte realmente espelha é o espectador, não a vida. A diversidade de opiniões sobre uma obra de arte revela que a obra é nova, complexa e vital. Quando os críticos divergem, o artista está em consonância consigo mesmo. Podemos perdoar a um homem que faça alguma coisa útil, contanto que a não admire. A única justificação para uma coisa inútil é que ela seja profundamente admirada. Toda a arte é completamente inútil. Foi a obra adaptada para o cinema, num filme de fantasia e suspense, Dorian Gray (2009), dirigido por Oliver Parker. Veja mais aqui, aqui e aqui.

IMAGEM DO DIA
 A arte do gravador e gravurista holandês Jacob Matham (1571-1671).


Veja mais no MCLAM: Hoje é dia do programa Some Moments, a partir das 21hs, no blog do Projeto MCLAM, com apresentação sempre especial e apaixonante de Meimei Corrêa. Em seguida, o programa Mix MCLAM, com Verney Filho e na madrugada Hot Night, uma programação toda especial para os ouvintes amantes. Para conferir online acesse aqui .

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