sexta-feira, outubro 02, 2015

GOLEMAN, DELACROIX, CAPOTE, YES, PATRÍCIA FRANÇA, EHRMANN & POR UM NOVO DIA.

VAMOS APRUMAR A CONVERSA? POR UM NOVO DIA – A minha vida no Recife proporcionou o meu envolvimento estreito tanto com a literatura, com o teatro e com a música. Na literatura, eu publiquei o meu segundo livro de poesias, A intormissão do verbo (Pirata, 1983) e me vi envolvido em recitais, entre eles do Pro-Texto de Arnaldo Tobias, do Lítero-Pessimista de Francisco Espinhara & Poetas Independentes, e da revista Poesia, de Juareiz Correya, entre outros, sempre com manifestações em frente da legendária Livro 7. No teatro, pude ver meu texto A viagem noturna do sol (TTTrês Produções, 1983), em um festival de leitura na sala Clênio Wanderley, Casa da Cultura, sobre a direção de José Manoel Sobrinho, fato que me levou a realizar uma série de cursos na Feteape e no Sesc, na capital pernambucana. Já na música, realizei o meu show Cantarolinda (1983), com os músicos Fernandinho Melo (guitarra & violão 12 cordas), Mozar (violão), Walmir (flauta) e Samuel (percussão), dando-me oportunidade de mostrar minhas músicas e parcerias musicais. Foi quando comecei a cantar na noite, principalmente no Bar Roda Viva, no bairro de Campo Grande, aproveitando para entre uma e outra música do repertório de artistas consagrados, comecei a jogar as minhas canções e parcerias musicais que, vez ou outra, havia um pedido de bis da plateia presente, a ponto, até, de ensaiar com a banda que me acompanhava para as participações em festivais. Estava eu muito acompanhado nessas noites: Fernandinho Melo (guitarra e violões), Caca (Baixo), Sérgio Campelo (bateria & cavaquinho, violões) e Freire (flauta). Dois anos depois, eu lançava eu meu terceiro livro de poesias, Raízes & Frutos (Bagaço, 1985), quando fiz um show antes do lançamento e pintou a ideia do Por um novo dia. Aí reuni algumas canções que havia criado, como Aurora, Intenção e Remissão do sonho, mais A lavra da vida que compus sobre poema de Jaci Bezerra, Meta e Protesto Fônico, em parceria com Ângelo Meyer, e outras das muitas parcerias com Fernandinho Melo e comecei uma temporada num dia pra lá de impróprio: 31 de dezembro de 1985, fechando o ano. Nessa primeira temporada o ator e artista plástico Rolandry Silvério fez o cartaz e o folder com repertório e ficha técnica, impresso pelas Edições Bagaço, numa promoção da Revista A Região. Nessa apresentação eu contava com os músicos Pirrita (bateria), Mané Bitinha (guitarra) e Nerinha (baixo), comandados pelo Lulika. Depois de algumas apresentações em diversas localidades, em outubro de 1985, eu reiniciava a temporada com novo repertório e nova banda. Nessa segunda versão, também completamente ilustrada pelo ator e artística plástico Rolandry Silvério, eu acrescentei uma versão livre que fiz da música América, do Paul Simon; coloquei uma letra para A música das nuvens e do chão, do Hermeto Pascoal, denominada Cantador; Abusão, uma parceria minha com Gulu & Fernandinho Melo; Ponte sobre águas turvas, música que fiz sobre o poema de Juareiz Correya; Protesto Fônico & Meta, parcerias com Ângelo Meyer; Lá vem o trem, uma parceria com Fernandinho & Ângelo; e as minhas canções Morena, De tudo feito, Aurora, Intenção, Frutos e Criança. A banda que me acompanhava era composta por Vavá de Aprígio (guitarra), Davi Ideais (baixo), Davi Halley (bateria) e Mano (teclados). Fizemos diversas apresentações, algumas pocket, outras solo, até refazer todo show e começar uma terceira tempora no dia 11 de outubro de 1986, com a mesma banda e repertório, mas com uma nova roupagem que ficou com conta do ator e artista plástico Rolandry Suilvério. Esse show me levou aos palcos até 1991, ora em apresentações solo, ora com a banda, sempre levando a esperança por um mundo melhor: Por um novo dia sempre. Esse é o meu canto a cada dia. E que o sonho de viver seja possível: por um homem justo e novo, por um gesto necessário em favor da vida! E vamos aprumar a conversa aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.



Imagem: Justice, do pintor do Romantismo francês, Eugène Delacroix (1798-1863). Veja mais aqui e aqui.


Curtindo o álbum/dvd In the big dream (Arista Records, 1989), da banda de rock progressivo Yes. Veja mais aqui.

A MULHER QUE SABIA DEMAIS – No livro Foco: a atenção e seu papel fundamental para o sucesso (Objetiva, 2014), do psicólogo ph.D. estadunidense Daniel Goleman, encontro na parte três, denominada Lendo os outos, a narrativa A mulher que sabia demais, da qual destaco os trechos: O pai tinha um temperamento explosivo e, quando criança, ela estava sempre morrendo de medo de que ele fosse ter um acesso de raiva.assim, Katrina, como vou chama-la, aprendeu a ser hipervigilante, esforçando-se para perceber as pequenas pistas – o levantar o tom de voz, a forma como ele baixava as sobrancelhas furiosamente – que indicavam que estava a caminho de um novo ataque. Esse radar emocional se tornava mais sensível conforme Katrina ficava mais velha. Na universidade, por exemplo, somente pela leitura da linguagem corporal dos colegas, ela se deu conta de que uma delas havia dormido secretamente com um professor. Ela via como seus corpos se sincronizavam numa dança sutil. “Eles se mexiam juntos, se movimentavam em uníssono”, Katrina me contou. “Quando ela ria, ele ria. Quando vi que os dois estavam sintonizados intimamente no nível corporal, como amantes, pensei: Nossa, que horror... Os amantes não sabem que fazem isso, mas os dois se tornam super-responsivos um ao outro num nível primário”, ela acrescentou. Apenas meses depois a colega confidenciou o caso clandestino a Katrina, que acrescenta: “O caso havia terminado, mas os corpos dos dois ainda estavam juntos”. Sempre que está com alguém, Katrina diz: “Sou hiperconsciente de dúzias de fluxos de informações que as pessoas não costumam perceber – coisas como o levantar de uma sobrancelha, o movimento da mão. É perturbador – eu sei demais, e isso me mata. Sou excessivamente atenta”. O que Katrina percebe – e às vezes abre para o mundo – não incomoda apenas as outras pessoas – pode incomodar ela também. “Cheguei atrasada para uma reunião e deixei todo mundo esperando. Todos estavam sendo muito gentis no que diziam, mas o que estavam me dizendo com a linguagem corporal não era nada gentil. Pude ver pela postura e pela forma como não conseguiam me olhar nos olhos que todos lá estavam irritados. Senti tristeza e um aperto na garganta. A reunião não foi boa. Estou sempre vendo as coisas que não deveria – e isso é um problema”, ela acrescenta. “Eu me intrometo em questões particulares sem ter a intenção. Por muito tempo, não me dava conta de que não preciso compartilhar tudo o que sei”. Depois de receber feedbacks de pessoas de sua equipe de estava sendo intrometida demais, Katrina começou a trabalhar com um coach de executivos. “O coach me disse que eu tenho o problema de transparecer pistas emocionais – quando percebo as coisas que eu não deveria notar, reajo de uma forma que faz com que as pessoas pensem que eu estou irritada o tempo todo. Então agora preciso tomar cuidado com isso também”. Pessoas como Katrina são sensitivas sociais, bastante sintonizadas com os menores sinais emocionais, com um talento quase misterio para ler pistas tão sutis que as outras pessoas deixam passar. [...] Veja mais aqui e aqui.

A FILHA DO REI DO CÉU – Na reunião de histórias denominadas O gênese africano (Cultrix, 1962), encontrei a lenda Como Kintu foi posto à prova antes de poder desposar a filha do rei do céu, transcrita a seguir: Quando Kintu veio, pela primeira vez, para Uganda, verificou que ali não havia nada para comer. Ele trouxera consigo uma vaca leiteira e, como alimento, só tinha o que lhe fornecia o animal. Depois de um certo tempo, veio para terra acompanhada do irmão, uma mulher chamda Nandu e viu Kintu. Ela apaixonou-se por ele. Mas ela tinha de voltar com o irmão para junbto dos seus e de seu pai, Gulu, que era o rei do céu. Os parentes de Nambi, opuseram-se ao casamento porque, diziam, o homem não conhecia outro alimento além daquele que lhe fornecia a vaca leiteira, e o desprezavam. No entanto, Gulu, o pai, disse que teriam feito melhor se tivessem posto Kintu à prova, antes que ele consentisse no casamento e então mandou que alguém fosse roubar a Kintu a sua vaca. [...] Aconteceu, porém, que Nambi viu a vaca pastando e reconheceu-a e magoada de que os irmãos quisessem matar o homem que amava, foi à terra, disse a Kintu onde estava a vaca e convidou-o a ir com ele para a reaver. [...] Disseram a Kintu que encontraria a sua vaca na manada e que podia ir busca-la. Esta era uma empresa ainda mais difícil que as outras, porque havia muitas vacas iguais à sua e ele receava enganar-se e não pegar a devida. Enquanto estava nesta incerteza, veio uma grande abelha e disse-lhe: - Pega aquela em cujos chifres eu pousar; é a tua. Na manhã seguinte, Kintu foi para o lugar fixado e parou observando a abelha que estava pousada numa árvore perto dele. Trouxeram-lhe uma grande manada de vacas e ele fingiu que procurava a sua, mas na realidade observava a abelha que não se mexeu. Ponto depois, Kintu disse: - Entre estas não está a minha vaca. Trouxeram uma segunda manda e de novo disse: - Entre estas não está a minha vaca. Trouxeram uma terceira manada muito maior e imediatamente a abelha voou e foi pousar numa vaca que era muito grande e Kintu disse: - Aqui está a minha vaca. Então a abelha voou para outra vaca e Kintu disse: - Este é um dos vitelos da minha vaca – e a abelha passou ainda numa segunda e numa terceira vaca que Kintu requereu, poeis eram os vitelos que tinham nascido enquanto a vaca esteve no poder de Gulu. Gulu estava contentíssimo com Kintu e disse-lhe: - Tu és mesmo Kintu, leva as tuas vacas. [...] Depois de se ter feito rogado algum tempo, Gulu mandou Kaikuzi, um outro irmão, para proteger Nambi e impedir Walumbi de lhe matar os filhos. Kaikuzi foi para a terra com Kintu e foi recebido por Nambi, que lhe contou a sua triste história. Ele disse-lhe que chamaria Walumbe e tentaria persuadi-lo a que não lhe matasse os filhos. Quando Walumbe veio saudar o irmão, seu encontro foi cordial e afetuoso e Kaikuzi lhe disse que tinha vindo para o levar para casa, porque o pai precisava dele. Walumbe disse: - Levemos também a nossa irmã. Mas Kaikuzi disse que não lhe haviam dito que a levasse, porque ela era casada e deveria ficar com o marido. Walumbe recusou ir sem a irmã e Kaikuzi se zangou com ele e ordenou-lhe que fizesse o que lhe tinha dito. Mas a Morte se desprendeu da pressão de Kaikuzi e fugiu para debaixo da terra. [...] Então foi falar com Kintu e disse-lhe que estava cansado de correr atrás da Morte e queria voltar para casa. Queixou-se ainda de que as crianças haviam assustado Walumbe, que voltara para debaixo da terra. Kintu agradeceu a Kaikuzi o seu auxilio e disse que receava que não houvesse mais nada a fazer e que esperava que Walumbe não matasse toda a gente. Desde então a Morte vive debaixo da terra e mata todas as vezes que pode e depois escapa para debaixo da terra para Tanda no Singo. Veja mais aqui e aqui.

DESIDERATA – No livro Desiderata: um caminho para a vida (1938 – Sextante, 2003), do poeta, filósofo e advogado estadunidense Max Ehrmann (1872-1945), encontrei uma série de poemas filosóficos em prosa do autor, destacando o poema homônimo: Siga tranquilamente entre a inquietude e a pressa, lembrando-se que há sempre paz no silêncio. Tanto que possível, sem humilhar-se, viva em harmonia com todos os que o cercam. Fale a sua verdade mansa e calmamente e ouça a dos outros, mesmo a dos insensatos e ignorantes – eles também tem sua própria história. Evite as pessoas agressivas e transtornadas, elas afligem nosso espírito. Se você se comparar com os outros você se tornará presunçoso e magoado, pois haverá sempre alguém inferior e alguém superior a você. Viva intensamente o que já pode realizar. Mantenha-se interessado em seu trabalho, ainda que humilde, ele é o que de real existe ao longo de todo tempo. Seja cauteloso nos negócios, porque o mundo está cheio de astúcia, mas não caia na descrença, a virtude existirá sempre. “Você é filho do Universo, irmão das estrelas e árvores. Você merece estar aqui e mesmo que você não possa perceber a terra e o universo vão cumprindo o seu destino.” Muita gente luta por altos ideais e em toda parte a vida está cheia de heroísmos. Seja você mesmo, principalmente, não simule afeição nem seja descrente do amor; porque mesmo diante de tanta aridez e desencanto ele é tão perene quanto a relva. Aceite com carinho o conselho dos mais velhos, mas seja compreensível aos impulsos inovadores da juventude. Alimente a força do Espírito que o protegerá no infortúnio inesperado, mas não se desespere com perigos imaginários, muitos temores nascem do cansaço e da solidão. E a despeito de uma disciplina rigorosa, seja gentil para consigo mesmo. Portanto esteja em paz com Deus, como quer que você O conceba, e quaisquer que sejam seus trabalhos e aspirações, na fatigante jornada da vida, mantenha-se em paz com sua própria alma. Acima da falsidade, dos desencantos e agruras, o mundo ainda é bonito, seja prudente. FAÇA TUDO PARA SER FELIZ. Veja mais aqui.

A VER ESTRELAS OU TUDO OU NADA – A atriz de teatro, cinema e televisão, Patrícia França, começou sua carreira no teatro ainda criança e ganhou prêmios, entre eles pela peça A Ver Estrelas (1985). Depois vieram participações nas peças teatrais Peer Gynt (1994), Aladim (1994), Péricles, príncipe de Tiro (1995), Terceiras internções (2002), A beata Maria do Egito (2006) e Ou tudo ou nada (2015). No cinema ela autou nos filmes A ultima terra (1991), Contos de Balneário (1992), O calor da pele (1993), Chuvas e trovoadas (1994), Tieta do Agreste (1996), Ofreu (1999), Chega de cangaço (2000), As tranças de Maria (2003), Mãos de vento, olhos de dentro (2007) e Flor de lis – basta uma palavra para mudar (2009). Essa a nossa homenagem a este grande talento pernambucano. Salve! Veja mais aqui.

BONEQUINHA DE LUXO – A novela Bonequinha de Luxo (Breakfast at Tiffany's, 1958 - Companhia das Letras 2005), do escritor e jornalista estadunidense Truman Capote (1924-1984), narra a vida de uma jovem que não encontra seu lugar no mundo, transitando em busca de boas companhias e gradnes festas, de personalidade frágil e confusa, sustentada por amigos do sexo oposto que facilmente se apaixonam por ela, depois dela se recusar a manter uma carreira de atriz em Hollywood. Da obra destaco o trecho inicial: Sempre volto aos lugares em que vivi, às casas e à vizinhança. Por exemplo, costumo voltar a um prédio de tijolos na altura da rua 70, no lado leste da cidade, onde, nos primeiros anos da guerra, tive meu primeiro apartamento em Nova York. Era um cômodo apenas, apinhado de móveis velhos, com um sofá e poltronas gorduchas, forrados com certo veludo vermelho e pinicante que combina bem com dias quentes num vagão de trem. As paredes eram de estuque, cor de tabaco mascado. Em toda parte, inclusive no banheiro, havia gravuras de ruínas romanas, sarapintadas de marrom pelo tempo. Mesmo assim, meu ânimo melhorava sempre que eu apalpava a chave do apartamento no bolso; por soturno que fosse, era o meu canto, o primeiro, e lá estavam meus livros e potes cheios de lápis a serem apontados; tudo de que precisava - pelo menos era o que eu pensava - para me tornar o escritor que eu desejava ser. Naquela época, jamais pensei em escrever sobre Holly Golightly e provavelmente não teria pensado agora, não fosse por uma conversa com Joe Bell que pôs em movimento todas as recordações que tenho dela. Inquilina desse prédio, Holly Golightly ocupava o apartamento logo abaixo do meu. Quanto a Joe Bell, ele tocava o bar da esquina com a avenida Lexington; continua por lá. Holly e eu costumávamos ir até o bar seis ou sete vezes ao dia, não para beber, pelo menos nem sempre, e sim para telefonar: durante a guerra, era difícil conseguir um telefone particular. Além do mais, Joe Bell anotava recados, o que, no caso de Holly, era um favor e tanto, pois havia muitos recados para ela. É claro que tudo isso foi há muito tempo e, até a semana passada, fazia muitos anos que eu não via Joe Bell. Nós nos falávamos de vez em quando, e ocasionalmente eu aparecia no bar, quando estava de passagem pela vizinhança; mas a verdade é que nunca fomos grandes amigos, a não ser na medida em que ambos éramos amigos de Holly Golightly. Joe Bell não é um sujeito fácil, isso ele mesmo admite, diz que é assim por ser solteirão e ter azia. Todo mundo que o conhece pode confirmar que é difícil conversar com um sujeito como Joe. Chega a ser até impossível no caso de quem não compartilha as fixações dele; Holly é uma delas. As outras são: hóquei no gelo, cães weimaraner, Our gal Sunday (uma novela que acompanha há anos) e Gilbert e Sullivan - ele se diz parente de um ou do outro, não lembro de qual. Sendo assim, quando o telefone tocou na terça-feira passada, tarde da noite, e ouvi: "Oi, aqui é Joe Bell", eu sabia que só podia ser sobre Holly. Ele não disse nada além de: "Você pode dar um pulo aqui? É importante", com um grasnido de excitação na voz de sapo. Tomei um táxi embaixo de uma tempestade de outubro e no caminho até pensei que talvez ela estivesse lá, que talvez eu fosse encontrar Holly mais uma vez. Mas não havia ninguém no local, exceto o proprietário. O bar de Joe Bell é um lugar tranqüilo em comparação com outros bares da avenida Lexington. Não há neon nem televisão por perto. Dois espelhos antigos refletem o tempo lá de fora; e, atrás do balcão, num nicho circundado por fotografias de astros do hóquei no gelo, há sempre um grande vaso de flores frescas que o próprio Joe Bell arruma com o esmero de uma dona-de-casa. Era o que ele estava fazendo quando entrei. "É claro", ele disse, enfiando bem fundo um gladíolo no vaso, "é claro que eu não faria você vir até aqui se não precisasse da sua opinião. É estranho. Uma coisa bem estranha aconteceu." "Teve notícias de Holly?" Ele apalpou uma folha, como se não soubesse bem como responder. Sujeito baixo, com uma bela cabeleira branca e eriçada, Joe tem um rosto ossudo, que ficaria melhor em alguém bem mais alto; a tez, permanentemente bronzeada, parece mais vermelha agora. "Não posso dizer exatamente que tive notícias. Quer dizer, não sei bem. É por isso que preciso da sua opinião. Mas primeiro vou preparar um drinque para você. Uma coisa nova. Chamam de Anjo Branco", ele disse, misturando uma dose de vodca e uma de gim, sem vermute. Enquanto eu bebia a mistura, Joe Bell bebericava um antiácido e matutava sobre o que tinha a me dizer. Então: "Você se lembra de I. Y. Yunioshi? Um senhor japonês?". "Que tinha vindo da Califórnia", respondi, lembrando-me perfeitamente do sr. Yunioshi; é fotógrafo de uma revista. Quando o conheci, morava num estúdio na cobertura do prédio. "Não me confunda. Só estou perguntando se você sabe de quem estou falando. OK. Pois bem, ontem à noite, não é que esse mesmo I. Y. Yunioshi me entra aqui do nada? Acho que não o vejo há mais de dois anos. E onde você acha que ele esteve nesses dois anos?" "Na África." Joe Bell parou de esmagar a latinha de antiácido, seus olhos se estreitaram. "Mas como você sabia?" "Li no jornal, na coluna de Winchell." Coisa que eu de fato fizera. Ele abriu a caixa registradora e sacou um envelope de papel manilha. "Quero ver se você leu isto no Winchell." No envelope havia três fotografias, mais ou menos da mesma cena, tiradas de ângulos diferentes: um negro alto e esguio, vestindo uma camisa de calicô, com um sorriso tímido mas vaidoso, exibia nas mãos uma estranha escultura de madeira: um busto alongado de mulher, de cabelos lisos e curtos como os de um rapazola, olhos de madeira polida, grandes e enviesados demais para o rosto cônico, a boca larga, protuberante como os lábios de um palhaço. De relance, parecia uma escultura bem primitiva; mas não era nada disso, pois ali estavam, sem tirar nem pôr, as feições de Holly Golightly, até onde um troço escuro e sem vida podia alcançar."E o que me diz disso?", Joe Bell perguntou, satisfeito por me ver pasmo. "Parece com ela." "Escute, rapaz", ele deu um tapa no balcão, "essa é ela. Aposto as minhas calças. O japinha percebeu na hora em que viu." "Ele a viu? Na África?" "Bem, só a estátua. Mas dá na mesma. Leia você mesmo", ele disse, virando uma das fotografias. No verso estava escrito: "Escultura em madeira, Tribo S, Tococul, East Anglia, Natal de 1956". [...] A obra foi adaptada para o cinema em 1961, como uma comédia/drama, dirigido por Blake Edwards, e estrelado por Audrey Hepburn. Veja mais aqui.

IMAGEM DO DIA
A arte da fotógrafa estadunidense Annie Leibovitz


Veja mais no MCLAM: Hoje é dia do programa Some Moments, a partir das 21hs, no blog do Projeto MCLAM, com apresentação sempre especial e apaixonante de Meimei Corrêa. Em seguida, o programa Mix MCLAM, com Verney Filho e na madrugada Hot Night, uma programação toda especial para os ouvintes amantes. Para conferir online acesse aqui.

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