UIVO
Eu vi os expoentes da minha
geração, destruídos pela
loucura, morrendo de fome,
histéricos, nus,
arrastando-se pelas ruas do
bairro negro de madrugada
em busca de uma dose violenta
de qualquer coisa,
hipsters com cabeça de anjo ansiando
pelo antigo
contato celestial com o dínamo
estrelado da
maquinaria da noite,
que pobres esfarrapados e
olheiras fundas, viajaram
fumando sentados na
sobrenatural escuridão dos
miseráveis apartamentos sem
água quente, flutuando
sobre os tetos das cidades
contemplando o jazz,
que desnudaram seus cérebros
ao céu sob o Elevado
e viram anjos maometanos
cambaleando iluminados
nos telhados das casas de
cômodos,
que passaram por universidades
com olhos frios e
radiantes alucinando Arkansas
e tragédias à luz
de Blake entre os estudiosos
da guerra,
que foram expulsos das
universidades por serem loucos
& publicarem odes obscenas
nas janelas do crânio,
que se refugiaram em quartos
de paredes pintura
descascada em roupa de baixo
queimando seu
dinheiro em cestos de papel
escutando o Terror
através da parede,
que foram detidos em suas
barbas púbicas voltando
por Laredo com um cinturão de
marihuana para
Nova Iorque,
Que comeram fogo em hotéis mal
pintados ou
Beberam terebentina em
Paradise Alley, morreram ou
Flagelaram seus torsos noite
após noite com
Som sonhos, com drogas, com
pesadelos na vigília,
Álcool e caralhos em
intermináveis orgias,
Incomparáveis ruas cegas sem
saída de nuvem trêmula,
E clarão na mente pulando nos
postes dos pólos de
Canadá & Paterson,
iluminando completamente o
Mundo imóvel do Tempo
intermediário,
solidez de Peite dos
corredores, aurora de fundo de
quintal das verdes árvores do
cemitério, porre de vinho
nos telhados, fachadas de
lojas de subúrbio
na luz cintilante de neon do
tráfego na
corrida de cabeça feita do
pazer, vibrações de
sol e lua e árvore no tronco
de crepúsculo de
inverno de Brooklyn,
declamações entre latas
de lixo e a suave soberana luz
da mente,
que se acorrentaram aos vagões
do metrô para o
infindável percurso do Battery
ao sagrado Bronx
de benzedrina até que o
barulho das rodas e
crianças os trouxesse de
volta, trêmulos, a boca
arrebentada o despovoado
deserto do cérebro
esvaziado de qualquer brilho
na lúgubre luz do
Zoológico, que afundaram a
noite toda na luz submarina
de Bickford´s, voltaram à tona
e passaram a tarde
de cerveja choca no desolado
Fuggazi´s escutando
o matraquear da catástrofe na
vitrola
automática de hidrogênio,
que falaram setenta e duas
horas sem parar do
parque ao apê ao bar ao
Hospital Bellevue ao
Museu à Ponte do Brooklyn,
Batalhão perdido de
debatedores platônicos saltando
Dos gradis das escadas de
emergência dos parapeitos
Das janelas do Empire State da
Lua,
Tagarelando, berrando,
vomitando, sussurrando fatos
E lembranças e anedotas e
viagens visuais e choques
Nos hospitais e prisões e
guerras,
Intelectos inteiros
regurgitados em recordação total
Com os olhos brilhando por
sete dias e noites,
Carne para a sinagoga jogada à
rua,
Que desapareceram no Zen de
Nova Jersey de
lugar algum deixando um rastro
de postais ambíguos
do Centro Cívico de Atlantic
City,
sofrendo suores orientais,
pulverizações tangerianas
de ossos e enxaquecas da China
por causa da
falta da droga no quarto
pobremente mobiliado de Newark,
que deram voltas e voltas à
meia noite no pátio da
ferrovia perguntando-se aonde
ir e foram, sem
deixar corações partidos,
que acenderam cigarros em
vagões de carga, vagões
de carga, vagões de carga, que
rumavam ruidosamente
pela neve até solitárias
fazendas dentro da noite do avô,
que estudaram Plotino, Poe,
São João da Cruz, telepatia
e bop-cabala pois o Cosmos
instintivamente
vibrava a seus pés em Kansas,
que passaram solitários pelas
ruas de Idaho procurando
anjos índios e visionários que
eram anjos índios e visionários
que só acharam que estavam
loucos quando Baltimore
apareceu em estase
sobrenatural,
que pularam em limusines com o
chinês de Oklahoma
no impulso da chuva de inverno
na luz das ruas
da cidade pequena à
meia-noite,
que vaguearam famintos e sós
por Huston procurando
jazz ou sexo ou rango e
seguiram o espanhol
brilhante para conversar sobre
a América e a Eternidade,
inútil tarefa, e assim
embarcaram
num navio para a África,
que desapareceram nos vulcões do
México
nada deixando além da sombra
das suas calças
rancheiras e a lava e a cinza
da poesia espalhadas
pela lareira Chicago,
que reapareceram na Costa
Oeste investigando o FBI
de barba e bermudas com
grandes olhos pacifistas
e sensuais nas suas peles
morenas, distribuindo
folhetos ininteligíveis,
que apagaram cigarros acesos
nos seus braços
protestando contra o nevoeiro
narcótico de
tabaco do Capitalismo,
que distribuiram panfletos
supercomunistas em Union
Square, chorando e despindo-se
enquanto as
Sinrenes de Los Alamos os
afugentavam gemendo
mais alto que eles e gemiam
pela Wall Street e
também gemia a balsa de Staten
Island
que caíram em prantos em
brancos ginásios desportivos,
nus e trêmulos diante da
maquinaria de outros esqueletos,
que morderam policiais no
pescoço e berraram de
prazer nos carros de presos
por não terem cometido
outro crime a não ser sua
transação pederástica e tóxica,
que uivaram de joelhos no
metrô e foram arrancados do
telhado sacudindo genitais e
manuscritos,
que se deixaram foder no rabo
por motociclistas
santificados e berraram de
prazer,
que enrabaram e foram
enrabados por esses serafins
humanos, os marinheiros,
carícias de amor
atlântico e caribeano,
que transaram pela manhã e ao
cair da tarde em
roseirais, na grama de jardins
públicos e cemitérios,
espalhando livremente seu
sêmen para
quem quisesse vir,
que soluçaram
interminavelmente tentando gargalhar
mas acabaram choramingando
atrás de um tabique
de banho turco onde o anjo
loiro e nu veio
trespassá-los com sua espada,
que perderam seus garotos
amados para as três
megeras do destino, a megera
caolha do dólar heterossexual, megera caolha que pisca de
dentro do ventre e a megera
caolha que só sabe
sentar sobre sua bunda
retalhando os dourados
fios intelectuais do tear do
artesão,
que copularam em êxtase
insaciável com um garrafa
de cerveja, uma namorada, um
maço de cigarros, uma
vela, e caíram na cama e
continuaram
pelo assoalho e pelo corredor
e terminaram
desmaiando contra a parede com
uma visão da
boceta final e acabaram
sufocando o derradeiro lampejo da
consciência,
que adoçaram as trepadas de um
milhão de garotas
trêmulas ao anoitecer,
acordaram de olhos vermelhos
no dia seguinte mesmo assim
prontos
para adoçar trepadas na
aurora, bundas luminosas
nos celeiros e nus no lago,
que foram transar em Colorado
num miríade de
carros roubados à noite, N.C.,
herói secreto destes
poemas, garanhão e Adônis de
Denver – prazer
ao lembrar suas incontáveis
trepadas com garotas
em terrenos baldios &
pátios dos fundos de
restaurantes de beira de
estrada, raquíticas fileiras
de poltronas de cinema, picos
de montanha
cavernas com esquálidas
garçonetes no
familiar levantar de saias
solitário à beira da
estrada & especialmente
secretos solipsismos de
mictórios de postos de
gasolina & becos da cidade
natal também,
que se apagaram em longos
filmes sórdidos, foram
transportados em sonho,
acordaram num
Manhattan súbito e conseguiram
voltar com uma
Impiedosa ressaca de adegas de
Tokay e horror
Dos sonhos de ferro da
Terceira Avenida &
Cambalearam até as agências de
desemprego,
Que caminharam a noite toda
com os sapatos cheios
De sangue pelo cais coberto
por montões de
Neve, esperando que uma porta
se abrisse no
East River dando para um
quarto cheio de vapor e ópio,
Que criaram grandes dramas
suicidas nos penhascos
De apartamentos do Huston à
luz azul de holoforte
Antiaéreo da luta & suas
cabeças receberão
Coroas de louro no
esquecimento,
Que comeram o ensopado de cordeiro
da imaginação
Ou digeriram o caranguejo do
fundo lodoso dos
Rios de Bovery,
Que choraram diante do romance
das ruas com seus
Carrinhos de mão cheios de
cebola e péssima música,
Que ficaram sentados em
caixotes respirando a
escuridão sob a ponte e
ergueram-se para construir
clavicórdios em seus sótãos,
que tossiram num sexto andar
do Harlem coroando de
chamas sob um céu tuberculoso
rodeados pelos
caixotes de laranja da
teologia,
que rabiscaram a noite toda
deitando e rolando sobre
invocações sublimes que ao
amanhecer amarelado
revelaram-se versos
de tagarelice sem sentido,
que cozinharam animais
apodrecidos, pulmão coração
pé rabo borsht & tortilhas
sonhando com
o puro reino vegetal,
que se atiraram sob caminhões
de carne
em busca de um ovo,
que jogaram seus relógios do
telhado fazendo seu
lance de aposta pela
Eternidade fora do Tempo
& despertadores caíram em
suas cabeças por
Todos os dias da década
seguinte,
Que cortaram seus pulsos sem
resultado três vezes
Seguidas, desistiram e foram
obrigados a abrir
Lojas de antiguidades onde
acharam que estavam
Ficando velhos e choraram,
Que foram queimados vivos em
seus inocentes
ternos de flanela em Madison
Avenue no meio das
rajadas de versos de chumbo
& o estrondo contido
dos batalhões de ferro da moda
& os guinchos
de nitroglicerina das bichas
da propaganda &
o gás mostarda de sinistros
editores inteligentes
ou foram atropelados pelos
taxis bêbados
da Realidade Absoluta,
que se jogaram da ponte de
Brooklyn, isso realmente
aconteceu, e partiram
esquecidos e desconhecidos
para dentro da espectral
confusão das ruelas
de sopa & carros de
bombeiros de Chinatown,
nem uma cerveja de graça,
que cantaram desesperados nas
janelas, jogaram-se
da janela do metrô saltaram no
imundo rio
Paissac, pularam nos braços
dos negros, choraram
Pela rua afora, dançaram sobre
garrafas
Quebradas de vinho descalços
arrebentando
Nostálgicos discos de jazz
europeu dos anos 30
Na Alemanha, terminaram o
whisky e vomitaram
Gemendo no toalete sangrento,
lamentações nos
Ouvidos e o sopro de colossais
apitos a vapor,
Que mandaram brasa pelas
rodovias do passado
Viajando pela solidão da
vigília da cadeia de
Gólgota de carro envenenado de
cada um ou então
A encarnação do Jazz de Birmingham,
Que guiaram atravessando o
país durante setenta e duas
Horas para saber se eu tinha
tido uma visão ao se ele tinha
Tido uma visão para descobrir
a Eternidade,
Que viajaram para Denver, que
morreram em Denver,
Que retornaram a Denver &
esperaram em vão,
Que espreitaram Denver &
ficaram parados pensando
& solitários em Denver e
finalmente partiram
para descobrir o Tempo &
agora Denver está
saudosa de seus heróis,
que caíram de joelhos em
catedrais sem esperança
rezando por sua salvação e luz
e peito até que a
alma iluminasse seu cabelo por
um segundo,
que se arrebentassem nas suas
mentes na prisão
aguardando impossíveis
criminosos de cabeça
dourada e o encanto da
realidade em seus corações
que entoavam suaves blues de
Alcatraz,
que se recolheram ao México
para cultivar um
vício ou às Montanhas Rochosas
para o suave
Buda ou Tânger para os garotos
do Pacífico Sul
para a locomotiva negra ou
Havard para Narciso
para o cemitério de Woodlaw
para a coroa
de flores para o túmulo,
que exigiram exames de sanidade
mental acusando
o rádio de hipnotismo &
foram deixados com sua
loucura & e mãos & um
júri suspeito,
que jogaram salada de batata
em conferencistas da
Universidade de Nova Iorque
sobre Dadaísmo
e em seguida se apresentaram
nos degraus de
granito do manicômio com
cabeças raspadas e [
fala de arlequim dobre
suicídio, exigindo
lobotomia imediata,
e que em lugar disso receberam
o vazio concreto da
insulina metrazol choque
elétrico hidroterapia
psicoterapia terapia
ocupacional pingue-pongue
& amnésia,
Que num protesto sem humor
viraram apenas uma
Mesa simbólica de
pingue-pongue mergulhando
logo a seguir na catatonia,
Voltando anos depois,
realmente calvos exceto por
Uma peruca de sangue e
lágrimas e dedos
Para a visível condenação de
louco nas celas da
Cidades-manicômio do Leste,
Pilgrim State, Rockland,
Greystone, seus corredores
Fétidos, brigando com os ecos
da alma, agitando-se
E rolando e balançando no
banco de solidão à
Meia-noite dos domínios de
mausoléu
Druídico do amor, o sonho da
vida um
pesadelo , corpos
transformados em pedras
tão pesadas quanto a lua,
com a mãe finalmente ***** e o
último livro
fantástico atirado pela janela
do cortiço e a última
porta fechada às 4 da
madrugada e o último
telefone arremessado contra a
parede em
resposta e o último quarto
mobiliado esvaziado até
a última peça de mobília
mental, uma rosa de papel
amarelo retorcida num cabide
de arame do armário
e até mesmo isso imaginário,
nada mais
que um bocadinho esperançoso
de alucinação –
ah, Carl, enquanto você não estiver
a salvo eu não
estarei a salvo e agora você
está inteiramente
mergulhado no caldo animal
total do tempo –
e que por isso correram pelas
ruas geladas obcecadas
por um súbito clarão da
alquimia do uso da elipse
do catálogo do metro inviável
& do plano vibratório,
que sonharam e abriram brechas
encarnadas no
Tempo & Espaço através de
imagens justapostas
E capturaram o arcanjo da alma
entre 2 imagens
Visuais e reuniram os verbos
elementares e
Juntaram o substantivo e o
choque da consciência
Saltando numa sensação de
Pater Omnipotens
Aeterne Deus,
Para recriar a sintaxe e a
medida da pobre prosa
Humana e ficaram parados à sua
frente, mudos e
Inteligentes e trêmulos de
vergonha, rejeitados
Todavia expondo a alma para
conformar-se ao
Ritmo do pensamento em sua
cabeça nua e infinita,
O vagabundo louco e Beat
angelical no Tempo,
Desconhecido mas mesmo assim
deixando aqui
o que houver para ser dito no
tempo após a morte,
e se reergueram reencarnados
na roupagem
fantasmagórica do jazz no
espectro de trompa
dourada da banda musical e
fizeram soar o
sofrimento da mente nua da
América pelo
amor num grito de saxofone de
eli eli lama lama
sabactani que fez com que as
cidades tremessem
até seu último rádio,
com o coração absoluto do
poema da vida arrancado
de seus corpos bom para comer
por mais mil anos
II
Que esfinge de cimento e
alumínio arrombou seus
Crânios e devorou seus
cérebros e imaginação?
Moloch! Solidão! Sujeira!
Fealdade! Latas de
Lixo o dólares intangíveis!
Crianças berrando
sob as escadarias! Garotos
soluçando nos
exércitos! Velhos chorando nos
parques!
Moloch! Moloch! Pesadelo de
Moloch! Moloch o
mal-amado! Moloch mental!
Moloch o pesado
juiz dos homens!
Moloch a incompreensível
prisão! Moloch o
Presidio desalmado de tíbias
cruzadas e o Congresso
Dos Sofrimentos! Moloch cujos
prédios são
Julgamento! Moloch a vasta
pedra da guerra!
Moloch os governos atônitos!
Moloch
Cuja mente é pura maquinaria!
Moloch cujo
Sangue é dinheiro corrente!
Moloch cujos
Dedos são dez exércitos!
Moloch cujo peito é
Um dínamo canibal! Moloch cujo
ouvido é
Um túmulo fumegante!
Moloch cujos olhos são mil
janelas cegas! Moloch
Cujos arranha-céus jazem ao
longo de ruas como
Infinitos Jeovás! Moloch cujas
fábricas sonham
E grasnam na neblina! Moloch
cujas colunas de fumaça
E antenas coroam as cidades!
Moloch cujo amor é
interminável óleo e pedra!
Moloch cuja alma é
eletricidade e bancos!
Moloch cuja pobreza é o
espectro do gênio!
Moloch cujo destino é uma
nuvem de hidrogênio
Sem sexo! Moloch cujo nome é a
Mente!
Moloch em que permaneço
solitário! Moloch em
Que sonho com anjos! Louco em
Moloch!
Chupador de caralhos em
Moloch! Mal-amado
E sem homens em Moloch!
Moloch que penetrou cedo na
minha alma! Moloch
Em quem sou uma consciência
sem corpo!
Moloch que me afugentou do meu
êxtase natural!
Moloch a quem abandono!
Despertar em Moloch!
Luz escorrendo do céu!
Moloch! Moloch! Apartamentos
de robôs! Subúrbios
Invisíveis! Tesouros de
esqueletos! Capitais cegas!
Indústrias demoníacas! Nações
espectrais! Invencíveis hospícios! Caralhos de granito! Bombas monstruosas!
Eles quebraram suas costas
erguendo Moloch ao Céu!
Calçamento, arvores, rádios,
toneladas! Levantando
A cidade ao Céu que existe e
está em todo lugar
ao nosso redor!
Visões! Professias!
Alucinações! Milagres! Êxtases!
Descendo pela correnteza do
rio americano!
Sonhos! Adorações!
Iluminações! Religiões! O
Carregamento todo em bosta
sensitiva!
Desabamentos! Sobre o rio!
Saltos e crucificações!
Descendo a correnteza!
Ligados! Epifanias!
Desesperos! Dez anos de gritos
animais e suicídios!
Mentes! Amores novos! Geração
louca! Jogados
Nos rochedos do Tempo!
Verdadeiro riso no santo rio!
Eles viram tudo! O olhar
selvagem! Os berros sagrados!
Eles deram adeus!
Pularam do telhado! Rumo à
solidão! Acenando! Levando
flores! Rio abaixo! Rua acima!
III
Cal Solomon! Eu estou com você
em Rockland
onde você está mais louco do
que eu
Eu estou com você em Rockland
onde você deve sentir-se muito
estranho
Eu estou com você em Rockland
onde você imita a sombra da
minha mãe
Eu estou com você em Rockland
onde você assassinou suas doze
secretárias
Eu estou com você em Rockland
onde você ri desse humor
invisível
Eu estou com você em Rockland
onde somos grandes escritores
na mesma
abominável máquina de escrever
Eu estou com você em Rockland
onde seu estado se tornou
muito grave e é
noticiado pelo rádio
eu estou com você em Rockland
onde as faculdades do crânio
não agüentam
mais os vermes dos sentidos
Eu estou com você em Rockland
onde você bebe o chá dos seios
das solteironas
de Utica
eu estou com você em Rockland
onde você bolina os corpos das
suas
enfermeiras as harpias do
bronx
Eu estou com você em Rockland
onde você grita de dentro de
uma camisa de
força que está perdendo o
verdadeiro jogo
de pingue-pongue do abismo
Eu estou com você em Rockland
onde você martela o piano
catatônico a alma
é inocente e imortal e nunca
poderia morrer
impiamente num hospício
armado,
Eu estou com você em Rockland
onde com mais de cinqüenta
eletrochoques
sua alma nunca mais retornará
a seu corpo de
volta de sua peregrinação rumo
a uma cruz
no vazio
Eu estou com você em Rockland
onde você acusa seus médicos
de loucura e
prepara a revolução socialista
hebraica contra
o Gólgota nacional e fascista
Eu estou com você em Rockland
onde você rasga os céus de
Long Island e faz
surgir seu Jesus vivo e humano
do túmulo
sobre-humano
Eu estou com você em Rockland
onde há mais de vinte e cinco
mil camaradas
loucos todos juntos cantando
os versos finais da
Internacional
Eu estou com você em Rockland
onde abraçamos e beijamos os
Estados Unidos
sob nossas cobertas Estados
Unidos que
Tossem a noite toda e não nos
deixam dormir
Eu estou com você em Rockland
onde despertamos eletrocutados
do coma pelos
nossos próprios aeroplanos da
mente roncando
Sobre o telhado eles vieram
jogar bombas
angelicais o hospital
ilumina-se paredes imaginárias
desabam Ó legiões esqueléticas
correi para fora
Ò choque de misericórdia
salpicado de estrelas
a guerra eterna chegou Ó
vitória esquece tua roupa
de baixo estamos livres
Eu estou com você em Rockland
nos meus sonhos você caminha
gotejante de volta
de uma viagem marítima pela
grande rodovia que
atravessa a América em
lágrimas até a porta do
meu chalé dentro da Noite
Ocidental.
SUTRA DO GIRASSOL
Caminhei pela beira do cais de bananas e latarias e me sentei à sombra
enorme de uma locomotiva da Southern Pacific para olhar o sol que se punha
entre as colinas de casas como caixotes e chorar.
Jack Kerouac sentou-se a meu lado sobre um poste de ferro quebrado e
enferrujado, companheiro, pensávamos os mesmos pensamentos da alma, chapados e
de olhos tristes, cercados pelas retorcidas raízes de aço das árvores da
maquinaria,
A água oleosa do rio refletia o rubro céu, o sol naufragava nos cumes
dos últimos morros de Frisco, nenhum peixe nessas águas, nenhum ermitão
nessas montanhas, só nós dois com nossos olhos embaçados e ressaca de velhos
vagabundos à beira-rio, malandros cansados.
Olha o Girassol, disse ele, lá estava a sombra cinzenta e morta contra o
céu, do tamanho de um homem, encostada ressecada no topo do montão de serragem
velha–
– Ergui-me encantado – meu primeiro girassol, recordações de Blake –
minhas visões – Harlem
e infernos dos rios do Leste, pontes com o clangor dos Sanduíches
Gordurosos de Joe, carrinhos de bebês mortos, negros pneus carecas
largados lá, o poema do cais à beira-rio, preservativos & penicos, facas
nada inoxidáveis de aço, só o lixo úmido e os artefatos de afiados gumes
passando para o passado –
e o Girassol cinzento reclinado contra o crepúsculo, desoladamente
rachado e ressecado pela fuligem e a fumaça e o pó de velhas locomotivas em seu
olho –
corola de turvas pontas retorcidas e partidas como uma coroa
arrebentada, sementes roladas do seu rosto, boca em breve desdentada ao ar
ensolarado, raios de sol se apagando na cabeça cabeluda como uma teia de fios
secos,
folhas tesas como ramos presos ao tronco, gesto enraizado na serragem,
pedaços de estuque caídos dos negros galhos, mosca morta na orelha,
Ímpia coisa velha destroçada, você, meu girassol, Ó minha alma, como
então te amei!
A fuligem não era uma fuligem humana porém morte e locomotivas humanas,
toda essa roupagem de pó, esse véu de pele escurecida da estrada, essa
fumaça da face, essa pálpebra de negra miséria, essa fuliginosa mão ou falo ou
protuberância de algo artificial pior que a própria sujeira – industrial –
moderna – toda a civilização maculando sua louca coroa dourada –
e todos esses torvos pensamentos de morte e olhos empoeirados do desamor
e tocos e raízes retorcidas embaixo, dentro do seu montão de areia e serragem,
notas falsas de borracha de dólar, pele de maquinaria, as entranhas e vísceras
do carro que tosse e chora, as latas vazias e abandonadas com suas enferrujadas
línguas de fora, o que mais poderia eu nomear, a cinza queimada de algum
cigarro do caralho, bocetas dos carrinhos e os túrgidos seios dos carros,
bundas gastas dos bancos e esfíncteres dos dínamos – todo esse
emaranhado nas suas raízes mumificadas – e você aí postado a minha
frente ao sol poente, toda a sua glória em sua forma!
Beleza perfeita de um girassol! excelente existência perfeita de um
adorável girassol! doce olho natural voltado para a lua nova “hip”, desperto
vivaz e excitado respirando a dourada brisa da luz do sol poente!
Quantas moscas zumbiram a seu redor ignorando sua fuligem, enquanto você
amaldiçoava os céus da ferrovia em sua alma em flor?
Pobre flor morta? Quando foi que você esqueceu que era uma flor? quando
foi que você olhou para sua pele e resolveu que era uma suja e impotente
locomotiva velha? o espectro da locomotiva? a sombra e vulto de uma outrora
poderosa locomotiva americana louca?
Você nunca foi uma locomotiva, Girassol, você é um girassol!
E você, Locomotiva, você é uma locomotiva, não se esqueça!
E assim agarrei o duro esqueleto do girassol e o finquei a meu lado como
um cetro,
e faço meu sermão para minha alma, e também para a alma de Jack e para
quem mais quiser me escutar.
– Nós não somos nossa pele de sujeira, nós não somos nossa horrorosa
locomotiva sem imagem empoeirada e arrebentada, por dentro somos todos
girassóis maravilhosos, nós somos abençoados por nosso próprio sêmen &
dourados corpos peludos e nus da realização crescendo dentro dos loucos
girassóis negros e formais ao pôr do sol, espreitados por nossos olhos à sombra
da louca locomotiva do cais na visão do poente de latadas e colinas de Frisco
sentados ao anoitecer.
POEMA DE AMOR SOBRE TEMA DE WHITMAN
Entrarei silencioso no quarto de dormir e me deitarei entre noivo e
noiva,
esses corpos caídos do céu esperando nus em sobressalto,
braços pousados sobre os olhos na escuridão,
afundarei minha cara em seus ombros e seios, respirarei sua pele
e acariciarei e beijarei a nuca e a boca e abrirei e mostrarei seu
traseiro,
pernas erguidas e dobradas para receber, caralho atormentado na
escuridão, atacando
levantado do buraco até a cabeça pulsante,
corpos entrelaçados nus e trêmulos, coxas quentes e nádegas enfiadas uma
na outra
e os olhos, olhos cintilando encantadores, abrindo-se em olhares e
abandono,
e os gemidos do movimentos, vozes, mãos no ar, mãos entre as coxas,
mãos na umidade de macios quadris, palpitante contração de ventres
até que o branco venha jorrar no turbilhão dos lençois
e a noiva grite pedindo perdão e o noivo se cubra de lágrimas de paixão
e compaixão
e eu me erga da cama saciado de últimos gestos íntimos e beijos de adeus
–
tudo isso antes que a mente desperte, atrás das cortinas e portas
fechadas da casa escurecida
cujos habitantes perambulam insatisfeitos pela noite, fantasmas desnudos
buscando-se no silêncio.
UM
SUPERMERCADO NA CALIFÓRNIA
Como
estive pensando em você esta noite, Walt Whitman,
enquanto
caminhava pelas ruas sob as arvores, com dor de cabeça, autoconsciente, olhando
a lua cheia.
No meu
cansaço faminto, fazendo o Shopping das imagens, entrei no supermercado
das frutas de néon sonhando com tuas enumerações !
Que
pêssegos e que penumbras ! Famílias inteiras fazendo
suas
compras a noite ! Corredores cheios de maridos ! Esposas entre os
abacates, bebês nos tomates ! - e você, Garcia Lorca, o que fazia lá, no meio
das melancias ?
Eu o vi
WW, s/ filhos, velho vagabundo solitário, remexendo nas carnes do refrigerador
e lançando olhares para os garotos da mercearia.
Ouvi-o
fazer perguntas a cada um deles; Quem matou as
costeletas
de porco ? Qual o preço das bananas ? Será você meu Anjo ?
Caminhei
entre as brilhantes pilhas de latarias, seguindo-o
e sendo
seguido na minha imaginação pelo detetive da loja. Perambulamos juntos pelos
amplos corredores com nosso passo solitário, provando alcachofras,
pegando cada um dos petiscos gelados e nunca passando pelo caixa.
Aonde
vamos, WW ? As portas fecharão em uma
hora.
Para quais caminhos aponta tua barba esta noite ?
( Toco
teu livro e sonho com nossa odisseia no supermercado e sinto-me absurdo.)
Caminharemos
a noite toda por solitárias ruas ? As árvores somam sombras às sombras, luzes
apagam-se nas casas, ficaremos ambos sós.
Vaguearemos
sonhando com a América perdida do amor,
passando
pelos automóveis azuis nas vias expressas, voltando para nosso silencioso chalé
?
Ah, pai
querido, barba grisalha, velho e solitário professor de coragem, qual América
era a sua quando Caronte parou de impelir sua balsa e Você na margem nevoenta,
olhando a barca desaparecer nas negras águas do Letes ?
REFERÊNCIA
GINSBERG, Allen. Uivo, Kadish e outros
poemas. L&PM, 1984. Tradução de Cláudio Willer. Veja mais aqui, aqui e aqui.
Veja mais sobre:
Quadrilha das paixões mais intensas, Vaqueiros & cantadores de Luís da
Câmara Cascudo, Terra de Caruaru de José Condé, A setilha do cantador Serrador, a música da Orquestra Armorial, O casamento
da Maria Feia de Rutinaldo Miranda Batista, a xilogravura de J. Miguel &
Costa Leite, as gravuras de Roberto Burle Marx, a arte de Vermelho &
Severino Borges aqui.
E mais:
Viva São João, Quadrilha & Nordeste de Ascenso
Ferreira, a música de Luis Gonzaga, Tratada da lavação da burra de Ângelo
Monteiro, Terra de Caruaru de José Condé, Viva São João de Artur Azevedo, Noite
de São João de Sérgio Silva & Dira Paz, a gravura de José Barbosa, Brincarte
de Nitolino, a pintura de Rosangela Borges & Valquíria Barros aqui.
Vamos aprumar a conversa, Augusto Matraga de João Guimarães Rosa,
Princípios de uma nova ciência de Giambattista Vico, Canto do último encontro
de Anna Akhmátova, a música de Rozana Lanzelotte, Devassos no paraíso de João
Silvério Trevisan, a arte de Dercy Gonçalves, o cinema de Roberto Santos, o
documentário Moacir arte bruta de Walter Carvalho, a pintura de Eliseo d'Angelo
& Vilmar Lopes aqui.
O que são as coincidências & outros
ditos inauditos,
Haverá amor de Anna Akhmatova, Cântico dos cânticos de Salomâo, a música de
Carl Reinecke, Chico Buarque & Elza Soares, a arte de Naldinho Freire aqui.
O catecismo de Zéfiro
& o rol da paixão
aqui.
História & literatura do teatro aqui.
Vamos aprumar a conversa, Divina comédia de Dante Alighieri,
Ensaios de Ralf Waldo Emerson, Macunaíma de Mário de Andrade, a música de Mikko
Härki, o teatro de Luigi Pirandello, História de O de Guido Crepax & a
pintura de Mark Gertler aqui.
Pensando o ritual de Mario Perniola,
Entre nós de Emmanuel Lévinas, Teatro em tempo de síntese de Maria Helena
Kühner, a música de Sivuca, o cinema de Wolf Maia & Maria Clara Gueiros, a
pintura de Emanuel Leutze, a fotografia de Dorothea Lange, Livro das
incandescências de Jaci Bezerra & Programa Tataritaritatá aqui.
Brincarte do Nitolino, Parque humano de Peter Sloterdijk,
Viagem ao fim da noite de Ferdinand Céline, a pintura de Georges Rouault, a
música de Ivete Sangalo, Aprendizagem do autor de Antonio Januzelli – Janô, o
cinema de Mark Robson & Barbara Parkins, arte de Sharon Tate & Isadora
Duncan aqui.
E lá vou eu noutras voltas, Variações sobre o corpo de Michel
Serres, Tarde demais de Antonio Tabucchi, A jangada de Ulisses de Vianna Moog,
a música de Mundo Livre S/A, a fotografia de Raoul Hausmann,
a pintura de Aja-ann Trier & a arte de Matthew
Guarnaccia aqui.
As mulheres mandam ver nas olimpíadas & a arte de Hubert B. W. Ru aqui.
A festa das olimpíadas do Big Shit Bôbras
– o Big Bode do Brasil,
Sonhos e pesadelos da razão de Oswaldo Giacoia Junior, Gasolina & Lady
Vestal de Gregory Corso, Intelectuais à brasileira de Sergio Miceli, a música
de Wanda Sá, a pintura de Augusta Stylianou & Nancy L Jolicoeur, a arte de
Banksy & Natalia Gal Stabile aqui.
O sonho do amor, As bodas de Fígaro de Beaumarchais, a
Psicologia de Afonso Lisboa da Fonseca, a música de Ana Cascardo, a pintura de
Sandra Hiromoto, Luciah Lopez, a arte de Ana Viera Pereira & Ana Maia Nobre
aqui.
&
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na
Terra:
Recital
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