segunda-feira, maio 25, 2015

DANTE, EMERSON, MÁRIO DE ANDRADE, PIRANDELLO, CREPAX, HÄRKIN & GERTLER.


VAMOS APRUMAR A CONVERSA? – Hoje é Dia da Costureira! Salve, salve, todas as costureiras do planeta! Também é o Dia Mundial dos Vizinhos! Salve, salve, todos os vizinhos. Ah, é hoje o Dia Nacional da Adoção por força da Lei 10447/2002 (o que no meio de tantas leis é mais uma para tema tão importante!). E, por fim, é Dia do Trabalhador Rural (será que aí se incluem fazendeiros, parceleiros, rendeiros, agricultores ou somente os andorinhas?). Cá pra nós: para mim todo dia é dia de comemorar a vida, todas as profissões e tudo que a gente imagine crer. Ou a comemoração em um dia para cada coisa significativa que o resto do ano seja só pé goela e língua de fora? Sei não, cada dia vejo mais o completo desrespeito reinando entre os seres humanos. Vamos aprumar a conversa: por isso me mantenho entoando a minha Crença pelo direito de viver e deixar viver. E aprume aqui.

Imagem: Study of a Female Nude, do pintor britânico Mark Gertler (1891-1939)

Curtindo Symfonia, In Paradisum (2011), do tecladista finlandês Mikko Härkin.

DIVINA COMÉDIA – A obra Divina Comédia (1321- Ateneu, 2011), é a obra prima do poeta e político italiano Dante Alighieri (1265-1321), é um poema narrativo com trinta e três cantos cada uma das três partes que passam pelo Inferno, Purgatório e Paraiso, rigorosamente simétrico narrando a odisseia guiada por Virgilio e pela musa Beatriz. Da obra destaco o trecho Paraíso que é dividido em duas partes, sendo uma material e a outra espiritual, com os seguintes fragmentos: Canto I: Pois, ao excelso desejo se acercando, / A mente humana se aprofunda tanto / Que a memória se esvai, lembrar tentando. Canto V: Se má cobiça o peito vos vicia, / Homens sede, e não brutos animais. / Que entre vós o judeu de vós não ria. Canto XIV: Quem sempre reina, é uno, é duplo, é trino, / Em três, em dois, em um sempre perdura, / Não abrangido — e tudo abrange — em hino. Canto XIX: Nossa vista, de alcance tão finito, / Posto seja um dos raios dessa Mente, / Que as cousas todas enche no infinito... Canto XXX: Ao centro áureo da Rosa sempiterna, / Que em degraus dilatada recendia / Louvor ao Sol da Primavera Eterna. / Canto XXXIII: Muitos desejam a Salvação; / mas não largam mão da orgia / e nem da 'surubalização'. / Muitos rogam pela Salvação; / mas, de mais-valia em mais-valia, / ensurdecem para a Voz do Coração. / Muitos pensam que a Salvação / é uma espécie de aposentadoria / que os livrará da infernalização. / Ó tolos: não há Salvação! / Não pode ser substituída a Via / Que obriga que se aprenda a lição. Veja mais aqui e aqui.

ENSAIOS – Na obra Ensaios (Imago, 1994), do escritor e filósofo estadunidense Ralf Waldo Emerson (1803-1882), recolhi algumas das suas célebres frases: Deus constrói o seu templo no nosso coração sobre as ruínas das igrejas e das religiões. A sabedoria consiste em compreender que o tempo dedicado ao trabalho nunca é perdido. A liberdade é um fato de experiência que não pode ser negado. Não se trata contudo de uma liberdade absoluta. Como tudo o que diz respeito so homem, ela é limitada e parcial. A literatura é o esforço do homem para se indenizar pelas imperfeições da sua condição. A natureza e os livros pertencem aos olhos que os vêem. A natureza está constantemente a misturar-se com a arte. A maior das homenagens que podemos prestar à verdade é utilizá-la. A glória da amizade não é a mão estendida,nem o sorriso carinhoso,nem mesmo a delicia da companhia. É a inspiração espiritual que vem quando você descobre que alguém acredita e confia em você. Um amigo é a obra-prima da natureza. A única maneira de ter um amigo é sendo um. Habilidade só se ganha fazendo. Faça aquilo que você mais teme. A verdade sem dúvidas é linda; assim como as mentiras. Deviam parar com a demagogia sobre as massas. As massas são rudes, sem preparação, ignorantes, perniciosas em suas reivindicações e influências. Não precisam de lisonjas mas de instrução. Insiste em ti mesmo: nunca imites. Nada se obtém sem esforço; tudo se pode conseguir com ele. Nunca é cedo para uma gentileza, porque nunca se sabe quando poderá ser tarde demais. O homem é livre, enquanto pode pensar. Os homens são o que as mães fazem deles. Rir muito e com freqüência; ganhar o respeito de pessoas inteligentes e o afeto das crianças; merecer a consideração de críticos honestos e suportar a traição de falsos amigos; apreciar a beleza, encontrar o melhor nos outros; deixar o mundo um pouco melhor, seja por uma saudável criança, um canteiro de jardim ou uma redimida condição social; saber que ao menos uma vida respirou mais fácil porque você viveu. Isso é ter tido sucesso. Veja mais aqui , aqui e aqui.

SEIS PERSONAGENS À PROCURA DE UM AUTOR – A comédia Seis personagens à procura de um autor (1921), do dramaturgo e escritor siciliano Luigi Pirandello (1867-1936), relata um ensaio de teatro que é invadido por seis persongens que, rejeitadas por seu criador, tentam convencer o diretor da companhia a encenar suas vidas. Destaco o trecho inicial da peça teatral: [...] Apagada a platéia, vê-se o Maquinista entrar pela porta do palco, de macacão azul e com o saco de ferramentas à cintura. Apanha alguns sarrafos, num canto do fundo, levando-os para a baixa e pondo-se a pregá-los, ajoelhado no chão. Ao barulho das marteladas, entra, apressado, pela porta dos camarins, o Assistente de direção. O ASSISTENTE Eh, você aí , que está fazendo?... O MAQUINISTA Martelando. O ASSISTENTE A esta hora? (Olha o relógio) Já são dez e meia. Daqui a pouco chega o Diretor para o ensaio. O MAQUINISTA Mas eu também preciso de tempo para trabalhar. O ASSISTENTE Você vai ter, mas não agora. O MAQUINISTA Quando?... O ASSISTENTE Quando não for mais hora de ensaio. Vamos, vamos, leve embora tudo isso, e deixe-me arrumar a cena para o segundo ato de A Cada Qual Seu Papel. O Maquinista, indignado, resmungando, pega os sarrafos e vai embora. Entretanto, começam a entrar os Atores da companhia, homens e mulheres, pela porta do palco; primeiro um, depois outro, mais dois, juntos, como quiserem; nove ou dez, quantos se supõe serem necessários para o ensaio da comédia. Entram, cumprimentam o Assistente e uns aos outros, dando-se bons dias. Alguns irão para os camarins, outros, entre os quais o Ponto, que tem o texto enrolado debaixo do braço, ficam no palco, à espera do Diretor, para começar o ensaio, sentados em grupos ou de pé, conversando entre si. Um acende um cigarro, outro se lamenta por causa do papel que lhe foi distribuído, um terceiro lê para os colegas, em voz alta, notícias de um jomalzinho teatral. Será conveniente que, tanto as Atrizes como os Atores, estejam vestidos com roupas claras e alegres, e que esta primeira cena improvisada tenha, na sua naturalidade, muita vida e movimento. Num dado instante, um dos Atores senta-se ao piano e toca um trecho da dança; os Atores e A trizes mais jovens começam a dançar. O ASSISTENTE (batendo palmas para chamá-los à ordem) Vamos, vamos, parem com isso. O Diretor vem aí! O piano e a dança param repentinamente. Os Atores ficam a olhar para a platéia, por cuja porta entra o Diretor que, de chapéu coco na cabeça, bengala debaixo do braço e um charutão na boca, desce pelo corredor entre as poltronas, cumprimentado pêlos Atores, sobe ao palco por uma das escadinhas. O Secretário entrega-lhe a correspondência: alguns jornais, um texto enfaixado). O DIRETOR Cartas?... O SECRETÁRIO Nenhuma. Toda a correspondência está aí. O DIRETOR (entregando-lhe o texto enfaixado) Ponha-o no meu camarim. (Olhando em volta e dirigindo-se ao Assistente) Oh! Não se vê nada. Por favor, mande acender um pouco de luz. O ASSISTENTE Pois não. O Assistente sai para dar a ordem. Pouco depois o palco se iluminará, em todo o lado direito, onde estão os Atores, com uma viva luz branca. Entretanto, o Ponto entrou na sua abertura, acendeu a lampadazinha e abriu o texto diante de si. O DIRETOR (batendo palmas) Vamos, vamos, comecemos. (Ao Assistente) Falta alguém?... O ASSISTENTE Falta a Primeira Atriz. O DIRETOR Como sempre! (Olha o relógio) Já estamos atrasados dez minutos! Faça o favor de pô-la na tabela, assim aprenderá a ser pontual nos ensaios. Mal acaba de falar, e, da porta do fundo da platéia, se ouve a voz da Primeira Atriz. PRIMEIRA ATRIZ Não, não, por favor! Estou aqui, estou aqui! (Vem toda vestida com um chapelâo petulante na cabeça e um cãozinho no braço. Desce correndo pelo corredor e sobe apressadíssima por uma das escadinhas). O DIRETOR A senhora jurou fazer-me esperar sempre!... PRIMEIRA ATRIZ Desculpe-me, procurei tanto um automóvel para chegar a tempo! Mas vejo que ainda não começaram, e eu não entro logo em cena. (Depois, chamando o Assistente pelo nome, entrega-lhe o cãozinho) Por favor, feche-o no meu camarim. O DIRETOR (resmungando) Ainda por cima o cãozinho! Como se fôssemos poucos, os quadrúpedes, aqui. (Bate de novo as mãos e dirige-seao Ponto) Vamos, vamos, o segundo ato de A Cada Qual o Seu Papel. (Sentando-se na poltrona) Atenção, senhores. Quem está em cena?... Os Atores e Atrizes saem da baixa do palco e vão sentar-se a um lado, exceto os três que iniciam o ensaio e a Primeira A triz, a qual, sem prestar atenção à pegunta do Diretor, foi sentar-se diante de uma das mesinhas. O DIRETOR (à Primeira Atriz) A senhora então está em cena? PRIMEIRA ATRIZ Eu? Não, senhor. O DIRETOR (aborrecido) Então saia dai, pelo amor de Deus! A Primeira Atriz levanta-se e vai sentar junto aos outros Atores que já se afastaram. [...]. Veja mais aqui e aqui.

MACUNAÍMA – O romance Macunaíma: o herói sem nenhum caráter (Martins, 1978), do escritor, critico literário, musicólogo e folclorista Mário de Andrade (1893-1945), conta a história de um índio que representa o povo brasileiro e sua atração pela cidade grande e pela máquina. Da obra destaco o trecho inicial: No fundo do mato-virgem nasceu Macunaíma, herói de nossa gente. Era preto retinto e filho do medo da noite. Houve um momento em que o silêncio foi tão grande escutando o murmurejo do Uraricoera, que a índia, tapanhumas pariu uma criança feia. Essa criança é que chamaram de Macunaíma. Já na meninice fez coisas de sarapantar. De primeiro: passou mais de seis anos não falando. Sio incitavam a falar exclamava: If — Ai! que preguiça!. . . e não dizia mais nada."] Ficava no canto da maloca,  trepado no jirau de paxiúba, espiando o trabalho dos outros e principalmente os dois manos que tinha, Maanape já velhinho e Jiguê na força de homem. O divertimento dele era decepar cabeça de saúva. Vivia deitado mas si punha os olhos em dinheiro, Macunaíma dandava pra ganhar vintém. E também espertava quando a família ia tomar banho no rio, todos juntos e nus. Passava o tempo do banho dando mergulho, e as mulheres soltavam gritos gozados por causa dos guaimuns diz-que habitando a água-doce por lá. No mucambo si alguma cunhatã se aproximava dele pra fazer festinha, Macunaíma punha a mão nas graças dela, cunhatã se afastava. Nos machos guspia na cara. Porém respeitava os velhos, e freqüentava com aplicação a murua a poracê o torê o bacorocô a cucuicogue, todas essas danças religiosas da tribo. Quando era pra dormir trepava no macuru pequeninho sempre se esquecendo de mijar. Como a rede da mãe estava por debaixo do berço, o herói mijava quente na velha, espantando os mosquitos bem. Então adormecia sonhando palavras-feias, imoralidades estrambólicas e dava patadas no ar. Nas conversas das mulheres no pino do dia o assunto eram sempre as peraltagens do herói. As mulheres se riam muito simpatizadas, falando que "espinho que pinica, de pequeno já traz ponta", e numa pagelança Rei Nagô fez um discurso e avisou que o herói era inteligente. [...] Em 1969, a obra foi adaptada para o cinema pelo cineasta Joaquim Pedro de Andrade (1932-1988), tornando-se ganhadora de diversos prêmios no Festival de Brasília (1969) e no Festival Internacional de Mar del Plata, Argentina (1970). Também a premiada cantora e compositora Iara Rennó, inpirada na obra lançou o cd Macunaó.peraí.matupi ou Macunaíma Ópera Tupi (2008). Veja mais aqui e aqui.

















IMAGEM DO DIA
 
Capa do livro História de “O” (1975 - L&PM, 2013), do artista, ilustrador e autor de história em quadrinhos italiano Guido Crepax (1933-2003)– baseado no romance de Pauline Réage.


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