Arte da
artista visual polaca Lidia Wylangowska.
LITERÓTICA: CONTAGEM REGRESSIVA – Dez.
Meus pés sabem de cor o caminho – para ela, ora. Pros seus tonéis, vambora! E
não escolhem, vão sozinhos. Seja revestrés, ou pelourinho. Tudo para ela!
Paixão, maior esparrela. Segura o rojão. Ah, não, ela é meu parque de diversão,
meu fascínio, ela é só domínio, dos pés à cabeça – se bem que eu mereça! Seu
corpo é o meu ninho, sua alma minha redenção. Seu jeito e carinho, tudo
coroação! Seus olhos me devem - Stairway to heaven – porque ela é minha escada.
E eu, a sacada Led Zeppelin, com as suas pegadas numa balada sem fim. Nove. Que
tudo se renove, até que ela me prove ao paladar. Sem bla bla blá! Com fome
medonha! Diz que comigo sonha, me quer por inteiro. Como sou cabreiro, faço a
minha parte! Ela me enche de arte e tudo se encaminha. E me come com farinha e
sem barganha. Eu feito rebatinha, ela sem-vergonha tal nave espacial, nada
igual se compara, ela é jóia rara, espetáculo fenomenal que mesmo vencida,
mesmo que passe batida, é tudo por ela: a janela da vida. Oito. Ela me encanta
como canta Adriana Calcanhoto. E me deixa afoito pro riba dela onde faço
viagens, colheitas, expedições. Onde sobrevivo das maleitas e faço dominações.
E na sua mimosa titela, todo seu talhe formoso. Já tô pra lá de fogoso quando
nua, uma mão na cintura, nossa! Santa criatura da lua! Outra mão ao peito,
coração. Tudo perfeito! É de fazer jura, oração, de sorver sem perfume, o seu
doce e azedume, eu, maior libação. Com furor até virar um tição a se embriagar
de amor. Sete. Pode chover canivete, dela não desgrudo. Posso até perder tudo,
dela não abro mão. Abro mesmo não, pode ser aventura: tudo com ela nas minhas
rotações, nas minhas translações, ela tudo pode, tudo cura nela. E me sacode,
me tira dos bodes, me dá remissão. É minha paixão, então, doidinha pra namorar,
só faz a me enfeitiçar de ficar com cara de tacho, sacudido pelo esculacho no
meio do escambau. Beleza total! Ela é meu bem, é meu mal, o meu cambalacho
amoral, minha perdição de curau. È minha adoração, reza do meu novenário, ela é
verdadeiro sacrário, minha maior salvação. Seis. Não conto nem até três! Sou o
seu D. Quixote, agarrado ao seu cangote de sonhada Dulcinéia, razão da minha
epopéia, motivo de todo galope. E dou-lhe certeiro meu golpe por todas as suas
tocas, pelas pororocas que desmantelam meridiano. Levo e trago sem dano e falo
em zoada no rito, como se fosse Cleópatra do Egito, ou rainha de Shangri-lá.
Pode ser até o boitatá, tudo pra ela, reitero. Todas mungangas tempero, pra
nela só me agarrar. Cinco. Abri todos os seus trincos. Nada mais resta. Vou
fazer sempre festa porque ela é toda surpresa. Nunca uma certeza, sempre uma
nova entidade pra minha felicidade porque só me chega impune, nuínha safada e
imune, só pra me provocar. Não vai adiantar, porque amolo meus dentes que cravo
de forma persistente até vê-la na passarela, gozando da maior quimera, até
escorregar na bica. Então passo-lhe a pica: é tudo nela. Quatro. Que fino
trato! Meu deus me acuda! Ela fica desnuda como uma vítima de guerra. Ela me
desemperra, me faz campeão. Deixa minada toda minha terra, para sair em cadeia
toda explosão. É quando meneia, sacode e demanda, tudo é desordem, tudo
desmanda, eu só no folguedo, feito caboclinho que perdeu o medo de ser
danadinho na sua plantação. Três. Eu sou seu freguês. Mesmo assim sou cortês até que ela desmanche, até que
minha reputação ela manche, eu volto outra vez. E mesmo que chegue até o fim do
mês com toda lengalenga, eu pego a minha estrovenga e resolvo o riscado. Dou
cabo no rachado e toda pendenga apaga o facho é quando ela se diz minha quenga
e que eu sou o seu macho. Dois. Não deixo pra depois, jeito maneira. Levanto a
bandeira e quero a vitória. Ela é minha glória, todo meu quinhão. Quando tudo
estupora, ela é solução. Pois a quero de inverno a verão, na boléia de um
caminhão, enquadrada num camburão ou perdida em qualquer hemisfério. Eu quero
seu jeito etéreo, sua manha e desdém. Até que não valha um vintém, pra mim é
bolada de loteria, ela é toda minha alegria, ah, danada! É meu céu de
primavera, minha história das eras, minha Hera desgraçada, meu pecado e
odisséia, toda minha prosopopéia é pra ela dedicada. Um. Cabum! Jam session!
On. Hum... bis! O tom feliz! Triz! Salva de palmas! Ela traz sua alma pra junto
da minha, eu um matuto de quartinha, fico mais leso dos olhos vidrados, de
juízo virado. Mesmo que me faça coitado, sou grato e satisfeito, porque só nela
tem jeito minha vida erradia, de levantar todo dia endividado com a graça dos
seus olhos alados. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS – [...]
A arte ajuda o homem a suportar um
destino implacável e absurdo, que nhuma filosofia explica satisfatoriamente. Ela
ilumina os abismos interiores, e neles desperta o que de mais puro escondem...
é perene, é e sempre foi, como Deus, que está e sempre esteve em tudo, porque
está em nós mesmos. [...] Pensamento extraído de Três conferências (MEC, 1955), do escritor, pintor, ensaísta,
crítico de arte e de literatura, sociólogo e tradutor Sérgio Milliet
(1898-1966). Veja mais aqui.
DE ARTE & DE MORTE, A VIDA - [...]
Convidado a jantar na casa de uma de suas melhores amigas do campo, ele
prefere, em vez de flores, levar um cassoulet – especialidade de seu
cozinheiro. Como o ensopado fora preparado numa panela de cobre, decidiu-se
preservá-lo ali mesmo e ela foi depositada, ainda quente, na parte traseira do automóvel.
Um cruzamento! Um motorista dá a partida; o motorista de Vollard freia
bruscamente; a panela metálica choca-se com a nuca do passageiro tão
violentamente que seu pescoço se quebra. Vollard morreu na hora. Dos riscos de
transportar cassoulets! [...]. Trecho do prefácio do romancista e historiador
de arte francês Maurice Rheims (1910-2003),
na obra Ouvindo Cézanne, Degas, Renoir
(Civilização Brasileira, 2000), do negociante de arte francês Ambroise Vollard (1866-1939).
O POÇO & O PÊNDULO – [...]
Minhas mãos estendidas encontraram,
afinal, um obstáculo sólido. Era uma parede que parecia de pedra, muito lisa,
úmida e fria. Segui junto a ela, caminhando com a cautelosa desconfiança que
certas narrações antigas me haviam inspirado. Porém, essa operação não me
proporcionava meio algum de averiguar as dimensões de meu calabouço; podia dar
a volta e tornar ao ponto de partida sem perceber exatamente o lugar em que me
encontrava, pois a parede me parecia perfeitamente uniforme. Por isso, procurei
um canivete que tinha num dos bolsos quando fui levado ao tribunal, mas havia desaparecido.
Minhas roupas tinham sido substituídas por uma vestimenta de sarja grosseira. A
fim de identificar o ponto de partida, pensara em enfiar a lâmina em alguma
minúscula fenda da parede. A dificuldade, apesar de tudo, não era insuperável, embora,
em meio à desordem de meus pensamentos, me parecesse, a princípio, uma coisa
insuperável. Rasguei uma tira da barra de minha roupa e coloquei-a ao comprido no
chão. formando um ângulo reto com a parede. Percorrendo as palpadelas o caminho
em torno de meu calabouço, ao terminar o circuito teria de encontrar o pedaço
de fazenda. Foi, pelo menos, o que pensei; mas não levara em conta as dimensões
do calabouço, nem a minha fraqueza. O chão era úmido e escorregadio.
Cambaleante, dei alguns passos, quando, de repente, tropecei e caí. Meu grande
cansaço fez com que permanecesse caído e, naquela posição, o sono não tardou em
apoderar-se de mim. Ao acordar e estender o braço, encontrei ao meu lado um
pedaço de pão e um púcaro com água. Estava demasiado exausto para pensar em
tais circunstâncias, e bebi e comi avidamente. Pouco depois, reiniciei minha
viagem em torno do calabouço e, com muito esforço, consegui chegar ao pedaço de
sarja. Até o momento em que caí, já havia contado cinqüenta e dois passos e, ao
recomeçar a andar até chegar ao pedaço de pano, mais quarenta e oito. Portanto,
havia ao todo cem passos e, supondo que dois deles fossem uma jarda, calculei
em cerca de cinqüenta jardas a circunferência de meu calabouço. No entanto,
deparara com numerosos ângulos na parede, e isso me impedia de conjeturar qual
a forma da caverna, pois não havia dúvida alguma de que se tratava de uma
caverna. Tais pesquisas não tinham objetivo algum e, certamente, eu não
alimentava nenhuma esperança; mas uma vaga curiosidade me levava a continuá-las.
Deixando a parede, resolvi atravessar a área de minha prisão. A princípio,
procedi com extrema cautela, pois o chão, embora aparentemente revestido de
material sólido, era traiçoeiro, devido ao limo. Por fim, ganhei coragem e não
hesitei em pisar com firmeza, procurando seguir uma linha tão reta quanto
possível. Avancei, dessa maneira, uns dez ou doze passos, quando o que restava
da barra de minhas vestes se emaranhou em minhas pernas. Pisei num pedaço da
fazenda e caí violentamente de bruços. Na confusão causada pela minha queda,
não reparei imediatamente numa circunstância um tanto surpreendente, a qual, no
entanto, decorridos alguns instantes, enquanto me encontrava ainda estirado, me
chamou a atenção. Era que o meu queixo estava apoiado sobre o chão da prisão,
mas os meus lábios e a parte superior de minha cabeça, embora me parecessem
colocados numa posição menos elevada do que o queixo, não tocavam em nada. Por
outro lado, minha testa parecia banhada por um vapor pegajoso, e um cheiro
característico de cogumelos em decomposição me chegou às narinas. Estendi o braço
para a frente e tive um estremecimento, ao verificar que caíra bem junto às
bordas de um poço circular cuja circunferência, naturalmente, não me era
possível verificar no momento. Apalpando os tijolos, pouco abaixo da boca do
poço, consegui deslocar um pequeno fragmento e deixei-o cair no abismo. Durante
alguns segundos, fiquei atento aos seus ruídos, enquanto, na queda, batia de encontro
às paredes do poço; por fim, ouvi um mergulho surdo na água, seguido de ecos
fortes. No mesmo momento, ouvi um som que se assemelhava a um abrir e fechar de
porta. acima de minha cabeça, enquanto um débil raio de luz irrompeu
subitamente através da escuridão e se extinguiu de pronto. Percebi claramente a
armadilha que me estava preparada, e congratulei-me comigo mesmo pelo oportuno
acidente que me fizera escapar de tal destino. Outro passo antes de minha
queda, e o mundo jamais me veria de novo. E a morte de que escapara por pouco
era daquelas que eu sempre considerara como fabulosas e frívolas nas narrações que
diziam respeito à Inquisição. Para as vítimas de sua tirania, havia a escolha
entre a morte com as suas angústias físicas imediatas e a morte com os seus
espantosos horrores morais. Eu estava destinado a esta última. [...] Estraído
da obra O poço e o pêndulo (Rideel,
2007), do poeta, editor e critico literário estadunidense Edgar Allan Poe (1809-1849). Veja mais aqui.
DOIS POEMAS - CRISÁLIDA
- os lábios dele / eram folhas de
amoreira / frescas e úmidas / eu me alimentava / do muito que ali havia / hábil,
ele sabia tecer uma seda / digna de uma imperatriz / distante ainda o casulo / houvesse
um estalo / e eu mariposa E FORAM FELIZES AGORA - me estreita / nos braços / auras
/ e expande / feliz como nunca / para sempre IGNEA - me faça magma / esculpe de
vez / essa estátua sem sal / plasme-a / lambe-a / não se preocupe / não se
desculpe / não olho pra trás. Poemas da poeta, arte-educadora, contadora de
história, professora e terapeuta holística Juracy
Ribeiro. Veja mais aqui e aqui.
Arte da
artista visual polaca Lidia Wylangowska.
CIDADANIA - A palavra
cidadania, segundo as idéias expressas por Herbert de Souza, Nilda Teves Ferreira
e Maria Victoria Benevides, é originária juridicamente do termo latino civitas e, também, cidadão é oriundo do
latim civis, que no direito romano
estavam inerentes aos direitos públicos e privados, a exemplo, dos direitos
políticos conhecidos como jus sufragii
e jus honorum, compreendendo o
direito de exercer magistratura, de servir ao exército, de participar dos comitia, pagar impostos e usar os tria nomina. Também, conforme os autores
mencionados, entende-se que o civis
romanus era um título de honra. Já o jus
civitatis era um de seus atributos. Além disso, os direitos privados,
conhecidos como jus conubii, jus comercii, actio testamenti. Daí, conforme Dalmo Dallari encontra-se que o
termo cidadania generalizou-se para outros povos, com o conceito análogo ao de
nacionalidade. E, a partir disso, a etimologia da palavra cidadão, conforme
Luiz Alberto Machado leva a considerar como aquele que vive na cidade, mas, com
o reconhecimento dos direitos civis e sua consagração em documentos. Ainda no
período medieval, a palavra passou a ser usada para designar a liberdade do
homem, seus direitos e os privilégios que deve ter. O surgimento da idéia
cidadã se deu ainda na Idade Antiga, por volta do séc. V a. C., quando o
império romano realizando sua expansão territorial conquistou a Grécia. Neste
período, conforme registros recolhidos na literatura estudada, apenas eram
considerados cidadãos os maiores de idade do sexo masculino e proprietários não
estrangeiros de terras, excluindo os estrangeiros, as mulheres, escravos e
crianças. No entanto, por outro lado, conforme observado por Bruno Grangê e
Rodrigo Gama, “A cidadania grega, por exemplo, representa a comunidade dos
iguais: os nobres, os quais tinham uma participação ativa na vida da polis, no
gerenciamento de todas as atividades desenvolvidas naquele espaço social”. O
que leva os autores, logo em seguida, a observar que “Da Grécia antiga até os
dias atuais foram muitas conquistas que o cidadão obteve por meio das grandes
revoluções e, com isso, as formas de atribuição dos direitos de cada cidadão
são bastante diferentes”. O que quer dizer, segundo os autores, que a cidadania
grega era compreendida, apenas, por direitos políticos identificados com a
participação nas decisões sobre a coletividade. Com o surgimento dos feudos por
volta do sec. V ao XV d.C, na plenitude da Idade Média, que se constituíam em
verdadeiras fortalezas para determinação do poder e proteção contra os
bárbaros, a cidadania sucumbe tendo em vista que a elite feudal assume o pleno
poder sobre todas as coisas, excluindo a participação de todos os outros. A concepção medieval, conforme revisão da
literatura, era vinculada à vontade de Deus em virtude do poder adquirido pela Igreja
com o seu objetivo do alcance da Justiça Cristã, tinha por base o Direito
Natural Absoluto, negando a existência de qualquer governo ou domínio dos
homens sobre os homens, articulada com a Jurídica Romana e o Estoicismo,
legitimando as instituições do matrimônio, da propriedade privada, do governo,
do direito e da escravidão. Com a derrocada
do feudo, união dos reis e burgueses com a formação das cidades e criação dos
Estados nacionais, compreendendo o período correspondente à Idade Moderna que
ocorre entre o período compreendido entre os séculos XV e XVIII d.C; dão-se os
confrontos contra o Absolutismo, ou seja, o poder total e absoluto dos reis,
dando inicio às revoluções burguesas que redundaram no início da revolução
filosófica do Iluminismo, as revoluções industriais e francesa, além da
independência dos países e instalação das primeiras repúblicas democráticas. Estas
ocorrências assinalam o fim da era do Absolutismo, promovendo a Idade Moderna
que compreenderá do sec. XVIII até os dias presentes, quando se evidenciam,
entre outros eventos de relevante monta, como a criação do Estado e o Estado de
Direito propagando a isonomia entre os seres humanos e instaurando o
constitucionalismo. É neste período que se dá o confronto entre cidadania e
capitalismo, quando a cidadania era entendida como a participação de todos
visando o alcance de todos os benefícios sociais de forma igualitária. O
capitalismo diante dessa emergência cidadã, ver chegar o momento da ocorrência
de greves e protestos dos trabalhadores reivindicando o fim da exploração
capitalista e melhores condições de vida. Esses confrontos ocorrem desde essa
época até o presente momento. O modelo
socialista, segundo pode ser apreendido da revisão da literatura realizada,
está fundamentado na valorização do trabalho humano e existência digna conforme
os ditames da justiça social, assentado sobre os princípios da defesa do
consumidor, busca do pleno emprego, função social da propriedade, redução das
desigualdades regionais e sociais, entre outras. Já
atualmente, em conformidade com as expressões encontradas de Pedro Demo e Maria
Victoria Benevides, dentro da evolução conceitual da cidadania, se identificam
três tipos de direitos na cidadania: civis, políticos e sociais. Isto quer
dizer, pois, que a cidadania refere-se ao indivíduo com um membro da sociedade
e, desta maneira, como alguém que está submetido aos mesmos direitos e deveres
dos demais membros desta sociedade. Tal consideração leva Bruno Grangê e
Rodrigo Gama a considerarem que a conquista de tais direitos, no entanto, não
ocorreu de forma simultânea e harmônica. Embora, para os autores mencionados, não
se possa delimitar com precisão o período de formação de cada um, de forma um
tanto didático, pode-se identificar, os civis como conquistados por alguns
países no século XVIII, os políticos no final do século XIX e os sociais já no
século XX; sendo que, na conquista destes dois últimos, houve um maior
entrelaçamento, pois os direitos sociais foram adquiridos como conseqüência da
conquista dos direitos políticos. Isto quer dizer, portanto, que a concepção de
cidadania surge com a Revolução Francesa, onde o homem passou da condição de
servo, semi-escravo do soberano absolutista, para o status de indivíduo,
titular de garantias frente ao Estado de Direito. O que é observado pelo
autores supra citados que, embora de implementação pouco efetiva, dos ideais de
liberdade, fraternidade e igualdade, semeados com o levante de 1789, germinou
uma nova forma de relação entre os indivíduos que compõem o conjunto social, e
o Estado, instituído para estar a serviço destes. Neste sentido, entende Luiz
Alberto Machado que “[...] a cidadania se constitui na efetividade do direito e
no gozo pleno dos direitos civis, sociais e políticos adquiridos ao longo dos
anos e contempla os interesses individuais e coletivos em consonância com as
relações sociais entre os homens”. Fato que leva Bruno Grangê e Rodrigo Gama a
evidenciarem que a efetiva cidadania exige que cada indivíduo tenha plenas
condições de participação na construção e gestão do contexto social em que se
encontra inserido, não sendo apenas massa de manobra ou coisa similar. Então,
para eles, é preciso que, para que seja um cidadão, o homem seja agente de sua
própria história. Voltando mais concretamente ao tema, especialmente no que se
refere à cidadania enquanto status do indivíduo titular de direitos, e da
construção de mecanismos de efetivação destes, é oportuna a advertência que
traz Oliveira Júnior, avaliando o quadro atual: Hoje, existe uma acentuada preocupação com a efetividade do direito,
que formalmente inclui a todos, mas que na prática exclui a muitos da
cidadania. [...] Ao lado da visão descritivista da Ciência Jurídica, é preciso
assumir uma postura prescritivista, própria da Sociologia Jurídica, em busca da
efetividade do direito e, portanto, da concretização da cidadania. Vê-se,
pois, que mesmo quando o processo de efetividade do direito se posiciona pela
isonomia caracterizada no preceito de que todos são iguais perante a lei,
observa o autor que, na prática, não se inclui, carecendo que a visão
descritivista assuma uma postura prescritivista para não excluir o cidadão. É o
que também observa Carlos Francisco Büttenbender, ao considerar que é dentro da
visão de comprometimento e de busca do papel de cada elo da composição social
que se coloca o estudo da função jurisdicional do Estado, especialmente
aferindo sua estrutura lógica frente ao contrato celebrado pelo indivíduo
abdicando do direito de auto-tutela em favor da coletividade, para em troca
receber deste Estado, a prestação de uma tutela aos seus direitos individuais
que se resguardou, quer seja para protegê-los contra os demais indivíduos da
coletividade, quer seja contra o próprio Estado. Na linha de pensamento da
tradição liberal, T.H. Marshal, este exprime a idéia de que: “[...] a cidadania
é o conteúdo da pertença igualitária a uma dada comunidade política e afere-se
pelos direitos e deveres que o constituem e pelas instituições que dá azo para
ser social e politicamente eficaz”. Isto quer, portanto, que, para ele, a
cidadania é um status concedido àqueles que são membros integrais de uma
comunidade, a todos que possuem status e que são iguais com respeito aos
direitos e obrigações pertinentes ao status: "a cidadania é a ordem da
igualdade na sociedade de desiguais". O modelo liberal,
conforme se apreende do que foi recolhido na literatura, está fundamentada na
livre iniciativa, obedecendo aos princípios da livre concorrência e da
propriedade privada. Assim sendo, Marshal
homologa que: A cidadania se apóia na
igualdade fundamental das pessoas, decorrente da integração, da participação
plena do indivíduo em todas as instâncias da sociedade; desenvolvendo-se como
instituição, a cidadania coloca em xeque as desigualdades do sistema de classes.
Tal expressão leva a entender que, dentro dessa perspectiva, o período de
formação, segundo Marshall, começou no início do século XIX, quando os direitos
civis estavam articulados ao status de liberdade, já haviam conquistado
substância suficiente para justificar que se fale de um status geral de
cidadania. E de acordo com o seu postulado, os três elementos que formam o seu
conceito são: os direitos civis surgidos no século XVIII, os políticos surgidos
no século XIX e os sociais, no século XX, demonstrando como a cidadania e
outras forças externas a ela têm alterado o padrão de desigualdade social. Assim,
convém, também, observar que a cidadania é expressa conforme a idéia de Dalmo
Dallari, com a seguinte definição: A
noção de cidadania busca expressar a igualdade dos homens em termos de vinculação
jurídica a um determinado Estado; portanto, este tem o poder de definir os
condicionantes do exercício da cidadania. O cidadão constitui uma criação do
Estado que vai moldá-lo aos seus interesses. Esta tese está reforçada nas
premissas abordadas Miguel Arroyo, de que “[...] o indivíduo é considerado como
sujeito histórico quando capaz de modificar a realidade”. Essa capacidade de
agir sobre o curso dos processos sociais só é possível se o indivíduo for
consciente, livre e responsável. Por conseqüência, entende Luiz Alberto Machado
que: [...] a consciência cidadã e o
exercício democrático agirão sobre uma outra necessidade: a de interagir com a
sociedade. Mediante tudo isso,
percebe-se que a construção da cidadania caracteriza-se como uma série de lutas
em prol da afirmação dos direitos imanentes à liberdade, à participação das
decisões públicas e à igualdade em termos de condições dignas de vida,
movimentando-se progressivamente na incorporação de indivíduos e grupos a novos
padrões de vida na comunidade. E essa incorporação aparece concretizada sob
a forma de direitos e garantias. E nesta mesma direção, Miguel Arroyo,
expressa o pensamento de que: A cidadania
se constrói como um processo que se dá no interior da prática social e política
das classes [...] O povo vai construindo a cidadania e aprendendo a ser cidadão
nesse processo de construção. [...] A luta pela cidadania, pelo legítimo, pelos
direitos, é o espaço pedagógico onde se dá o verdadeiro processo de formação e
constituição do cidadão. A educação não é uma precondição da democracia e da
participação, mas é parte, fruto e expressão do processo de sua constituição.
Dai, portanto, chegar ao entendimento de que o exercício de cidadania se
incorpora evidentemente à participação e interação do indivíduo à sociedade. E
aprofundando mais ainda essa questão, Guiomar Mello, observa que a cidadania
passa pela questão do conhecimento e da informação, reportando-se que: O conhecimento, a informação e uma visão
mais ampla dos valores são a base para a cidadania em sociedades plurais,
cambiantes e cada vez mais complexas, nas quais a hegemonia do Estado, dos
partidos ou de um setor social específico tende a ser substituída por uma
pluralidade de instituições em equilíbrios instáveis que envolvem permanente
negociação dos conflitos para estabelecer consensos. Assim sendo, à
cidadania estão inseridas questões como pluralidade, conhecimento, informação,
participação e consensos que vão formando o amálgama do complexo individual
interagindo na coletividade e no social. É nesta questão, Nilda Ferreira,
apresenta uma conceituação mais abrangente, defendendo que: A cidadania aparece como o resultado da
comunicação intersubjetiva, através da qual indivíduos livres concordam em
construir e viver numa sociedade melhor [...] E só se configura quando
encarnada em um indivíduo, o cidadão. É ele que realiza sua existência,
enquanto ela lhe confere uma identidade. Ela se inicia com o registro do
nascimento e se potencializa no direito à herança, ou seja, no direito de
pertencer a uma determinada classe social. Se origina, portanto, nas sociedades
de classes. Conferida a um indivíduo, serve para identificá-lo na esfera
pública. Tal opinião confere ao indivíduo a necessidade de sua imersão na
comunidade, na coletividade e na vida social da qual faz parte, seus consensos
e dissensos, no sentido de, coletiva e solidariamente, requerer a satisfação
dos seus anseios pessoais. E, com isso, a Nilda Ferreira trata da questão,
salientando que: Os pressupostos da
cidadania: ontologicamente, ela não é um em-si, pois tem por fim a identidade
social dos indivíduos na relação com um determinado Estado; seu determinante
histórico-social é a existência da sociedade de classes e do Estado; como
categoria histórica, a cidadania é dinâmica, refletindo, portanto, as condições
econômicas, políticas e sociais da sociedade na qual foi criada; no interior
das relações sociais, a cidadania pertence à ordem simbólica, representando
realidade e disponibilidade, valores e significações socialmente estabelecidos,
servindo assim, de mediação entre os indivíduos e o Estado. Pelo exposto,
explicitar a questão da cidadania brasileira implica dimensioná-la a partir da
nossa realidade econômica, política e social. [...] A partir de determinados
pressupostos, o Estado define a formação do cidadão como um dos fins da
educação, atribuindo às instituições de ensino, públicas e privadas, o dever de
dotar os jovens de condições básicas para o exercício da cidadania. Ou seja,
deixa a cargo dessas instituições a tarefa de transmitir conhecimentos aos
jovens e desenvolver neles hábitos e atitudes, de forma a viabilizar a meta da
cidadania. Mediante isso, conforme Nilda Ferreira, a cidadania é uma
condição política de direitos e obrigações frente ao coletivo e as pessoas com
as quais se convive. É poder refletir sobre os atos que tenham conseqüências
sociais, ter consciência dos seus resultados sobre a sociedade, como jogar lixo
no rio, quebrar um telefone público, dentre outros atos. DIREITO
E CIDADANIA: FUNDAMENTAÇÃO CONCEITUAL - Diante da revisão efetuada na
literatura, encontra-se, portanto, que o direito é um forte aliado da
cidadania, pois através dele se faz com que ela seja exercida, se não pela
vontade individual, pela coercitividade de suas normas. Em Jean-Jacques Rousseau
a cidadania é um conceito que abrange todas as
pessoas, podendo ser praticada sob o poder de representantes governamentais,
assim como nas decisões tomadas pelo povo. Já em Emanuel Kant o cidadão é aquele que utiliza as
leis como uma forma de lutar pelos seus próprios direitos. Com isso, observa-se
que nas sociedades modernas, convencionalmente
associa-se o termo cidadania e cidadão a um sistema de ordens que organiza a
relação entre Estado e cidadão. Com o passar dos tempos outras recorrências passaram
a ter uma melhor compreensão do significado de cidadania moderna, quando da
ocorrência da Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948 pela
Organização das Nações Unidas, estabelecendo que a garantia da cidadania se dá
através do acesso a todos a educação, saúde, habitação, alimentação e lazer.
Essas são as condições mínimas que deveriam proporcionar qualidade de vida a
todos no mundo atual. A convenção da ONU estabeleceu um princípio ético que
dever ser seguido por todas nações, isso quer dizer que cidadania ganhou um
caráter universal, que deve ser referência para todas as nações do mundo. E, no
Brasil, em 1988, com a promulgação da atual Constituição Brasileira, conhecida
como a Carta Cidadã, estabelecida sob os ditames do Estado Democrático de
Direito e assentada na dignidade humana e no exercício de cidadania. Essas
convenções determinam que para ser cidadão além do sentido da pertença, ou
seja, ter identidade na cidade e/ou nação, e das garantias citadas que são
considerados cidadãos todas as pessoas, independente de raça, religião e sexo. Desta
forma, é que a cidadania e o conceito de cidadão vem conquistando lugar de
destaque em estudos acadêmicos e passou a ser incorporada nas reflexões que
envolvem o cotidiano de indivíduos e de movimentos sociais que lutam pela
melhoria da qualidade de vida e contra qualquer tipo de opressão. A
partir disso encontra-se que, conforme Claudia Maria Toledo Silveira, as
conseqüências da evolução conceitual da cidadania têm que considerar o
surgimento dos direitos humanos, econômicos, sociais e políticos: [...] âmbito dos Direitos Humanos se expande
gradativamente, implementando-se os Direitos Sociais já conquistados com novas
inserções. Surgem os Direitos Econômicos na medida em que se desenvolve a
estrutura do Estado Social, neo-liberal e intervencionista. São referentes à
intervenção do Estado no domínio econômico, com vista a garantir a pretendida
democracia econômica, dentre os quais pode-se citar como exemplos, os direitos
de acesso ao trabalho - pleno emprego - e justa remuneração. Os Direitos
Sociais acrescidos, como acesso à educação, cultura, habitação, à previdência,
visam a concretizar outros direitos, principalmente individuais, já assegurados
mas não efetivados. Os Direitos Políticos se incrementam gradualmente, não mais
se restringindo ao direito ao voto, mas ao sufrágio universal masculino e
feminino, referendo, plebiscito, iniciativa popular de leis, veto popular. Evolui-se
no tocante às Constituições Econômicas, isto é, os ditames constitucionais
referentes à Ordem Econômica, no sentido de se integrarem, cada vez mais, os
modelos liberal e socialista. Mais ainda é preciso observar que Ligia
Airemoraes Siqueira entende por cidadão aquele que: [...] possui e exerce todos estes Direitos Humanos, constitucional e
legalmente garantidos. É aquele que não apenas vota, mas participa da
construção de seu futuro, com a detenção dos instrumentos de que precisa para
se autodeterminar. [...] Cidadão torna-se, então, aquele que possui e exerce
todos estes direitos constitucional e legalmente garantidos. Ampliando a dimensão conceitual, a cidadania, para
Fernando de Brito Alves: [...] só é plena
na medida em que os direitos fundamentais são assegurados, sendo que o principal
deles é o direito à diferença. Esse asseguramento é, na verdade, uma conquista
dos sujeitos historicamente privados de direitos fundamentais por serem
diferentes de quem detém o poder e controla a macro-política: [...]
Compreendemos cidadania, assim, como processo histórico de conquista popular,
através do qual a sociedade adquire, progressivamente, condições de tornar-se sujeito histórico consciente e organizado, com capacidade de conceber e efetivar
projeto próprio. Vê-se, portanto, que ser cidadão é entendido como ser livre e igual para
participar da organização da vida pública, Ter direito a uma vida digna,
liberdade, e o direito de escolher os governantes, e o lugar ou região mais
adequada para viver sua vida individual e/ou familiar. Ser cidadão também
significa o dever de respeitar as convenções (leis), que organizam a vida em
sociedade, normatizadas pelo Estado. Daí observa-se que cidadão
é o indivíduo na plenitude de seus direitos e deveres, que vive em uma
sociedade democrática, participando ativamente da comunidade em que vive, sendo
solidário, consciente, ético e responsável. E, reitere-se que ser cidadão significa pertencer passiva e ativamente como
pessoa legítima e igual a todos os outros membros de um território geográfico
organizado como Estado – Nação. Nesse sentido cidadania significa ter direitos
e deveres na sociedade em que se vive. E, a partir de então, passa-se ao debate
analítico acerca dos direitos fundamentais e das garantias constitucionais.
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