O drama da ativista irlandesa Philomena
Lee que narrada em livro The Lost Child of Philomeona Lee
(2009), de Martin Sisxmith e no filme Philomena (2013), dirigido por Stephen
Frears, contando a história da jovem que tem um filho recém-nascido por ocasião
em que foi mandada para um convento. Sem poder levar a criança, ela o dá para
adoção por um casal estadunidense e some no mundo. Após sair do convento,
Philomena começa uma busca pelo filho, junto com a ajuda de um jornalista de
temperamento forte. Ao viajar para os Estados Unidos, eles descobrem
informações incríveis sobre a vida do filho e criam um intenso laço de
afetividade entre os dois.
VALUNA: A PIABA CANTAVA NA BEIRADA - Como era bom virar e mexer. Pudera, não
tinha nada por fazer, era piaba cantando na beirada, à margem do mundo
e dos sentidos, no meio de um verso anímico de Celina Holanda que pousou na
varanda do meu peito. Estava ali com todas as dores do mundo e a alma no meio
do vento que vinha do Una no horizonte da tarde de junho no sol de câncer. Estava
ali com a cara pra vida, sem relógio ou ampulheta, alumbrado ou quase com as
palmeiras das rotas crepusculares que era eu incólume sempre no coração. Estava
ali com a folia das crianças que subiam as côncavas e íngremes tardes de Santo
Antônio, para mirar no cruzeiro toda longitude do tapete mágico e a anatomia
selvagem da cidade escrava do pó da cana e da mata. Estava ali como se
estivesse no meio dos pantanais da sorte onde a caiana me dava o troco da vida
açucarada, quando o sangue era suor que lavava o corpo nos espelhos anis
suspensos que o bueiro da usina tocava. Estava ali na fumaça que saía com a
nódoa execrável da calda como um golpe estrondoso na gengiva do rio e envenenava
a minha e todas as vidas dali. Estava onde o verde era o muro e coisa alguma no
luar da mata no espaço vazio implacável e o pardo olhar que se perdia na
vigília das abusões dos morcegos da vida provinciana. Estou aqui onde os sonhos
escapam pelas brechas das casas alcançando o azul com promessas de sopa, xerém,
pé-de-porco, mão-de-vaca, carne-de-sol, feijão verde e fome das sedes de
sempre. Estava com os timbres suaves do mormaço instaurados pelo sol dos
ambulantes de deus que viviam na sesta contumaz, piongos insones debruçados
sobre os sonhos de catavento. Estava na fuga que adubava a moldura da
fatalidade porque pelas ruas da minha cidade eu ia voluntariamente vivo e às
vezes fugia num voo que se despencava da minha liberdade e só muito depois voltava
tapando os ouvidos, mãos na cabeça, peito aberto. Estava sem flores nem
presentes, só com meu riso anêmico e o meu aceno de já voltei e voltarei sempre
que puder só com meu gesto telúrico, pálin! Estava me certificando das
promessas que rangiam na guilhotina do tempo, furando o alambrado do poder
quando um olho cheio de graxa e óleo vinha de São Bento e descia para a Várzea
de São José com a coroa grande no Rio Formoso, para limpar a sina, o lodo e a
podridão. Estava no espaço que era o descaso dos homens de nada, maiores que
nada, menores que o próprio tamanho e que não sabiam a voz pra cantar. Lá vinha
um verso lá da banda de Barreiros, lá onde o vento fez a curva pra voltar e traz
Odete Vasconcelos, Odete, oh, Odete pr´eu poder admirar sua negrice, seu amor
de companheira. Porque odete sonho, odeteamo, noitedia luzear por isso eu só
queria tocar violoncelo para no meio de improviso noite Bach das sinfonias de
bar, fazer um preludinho pra Odente Vasconcelos. Estava ali de mesmo, sem
relógio ou ampulheta, alumbrado ou quase, curtindo as paragens do assobio imenso
do rio que me dizia hermilamente: “Você só não vê a alma porque está
escondida”. A cidade e o meu coração, todas elas, quantas ruas, mortes e
vidas. Cada vez, nenhuma delas, nunca mais a mesma: uma e outras. A cidade
quando eu via era o paraíso que só se mostrava inferno feito por idiotas que
enlouqueciam na lucidez, estátuas que respiravam como se nem fossem, estrelas
enterradas. Foi por lá e acolá que os vi comendo terra e farinha, tanto fez ou faz,
os ratos invadiam e a crosta era o magma mais tenso da geleia que sentia como
outros de fora e os de dentro, o vírus da moeda crônica contagiante e enferma,
quantos bodes ouropéis no gato por lebre, rasteiras e canas. Eu era entre eles,
oh individualistas que fazem possessivo no umbigo sem saber que a minha dor é a
de cada um que sequer via e sentia, comunhão, comigo hão. Ainda bem vi o
sorriso de Bia e Sofia e sorria como a criança que sempre fui e quase me perdi.
E Bia no colo da mãe e Lucka aos gracejos pra gente às gargalhadas e os olhos
de Bia eram grandes e me viam como o gato e Bia me via mais que os presentes de
natal que são cinzas e eu cuidava da vida, assim, assuntando, manjando, um par
de botas levando para qualquer lugar e o capote escondia e vigiava de tudo até
saber assim ou assado, as parelhas, as moitas, balaios e mulambos, pedras e
poços, caroços de feijão, a conversa mole e comprida, caminhos sem fim. Tinha
tudo que pular muro e não deixava, se caísse estava tudo perdido. E todo dia
acanhado, sem tempo de volta no meio da cachaça de cabeça e tornava um
pouquinho esquentando o juízo, acendendo as ideias, quem hoje fez isso, das
bicadas e a esteira, uma tacada, e o sobrado assombrado, os malassombros e o
desassombrado, um por um e o barbudo não entrava, a bagagem do padre no céu, a
caveira da riqueza e o céu era bonito de medonho. Tal e coisa e coisa e tal. Ali
amanhecia ensolarado e frio enquanto os escatológicos sonhavam e morriam de
doença ou de matança, uns mais que outros, umas mais que outras, ninguém via o
Sol, sentia apenas o calor e praguejavam, fieis da chacina e hipocrisia. Quanto
valia um boi e a sua bosta era a gente, cavalo não era só para montar, quem
sabia. Só o pardal para nenhum passarinho, quase já não havia mais mata,
desertos por desvendar. À hora do Ângelus não dizia mais nada, a estação vazia,
senão roubada na memória. A ladeira da linha férrea escondia a fonte do Cocão,
porque já era dia e sou estrangeiro, vivia as pessoas como se não fosse daqui. Tudo
uma mentira mais deslavada: a farra era da cana para sangue doce, um só matagal
sequer pra remédio. Gente de duas caras e Janus servil. Quem já passou da hora
em ponto, já foi batido escorregou, quase nem se via mais. O morro estava para
a safra e plantação, o verdinho fechado e a flor sem valia. Quem comprava não
pagava e não recebia quem vendesse, enigma de sinuca. Quantos tiravam proveito.
Não tinha mais que fosse lá. A calçada era dos ambulantes que queimavam o mundo
pra sobreviver. Os transeuntes se alimentavam dos sonhos de frágeis nuvens que
se dissipavam nos quereres para renascerem a cada olhada pros lados nas
vitrines das ofertas que ansiavam a perda do cordão umbilical. Quantas
inverdades pelas erosivas mãos e pés disso e daquilo arrancados, Deus meu! Ali
tudo era maior que a corriola dos prefeitinhos, de gentinha miúda e falastrões,
o hálito da morte na boca da noite, o preconceito familiar. E se estranhavam
uns aos outros, o reino dos aventureiros como se fosse o deserto de Gobi,
loquazes que pensam de Agartha. Havia a tempestade no meio da tarde ensolarada,
a saparia no sol quente, os pudores, os acordos tácitos tangiam os silvícolas
para empossamento da terra e povoação. A Mata do Brasil ao sul, aves de toda
espécie, os amplos poderes do donatário para destruição de sesmarias, ainda
hoje, o rio que inexistia, caminhos de peixes na correnteza invisível, espalhava
brasa e os pés leves para não acordarem os mortos. O que se escondia atrás do
muro, o que acontecia por trás das paredes e tudo que ia além dos retornos,
nada que valesse o que era pra ser, tudo era tão triste e ainda é como o céu
sem luar. Só Deus sabia, mesmo os que se metiam em saber, de que terra onde
hoje se assentava esta ou aquela cidade, qualquer uma, antes fora, depois de
vastíssima titularia lá bom um dia, depois de cessão, o puxa e encolhe
político, resolviam-se, punham um nome e o canivete costurava a boca do sapo. Esta
ou aquela cidade era quase uma ilha, não fosse a volta que dava, vindo de
tantas naváguas, palmaravilhas, mentimbungadas, o domínio estival,
bolsalgibeiras, tochamineis, o aroma provinciano entre a carniça e flores
murchas. Todos os caminhos para viagem, de Japaranduba, de Bigode, de Nezinho,
cantochão, ir pra bica do Bigode, brócolis e própolis, o cheiro de imundícies e
ritmo lento, Ribicudo, bicas e cachoeiras. Vinha das capoeiras o que nasceu para
a vida, o príncipe novo e a jia encantada de Tamandaré, a moça dos sete pares
de sapato de Ipojuca, o contrato com o dragão de Rio Formoso, o macaco e os
cachorros de Água Preta e o homem que não tinha medo de nada. Desda Serra do
Quati, o prazer estava em ser vivo e viver, assim como em cima, é em baixo. E
eu era todo infinito, maior que a mim mesmo, comunhão de ser tudo e todas as
coisas: toda imensidão tocava o meu íntimo e reluzia o amanhecer. Sentia o
prazer do transcendente: havia muito mais que o que via, muito além do que conseguia
enxergar. Na chuva me banhava, lavava a alma, o poema nascia do nada. Era uma
ou outra cidade, qualquer delas e suas ruas de nenhuma graça desbotada além da
vergonha pública, do desdém e um forno disso tudo, olhares incertos diante da
tragédia ocultada às vistas arrancadas na pia batismal. Enquanto começava a
vida, em Capoeiras, muito antes já na Serra do Quati, tudo ficava inseguro com
a segregação, não havia como atravessar muros sem ser degolado pelas ameaças do
pânico, quanto medo quais temores. Ali e em qualquer lugar morria para que vivessem
e se matavam entre a janela e a lama do esgoto, inhaca e boticões. Sempre
exceção em detrimento da regra, porque o rio se escondia por trás das casas, do
asfalto, sem vida, só volume d’água, lixo, baronesa e capim, nem havia mais
peixes nem nada, nem vida. Todo dia a população matava o rio que sangrava, as
margens eram manilhas submersas, nojeiras, a queda e a espuma. Ali ou em
qualquer lugar daqui era uma rua estreita que se alargava e nos embaraçavam o
abandono, e a abelha órfica nos fazia mais estranhos do que sempre fomos, longe
de si mesmo. Ali ou qualquer lugar daqui era refúgio saqueado e eu nem ninguém
mais tinha para onde ir entre a multidão e o deserto – o ermo de cada um. O
formigueiro cego atravessava o dia na sua escuridão, não enxergavam as
constelações terrenas, nem o redemoinho do canto das sereias, porque procuravam
por lâmpadas de anéis entre revezes canibais, encruzilhadas para tripulações
com dramáticas noticias escatológicas, inexplicáveis fatos assombrosos, sob o
julgamento do deus da propriedade particular – os seus desejos -, sem segredos
e ardiam na extraordinária felicidade, escondiam porões ocultos no riso, o
favorecimento da sorte, naufrágios de percurso. Estavam com seus canhões
ocultos prontos para ribombarem na barbárie das vias pavimentadas. Cada qual a
sua espécie de diabo. E uma extensão considerável de barris de pólvora aos
montes no peito, chamas aleatórias, tirando fino e não sei mais o quê,
repugnância e o habitual uivante da terra hereditária com atrevidas bazófias. Tratavam-se
uns aos outros por tantos tontos, inventavam histórias e troçavam uns dos outros,
graves e pesarosos, era o segredo que não revelei, a ninguém interessava,
nenhuma confissão. Ali ou qualquer outro lugar daqui era a infância perdida na
rua da beira do rio que sequer existia mais, promessas esquecidas, açoitadas
pelas lembranças. Em suas casas grunhiam como bichos em suas cavernas, quantas
vilanias pelo encanamento e o lixo na varredura e o esgoto por onde se escoava
dores e restos. O rio, como sempre, dejetos e o mau cheiro, o Tâmisa imundo e
fedorento – quantos túneis, fossas sanitárias, lama tóxica, venenosa, a
contaminação, afinal só descarga de Teotihuacan, Brasília, tudo para máquinas e
não seres humanos, pedestres ou transeuntes. Ali ou qualquer lugar daqui era a
fisionomia de que tudo girava como na laranja mecânica nos ataques ou como Goya
das sombras por ciclos e eras no eterno retorno para recomeçar e tentava
acertos e erros ou vice-versa e nada mais. Tudo seguia os opostos a se confundirem
porque mudavam de lugar pulando de galho em fio e se refaziam para uns,
destruição para outros, e girava e rodava, da rodagem ao asfalto, pneus e
passos, entrava e saía, aglomerações, degraus, escadas, urbanidades e o tempo
dominando a vida, fortunas e falências, tudo á flor da pele, vizinhos e árvores
valiam o humor e não era mais que um parafuso na engrenagem ou uma série de
números combinados no sistema entre prédios e edifícios, acessos e passarelas,
cruzamentos, faixas de rolamento, estacionamentos, a lógica, o sono e o
indômito, a vigilância, um dia não chegará, a vida era agora e vivia. Ali ou
qualquer lugar daqui era um dia e dizia que fará, um dia dizia que acontecerá,
atrás da lâmpada e do anel. O mau agouro do silêncio trágico, pessoas
perniciosas pelos povoados, os traquejados suspeitavam das cavilações, lágrimas
histéricas, obscenidades e expletivas blasfêmias, anátemas e lástimas, caretas
hilares, turvação dos vapores alcóolicos, alvores e fulgores, tudo passava na
praça – o cão e a cadela, quem tinha horas para quem não tinha e que vinha de
Serro Azul e das Trempes, afora Campestre, Jundiá, Porto Calvo, Novo Lino,
Colônia, Messias, Santa Terezinha, Campos Frios, até de União, avalie. Ali ou
qualquer lugar daqui, a madame de salto alto e batom, cadelinha de lacinho de
fita no cio, um guenzo, dois, três cães, vira-latas trocentos, a madame aflita
aos latidos se engalfinhavam e o mais forte latia e se montava nos quartos da
cadelinha no cio aos ganidos da cachorrada. A madame salto alto e batom aos
puxavanques, tropeçava, beleza no chão e a matilha. Um marmanjo com chute no
macho e outro chute na cadela no cio engatados e a madame não, chutes de pouca
vergonha, as beatas óóóóóóó e as meninas fogosas hi hi hi hi, as entradas, duas
saídas: Recife ou Maceió, a lapada da vida, a cidade e a mulher amada, a farra
dos peidões, põem Una no Preto e dali muitos mais longe. © Luiz Alberto
Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS - Respirei
fundo e escutei o velho e orgulhoso som do meu coração. Eu sou, eu sou, eu sou.
Como precisamos de uma outra alma para nos agarrar, um outro corpo para nos
manter aquecidos. Para descansar e confiar; para dar sua alma com fé. Eu
preciso disso, eu preciso de alguém onde me derramar. Quando você entrega todo
o coração a uma pessoa e ela não aceita, não dá para pegar de volta. Você o
perde para sempre. Devo conseguir que você devolva a minha alma; Estou matando
a minha carne sem ela. Se você não espera nada de ninguém então você nunca se
desaponta. Tudo na vida pode ser escrito se você tiver a coragem de fazê-lo e a
imaginação para improvisar. O pior inimigo da criatividade é a insegurança. Expressão poética da poeta estadunidense Sylvia Plath
(1932-1963). Veja mais aqui e aqui.
ALGUÉM FALOU: É
preciso esquecer para viver; a vida é esquecimento; cumpre abrir espaço para o
que está por vir. do filósofo, escritor e dramaturgo espanhol
Miguel de Unamuno (1864-1936). Veja mais aqui & aqui.
A POBREZA
- O maior espetáculo do pobre da atualidade é
comer. Antigamente o que oprimia o homem era a palavra calvário; hoje é
salário. Em 1948, quando começaram a demolir as casas térreas para construir os
edifícios, nós, os pobres que residíamos nas habitações coletivas, fomos
despejados e ficamos residindo debaixo das pontes. É por isso que eu denomino
que a favela é o quarto de despejo de uma cidade. Nós, os pobres, somos os
trastes velhos. Lá no interior eu era mais feliz, tinha paz mental. Gozava a
vida e não tinha nenhuma enfermidade. E aqui em São Paulo, eu sou poetisa!
Quando percebi que eu sou poetisa fiquei triste porque o excesso de imaginação
era demasiado. Escrevo a miséria e a vida infausta dos favelados. Eu era
revoltada, não acreditava em ninguém. Odiava os políticos e os patrões, porque
o meu sonho era escrever e o pobre não pode ter ideal nobre. Eu sabia que ia
angariar inimigos, porque ninguém está habituado a esse tipo de literatura.
Seja o que Deus quiser. Eu escrevi a realidade. Eu cato papel, mas não gosto.
Então eu penso: Faz de conta que eu estou sonhando. Temos só um jeito de nascer
e muitos de morrer. Pensamento da escritora brasileira Carolina de Jesus (1914-1977). Veja
mais aqui.
CONCLUSÕES DE ANINHA - Estavam
ali parados. Marido e mulher. / Esperavam o carro. E foi que veio aquela da
roça / tímida, humilde, sofrida. / Contou que o fogo, lá longe, tinha queimado
seu rancho, / e tudo que tinha dentro. / Estava ali no comércio pedindo um
auxílio para levantar / novo rancho e comprar suas pobrezinhas. / O homem
ouviu. Abriu a carteira tirou uma cédula, / entregou sem palavra. / A mulher
ouviu. Perguntou, indagou, especulou, aconselhou, / se comoveu e disse que
Nossa Senhora havia de ajudar / E não abriu a bolsa. / Qual dos dois ajudou
mais? / Donde se infere que o homem ajuda sem participar / e a mulher participa
sem ajudar. / Da mesma forma aquela sentença: / "A quem te pedir um peixe,
dá uma vara de pescar." / Pensando bem, não só a vara de pescar, também a
linhada, / o anzol, a chumbada, a isca, apontar um poço piscoso / e ensinar a
paciência do pescador. / Você faria isso, Leitor? / Antes que tudo isso se
fizesse / o desvalido não morreria de fome? / Conclusão: / Na prática, a teoria
é outra. Poema da poeta Cora Coralina (1889-1985). Veja
mais aqui & aqui.
SEXO, SEXUALIDADE, EDUCAÇÃO SEXUAL
& ORIENTAÇÃO SEXUAL – Visando compreender o universo de uma educação
voltada para a maternidade/paternidade entre adolescentes, jovens, adultos e
idosos no contexto das relações afetivas e familiares na contemporaneidade,
encontrou-se que a
sexualidade humana é estudada
através das categorias de identificação social, de orientação sexual, de
intensidade do desejo carnal, da resposta sexual, da gratificação sexual e da
atividade sexual. Neste momento, entretanto, o presente estudo dedicar-se-á ao
estudo da orientação em virtude do direcionamento tomado para a prevenção à
violência e, consequentemente, através de uma educação sexual. Antes, porém,
procurar-se-á entender preliminarmente o significado de sexo e sexualidade para
melhor desenvolvimento do presente estudo. Encontra-se, de imediato, que sexo e
sexualidade são dois termos bastante usados e comumente confundidos quando se
trata da sexualidade humana. Infelizmente, quando se fala nesse tema, grande
parte das pessoas faz uma associação direta com sexo. O senso comum usa essas
duas palavras como sendo sinônimas, muito embora sexo e sexualidade sejam
palavras diferentes em seus significados e que, por essa razão, se faz
necessário diferenciá-las (CHAUÍ, 1992). O sexo pode ser entendido dentro de
uma visão biológica como um conjunto de características somáticas, genitais e
extragenitais, que distinguem os gêneros entre si, separando a humanidade entre
machos e fêmeas. Isto quer dizer que inclui características físicas, aspectos
psicológicos, éticos, culturais e morais. Ou melhor, sexo é a identidade sexual
(FOUCAULT, 1997; GUIMARÃES, 1995; RIBEIRO, 1993). Na busca do seu conceito,
encontra-se Guimarães (1995, p. :23), que assim o define: (...) sexo é relativo ao fato natural,
hereditário, biológico, da diferença física entre o homem e a mulher, e da
atração de um pelo outro, para a reprodução. No mundo moderno, o significado
dominante do termo passa a ser ‘fazer sexo’, referindo-se às relações físicas para o prazer sexual. No
senso comum é: ‘relação sexual’, ‘orgasmo’, ‘órgão genital’, ‘pênis’. E é
justamente por essas razões, que sexo diferencia-se de sexualidade, uma vez que
esta é uma dimensão inerente ao ser humano e que está presente em todos os atos
de sua vida. Encontra-se marcada pela cultura, assim como pelos afetos e
sentimentos, expressando-se com singularidade em cada sujeito (FOUCAULT, 1997;
GUIMARÃES, 1995; RIBEIRO, 1993). Neste sentido Foucault (2001, p. :99) frisa
que: “(...) a sexualidade se constrói não
apenas no biológico, mas principalmente no imaginário: a sexualidade se coloca
não apenas no palpável, mas sim no discurso que sustenta o palpável, na ideologia
subjacente aos padrões de ‘normalidade’ imposto na convivência social.” Já
Guimarães (1995, p. 24) define a sexualidade como “(...) um substantivo abstrato que se refere ao ‘ser sexual’. Comumente é
entendido como ‘vida’, ‘amor’, ‘relacionamento’, ‘sensualidade’, ‘erotismo’,
‘prazer’.” Em seu sentido ampliado pela psicanálise, através de Laplanche
(1998, p. 619) sexualidade: (...) é toda
uma série de excitação e de atividades presentes desde a infância, que
proporcionam uma necessidade fisiológica fundamental (respiração, fome, função
de excreção, etc), e que se encontram a título de componentes na chamada forma
normal de amor sexual. Já a Organização Mundial de Saúde (OMS - apud Peres
et al 2000, p.17) define a sexualidade como: Uma necessidade básica e um aspecto do ser humano que não pode ser
separado de outros aspectos da vida. A sexualidade não é sinônima de coito e
não se limita à presença ou não do orgasmo. Sexualidade é muito mais do que
isso. È energia que motiva encontrar o amor. Contato e intimidade, que se
expressa na forma de sentir, nos movimentos das pessoas e como estas tocam e
são tocadas. A sexualidade influencia pensamento, sentimentos, ações e
integrações e portanto a saúde física e mental. Se saúde é um direito humano
fundamental, a sexualidade, a saúde sexual também deveria ser considerada como
direito humano básico. A saúde mental e a integração dos aspectos sociais,
somáticos, intelectuais, emocionais de maneira tal que influencie positivamente
a personalidade a capacidade de comunicação com outras pessoas e o amor (PERES ET AL, 2000, p.17). Em suma,
fica-se com isso entendido que sexualidade é um conjunto de ações e relações,
da pessoa consigo mesma e com as outras. É um elemento básico da personalidade
que determina no indivíduo um modo particular e individual de ser, de
manifestar-se, de comunicar-se, de sentir, de expressar e de viver o amor.
Falar da sexualidade é, ao mesmo tempo, falar do individual e do cultural:
crenças, valores e emoções (FOUCAULT, 1997; GUIMARÃES, 1995; RIBEIRO, 1993). É
como assimilam Ferrari & Vecina (2002, p. 114), que colocam a sexualidade
como: (...) ela constitui parte integral
da personalidade humana, integrando experiências afetivas exclusivamente
pessoais, aprendizados socioculturais de convivência, crenças e valores
construídos ao longo da história. (...) Não se pode falar de sexualidade e
relacionamento sexual de forma desvinculada de temas sociais, históricos,
culturais, antropológicos e psicológicos. Mediante isso, a sexualidade não
é apenas um conjunto de atos e reflexos herdados ou adquiridos na convivência
social. Ela é também entendida como uma forma de satisfazer às exigências
psicológicas do indivíduo, tendo a ver com desejo, busca de prazer inerente a
todo ser humano. Ou seja, sexualidade é a auto-identidade (ZAN, 2001).
EDUCAÇÃO & ORIENTAÇÃO SEXUAL - Após
tratar da distinção entre sexo e sexualidade, passa-se às expressões educação
sexual e orientação sexual que aparentam semelhanças, porém diferem em
significado, sendo necessário diferenciá-los. E buscando encontrar o
significado das duas expressões, em primeiro lugar encontra-se que educação
sexual é um conjunto de informações desenvolvidas de forma assistemática sobre
a sexualidade. Esse processo é global, não intencional, e envolve toda a ação
exercida sobre o indivíduo no seu cotidiano. Essa forma de intervenção é
denominada, segundo alguns autores, como informal, ou seja, surgindo no seio
familiar, tende a reproduzir nos jovens os padrões de moralidade de uma dada
sociedade (PAULIV, 1999). Já no Guia de Orientação Sexual (1994, p. 8) é
encontrada a educação sexual como sendo “(...) aquela que inclui todo o processo informal pelo qual aprendemos sobre
sexualidade ao longo da vida, seja através da família, da religião, da
comunidade, dos livros ou da mídia.” Em Suplicy (1993, p. 22-23) é
encontrado que: Educação Sexual começa no
útero da mãe e só termina com a morte. É um processo ininterrupto, e é através
dela que vamos formando a nossa opinião, desfazendo-nos de coisas que ficaram
superadas dentro de nós e, ao mesmo tempo, transformando nosso pensamento.
Mediante tais colocações, entende-se que educação sexual diz respeito ao
conjunto de valores transmitidos pela família e ambiente social, percorrendo
toda a vida, com influências da cultura, da mídia (rádio, TV, revistas...), dos
amigos, da escola, e permite incorporar valores, símbolos, preconceitos e
ideologias. Por outro lado, diferencia-se da orientação sexual que é um
processo de intervenção sistematizado, planejado e intencional, promovendo o
espaço de acolhimento e reflexão das dúvidas, valores, atitudes, informações,
posturas, contribuindo para a vivência da sexualidade de forma responsável e
prazerosa. O Guia de Orientação Sexual (1994, p. 9), traz a seguinte definição:
O termo Orientação Sexual quando utilizado na área de educação, deriva do
conceito pedagógico de Orientação Educacional, definindo-se como o processo de
intervenção sistemático na área da sexualidade, realizado principalmente em
escolas. Pressupõe o fornecimento de informações sobre sexualidade e a
organização de um espaço de reflexão e questionamentos sobre posturas, tabus,
crenças e valores a respeito de relacionamentos e comportamentos sexuais. O que
leva Vitiello (1997, p. 95) a considerar que: “(...) A Orientação Sexual implica um mecanismo mais elaborado segundo o qual,
baseando-se na experiência e nos seus conhecimentos, o Orientador ajuda o
orientando a analisar diferentes opções, tornando-o assim apto a descobrir
novos caminhos.” Enquanto isso, Ribeiro (1990, p. 34) mostra que “(...) além da escola (...), qualquer instituição pode desenvolver
projetos de Orientação Sexual. Orfanatos, creches, comunidades, associações de
bairro e sindicatos são espaços a serem conquistados para desenvolver programas
de Orientação Sexual.” Mediante tais colocações, entende-se que o trabalho
de orientação sexual, portanto, se propõe a ampliar, diversificar e aprofundar
a visão sobre a sexualidade, abordando os diferentes pontos de vista existentes
na sociedade, incluindo as práticas sexuais ligadas ao afeto, ao prazer, ao
respeito e à própria sexualidade. Este não se limita apenas a uma mera
informação reprodutiva ou preventiva, pois a sexualidade tem uma dimensão
histórica, cultural, ética e política que abrange todo o ser: corpo e espírito,
razão e emoção, podendo se expressar de diversas formas: carícias, beijos,
abraços, olhares. Assim, ela abrange o desenvolvimento sexual compreendido
como: saúde reprodutiva, relações de gênero, relações interpessoais, afetivas,
imagem corporal e auto-estima (PAULIV, 1999). Sendo assim, vê-se que a
orientação sexual é responsabilidade de psicólogos, advogados, professores,
família, comunidade, dentre outros. Enfatiza-se a família, notadamente conforme
Lamour (1997, p. 55), porque: Ensinamos
as crianças a desconfiarem de estranhos, mas, simultaneamente, a serem
obedientes e afetuosas com todos os adultos que cuidam delas. A criança não
provoca, não parece seduzir o adulto. É fato essencial: o indivíduo que comete
o abuso, na maioria dos casos, é alguém conhecido que vai primeiramente
estabelecer uma relação de confiança com a criança e certificar-se de que sua
vítima não se queixará quando ele for mais longe. Reforçando ainda mais,
Hamon (1997, p. 187) considera a amplitude do aparelho judiciário quando
assinala que: O campo judiciário começa a
descobrir que pode ser um segmento fabuloso de pesquisa a serviço da prevenção
social e também do campo terapêutico-clínico. Começa, igualmente, a descobrir
que se abrir para outras disciplinas não o ameaça em sua dimensão simbólica,
muito pelo contrário. Além desses, vários outros são os motivos que
justificam a Orientação Sexual, destacando-se, entre eles, o fato de jovens bem
informados costumarem iniciar a vida sexual mais tarde e com maior
responsabilidade. Além disso, muitas famílias não abrem espaço para o diálogo
em casa e deixam essa função para a escola. Assim, as crianças e os
adolescentes conversam sobre sexo com os amigos e podem receber informações
incompletas, errôneas e preconceituosas que a televisão mostra todos os dias,
além de inúmeras cenas de sexo e de relacionamentos entre homens e mulheres nem
sempre de forma natural e saudável (GUIMARÃES, 1995; RIBEIRO, 1990; VITIELLO,
1997; WERNER & WERNER, 2004). Assim, como a educação assumiu importante
papel no processo de transformação contemporâneo, inevitavelmente a escola
passa a ser um núcleo importante de aprendizagem e debate dos temas que no
dia-a-dia envolvem o cidadão, notadamente as questões atinentes ao sexo,
sexualidade, violência, relação intrafamiliar, dentre outros. E tais temas
podem ser levados por advogados, psicólogos, psiquiatras, professores, dentre
outros profissionais, não só para a escola, como para associações de moradores
e espaços comunitários. Isto porque o debate dos temas sobre sexo, violência,
sexualidade, dentre outros não é só responsabilidade do professor ou da
família, mas de profissionais da área jurídica, psicológica, bem como de toda
comunidade. No entanto, a escola por ser uma instituição onde, além de
informações, transitam os valores sociais vigentes e, por isso, neles a
sexualidade também estar presente. Por isso, a escola é, sem dúvida, uma das
instituições que mais reflete as regras sociais, cuja atuação e funcionamento
têm papel decisivo na construção do sujeito e, além disso, é um local
reconhecido pelo grupo social como transmissora de informações, habilidades e
valores culturais, socialmente compartilhados. Por ser um espaço de convivência
e relacionamento, a escola é onde há uma presença nítida da sexualidade, seja
através dos professores e das professoras, dos próprios adolescentes, das
crianças, de homens e mulheres. Por esta razão, Ribeiro (1990, p. 31), mostra
que: “A escola está sendo a instituição
mais indicada pelas autoridades educacionais, pelos especialistas e pela
sociedade em geral como sendo o campo fértil e ideal para se dar Orientação
Sexual.” A esse respeito, Vitiello (1997, p. 57) comenta que "(...) a educação sexual deve ser implementada nas
escolas porque não há outro lugar onde se consiga reunirem jovens.” Suplicy
et al (1998, p. 10-11), por seu turno, elege sete itens que justificam o porquê
da Orientação Sexual na escola, que são: " (...) porque a escola não pode fugir à sua responsabilidade; devido à falta
de informação; para superar medos e preconceitos; para o bem-estar sexual; para
ajudar na formação de identidade; para abrir canais de comunicação; e,
finalmente, porque ajuda a repensar valores". Sendo a escola um lugar
de curiosidades, sonhos, medos, idéias, aprendizagem, conquistas, descobertas
etc., esta não pode excluir as manifestações da sexualidade e, sim criar um
espaço de discussão aberta e franca sobre ela, deixando de lado os próprios preconceitos,
permitindo que cada um se mostre como é: com suas dúvidas, conflitos, medos. É
ela quem detém os meios pedagógicos necessários para a intervenção sistemática
sobre a sexualidade, de modo a proporcionar a formação de uma opinião mais
crítica sobre o assunto, permitindo, assim, a satisfação e os anseios dos
alunos. Segundo Fernandes (apud Lima, 2001, p. 7), em virtude de inúmeras
experiências têm mostrado que, quando as dúvidas das crianças e adolescentes
são acolhidas, menor é a agitação em sala de aula e melhor é o desenvolvimento
escolar: “(...) Impedir o conhecimento,
seja por valores rígidos ou em nome da ‘moral’ e dos bons costumes em nada
beneficia a criança, ao contrário, pode
provocar sérios bloqueios de aprendizagem, porque impede o desenvolvimento
da curiosidade pelo saber e a espontaneidade.” Além disso, convém entender
que a escola constitui um espaço onde os indivíduos passam grande parte de suas
vidas formando novos e importantes vínculos socioafetivos, sendo natural que
levem consigo o desejo de terem suas expectativas respondidas em relação à
sexualidade. É com essa intenção que Sayão (1997:113), defende que: O trabalho de Orientação Sexual desenvolvido
pela escola diferencia-se, pois, da abordagem assistemática realizada pela
família, principalmente no que diz respeito à transmissão dos valores morais
indissociáveis à sexualidade. Se, por um lado, os pais exercem legitimamente
seu papel ao transmitirem seus valores particulares aos filhos, por outro lado,
o papel da escola é o de ampliar esse conhecimento em direção à diversidade de
valores existentes na sociedade, para que o aluno possa, ao discuti-las, opinar
sobre o que lhe foi ou é apresentado. Neste sentido, a Orientação Sexual na
escola deve fundamentar-se numa visão pluralista da sexualidade, no
reconhecimento da multiplicidade de comportamentos sexuais e de valores a eles
associados. Corroborando esse pensamento, Suplicy et al (1998:12) A Orientação Sexual na escola se propõe a
ampliar, diversificar e aprofundar a visão sobre a sexualidade, transmitindo à
criança e aos adolescentes informações biológicas, corretas sobre a sua
sexualidade incluindo o conceito, as praticas sexuais ligadas ao afeto, ao
prazer, ao respeito e à responsabilidade. (....). É desejável que a Orientação
Sexual aborde a sexualidade dentro de um enfoque sociocultural, ampliando a
visão do estudante e ajudando no aprofundamento e na reflexão sobre seus
próprios valores. Desta forma, vê a importância do papel da escola no trato
com a sexualidade através da Orientação sexual de seus alunos. E, conforme
Schiavo & Andrade-Silva (2002:191): (...) para ser eficaz e efetivo, um programa de educação para a sexualidade
deve auxiliar os educandos a identificar e aceitar sua sexualidade como parte
integrante e inalienável do seu próprio ser, de maneira a criar condições para
a tomade de decisões sexuais e reprodutivas positivas e apropriadas,
fundamentadas em um sistema de valores bem definidos. Neste sentido,
inclusive, a Lei nº 9.3394/96 que compreende a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional - LDB, dispõe nos seus artigos sobre a educação e a
preocupação com o exercício da cidadania e o pleno desenvolvimento do educando
que articula vários aspectos, como: a saúde, a sexualidade, a vida familiar e
social, o meio ambiente, o trabalho, a ciência, dentre outros indispensáveis à
formação integral do indivíduo, destacando no artigo segundo: "Art. 2º A educação, dever da família e do
estado, inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais de solidariedade
humana, tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo
para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho". Isto quer dizer que, a partir de 1996, as escolas
passaram a contar com a proposta inovadora em termos educativos, notadamente os
PCN´s, elaborados pelo Ministério da Educação com apoio de diversos
especialistas, sendo de grande utilidade não só para implantação dos conteúdos
de sexualidade e saúde reprodutiva, mas também na discussão de princípios
democráticos como a dignidade da pessoa humana, a igualdade de direitos, a
participação e a co-responsabilidade social (BRASIL, 1997). Assim, a proposta é
a de que os temas como meio ambiente, ética, pluralidade cultural, trabalho e
consumo, educação sexual, devam ser tratados de forma transversal, isto é,
poderão ser abordados a qualquer momento e por todas as disciplinas (BRASIL,
1997). Neste documento, a sexualidade é tratada como algo que faz parte da vida
e da saúde de todas as pessoas e que se expressa do nascimento até a morte, relacionando-se
com o direito ao prazer e ao exercício da sexualidade com responsabilidade,
englobando as relações entre homens e mulheres, o respeito a si mesmo e ao
outro e às diferentes crenças, valores e expressões culturais existentes numa
sociedade democrática e pretendendo contribuir para a superação de tabus e
preconceitos que ainda existem no contexto sociocultural brasileiro e que, de
alguma maneira, dificultam o exercício da cidadania (BRASIL, 1997). Sendo assim, os PCN´s (Brasil, 1997) citam que a Orientação
Sexual deve ser abordada de duas formas,
quais sejam: dentro da programação, por meio dos conteúdos, ou seja,
transversalizados nas diferentes áreas do ensino; e extra programação, sempre
que surgirem questões relacionadas ao tema. Para tanto, o documento propõe que
a relevância sociocultural deva ser um critério de seleção dos conteúdos e que
os professores, ao abordá-los nas escolas, levem em consideração as dimensões
biológicas, culturais, psíquicas e sociais, pois sendo a sexualidade uma construção
humana, esta se encontra marcada pela história, pela cultura, pela ciência,
assim como pelos afetos e sentimentos, expressados com singularidade em cada
sujeito (BRASIL, 1997). Nesse sentido, o trabalho denominado pelos Parâmetros
Curriculares Nacionais de Orientação Sexual (Brasil, 1997), visa preencher
lacunas nas informações que as crianças e jovens apresentam, proporcionando
informações atualizadas, do ponto de vista científico, dando-lhes a
oportunidade de formarem opiniões do que lhes é apresentado, desenvolvendo
atitudes coerentes com os valores que eles elegerem como seus, ampliando os
conhecimentos a respeito da sexualidade humana, combatendo tabus, preconceitos,
abrindo espaços para discussões de emoções e valores, elementos fundamentais
para a formação dos indivíduos responsáveis e conscientes de suas capacidades.
A proposta defendida pelos PCN’s (Brasil, 1997) visa contribuir para que
crianças e jovens possam desenvolver e exercer sua sexualidade com prazer e
responsabilidade, visando à promoção do bem-estar sexual, pautando-se sempre
pelo respeito por si e pelo próximo, buscando garantir a todos direitos
básicos, como: saúde, informações e conhecimento, elementos indispensáveis na
formação de cidadãos responsáveis e conscientes de suas capacidades. Desta
feita, cabe não só à escola, mas a todos engajados na ação educativa, no
sentido de abrir um canal para o debate permanente com crianças e jovens acerca
das questões relacionadas à sexualidade, como bem explicita o próprio PCN
(Brasil, 1997, p.122), vez que esse tipo de trabalho exige planejamento e
intervenção por parte do profissional de educação, pois não deve limitar-se à
veiculação de informações de caráter puramente biológico, ou preventivo, no que
se refere somente ao controle das doenças sexualmente transmissíveis, abuso
sexual, gravidez e outros inconvenientes sociais, mas, do contrário, devem
incluir um questionamento mais amplo sobre o sexo e seus valores, seus aspectos
preventivos para o indivíduo como forma de exercício da cidadania. Desta forma,
deve-se salientar que a participação dos pais também é fundamental no processo
de Orientação Sexual, pois incentiva o processo de co-responsabilidade. E,
conforme observam Schiavo & Andrade-Silva (2002, p.189): Todas essas iniciativas buscam capacitar,
treinar e especializar profissionais de diversas áreas (...), para que possam
prestar serviços educativos, de aconselhamento ou terapêuticos, em sexualidade.
(....) Evidentemente, todo programa de educação sexual deve se pautar pelo princípio
de que a sexualidade - por sua ampla variabilidade individual, cultural e
temporal - não pode ser caraterizada através de um padrão universal. Contudo, é
possível estabelecer alguns princípios, conceitos e objetivos essenciais, bem
como as áreas sobre as quais a educação sexual pode produzir maior impacto. Por
exemplo, é consenso entre os educadores sexuais que todas as pessoas, sem
quaisquer discriminações, têm direito a: exercer, de forma plena e
satisfatória, sua sexualidade; formar uma família, de acordo com suas próprias
aspirações; igualdade e eqüidade de gênero; desfrutar de saúde sexual e
reprodutiva; praticar a planificação familiar, determinando o número de seus
filhos e o momento mais adequado para tê-los, devendo dispor das informações e
dos meios necessários ao exercício desse direito. Assim sendo, conforme
Aquino (1997), Vitiello (1997) e Suplicy et al (1999), não existe uma exigência
profissional específica para alguém exercer o papel de orientador sexual. Isso
leva a entender que não só o professor que convive com seus alunos, muitas
vezes diariamente, que conhece a forma como vivem em grupo, seus conflitos etc.
Nesse sentido, o orientador sexual ideal é aquele que está aberto para
questionamentos e predisposto a mudanças, a escutar a criança e jovem,
reconhecendo seus limites, pois estes deverão ser encorajados a expressar suas
idéias e opiniões sem ter que dar depoimentos pessoais. Em suma, o que se quer
dizer é que qualquer profissional, seja professor ou professora, advogado,
psicólogo dedicado ao tema poderá exercer esse papel, desde que tenha abertura
receptiva para o grupo e interesse pelo tema, despertando e encorajando o
educando a buscar apoio quando necessário e a participar como protagonista de
sua própria história. Considera-se que é estratégico
o papel de 1º e 2º graus na prevenção e identificação dos casos, e que é
obrigatória a notificação por parte dos profissionais, nos casos envolvendo
suspeita ou confirmação de maus-tratos (ECA, art. 245). Dessa forma, aponta-se
a necessidade de se abordar o tema da violência contra crianças e adolescentes,
possibilitando enfrentar adequadamente o problema (CURY ET AL, 1993).
Ressalta-se a importância da inclusão do tema nos currículos escolares,
viabilizando aos alunos a conscientização dos seus direitos, a prevenção e a
identificação de situações de violência. Por outro lado, as ONGs da área de
exploração sexual de crianças e adolescentes, têm se mobilizado através de redes, como estratégia de mediação
entre o universo do público não estatal e estatal. Redes de movimento, redes
sociais e redes de solidariedade são expressões vinculadas a estudos efetuados
no campo dos movimentos sociais. Nesse caso, a rede corresponde as
articulações/interações vinculadas às ações/movimentos reivindicatórios,
visando a mobilização de recursos, intercâmbio de dados e experiências e a
formulação de projetos e políticas (ZAN, 2001). As redes que compõem o
movimento de combate à exploração, abuso sexual e maus-tratos de crianças e
adolescentes têm se baseado nas seguintes dimensões: Política (estabelecimento
de correlação de forças); Educação - construção de conhecimento e competência
histórica; Informação - mobilização através da sistematização de dados,
experiências e denúncias; Parceria - cooperação autônoma e conflituosa para a
reformulação e implantação de projetos e políticas públicas (ZAN, 2001). Nesta
direção as ações desenvolvidas pelo fim da exploração, abuso sexual e
maus-tratos de crianças e adolescentes no Brasil têm se constituído em Redes
que articulam as ONGs, organismos governamentais e internacionais a partir de
informações/denúncias, criando laços de solidariedade, de projetos políticos e
culturais, compartilhados em identidades e valores coletivos (ZAN, 2001). Essas
redes têm transformado o conteúdo de denúncias, em conteúdos propositivos
capazes de produzir insumos para contribuir na formulação das políticas
públicas, voltadas para uma política de desenvolvimento de qualidade de vida,
que articule medidas sociais e econômicas (ampliação do emprego, de inserção em
programas de renda mínima, seguro desemprego, apoio às micro empresas
informais, profissionalização para o mercado e políticas de tributação fiscal,
para obter orçamento que viabilize a implantação de políticas públicas,
importantes na redistribuição de renda das famílias e das crianças e
adolescentes). O papel das ONGs que atuam no combate à exploração, abuso sexual
e maus-tratos de crianças e adolescentes no Brasil a partir de 1993, tem sido o
de contribuir para uma participação efetiva das ONGs na implementação das
políticas de atendimento às crianças e adolescentes, e releitura da legislação
para desmobilização da ação do agressor, do usuário e das redes de
comercialização. Têm contribuído também para a mobilização da sociedade e a formação
da opinião pública, dando visibilidade ao fenômeno, o que tem propiciado a
"quebra" do silêncio, estratégia da desmobilização da exploração,
abuso e maus-tratos de crianças e adolescentes na família, na rua, nas redes de
comercialização e na mídia. Neste sentido, Brino (2002) defende que é possível
capacitar pessoas que lidam com crianças e adolescentes a identificar vítimas
de abuso sexual por meio de identificação de sintomas. E as pessoas preparadas,
sejam professores, advogados, psicólogos, podem desempenhar um importante papel
no diagnóstico precoce se aprenderem a diferenciar tais sintomas. Esse estudo
compõe-se de duas fases: a primeira delas está em caracterizar o repertório de
informação das educadoras de escolas no que refere-se a abuso sexual infantil.
E, a segunda, em avaliar a eficácia de uma intervenção com educadoras no
sentido de capacita-las atuarem com educadoras que já haviam participado da
fase anterior. Faleiros (1998, p. 24) neste sentido, observa que: A formação deve incluir a temática da
sexualidade (...) inclui-se ainda a discussão da sexualidade na cultura
brasileira e a análise da relação entre violência e sexualidade. A metodologia
de trabalho profissional implica uma crítica dos paradigmas do isolamento, de
problemas, da patologização do indíviduo, e a rticulação dos paradigmas de
redes, de proteção integral e de trabalho cultural (...) A informação, a
discussão do problema na mídia, na escola e o desenvolvimento de trabalho
comunitário, formando-se redes de proteção à criança e ao adolescente. Sabe-se,
portanto, que o trabalho de orientação sexual é um processo que não tem começo
nem fim, pois ela está intrinsecamente relacionada com o aprendizado da vida.
Nesse sentido, esta não se resume a uma mera intervenção pedagógica como uma
palestra ou simplesmente a informações preventivas como por exemplo, os
cuidados para evitar uma gravidez, abuso sexual ou para prevenção de DST.
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