A arte do
artista estadunidense Scott Hess.
LITERÓTICA: CONTENDA
- Imagem: arte do artista estadunidense Scott Hess.Ela nua e linda ali pronta para o ataque: pele despida
assaltando o meu coração apressado que vai com toda munição nas mãos para
suplantar suas defesas e trapaças na mira do meu gatilho até a última instância
de todas as suas sedições voluptuosas. Ela, a Vênus nua dos olhos faiscantes de
infinitos desejos e que possuem o néctar do gozo dos mil ventos que inebriam
com o fogo das suas entranhas rasgando a velada intimidade fecunda de amor onde
eu sou remador dessa canoa de desejos. Nua e linda se fazendo errada às
vergastas do meu carinho ateu enquanto o seu sorriso estelar compõe os matizes
de luz que irradiam de sua carne fêmea uivante queimando a lenha da minha
canção ardente e estiolada Não me contenho e sou manhã integral no seu paraíso
e embriagado com o vinho do seu corpo de vertiginosa flor das entranhas nuas
com todos os ferrolhos destrancados, todas as escoras rebentadas, todos os
pilares removidos, todas as searas para o meu domínio e eu torrencial no
contágio da sua boca que engole a minha agonia e o sangue fervendo nas veias.
Sou mais que faminto porque sei que não oferece a menor resistência e se deixa
espalmada no tabuleiro pronta para o sacrifício da última cartada no bem mais
precioso: a sua dinamite úmida onde alcanço o céu e recolho toda maravilha do
dorso felino no sonho de Ariano. Revigorada e à espreita em plena temporada de
caça, ela acomoda a nudez de esvoaçante onirismo: dos pés à cabeça é só
sedução. E ela insurreta me faz caudatário da sua sublevação que nos confunde
caça e caçador na mesma batalha, guilhotinando o tempo, minando os espaços e eu
fico refém da fogueira do seu ventre, dos sóis e luas da boca dos lábios de
carmim e riso tentador com açoites incontáveis que esfola a alma e se desata no
arremesso demolindo todas as estruturas do universo. Nosso olhar se confunde em
nossa pele eriçada: é tudo explosão no trapézio da cama-de-gato, nos grilhões
do desejo, na questão de honra de esmagar enquanto a faço prisioneira impedida
de desertar do meu ataque. Assim, nua e linda capitula e se banqueteia na minha
proclamação triunfante sobre a nossa mútua rendição. © Luiz Alberto Machado.
Direitos reservados. Veja mais aqui.
DITOS & DESDITOS – Até mesmo o invulgar tem de ter limites. Pensamento do
escritor tcheco Franz Kafka (1883-1924). Veja mais aqui.
O UNIVERSO – O universo é produto da nossa
imaginação; o universo tem a idade de cada um de nós. Pensamento do
escritor, professor, advogado e arquiteto Evaldo
Coutinho (1911-2007), extraído da obra A imagem e seus labirintos: o cinema
clandestino do Recife: 1930-1964 (Nektar, 2014), de Paulo Carneiro da Cunha
Filho.
O EMPRÉSTIMO – [...] leu um
anúncio de alguém que pedia um sócio, com cinco contos de réis, para entrar em
certo negócio, que prometia dar, nos primeiros seis meses, oitenta a cem contos
de lucro. Custódio foi ter com o anunciante. Era uma grande idéia, uma fábrica
de agulhas, indústria nova, de imenso futuro. E os planos, os desenhos da
fábrica, os relatórios de Birmingham, os mapas de importação, as respostas dos
alfaiates, dos donos de armarinho, etc., todos os documentos de um longo
inquérito passavam diante dos olhos de Custódio, estrelados de algarismos, que
ele não entendia, e que por isso mesmo lhe pareciam dogmáticos. Vinte e quatro
horas; não pedia mais de vinte e quatro horas para trazer os cinco contos. E
saiu dali, cortejado, animado pelo anunciante, que, ainda à porta, o afogou
numa torrente de saldos. Mas os cinco contos, menos dóceis ou menos vagabundos
que os cinco mil-réis, sacudiam incredulamente a cabeça, e deixavam-se estar
nas arcas, tolhidos de medo e de sono. Nada. Oito ou dez amigos, a quem falou,
disseram-lhe que nem dispunham agora da soma pedida, nem acreditavam na
fábrica. Tinha perdido as esperanças, quando aconteceu subir a rua do Rosário e
ler no portal de um cartório o nome de Vaz Nunes. [...] Custódio aceitou os cinco
mil-réis, não triste, ou de má cara, mas risonho, palpitante, como se viesse de conquistar a Ásia Menor.
Era o jantar certo. Estendeu a mão ao outro, agradeceu-lhe o obséquio,
despediu-se até breve, - um até breve cheio de afirmações implícitas. Depois
saiu; o pedinte esvaiu-se à porta do cartório; o general é que foi por ali
abaixo, pisando rijo, encarando fraternalmente os ingleses do comércio que
subiam a rua para se transportarem aos arrabaldes. Nunca o céu lhe pareceu tão
azul, nem a tarde tão límpida; todos os homens traziam na retina a alma da
hospitalidade. Com a mão esquerda no bolso das calças, ele apertava
amorosamente os cinco mil-réis, resíduo de uma grande ambição, que ainda há
pouco saíra contra o sol, num ímpeto de águia, e ora habita modestamente as
asas de frango rasteiro. Trecho de um conto extraído da Obra
Completa (Nova Aguilar 1994), do escritor Machado de Assis (1839-1908).
Veja mais aqui.
TRES POEMAS – FLOR - A pedra. A pedra no ar,
a qual segui. Teu olho, tão cego quanto a pedra. Éramos mãos, haurimos toda a
treva e encontramos a palavra que aflorou o verão: Flor. Flor – uma palavra de
cegos. Teu olho e meu olho: eles providenciam água. Crescimento. Paredes de
coração vão se folhando ali. Mais uma palavra como essa, e os martelos vibrarão
a céu aberto. A AREIA DAS URNAS - Verde-mofo é a casa do esquecimento. Ante
cada um dos portões flutuantes vai azulando teu tamborileiro decapitado. Para
ti ele repica os tambores de musgo e amargos pelos pubianos; com artelho purulento
pinta na areia tua sobrancelha. Mais longa do que era ele a desenha, e o
vermelho de teu lábio. Enches aqui as urnas e dás de comer a teu coração. NOS
RIOS - Nos rios ao norte do futuro lanço a rede que tu, hesitante, lastreias
com sombras escritas por pedras. Poemas do poeta ucraniano-francês Paul Celan (1920-1970). Veja mais aqui.
A arte
do artista estadunidense Scott Hess.
TORTURA,
PENAS CRUÉIS E PENAS PREVISTAS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 - O presente
estudo de pesquisa se inscreeve na temática "Tortura, penas cruéis e penas previstas na Constituição Federal de 1988",
partindo do pensamento que a criminalidade é, provavelmente, um dos fenômenos
de maior complexidade na história da evolução humana. Como surgiu, de que forma
prosperou entre os indivíduos, como passou de circunstância isolada ao fenômeno
social moderno, todas estas indagações restam dissecadas e esgrimidas nas teses
que procuram entender o crime. Sob este prisma, observa-se que a tortura
constituiu-se, historicamente, em verdadeira instituição nacional e o Brasil
foi um dos últimos países ocidentais a tipificá-la como crime. A Constituição
da República de 1988 estabeleceu no art. 5º, inciso III, que ninguém será
submetido à tortura, nem a tratamento desumano ou degradante, dispondo no
inciso XLIII que a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de
graça ou anistia as práticas da tortura, por eles respondendo os mandantes, os
executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem; e o Brasil ratificou,
desde 1989, a Convenção Contra a Tortura e Outras Penas Cruéis (1984) e a
Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura (1985). Para cumprir o
texto constitucional e os compromissos internacionais assumidos, foi
introduzido, no ordenamento jurídico brasileiro, a lei 9455/97. Isso aconteceu,
logo após a enorme repercussão nacional e internacional do episódio da Favela
Naval, em Diadema/SP, que tipificou o crime de tortura. Até então, inexistia na
legislação repressiva penal anterior, a lei 9455/97, conduta delituosa
tipificadora da prática da tortura. É a partir de tais observações
introdutórias que se desenvolverá o presente estudo de pesquisa. Primeiramente,
no presente estudo de pesquisa, convém encetar a definição da palavra tortura,
que vem do latim, tortura, e
significa suplício, martírio, tormento, transe aflitivo, podendo ser físico ou
psicológico. Foi definida pela Associação Médica Mundial (apud Ruiz-Mateos,
1978:124), em assembléia realizada em Tóquio, em 1975, como sendo a imposição
deliberada, sistemática e desconsiderada de sofrimento físico ou mental por
parte de uma ou mais pessoas, atuando por própria conta ou seguindo ordens de
qualquer tipo de poder, com o fim de forçar uma outra pessoa a dar informações,
cofnessar ou por outra razão qualquer. Em outras línguas, por exemplo, o verbo torturar também traduz o mesmo sentido
na língua espanhola; no inglês, to
torture; no francês, torturer; no
italiano, torturare; no alemão, foltern. A semelhança da tradução nas
mais conhecidas línguas do mundo ocidental, com exceção da da língua alemã,
corrobora a assertiva de que tortura sempre o foi e sempre será uma prática
globalizada, da maioria absoluta das nações e dos Estados outrora e hoje
existentes na Terra. Pellegrino (1982:3) observou que: (...) a tortura busca, à custa do sofrimento
corporal insuportável, introduzir uma cunha que leve à cisão entre o corpo e a
mente. E, mais do que isto: ela procura, a todo preço, semear a discórdia e a
guerra entre o corpo e a mente. Através da tortura, o corpo torna-se nosso
inimigo e nos persegue. (...) Na tortura, o corpo volta-se contra nós, exigindo
que falemos. (...) O projeto da tortura implica numa negação total - e
totalitária - da pessoa, enquanto ser encarnado. (...) A tortura visa ao avesso
da liberdade. Desta forma, entende-se que tortura é tudo aquilo que
deliberadamente uma pessoa possa fazer a outra, produzindo dor, pânico,
desgaste moral ou desequilíbrio psíquico, provocando lesão, contusão,
funcionamento anormal do corpo ou das faculdades mentais, bem como prejuízo à
moral. A tortura é uma prática antiga da história da humanidade, independente
de raça ou localização geográfica, distinguindo-se entre dois tipos
específicos, os quais textos de convenções e acordos internacionais procuram
atingir. São elas a da tortura policialesca ou inquisitorial, praticada por
motivo meramente funcional ou instrumental; e a institucional, utilizada por
motivos político-ideológicos. Em relação à tortura policialesca, geralmente
praticada nos porões dos presídios e cadeias, por funcionários estatais
subalternos, quais sejam agentes, investigadores, comissários, carcereiros, e
policiais militares, conta com o apoio ou com a conivência declarada de
magistrados, membros do Ministério Público e autoridades policiais. É tolerada
com base no entendimento de que, em relação a certos suspeitos, o único meio de
obter prova material e da autoria do crime é através do castigo físico ou
mental. Também é comum a concordância de leigos, principalmente de vítimas de
crimes contra o patrimônio, com a prática da tortura, sob a justificativa que é
o único meio para se chegar a resultados satisfatórios no campo da investigação
policial. Entende-se, portanto, que é papel das organizações policiais e
sociedade civil demonstrar que essas práticas não são isoladas e que persistem,
em boa parte, devido à falta de empenho político para investigar, afastar,
processar, julgar e punir quem comete tortura. Também é necessário admitir o
controle civil efetivo, autônomo e independente das polícias, como fator
inibidor e preventivo da tortura e violência policial. Sem contar a necessidade
premente de estudos para diagnosticar as causas e para o desvelamento de
alternativas construtivas, na erradicação de todas as formas de tratamentos
cruéis, desumanos e de tortura. A prática da proteção dos Direitos Humanos só
evoluiu quando sua violação atingiu pessoas que se julgavam inatingíveis. Os
acontecimentos, outrora banais, fatalizaram-se na Europa e em todo o mundo. O
tema da tortura não é apenas mais um dentre a lista de violações aos direitos
humanos. Mas, o que atinge diretamente a pessoa humana, em sua integridade
física e psicológica, e é praticada por alguém constituído com as mesmas
características biológicas e, na maioria das vezes, racial, religiosa e social.
Muitas convenções foram assinadas para coibir a tortura. Muitas vozes, dentre
elas do Beccaria que reage contras as penas corporais, contra o processo iníquo
e supedâneo, pugnado pela humanização do Direito Penal.A revolucionária obra de
Cesare Bonezana, o Marquês de Beccaria, cuja evoluída visão e extraordinário
intelecto, fortemente influenciado pela teoria contratualista de Rosseau,
construiu as teses sugerindo que ao ordenamento jurídico penal implementador de
condutas e sanções preexiste um Contrato Social que vincula indelevelmente os
indivíduos entre si e estes com a sociedade em pactos mútuos que se revelam
úteis à maioria. Este grande Trato Social reinando soberano acima de todas as
cabeças e todos, indistintamente, devem levar a temê-lo de igual maneira. Beccaria
(1991:96) opera tal exegese ao afirmar que: (...) consultemos a história e veremos que as leis, que são ou deveriam ser
pactos entre homens livres, não passaram, geralmente, de instrumentos das
paixões de uns poucos, ou nasceram da necessidade fortuita e passageira; jamais
foram elas ditadas por um frio examinador da natureza humana, capaz de
aglomerar as ações de muitos homens num só ponto e de considerá-las de um único
ponto de vista: a máxima felicidade compartilhada pela maioria. Felizes as
raras nações que não esperaram que a lenta evolução das circunstâncias e das
vicissitudes humanas conduzisse ao bem após ter atingido o mal extremo, mas que
por meio de boas leis aceleraram as passagens intermediárias. Beccaria
propõe que não basta construir o depósito das liberdades individuais
renunciadas, mas é mister defendê-lo das usurpações privadas de cada homem em
particular, o qual sempre tenta não apenas retirar do depósito a porção que lhe
cabe, mas ainda procura apoderar-se daquela dos outros. Tal defesa consiste nas
leis. De tal forma que Beccaria (1991:72) assim se manifesta: (...) resulta evidente que o fim das penas não é
atormentar e afligir um ser sensível, nem desfazer um delito já cometido. É
concebível que um corpo político, que, bem longe de agir por paixões
particulares, possa abrigar essa inútil crueldade, instrumento do furor e do
fanatismo, ou dos fracos tiranos? Poderiam os gritos de um infeliz trazer de
volta do tempo sem retorno as ações já consumadas? O fim, pois, é apenas
impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e dissuadir os outros
de fazer o mesmo. É, pois, necessário escolher penas e modos de inflingi-las,
que, guardadas as proporções, causem a impressão mais eficaz e duradoura nos
espíritos dos homens, e a menos penosa no corpo do réu. Disso, apreende-se
que aos destinatários das penas recai o enorme ônus de justificar o sistema de
repressão estatal, infligindo-se-lhes punição que encerra sofrimento maior do
que o previsto, eis que a pena de reclusão no Brasil guarda infortúnio maior do
que a perda da liberdade: a submissão dos indivíduos mais fracos aos mais
poderosos, o que concorre para as sevícias físicas e morais, suplícios que
evidentemente transcendem ao mero encarceramento. A perda da liberdade é sanção
prevista para determinadas condutas delituosas constantes do Estatuto
Repressivo. Não há, assim, punição alguma a ser alcançada acima dela. Expor um
cidadão à violências físicas e morais, ou não protegê-lo desta cruel
possibilidade, equivale à aplicação de uma pena justa mais uma outra injusta e
inconcebível. Visando coibir isso, a Constituição Federal de 1988, prescreve em
seu art. 5: Art. 5.º Todos são iguais
perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros
e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...) III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou
degradante. Esta Constituição estabeleceu uma série de princípios de
conteúdo especificamente penalísticos, os quais norteiam a estrutura de nosso
sistema penal. Entre eles coexistem: o princípio da individualização da pena, a
cargo da lei ordinária, mas adstrita à utilização de penas privativas de
liberdade e restritiva de direitos, excluídas as penas cruéis como a de morte,
a perpétua, os trabalhos forçados e o banimento, consoante o art. 5º, incisos
XLVI e XLVII, da CF; e o princípio do tratamento mais restritivo a determinados
crimes reputados mais graves, seja pelo próprio legislador constitucional, que
expressamente contempla o racismo, a tortura, o tráfico ilícito de
entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e a ação de grupos armados, civis ou
militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático, seja pelo
legislador ordinário, a quem se delegou a definição dos crimes hediondos,
conforme previsto no art. 5º, incisos XLII, XLIII e XLIV. Portanto, deflui da
estrutura do sistema penal pátrio, traçada pela Constituição, que não são
incompatíveis as normas infraconstitucionais que tratam da individualização da
pena, e aquelas que recrudescem a punição e a execução das penas dos crimes aos
quais se dirige tratamento mais gravoso. De modo que, atendidos, ainda, os
princípios da legalidade e da culpabilidade, o primeiro a delimitar
objetivamente o âmbito da criminalização, e o segundo a conter o alcance
subjetivo da punição, legítimas se fazem, em tese, as funções legislativa e
jurisdicional que realizam a diferença de tratamento das diversas hipóteses. Precisamente
por esta razão é que o Supremo Tribunal Federal, seguido pela predominante
jurisprudência do país, reconheceu a constitucionalidade da Lei dos Crimes
Hediondos, ainda mesmo quando esta estabeleceu o regime integralmente fechado
de cumprimento de pena, como expressão da conjugação dos princípios de Direito
Penal Constitucional: o da individualização da pena e o do tratamento mais
restritivo aos crimes hediondos, conforme previstos no art. 5º, incisos XLIII e
XLVI, da CF. Outros diplomas legais tratam do mesmo assunto, tais como, o
Decreto Legislativo n.º 4, de 1989, que aprova o texto da Convenção das Nações
Unidas contra a Tortura e outros tratamentos ou penais cruéis, desumanos ou
degradantes; o Decreto Legislativo n.º 5, de 1989, que aprova o texto da
Convenção Interamericana para prevenir e punir a tortura; o Decreto n.º
98.386/1989, que promulga a Convenção Interamericana para prevenir e punir a
tortura; o Decreto n.º 40/91, que promulga a Convenção contra a tortura e
outros tratamentos ou penas cruéis, desumanos ou degradantes; e a Lei n.º
9455/97, define os crimes de tortura, explicitado em seu art. 1.º, conforme
visto: Art. 1º Constitui crime de
tortura: I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça,
causando-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter informação,
declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação
ou omissão de natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou religiosa;
II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de
violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de
aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Pena - reclusão, de
dois a oito anos. § 1º Na mesma pena incorre quem submete pessoa presa ou
sujeita a medida de segurança a sofrimento físico ou mental por intermédio da
prática de ato não previsto em lei ou não resultante de medida legal. § 2º
Aquele que se omite em face dessas condutas, quando tinha o dever de evitá-las
ou apurá-las, incorre na pena de detenção de um a quatro anos. § 3º Se resulta
lesão corporal de natureza grave ou gravíssima, a pena é de reclusão de quatro
a dez anos; se resulta morte, a reclusão é de oito a dezesseis anos. § 4º
Aumenta-se a pena de um sexto até um terço: I - se o crime é cometido por
agente público; II - se o crime é cometido contra a criança, gestante,
deficiente e adolescente; III - se o crime é cometido mediante seqüestro. § 5º
A condenação acarretará a perda do cargo, função ou emprego público e a
interdição para seu exercício pelo dobro do prazo da pena aplicada. § 6º O
crime de tortura é inafiançável e insuscetível de graça ou anistia. § 7º O
condenado por crime previsto nesta Lei, salvo a hipótese do § 2º, iniciará o
cumprimento da pena em regime fechado. É de vital importância, para
dissipar as dúvidas, esclarecer como configuram-se a violência e a grave
ameaça, capituladas na lei 9455/97. A violência é o emprego de força física,
ocasionando a eliminação da resistência do ofendido. A grave ameaça consiste na
manifestação do propósito de causar à vítima de tortura, um mal futuro que se
consumará, havendo a vontade do autor da ameaça. Outros aspectos de igual
relevância são os que dizem respeito a guarda, poder e autoridade, de
conceituações de natureza penal. No que se refere à guarda, se enquadram todas
as hipóteses em que a lei ou ato judicial tenham incumbido alguém de dar
proteção e amparo a uma pessoa, compreendendo também qualquer situação de fato
em que se tenha atribuído a guarda a alguém, desde que esteja demonstrada tal
situação. Existindo a relação jurídica de sujeição do sujeito passivo ao
torturador, fundada em vínculo de direito público ou privado, presume-se o
exercício ou idéia de poder. O conceito de autoridade, em que se enquadra o
policial militar, no exercício de suas funções, esta disposto no art. 5º da Lei
nº 4898/65, referente ao abuso de autoridade, o que permite a integração da
legislação penal sob exame: “Art. 5º
Considera-se autoridade para os efeitos desta lei, quem exerce cargo, emprego
ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente ou
sem remuneração”. Sendo assim, esta é uma das situações, em que o crime de
tortura se caracteriza como próprio; no qual o autor tem que, necessariamente,
possuir determinada qualidade, no caso do policial militar, investido de
autoridade, enquanto agente estatal público, no exercício de suas atribuições
policiais. Vê-se que na Lei 9.455/97, em seu parágrafo 1º, há um aspecto
relacionado com os policiais militares no exercício de suas funções, no que se
refere à pessoa presa; expressão que deve ser interpretada, o mais
abrangentemente, considerando-se a pessoa que esteja em prisão temporária ou em
qualquer outra forma de prisão cautelar, e também quem está preso, por decisão
de sentença condenatória. A modalidade de prisão em flagrante é aquela em que o
policial militar se depara, no exercício de suas atividades; tida como prisão
cautelar, não podendo, igualmente, o preso ser submetido a sofrimento físico ou
psíquico. Neste sentido Thompson (1980:62) observa que: "(...) a repetição freqüente da recidiva, por parte
daqueles que cumpriram pena, representada, às vezes, pelo retorno ao cárcere de
pessoas que mal saíram dele". Trata-se de prova inequívoca de que a
instituição falha tanto em intimidar quanto em recuperar, e não obstante seja
comum o recém-liberto recidivar na conduta criminosa, e tal constatação sequer
arranha a sensibilidade social. Parece evidente que os fins de punição e
ressocialização não podem coexistir nesta idêntica concepção prisional. O ato
de punir, traduzido pelo confinamento carcerário, importa que se atinja o preso
em sua autodeterminação, iniciativa, discernimento, implica na supressão da vontade
e da autonomia do detento. Já a terapia ressocializadora exige exatamente o
contrário: encorajamento do auto-respeito, do senso de responsabilidade, da
auto-confiança e do espírito de independência. Também Foucault (1987:191)
contribui para demonstrar esta impossibilidade, apontando outra insensatez do
sistema prisional moderno que já é proverbial no cárcere: (...) Como a lei inflige penas umas mais graves
que outras, não pode permitir que o condenado a penas leves se encontre preso
no mesmo local que o criminoso condenado a penas mais graves (...); se a pena
infligida pela lei tem como objetivo principal a reparação do crime, ela
pretende também que o culpado se emende. Esta realidade não é todavia, o
quanto basta para sensibilizar a sociedade, pois os fins justificam os meios na
medida em que os termos da segurança coletiva, consagrados no contrato social,
impõem-se sobre a segurança e dignidade pessoais, pouco importando a violência
que se opera contra o preceito do artigo 5º, inciso XLIX da Carta
Constitucional. Neste contexto, é previsível que o dispositivo se aplique,
também, para os casos de apreensão em flagrante, por prática de ato
infracional, conforme estabelecido na Lei 8.069/90 Estatuto da Criança e do
Adolescente. Desta forma, a interpretação e aplicação tendem a ser mais
abrangentes, em face de situações que culminem com a privação ou restrição da
liberdade. A última forma de consumação do delito de tortura é aquela cometida
por omissão, cujo conteúdo está transcrito no parágrafo 2º do art. 1º. A
omissão, doutrinariamente, não é somente deixar de fazer, ou inércia ou inação;
omitir é o não fazer aquilo que se tinha o dever de fazer. Estarão sujeitos à
punição prevista nesta Lei, tanto aquele que se omite em evitar ou opor-se às
condutas de constrangimento e submissão que possibilitam continuidade, pelo
torturador, impedindo que o crime se consuma, bem como aquele que, tomando
conhecimento, deixa de apurar, devidamente, para fins de responsabilização
penal. Como se pode perceber, em qualquer das circunstâncias declinadas, o
agente tem o dever de garantir e resguardar a integridade física e mental da
pessoa humana. A conduta omissiva consiste no hesitar em adotar providências
para promover a apuração da prática de tortura de que se teve conhecimento,
detendo o agente público omisso o dever legal de proteção e vigilância da
pessoa sob sua guarda, poder e autoridade. No parágrafo 4º do art. 1º da Lei em
análise, são previstas situações cominadas como agravantes, que podem redundar
em aumento de pena, de um sexto a um terço. Entre tais situações agravantes,
está a qualidade de agente público sujeito ativo da prática da tortura. A outra
recai na condição da pessoa que sofreu a tortura, criança, adolescente,
gestante, ou deficiente; e a última, se o crime foi praticado, mediante
seqüestro. A lei trata o crime de tortura com o rigor necessário, com vistas a
coibir, inibir, e prevenir sua prática. No entanto, em se consumando o crime e
transitada em julgada a sentença condenatória, estabelece o parágrafo 5º do
art. 1º que o agente público atingido perderá seu cargo, emprego, ou função
pública. Além disso, prevê sua interdição para o exercício daqueles, pelo dobro
do prazo da pena aplicada, equivalendo à proibição de concorrer a cargo,
emprego, ou função pública, pelo prazo fixado. Independente do quantum da pena
aplicada, são efeitos automáticos da condenação. Como previu a Constituição
Federal, em seu inciso XLIII do art. 5º, o crime de tortura é inafiançável e
insuscetível de graça ou anistia, o que ficou estabelecido nos parágrafos 6º e
7º da lei em comento. Dispôs, ainda, que o regime inicial para cumprimento da
pena é fechado, permitindo a progressão do regime. O instituto da
inafiançabilidade, previsto no parágrafo 6º da Lei da tortura, principalmente
de ordem prática nas atividades policiais, é o relativo às exceções abertas à
imposição de prisão em flagrante delito. Ele faz com que, em tratando-se de
prática de tortura, as exceções da prisão em flagrante fiquem reduzidas somente
ao Presidente da República, aos Governadores de Estado, Chefes de Governos
estrangeiros e suas comitivas e Diplomatas acreditados perante o Governo
brasileiro. O crime de tortura foi concebido como comum, o que fará surgir
questões relativas à competência de julgamento, quando o autor for policial
militar no exercício de suas atribuições: se pela justiça comum, ou pelo foro
criminal especializado da Justiça Militar. Isso porque inexiste a tipificação
do delito de tortura na legislação penal militar. De qualquer forma, antes
mesmo da edição da lei que criminalizou a prática da tortura, já existia o
conflito sobre a competência, quando, então, se discutia as disposições do art.
233 do Estatuto da Criança e do Adolescente, ora revogadas. Conclue-se que a
Lei atribui acentuado rigor, na repressão à prática da tortura, ao passo que
contribui para evitar e promover a desmoralização da autoridade pública, ao
assumir condutas arbitrárias e violentas contra aqueles que têm o dever de
proteger e preservar a integridade física, psíquica e moral. Notadamente, a
prática contra a tortura vem sendo implementada em todos os Estados-nação. É o
que se pode verificar em outras legislações, a exemplo da Declaração Universal
dos Direitos Humanos, aprovada em 10 de dezembro de 1948, em seu art. 5º. O
mesmo ocorre na Convenção Contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas
Cruéis, Desumanos ou Degradantes, adotada pela resolução nº 39/46, da
Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de Dezembro de 1984. Outro exemplo é
a Convenção Interamericana Para Prevenir e Punir a Tortura, adotada e aberta à
assinatura no XV Período Ordinário de Sessões, da Assembléia Geral da
Organização dos Estado Americanos, em Cartagena das Índias (Colômbia), em 9 de
Dezembro de 1985. Pode-se, então, observar que todos estes instrumentos visam a
erradicação e punição da tortura, sendo também um pouco anteriores à
Constituição Cidadã de 1988, que também consagrou como princípio fundamental a
suspensão, proibição e vedação absoluta à prática da tortura. O Brasil já era
país signatário de tratados e convenções que punem e erradicam a tortura, desde
1989. Também sua Constituição, promulgada em 1988, prevê a proibição desta
prática. No entanto, somente nove anos depois, foi promulgada, no País, uma lei
que tipifica e pune o crime. É importante frisar que a tortura era instrumento
corrente para reprimir, castigar, intimidar, humilhar e matar pessoas, no
período ditatorial. E, mesmo após o término desse regime, é forçoso
diagnosticar que o Estado Democrático de Direito ainda está longe de se
completar, jurídica e socialmente, uma vez que até mesmo os direitos inerentes
à pessoa humana padecem de legislação específica para sua efetiva aplicação.
CONCLUSÃO
- A liberdade é sem dúvida alguma um dos direitos básicos de qualquer pessoa.
Nos casos de presos é justamente aquilo que lhe é cerceado, como forma de
repressão pelos seus atos delituosos. No entanto, o direito à vida é também o
direito a uma qualidade de vida, ou seja, devem ser respeitadas as mínimas
condições de sobrevivência, sem as quais deixa de ser atingido o objetivo
principal da punição restritiva de liberdade, qual seja, a reabilitação do
preso e sua inserção ao meio social, devidamente recuperado. A prisão, no
entanto, aparece como solução humanizadora para o problema das penas, assim se
dá pelo fator primeiro e máximo apontado por Beccaria: a absoluta inutilidade dos
gritos do condenado ao ser submetido a suplício físico, que não haveriam de
reparar o mal praticado e nem buscariam no passado as ações já consumadas. O
próprio Beccaria oferece saída, que parece ainda não restar bem compreendida
pelos que comandam a segurança pública e a justiça que, todavia, começam a
temer pela segurança de suas famílias, igualmente expostos à violência e
selvageria urbanas: "Quereis
prevenir os delitos? Fazei com que as luzes acompanhem a liberdade. Os males
nascidos dos conhecimentos estão na razão inversa de sua difusão e os bens, na
razão direta". A aspiração do mestre italiano está na condição de que
"à medida que as penas forem
eliminadas dos cárceres, quando, enfim, a compaixão e a humanidade penetrarem
as portas de ferro e prevalecerem sobre os ministros da justiça inexoráveis e
empedernidos, as leis poderão contentar-se com indícios cada vez mais fracos
para a prisão." Desta forma, para ajustar os órgãos de segurança
pública à realidade democrática, é importante, antes de tudo, que a sociedade
descubra que tipo de polícia ela quer: uma polícia que respeite os direitos do
cidadão, que exista para dar segurança e não praticar violência ilegítima; ou
uma polícia corrupta e arbitrária que utiliza a tortura e o extermínio, como
métodos preferenciais de trabalho e que atinjam, na grande maioria, as classes
populares. No plano da organização policial, a proteção da pessoa humana impõe
o revigoramento da vida democrática, pela participação direta dos policiais, na
esfera decisória. Ainda hoje, contudo, as instituições policiais encobrem, com
freqüência, a efetiva perpetuação da oligarquia política institucional, herança
de um modelo organizacional centralizador e de estrutura hierárquica
excessivamente verticalizada. Tal quadro impossibilita e dificulta mudanças
mais dinâmicas e ágeis para sua verdadeira vocação de proteção e defesa do
cidadão e, sobretudo, de respeito e promoção dos Direitos Humanos e da
Cidadania.
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