quarta-feira, outubro 17, 2018

ARTHUR MILLER, KATIE MELUA, NATALIA GONCHAROVA & DESENHOS PELA DEMOCRACIA


GLOSANDO O MOTE – Imagem: arte da pintora do cubo-futurismo russo, Natalia Goncharova (1881-1962). - Certo dia um brabudo, desses de curral eleitoral, zanzava por Alagoinhanduba à cata de voto dos curaus desavisados. Tome aqui, tome acolá e vote nesse aqui, esse é o meu candidato. Distribuía cédulas e tranqueiras, de dez tões e alguns mirréis, angariava a simpatia dos eleitores que prometiam todas as gerações dos parentes votantes no seu candidato. Esse está eleito, seu Zé! Vivôoooo! A coisa já estava virando festa: uma banda de dentadura prum banguela, uma moleta pro aleijado, um piscinêz pro quase cego, um negocinho pra ouças do mouco, uma aliança pro noivado, umas feirinhas pruns precisantes, o homem era estibado, deitava cobre e umas goladas. A certa altura do fuzuê, chamou sua atenção a fala cantante do Marcantóin aos versos e rimas que vinha por ali mexendo com um e com outro - não era lá essas coisas, não, rimava por só de ajeitar, coisa dum poeta de água doce que o povinho de lá até gostava e como, caía às gaitadas e tome puxa saco. Êpa! Alto lá. O passante estreitou as pestanas, olhou sério azanoiado, fitando o pau da venta do petulante que se encostou nele e sacolejou: Tô catando voto pressa eleição, diga logo quanto é o seu, vá! Peraí, mô véio! Alto lá digo eu. Que é que é isso, meu? Vá, desembuche! Meu voto, seu senhor, é pura verdade, não tá a venda não, é minha identidade. Aí o raivoso peiticou: Você me arrespeite que aqui eu mando em tudo, seu cabra! Eita! O senhor pode mandar em tudo que é localidade, o senhor pode ser tudo, até autoridade, mas aqui pra nós, não manda na minha privacidade, em mim quem manda sou eu, Marcantóin de Zecandrade! Já vi que esse cabra é maluvido e quer uns esquentos no pé da orelha! Êpa! O homem então ciscou, arrevirou-se, bateu na mão o cabo do revólver e foi logo ameaçando: Homem nenhum cospe desaforo na minha cara, eu lhe arrebento todo com duzentos tiros no focinho, seu cabra safado! Marcanntóin ajeitou a gola da camisa, arregaçou as mangas, ajeitou o cinturão na fivela, deu um passo pra atrás e dois de lado, e sapecou na lata do chato: Seu homem sou um pobre com honestidade, as coisas que eu sei, aprendi na realidade. Não me venha com brabeza nem com essa maldade, você pode ser macho que for da maior atrocidade, pode inté falar em riba da sua legalidade, que não me envergo ou arredo com a temeridade. Se você quiser dar grito feito uma malignidade, digo que sou corpo fechado, sem medo de ruindade. Aviso que pode guardar a sua animosidade, que aqui só tem valor o que é tranquilidade. Guarde seu riso troncho e sua falsidade, que eu cá privo das coisas em plena liberdade: sou amigos de todos e de todos tenho amizade. Se aqui acontece qualquer calamidade, sou tal qualquer um, sou a outridade. Cada um vai pronde quer, pro campo ou pra cidade. Se se quer viver, que viva toda eternidade. O melhor da vida mesmo é viver com qualidade, tratar os outros com civilidade, quando não por solidariedade. Pro que é desigual, só há a equidade. Se é pra ver Drummond ou Marquês de Sade, seja qual for o verso de saudade, vale qualquer um, a sua personalidade. Seja moço ou mesmo da melhor idade, seja feliz no seu canto, você é a felicidade. E se tem que escolher, escolha mesmo de verdade, que eu só voto quem vejo cheio de humanidade. Os aplausos foram tantos que o metido saiu de fininho com o rabinho entre as pernas e resmungando, enquanto Marcantóin correu solto glosando o mote por toda tarde. E vamos aprumar a conversa, gente! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

DITOS & DESDITOS:
[...] Para ele, tudo o que fizessem de agradável nunca era feito naturalmente, mas por um desejo de se beneficiarem. Esse conhecimento era tão antigo como sua vida, que havia começado numa rua [...] Por que ninguém faz nada a respeito? [...] Por que não pegam todo mundo e descobrem quem é quem, e botam os malditos judeus isolados, e acertam essa história de uma vez por todas! [...] Para ela era apenas uma questão de esclarecer suas identidades e poderiam aproveitar o hotel no fim de semana. Ele não sabia como dizer que nunca mais se sentiria à vontade naquele hotel. Não sabia como dizer que não deviam tentar convencer um dono de hotel ou qualquer outra pessoa de que eram gentios. Ele não entendia esse seu sentimento. Mas seria como implorar, como ser admitidos em caráter experimental, e se fizessem ou dissessem algo o clima em torno deles ficaria frio, e ele teria de passar todo o fim de semana provando que era um bom sujeito. [...] Naquelas primeiras impressões de violência futura, os agressores eram... bem, se não cavalheiros, eram decerto permeáveis a condição de cavalheiros, como ele próprio. Podiam limpar a cidade da noite para o dia, por assim dizer, e então a cidade pertenceria exclusivamente a pessoas como ele, e a gentalha que conseguira mudar tudo desapareceria de alguma forma no anonimato de onde havia surgido [...] e não podia enfrentar aquele homem assim – e ele era um homem agora – e dizer que não gostava dele porque não gostava. Nem podia dizer que sua habilidade de ganhar dinheiro era questionável [...] viu que nunca odiara realmente a ele, simplesmente estivera sempre a ponto de odiá-lo – passara por aquele homem toda manhã com a noção de que ele tinha em si a propensão a agir como se espera que ajam os judeus: desonestidade, sujeira, barulho. [...] E, no curso normal dos acontecimentos, seu sentimento jamais mudaria, por mais corretamente que Finkelstein se comportasse no quarteirão. [...] a única resposta que podia dar àquele homem era que não gostava dele porque seu rosto era o rosto de um homem que devia estar agindo de modo odioso [...]. Não vou mudar. Gosto daqui. Gosto do ar, faz bem para os meus filhos. Não sei o que eu vou fazer, mas não vou mudar. Não sei como vou enfrentar eles, mas vou lutar com eles. Essa coisa é organizada para eles verem o que podem tirar disso. São um bando de demônios e querem este país para eles. E, se o senhor tivesse alguma consideração com este país, não me diria uma coisa dessas. [...].
Trechos extraídos da obra Foco (Companhia das Letras, 2012), do escritor e dramaturgo estadunidense Arthur Miller (1945-2005). Veja mais aqui.

A ARTE DE NATALIA GONCHAROVA
A arte da pintora do cubo-futurismo russo, Natalia Goncharova (1881-1962). Veja mais aqui, aqui e aqui.

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