quinta-feira, agosto 23, 2018

NAZIK AL-MALAIKA, SCHILLER, AGNÈS VARDA, MENOTTI DEL PICCHIA, ANTÔNIO MENESES, READ, KIM SUNG JIM & INJUSTIÇA


O RISO DELA - Imagem do artista coreano Kim Sung Jim. - Quando ela está triste, nada tem a menor graça: chuva na escuridão, destroços no caminho, velas ao vento. Fico todo à deriva nas insossas horas, fel nas palavras, janelas de portas fechadas no ermo das coisas. Quando ela se aparta recôndita, bandeira arriada, olhos no chão, aperto na alma estrangulando o coração. Quando ela vira as costas e sai às pressas, leva mais que a metade de mim não sei para onde e me perco de tudo, sou alma penada sem vez pra viver. Quando ela se tranca cofre lacrado, sou refém aprisionado no que não tem mais saída, escondida das minhas vistas em fuga pros astros a me deixar sem teto nem piso e tímida intimida o afeto e me deixa sozinho ao desencanto, desguarnecido da alheia estima, clarão que se apagou, as mãos minguadas no instante nublado. Mas quando ela sorri, tudo se enaltece e me embriaga, porque o riso dela é alameda pro passeio aprazível pela brisa da tarde e vegetissombras perfumadas pelo natural eflúvio dos frufolhas e rosabores; é a margem de rio porto seguro das manhãs ensolaradas no mormaço estival de todos sonhacordares; é a ponte entre o íntimo e o anímico a reverberar apaziguamento para todas as revelações cósmicas; é alvo que se acerta no afã da pontaria, gesto que desarma a ruindade do coração humano. O riso dela é o Sol que reina no esplendor das manhãs, flor que desabrocha para alegria dos jardins, brilho de estrela radiante iluminando o céu, cachoeira que deságua irrigando o mundo, vulcão eruptivo no espetáculo da Terra, onda que se joga rebentando pro baque nos arrecifes, correnteza que leva o rio pro mar. O riso dela cabe na palma da mão e no oco do mundo, irradiando luz por todos os quadrantes e anima meu coração para labuta de todos os dias e guerras de sobrevivência. O riso dela são fogos de artifícios nas festas que em mim se agigantam como girândolas de todas as comemorações. Não há quem não se renda, lábios entreabertos desnudando a fisionomia, a largada pro bem sentir, a chegada pra se sentir bem. O riso é dela, o prêmio é meu; sou o espelho da alegria folgando acorçoo até os seios de Nut a descobrir quantas galáxias se aninham no seu corpo, porque sou mais que a imensidão mais longínqua. Isso só por ela sorrir e com seu lindo sorriso esqueço de mim pra ser só dela. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do violoncelista Antônio Meneses: Sonata de Schubert, Concerto para violoncelo de Shostakovich, Concerto para violoncelo de Edward Elgar & Suíte Brasileira de Mehmari & muito mais nos mais de 2 milhões & 600 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui, aquiaqui.

PENSAMENTO DO DIA – [...] A natureza essencial da arte não se há de encontrar nem na produção de objetos destinados a satisfazer necessidades práticas, nem na expressão de ideias religiosas ou filosóficas, mas na capacidade do artista para criar um mundo sintético e de existência própria, que não é das necessidades e desejos práticos, nem o dos sonhos e da fantasia, mas um mundo composto por essas contradições: uma representação convincente da totalidade da expressão, ou seja, por conseguinte, um modo de encarar a percepção individual de algum aspecto da verdade universal. [...]. Trecho extraído da obra Arte e alienação: o papel do artista na sociedade (Zahar, 1983), do poeta e crítico de arte britânico Herbert Read (1893-1968). Veja mais aqui.

ARTE & POPULAÇÃO - [...] Nas classes mais baixas e numerosas, são expostos impulsos grosseiros e sem lei, que, pela dissolução do vínculo da ordem civil, se libertam e buscam, com furor indomável, sua satisfação animal. [...] Sua dissolução já é sua justificação. A sociedade desregrada recai no reino elementar em vez de ascender à vida orgânica. Do outro lado, as classes civilizadas dão a visão ainda mais repugnante da languidez e de uma depravação do caráter, tanto mais revoltante porque sua fonte é a própria cultura. [...] E não vemos aqui apenas sujeitos isolados, mas também classes inteiras de pessoas que desenvolvem apenas uma parte de suas potencialidades, enquanto as outras, como órgãos atrofiados, delas mal se vêm esboçar débeis indícios. [...] Eternamente acorrentado a um pequeno fragmento do todo, o homem só pode configurar-se a si mesmo como fragmento; ouvindo eternamente o mesmo ruído monótono da roda que ele aciona, não desenvolve a harmonia de seu ser e, em lugar de imprimir a humanidade em sua natureza, torna-se mera reprodução de sua ocupação, de sua ciência. [...]. Trechos extraídos da obra A educação estética do homem: numa série de cartas (Iluminuras, 1995), do poeta, dramaturgo, filósofo e historiador alemão Friedrich Schiller (1759-1805). Veja mais aqui.

NATAL - Já o burrinho ruma para a manjedoura. A estrela – seria, este ano, aquele enigmático cometa com nome japonês? – fulge no céu.  Bate um pastor na porta da choça do compadre: “Olá Esdras! Acorda, camarada! Vamos para Belém!” As ovelhas balam. Toda a terra é um advento. Até flores estranhas rebentam nos cálices e as corolas atônitas perscrutam na noite um milagre. Os lírios do vale já devassaram o mistério e murmuram com seus lábios imaculados: — Vai nascer Deus! Aí está. Vai nascer Deus. “Fenômeno de rotina” – dirá um político despistando um repórter. “Nada demais, senhor jornalista. Todos os anos nasce Deus”. O repórter, apressado e superficial, registra a declaração numa caderneta e telefona os seus apontamentos para o redator de plantão. “O doutor Chuvisco disse que não há novidade: o nascimento de Deus é fenômeno de rotina”. O redator aceita essa explicação bocejando e gosta da palavra “rotina” aplicada ao mistério do Natal, porque a palavra está na moda. E ninguém dá pela transcendência do prodígio. Meu vizinho, Felisbino de Freitas Trancoso, excelente pai de família, saiu cedo para a fila das castanhas. D. Ordália Lopes, que é sentimental e fidelíssima, mesmo porque pesa perto de seis arrobas, comprou uma gravata de seda italiana e uns suspensórios de matéria plástica para presentear o marido. Tenho uma sensível admiradora que me mandou um cromo – sempre fui louco por cromos! – representando o presepe.  Ali tudo é lindo: Jesus, tenro e sorridente, de cabelo cacheadinho e grandes olhos azuis abertos, como se um pimpolho que nasce, geralmente tão cheio de rugas e tão feio, pudesse ter aquele tamanho e aquela cabeleira de ouro… São José é um carpinteiro alinhado de túnica e talvez tenha saído nesse instante de uma arca. Maria Santíssima é um amor. — No Natal do ano passado – diz-me a D. Celestina – meu marido me deu uma geladeira. Fico pensando dentro da noite mágica: “No Natal do ano passado…” Há perfumes no ar que vêm dos cedrinhos do Jardim América e, por causa das árvores do Natal, a gente liga o cheiro da resina ao oriente místico, à chegada daquela divina mãe grávida, morta de canseira na sua marcha ao lado do velho e santo marido, até a cocheira que serviu de berço à salvação do mundo. A imaginação trabalha. Percebe que nos palácios distantes, acordadas pelo fulgor da estrela, os reis poderosos preparam suas caravanas de mirra, ouro e incenso, para ver a criança estranha que uma vaca aquece com seu hálito e um burrinho manso humaniza com a bondade que irradia dos seus olhos… — “Jornal da noite!” “Jornal da noite!” – berra um garoto sobraçando os últimos vespertinos. Compro uma folha. Não preciso ler pois a manchete metralha os meus olhos: “Dez mil árabes e cinco mil judeus em luta mortal na Palestina. Milhares de mortos e feridos…” Os sinos de Natal bimbalham. “Glória a Deus na altura e paz na terra aos homens de boa vontade.” Nasceu um Deus! Este ano nasceu outra vez um Deus! E me ocorre, fulmineia a interrogação trágica: — mas por que nasce um Deus todos anos? Um arrepio me percorre o corpo.  O calendário salta-me à memória pontilhada de guerras, brigas, roubos, bombas atômicas, crises econômicas, manobras políticas ditadas pela cobiça e ambição. No meio dessas memórias os sinos bimbalham. “Paz!” “Paz!” – brada Cristo, o Cristo que nascendo todos os 25 de dezembro há mil novecentos e quarenta e sete anos! Então, percebo a razão do Natal!  Dada a cruel desmemória dos homens é preciso que todos os anos nasça um Deus! Conto extraído da obra Entardecer (MPM, 1978), do poeta, jornalista, advogado e pintor brasileiro Menotti Del Picchia (1892-1988). Veja mais aqui.

NOTURNO - A noite desliza pelos campos, / As mãos das nuvens passam pelo horizonte / E a escuridão dorme, / Em impressionante calmaria, / Sob as asas do silêncio. / Só se ouve o arrulho das pombas, / O murmúrio gemente dos córregos / E um ruído de passos na escuridão / Que caminham suavemente. / Sento, entregando-me à calma da noite, / Contemplo a cor da triste escuridão, / Lanço meus cantos ao espaço / E choro por todos os corações ingênuos. / Ouço o sussurro das palmeiras, /A chuva que cai na noite, / Os gemidos de uma rola na escuridão / Que canta longe entre os galhos / E a queixa distante de um moinho / Que geme na noite e chora de fadiga. / Seus gritos atravessam meus ouvidos / E vai morrer por trás das colinas. / Escuto... só se ouve as plantas. / Olho... só se vê a escuridão. / Nuvens, silêncio e uma noite triste. / Como não me sentir aflita? / A vida para mim é como esta noite: / Trevas, melancolia, desesperança, / Enquanto os demais sonham com clareza / Numa profunda e impressionante noite. / Choro contínuo da natureza, / Silêncio da escuridão, gemido dos ventos, / Suspiros da brisa noturna, / Lágrimas de orvalho nos olhos da manhã. / Vejo nas ribeiras da desgraça / A multidão dos aflitos, / O cortejo dos famintos / Afugentados pelos uivos do destino, / Sem poder pronunciar palavras de despedida. / Escuto: só os soluços / Mandam seu eco aos meus ouvidos / Por detrás das fortalezas e sobre os campos. / Então, quem pode cantar comigo? / No futuro levarei minha lira, / Chorarei a desgraça do universo / E declamarei minha compaixão pelo seu infortúnio / Aos ouvidos do cruel tempo. Poema da poeta iraquiana Nazik Al-Malaika (1923-2007). Veja mais aqui.

A ARTE DE AGNES VARDA
A arte da cineasta, fotógrafa e professora belga, radicada na França, Agnès Varda merece destaque. Desta feita quero apenas destacar dois filmes dela: Cléo from 5 to 7 (1962) e Response de femmes: notre corps, notre sex (1975).

AGENDA
Festival Internacional de Teatro em Canoas (8º Festia), de 31/08 a 9/09 UTC – Canoas & muito mais na Agenda aqui.
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Dia Internacional de Combate a Injustiça aqui, aqui, aqui & aqui