A TRAÍRA GIGANTE – Imagem: Abstract Fish, da pintora australiana Karin Zeller. - Uma dia lá apareceu nas
águas do rio Alagoinhanduba uma pirrototinha Traíra que muito chamou atenção de
crianças, jovens, adultos e anciões. Era bem pequenininha, roliçazinha, brincalhona.
Tudo fizeram para fisgá-la, pescador de toda parte caprichava na isca e ela só caçoava
balançando a cauda, como se os chamasse de banguelos. A danadinha era vistosa,
diferente de todas da espécie, muito diferente, por exemplo: sumia na
primavera, quando da botada da usina – por causa das caldas da cana derramadas
nos rios, matando tudo -, só reaparecendo com a pejada, lá entre os meses de
abril ou maio. Da primeira vez que sumiu, não tinha nem uns 15 centímetros,
voltou com mais de 40 e mais gordinha e risonha. Por conta disso, a cada dia
aumentava a caça pra sua captura, de tudo se livrava. Com o tempo ela passou o
tamanho normal das outras, já contava quase metro e brincava de acompanhar batendo
as nadadeiras e balançar a jangada com os que iam pro outro lado da cidade. As sumidas
dela no tempo da moagem canavieira nem era notada, até ela reaparecer com mais
de metro e meio, brincando com Juvitildito, o Ditinho pescador, o único que
descia as águas ao lado dela, até montar na sua cacunda e sumir por dias inteiros.
Ao dar as caras, todos perguntavam: - Ditinho, cadê ela? Ela, quem? A traíra,
meu! Ah, a Tildinha? Esse o nome dela, é? É, Esteldita, a Tildinha, traíra das
boas. Rapaz, como é que é, pescasse ou não ela? Não, é minha amiga, gente boa.
Oxe, endoidou, homem de Deus? Não, ela é minha amiga mesmo. Com ela fui até o
alto mar, vi outros grandes peixes que ela me apresentou, gente fina. Ela já
está com quase dois metros e com o inverno prolongado embocando já os meses de
setembro e outubro, desse jeito ela passa dos três metros. Ah, ela é diferente
das outras, inofensiva. Verdade. Brincando na passagem da jangada, quantas
vezes ela não balançou de cair todo mundo dentro d’água, repondo quem podia na
embarcação, ou levando quem se atrapalhou pras margens. Menino que caísse das
beiradas, ela salvava tudo, ninguém morria afogado por ali que ela não deixava.
Ah, mas a coisa tá pegando, o prefeito está denunciando que a culpa é dela de
não mais parar de chover, entrou novembro e nada de primavera, pelo jeito nem
sei se terá verão. Isso é conversa, se está chovendo é porque endoidaram o
planeta, não por culpa de uma traíra encantada. Entrou dezembro e tome água
descendo do céu. O discurso do prefeito aumentou contra a traíra, a ponto dele
fazer um comício numa plataforma sobre o rio. Ela começou a brincar e derrubou
tudo, quase que o prefeito era tragado de morrer ali mesmo, foi salvo por ela. mal-agradecido,
ele jurou vingança e convocou pescadores com prêmio milionário para quem
capturasse a intrusa. O usineiro, virado da breca, dobrou o prêmio, foi
pescador até de um olho só na caçada. Foi preciso 3 batalhões da polícia
militar, 4 corpos de bombeiro, mais de dois mil profissionais de mergulho, uns
500 pistoleiros, mil e quinhentos enxeridos e um tanto de boateiros para que
aquilo virasse notícia nacional. E virou. Uns dez dias no encalço da Ditinha e
lá estava enrolada numas duzentas redes, levada para um tanque especial que foi
construído na praça principal. Virou festa. Todo dia a população inteira ao
redor brincando com ela que crescia cada vez mais, já passava dos dois metros. O
festejo continuava e ela começou a ficar estranha: comeu o braço de Jodilinho,
agora maneta; o pé de Otacildito, agora perneta; o bilau do antes rancolho
Otadélio, agora o sem sem; e saiu daquele estado de alegria de sempre,
tornando-se agressiva. Até então nunca havia atacado ninguém, nem se mostrara
tão hostil. Como crescia muito, mostrou-se voraz, briguenta, chegou ao ponto de
derrubar as bordas do tanque, sair destruindo a praça aterrorizando todo mundo
às carreiras pé na bunda, com as presas dela expostas causando pânico, pernas pra
que te quero, e sair rasgando chão e calçamento com tudo, sumindo definitivamente
nas águas do rio. Foi-se o que era doce, para sempre. A gente devia de ter
feito um cozinhado daquela danada, num era? Era, rapaz, bom que mataria a fome
de muita gente daqui. Oxente, se era! Bestamos. Até hoje contam desse episódio,
ninguém acredita, nem eu. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados.
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RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do poeta, compositor e diplomata Vinicius de Moraes (1913-1980): ao vivo na Itália com Tom, Toquinho &
Miucha; Astronauta Berimbau; ao vivo com Tom, Baden Powel, Toquinho &
Miucha em París & muito mais nos mais de 2 milhões &
500 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja
mais aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.
PENSAMENTO DO DIA – [...] Só espero dos que ignoram, mas que não se
resignam a ignorar; dos que lutam sem descanso pela verdade e colocam a sua
vida mais na luta do que na vitória. [...] Que eles busquem
como eu busco; que lutem como eu luto, e entre todos algum cabelo do segredo
arrancaremos a Deus; pelo menos, essa luta far-nos-á mais homens, homens de
mais espírito. [...] reclamo a minha liberdade, a minha santa
liberdade, até a de me contradizer, se for caso disso. Não sei se algo do que
fiz ou do que fizer a seguir ficará por anos ou por séculos depois da minha morte;
mas sei que se se açoitar o mar sem margens, as ondas à volta movem-se sem
cessar, embora tornando-se mais fracas. Agitar é alguma coisa. Se, mercê desta
agitação, vier outro a seguir a fazer algo de duradouro, nele persistirá a
minha obra. [...]. Trechos extraídos da A minha religião (Covilhã, 2008), do
filósofo, escritor e dramaturgo espanhol Miguel de Unamuno (1864-1936).
Veja mais aqui e aqui.
SEXUALIDADE X MORALIDADE - [...] Neste
mundo, nós, seres humanos, não podemos suportar nosso destino, a não ser que de
vez em quando tenhamos o direito de experimentar verdadeiras sensações de prazer.
Mas, em todas as épocas, erguem-se pregadores e moralistas para fazer crer que
os homens que é pecado satisfazer suas necessidades. É claro que eles visam,
acima de tudo, os prazeres sexuais, embora não o digam claramente em suas
prédicas. Com efeito, os ataques desses moralistas raramente se dirigem às
necessidades culinárias ou de outra ordem, e os vitorianos mais sectários narravam,
sem pudor, suas orgias gastronômicas. As doutrinas mais perigosas são aquelas
que pregam o quietismo e ensinam que as necessidades são males dos quais nos
devemos livrar. [...] Quase todos os
pregadores religiosos do mundo ocidental adaptaram seus sermãos à sua época, e
o deus cristão tornou-se o melhor guardião da moral secularizada da sociedade.
[...] Os defensores dos princípios
sagrados precisam recorrer a uma demagogia cada vez mais complicada para atrair
os fieis. Pois o princípio da justiça é o único que faz séria concorrência ao
princípio do prazer. Não se conseguiu impediu que a moral do bem-estar
penetrasse no domínio da vida sexual. [...] Em geral, os legisladores e os autores de pastorais não são mais
jovens, sendo talvez esta a razão pela qual eles são hostis à sexualidade, não
representando a opinião geral. [...]. Trechos extraídos da obra As minorias
eróticas (Imago/Lidador, 1967), do psiquiatra sueco Lars Ullerstam. Veja mais aqui e aqui.
SORRISO VITORIOSO – Adriano
Mulliner, o detetive, chegou a ser um ás na sua profissão [...] Que encontrou e se apaixonou por Millicent
Shipton Bellinger, a filha caçula do quinto Duque de Brangbolton.[...] O velho par do reino permaneceu radiante,
sob sua capa de sabão. Porém, bruscamente, o bom humor desapareceu, com rapidez
inquietante. – Mulliner? Disse que se chama Mulliner? – Sim, senhor. – Seria então,
por acaso, o tipo que... – Que adora sua filha Millicent, com fervor que desejaria
lhe expressar? Sim, Lorde Brangbolton, sou eu. E espero que consentirá nessa
união. Enrugamento horroroso deformou a fronte do duque. Seus dedos, que
sustinham uma esponja, se crisparam convulsionados. – Ah! Assim crê, hein? Pensa
que vou receber, em minha família, um sujo inspetor de pegadas e de cinza de
cigarros, hein?... [....] Foi somente
na sacristia, quando Adriano contemplou Millicent, que pareceu convencer-se de
que todas as contrariedades haviam terminado e de que a formosa jovem lhe
pertencia e então sentiu-se alagado pela visão da própria sorte. [...]. Trechos
de conto do escritor inglês P. G.
Wodehouse (1881-1975).
UNIÃO – Tenho, ainda, o
teu corpo nos meus braços; / sobre os meus ombros, teu cabelo. / Descansando
dos meus e teus cansaços, / tu dormes por nós ambos. Só eu velo. / Nos meus
braços teu corpo estremeceu, / desse tremor o meu foi percorrido. / Colados,
curva a curva, onde começa o teu? / Onde se acaba o meu? Teu e meu têm sentido?
/ Teu ligeiro suor penetra a minha pele: / teu suor dos transportes de há momento
/ que me atrevo a provar como quem lambe mel, / em que refresco as mãos como
num leve unguento. / Brandamente, por vezes, te desvio / de mim, para melhor,
depois, sentir / que és bem tu que eu agarro, acaricio, / bem tu que eu pude,
em mim, fundir. / Ai, anular-te em mim sem te perder! / Aniquilar-me em ti, -
mas sendo nós! / Velo, e nem sinto a noite discorrer. / Sonho, e que sonho de
que amor feroz? / Se ela viesse agora, Aquela que em seu manto / de silêncio e
de sombra, nos transporta, / não seria melhor, meu doce encanto? / Poder eu, ao
morrer, ver-te já morta? / Porque amanhã, / se não mesmo esta noite, o nosso
inferno / não mais permitirá que qualquer sombra vã / da glória dum momento
eterno. Poema extraído da Antologia
(Nova Fronteira, 1985), do escritor, dramaturgo, ensaísta e critico português José Régio (1901-1969). Veja mais aqui.
ZÉ LIMEIRA, O POETA DO ABSURDO
A santa
filosomia
Descreve
os peixes do mar
As
sereia do sertão
Mula
preta e mangangá
Muié de
saia rendada
Moça
branca misturada
Carro de
boi Jatobá.
Tudo que
eu dixé agora,
Vocês
note no caderno:
A feme o
pato é pata,
O macho
de perna é perno.
Seu
Heleno me arresponda
Qual é o
macho de onda,
Qual é a
feme de inverno!
Um dia o
Rei Salamão
Dormiu
de noite e de dia.
Convidou
Napoleão
Pra
cantá pilogamia.
Viva a
Princesa Isabé,
Que já
moro em Supé
No tempo
da monarquia.
Extraído do livro Zé Limeira, o poeta do absurdo (A
União, 1978), do poeta, ensaísta, jornalista, folclorista e professor Orlando Tejo (1935-2018). Veja mais
aqui e aqui.
VI Congresso Internacional de Pedagogia
Social & Simpósio de Pós-Graduação & muito mais na Agenda aqui.
&
Dominando a acentuação gráfica de
Arantes Gomes aqui.
&
Vênus on the beach, da pintora australiana Karin Zeller
&
Sobrevivendo à nossa barbárie, A barbárie humana de Michel Maffesoli, a música de Turíbio Santos, Magda Tagliaferro, Álvaro
Henrique & Anna Stella Schic; A condição humana de Flávio Leandro,
a arte de Renné Magritte & Evelyn Bencicova aqui.
APOIO CULTURAL: SEMAFIL
Semafil Livros nas faculdades Estácio de Carapicuíba e Anhanguera de São
Paulo. Organização do Silvinha Historiador, em São Paulo.