terça-feira, julho 10, 2018

VINICIUS, UNAMUNO, JOSÉ RÉGIO, WODEHOUSE, ULLERSTAM, KARIN ZELLE, ORLANDO TEJO & ARANTES GOMES


A TRAÍRA GIGANTE – Imagem: Abstract Fish, da pintora australiana Karin Zeller. - Uma dia lá apareceu nas águas do rio Alagoinhanduba uma pirrototinha Traíra que muito chamou atenção de crianças, jovens, adultos e anciões. Era bem pequenininha, roliçazinha, brincalhona. Tudo fizeram para fisgá-la, pescador de toda parte caprichava na isca e ela só caçoava balançando a cauda, como se os chamasse de banguelos. A danadinha era vistosa, diferente de todas da espécie, muito diferente, por exemplo: sumia na primavera, quando da botada da usina – por causa das caldas da cana derramadas nos rios, matando tudo -, só reaparecendo com a pejada, lá entre os meses de abril ou maio. Da primeira vez que sumiu, não tinha nem uns 15 centímetros, voltou com mais de 40 e mais gordinha e risonha. Por conta disso, a cada dia aumentava a caça pra sua captura, de tudo se livrava. Com o tempo ela passou o tamanho normal das outras, já contava quase metro e brincava de acompanhar batendo as nadadeiras e balançar a jangada com os que iam pro outro lado da cidade. As sumidas dela no tempo da moagem canavieira nem era notada, até ela reaparecer com mais de metro e meio, brincando com Juvitildito, o Ditinho pescador, o único que descia as águas ao lado dela, até montar na sua cacunda e sumir por dias inteiros. Ao dar as caras, todos perguntavam: - Ditinho, cadê ela? Ela, quem? A traíra, meu! Ah, a Tildinha? Esse o nome dela, é? É, Esteldita, a Tildinha, traíra das boas. Rapaz, como é que é, pescasse ou não ela? Não, é minha amiga, gente boa. Oxe, endoidou, homem de Deus? Não, ela é minha amiga mesmo. Com ela fui até o alto mar, vi outros grandes peixes que ela me apresentou, gente fina. Ela já está com quase dois metros e com o inverno prolongado embocando já os meses de setembro e outubro, desse jeito ela passa dos três metros. Ah, ela é diferente das outras, inofensiva. Verdade. Brincando na passagem da jangada, quantas vezes ela não balançou de cair todo mundo dentro d’água, repondo quem podia na embarcação, ou levando quem se atrapalhou pras margens. Menino que caísse das beiradas, ela salvava tudo, ninguém morria afogado por ali que ela não deixava. Ah, mas a coisa tá pegando, o prefeito está denunciando que a culpa é dela de não mais parar de chover, entrou novembro e nada de primavera, pelo jeito nem sei se terá verão. Isso é conversa, se está chovendo é porque endoidaram o planeta, não por culpa de uma traíra encantada. Entrou dezembro e tome água descendo do céu. O discurso do prefeito aumentou contra a traíra, a ponto dele fazer um comício numa plataforma sobre o rio. Ela começou a brincar e derrubou tudo, quase que o prefeito era tragado de morrer ali mesmo, foi salvo por ela. mal-agradecido, ele jurou vingança e convocou pescadores com prêmio milionário para quem capturasse a intrusa. O usineiro, virado da breca, dobrou o prêmio, foi pescador até de um olho só na caçada. Foi preciso 3 batalhões da polícia militar, 4 corpos de bombeiro, mais de dois mil profissionais de mergulho, uns 500 pistoleiros, mil e quinhentos enxeridos e um tanto de boateiros para que aquilo virasse notícia nacional. E virou. Uns dez dias no encalço da Ditinha e lá estava enrolada numas duzentas redes, levada para um tanque especial que foi construído na praça principal. Virou festa. Todo dia a população inteira ao redor brincando com ela que crescia cada vez mais, já passava dos dois metros. O festejo continuava e ela começou a ficar estranha: comeu o braço de Jodilinho, agora maneta; o pé de Otacildito, agora perneta; o bilau do antes rancolho Otadélio, agora o sem sem; e saiu daquele estado de alegria de sempre, tornando-se agressiva. Até então nunca havia atacado ninguém, nem se mostrara tão hostil. Como crescia muito, mostrou-se voraz, briguenta, chegou ao ponto de derrubar as bordas do tanque, sair destruindo a praça aterrorizando todo mundo às carreiras pé na bunda, com as presas dela expostas causando pânico, pernas pra que te quero, e sair rasgando chão e calçamento com tudo, sumindo definitivamente nas águas do rio. Foi-se o que era doce, para sempre. A gente devia de ter feito um cozinhado daquela danada, num era? Era, rapaz, bom que mataria a fome de muita gente daqui. Oxente, se era! Bestamos. Até hoje contam desse episódio, ninguém acredita, nem eu. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com a música do poeta, compositor e diplomata Vinicius de Moraes (1913-1980): ao vivo na Itália com Tom, Toquinho & Miucha; Astronauta Berimbau; ao vivo com Tom, Baden Powel, Toquinho & Miucha em París & muito mais nos mais de 2 milhões & 500 mil acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir. Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui & aqui.

PENSAMENTO DO DIA – [...] Só espero dos que ignoram, mas que não se resignam a ignorar; dos que lutam sem descanso pela verdade e colocam a sua vida mais na luta do que na vitória. [...] Que eles busquem como eu busco; que lutem como eu luto, e entre todos algum cabelo do segredo arrancaremos a Deus; pelo menos, essa luta far-nos-á mais homens, homens de mais espírito. [...] reclamo a minha liberdade, a minha santa liberdade, até a de me contradizer, se for caso disso. Não sei se algo do que fiz ou do que fizer a seguir ficará por anos ou por séculos depois da minha morte; mas sei que se se açoitar o mar sem margens, as ondas à volta movem-se sem cessar, embora tornando-se mais fracas. Agitar é alguma coisa. Se, mercê desta agitação, vier outro a seguir a fazer algo de duradouro, nele persistirá a minha obra. [...]. Trechos extraídos da A minha religião (Covilhã, 2008), do filósofo, escritor e dramaturgo espanhol Miguel de Unamuno (1864-1936). Veja mais aqui e aqui.

SEXUALIDADE X MORALIDADE - [...] Neste mundo, nós, seres humanos, não podemos suportar nosso destino, a não ser que de vez em quando tenhamos o direito de experimentar verdadeiras sensações de prazer. Mas, em todas as épocas, erguem-se pregadores e moralistas para fazer crer que os homens que é pecado satisfazer suas necessidades. É claro que eles visam, acima de tudo, os prazeres sexuais, embora não o digam claramente em suas prédicas. Com efeito, os ataques desses moralistas raramente se dirigem às necessidades culinárias ou de outra ordem, e os vitorianos mais sectários narravam, sem pudor, suas orgias gastronômicas. As doutrinas mais perigosas são aquelas que pregam o quietismo e ensinam que as necessidades são males dos quais nos devemos livrar. [...] Quase todos os pregadores religiosos do mundo ocidental adaptaram seus sermãos à sua época, e o deus cristão tornou-se o melhor guardião da moral secularizada da sociedade. [...] Os defensores dos princípios sagrados precisam recorrer a uma demagogia cada vez mais complicada para atrair os fieis. Pois o princípio da justiça é o único que faz séria concorrência ao princípio do prazer. Não se conseguiu impediu que a moral do bem-estar penetrasse no domínio da vida sexual. [...] Em geral, os legisladores e os autores de pastorais não são mais jovens, sendo talvez esta a razão pela qual eles são hostis à sexualidade, não representando a opinião geral. [...]. Trechos extraídos da obra As minorias eróticas (Imago/Lidador, 1967), do psiquiatra sueco Lars Ullerstam. Veja mais aqui e aqui.

SORRISO VITORIOSOAdriano Mulliner, o detetive, chegou a ser um ás na sua profissão [...] Que encontrou e se apaixonou por Millicent Shipton Bellinger, a filha caçula do quinto Duque de Brangbolton.[...] O velho par do reino permaneceu radiante, sob sua capa de sabão. Porém, bruscamente, o bom humor desapareceu, com rapidez inquietante. – Mulliner? Disse que se chama Mulliner? – Sim, senhor. – Seria então, por acaso, o tipo que... – Que adora sua filha Millicent, com fervor que desejaria lhe expressar? Sim, Lorde Brangbolton, sou eu. E espero que consentirá nessa união. Enrugamento horroroso deformou a fronte do duque. Seus dedos, que sustinham uma esponja, se crisparam convulsionados. – Ah! Assim crê, hein? Pensa que vou receber, em minha família, um sujo inspetor de pegadas e de cinza de cigarros, hein?... [....] Foi somente na sacristia, quando Adriano contemplou Millicent, que pareceu convencer-se de que todas as contrariedades haviam terminado e de que a formosa jovem lhe pertencia e então sentiu-se alagado pela visão da própria sorte. [...]. Trechos de conto do escritor inglês P. G. Wodehouse (1881-1975).

UNIÃO Tenho, ainda, o teu corpo nos meus braços; / sobre os meus ombros, teu cabelo. / Descansando dos meus e teus cansaços, / tu dormes por nós ambos. Só eu velo. / Nos meus braços teu corpo estremeceu, / desse tremor o meu foi percorrido. / Colados, curva a curva, onde começa o teu? / Onde se acaba o meu? Teu e meu têm sentido? / Teu ligeiro suor penetra a minha pele: / teu suor dos transportes de há momento / que me atrevo a provar como quem lambe mel, / em que refresco as mãos como num leve unguento. / Brandamente, por vezes, te desvio / de mim, para melhor, depois, sentir / que és bem tu que eu agarro, acaricio, / bem tu que eu pude, em mim, fundir. / Ai, anular-te em mim sem te perder! / Aniquilar-me em ti, - mas sendo nós! / Velo, e nem sinto a noite discorrer. / Sonho, e que sonho de que amor feroz? / Se ela viesse agora, Aquela que em seu manto / de silêncio e de sombra, nos transporta, / não seria melhor, meu doce encanto? / Poder eu, ao morrer, ver-te já morta? / Porque amanhã, / se não mesmo esta noite, o nosso inferno / não mais permitirá que qualquer sombra vã / da glória dum momento eterno. Poema extraído da Antologia (Nova Fronteira, 1985), do escritor, dramaturgo, ensaísta e critico português José Régio (1901-1969). Veja mais aqui.

ZÉ LIMEIRA, O POETA DO ABSURDO
A santa filosomia
Descreve os peixes do mar
As sereia do sertão
Mula preta e mangangá
Muié de saia rendada
Moça branca misturada
Carro de boi Jatobá.

Tudo que eu dixé agora,
Vocês note no caderno:
A feme o pato é pata,
O macho de perna é perno.
Seu Heleno me arresponda
Qual é o macho de onda,
Qual é a feme de inverno!

Um dia o Rei Salamão
Dormiu de noite e de dia.
Convidou Napoleão
Pra cantá pilogamia.
Viva a Princesa Isabé,
Que já moro em Supé
No tempo da monarquia.
Extraído do livro Zé Limeira, o poeta do absurdo (A União, 1978), do poeta, ensaísta, jornalista, folclorista e professor Orlando Tejo (1935-2018). Veja mais aqui e aqui.

VI Congresso Internacional de Pedagogia Social & Simpósio de Pós-Graduação & muito mais na Agenda aqui.
&
Dominando a acentuação gráfica de Arantes Gomes aqui.
&
Vênus on the beach, da pintora australiana Karin Zeller
&
Sobrevivendo à nossa barbárie, A barbárie humana de Michel Maffesoli, a música de Turíbio Santos, Magda Tagliaferro, Álvaro Henrique & Anna Stella Schic; A condição humana de Flávio Leandro, a arte de Renné Magritte & Evelyn Bencicova aqui.

APOIO CULTURAL: SEMAFIL
Semafil Livros nas faculdades Estácio de Carapicuíba e Anhanguera de São Paulo. Organização do Silvinha Historiador, em São Paulo.