ELUCUBRAÇÕES À
TOA & MEROS DISLATES – Imagem: arte da pintora e desenhista húngara Yolanda Mohalyi (1909-1978). - UMA: O FLERTE
& O FIM DO MUNDO – Olhela! Era ela,
aquela que havia escolhido para ser a mãe dos seus filhos. Ela não sabia, por
enquanto. E a perseguia aonde quer que fosse: corredores, classes, becos,
esquinas, ruas. Saísse de casa, descobria pela destrava do trinco abrindo o
portão, é ela, sabia, e era ela, perseguição dos olhos, afã da paixão. Subia galhos
por cima do muro, era ela no quintal; pelas brechas dos combogós, era ela na
intimidade do seu lar; pela fresta da porta, era ela à vontade na sala. Da classe
olhava pra dela, esperava ela sair da sua, porta fechada. De repente lá ia pra
toalete, riscava calcanhares e invadia o sanitário do outro lado e de uma
fissura privativa na parede, dava pra vê-la ajeitar-se ao espelho. Ao sair,
acompanhava seus passos elegantes dançando no coração. Fazia de tudo para
cruzar-lhe o caminho, ou encontrá-la assim do nada vindo ou indo, ou sei lá,
esbarrando numa esquina, tramava, provocava e esgueirava até nada de acontecer.
Queria ao menos que ela o visse, que desse conta da sua existência, seu olhar
sempre do lado oposto e isso o fazia sair feito louco de onde estava para ir ao
encontro de sua visão do outro lado, ela desvirava e pra lá e pra cá, jamais
coincidindo de estar frente a frente com ela. Quanta falta de sorte a dele. Viu,
então, que não acertava, jamais, não dava certo, não era pra ser dele,
infelizmente. Deixou de mão. E quando menos esperava, lá estava ela desolada no
batente. Era a sua vez, e agora, não podia desperdiçar. Ou agora ou nunca! Tremia
dos pés à cabeça, o que dizer e o que falar, fazer, não sabia, perdeu a noção
de tudo, pouco importa, é pra ela que vai expressar a sua intuição. Vai ser
agora e foi. Ao se aproximar, ao seu lado, nem levantou os olhos nem se virou
pra vê-lo, ela lá, envolta em seus pensamentos. Aproximou-me silente, discreto,
na ponta dos dedos. Ao se encostar à parede, pronto pro flerte num contato de
sexto grau, respirou fundo, é agora, dobrou a perna, o pé na parede e o
inesperado: Poim. Danou-se, disse ela. E fitou pela primeira vez, uma mão ao
nariz, olhos arregalados e uma saída inexperada com uma fala anasalada: Peidão
da porra, meu! E nunca mais ela apareceu na vida. DUAS: A PAIXÃO & A SEGUNDA TRAGÉDIA - Dinalva era linda,
extremamente bonita: os olhos vivos, o riso encantador, a estatura idílica, o
jeito apaixonante de ser. As flores, as rosas, os jardins eram mais coloridos e
intensos quando ela passava; o Sol brilhava mais ameno, a Lua era o reflexo do
seu brilho, tudo era mais vivo quando ela aparecia, porque tudo nela
transpirava vividez exaltada. Um feitiço emanava dela, só podia ser, e eu mais que
encantado no rol de sua plateia, maravilhado e irrequieto. O que me impressionava
mais é que ela ouvia, ria e falava com todos, distribuindo sua simpatia a quem
aparecesse, peito aberto pra quem chegasse. Dela eu queria mais, muito mais, impossível,
era pra tudo e pra todos. Um ser como ela não servia pra tomar exclusividade, sempre
livre, libertária. Eu seguia seus passos, a sua refulgente simpatia, a sua
cativante serenidade. Hoje eu cheguei aqui, ela não estava. Será que viajou e
não me disse? Procurei saber, nada disseram, um silêncio e gestos contidos. Ao perguntar
os olhos me evitaram, ninguém respondia. Quanto mais perguntava, mais se
eximiam, afastavam. O que houve? A ausência da coragem de todos me fez invadir
todo recinto, assim fiquei sabendo. Isso não tem a menor graça. Dinalva se
matou. TRÊS: ANTEMÃO E ATÉ JÁ - Gente
feita, achava e não era, na verdade, mas caí no mundo, era eu diante da
incompletude e meu próprio destino, a pele da palavra na surdez dos muros e
paredes altas. Era como perder o mundo entre abraços avulsos e a solidão na
doçura do tato. Vinham-me os apelos das lembranças aos gritos no impasse do
tempo, medo de mergulhar no passado e nunca mais sair do escuro da existência,
nunca mais voltar com os olhos acesos na noite. A rua passeava pela melancolia
e eu sabia: as paixões tanto exaltam como devoram, são as escolhas que definem
o futuro e o peito deserto na rua que é tanta, quantas páginas de duração, um
tanto pra lá, outro pra cá, episódios em retalhos por corredores compridos e
imensos, um túnel que desemboca em nada. Era pra saber que a loucura é uma
caverna perdida, mas não, esqueci e sem saber a primeira lapada da vida doeu no
osso do mucumbu. Doeu muito, nem sei se aprendi. É só recomeçar e da estaca
zero fui em frente, a segunda lapada não demorou: caiu o retrato na parede. Não
adiantava mudar de nome, só me restava pegar o alicate e espremer o dedo. E mais
espremi, não devia, a dor não me ensinava, piorava, talvez não esteja de todo
errado. Daí a pouco a terceira lapada veio com gosto de sangue na língua e, por
isso, lembrei a primeira e a segunda, não havia mesmo aprendido, a vida por um
fiapo, o gesto da natureza morta, a incompreensão do sem-fim e um inferno de
presente. Queria saber quem tece a vida dos sobreviventes, pedras entre
rastros, ecos de longínguos e a lâmina dos segredos. Quase adivinho: a vida é
mentira pouca e nenhuma poesia: ontem se fez hoje, cominhos de sol e as mãos ao
luar. Pernas pra que te quero, errâncias no meio, sou do que não valeu. Quais perdidos
sonhos de outra vida, calafrio que fui dia na ponta dos dedos: tudo está no que
nada se parece. Coração aceso na boca, toda memória no espelho e as mil faces
secretas do silêncio. Ainda uma vez estou vivo ao amanhecer. © Luiz Alberto
Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá é dia de
especial com o pianista, maestro e
compositor Marlos Nobre: Yanomami for choir & guitar com o Coro Cervantes,
Passaglia for Orchestra & Três Cantos de Yemanjá for cello & piano; a Sonata
for cello & piano nº 1 op 38 de Brahms, Grand Tango de Astor Piazzolla,
Água e Vinho de Egberto Gismonti & O canto do cisne negro de Villa-Lobos,
da violoncelista francesa Ophélie Gaillard & muito mais nos mais de 2 milhões de acessos ao blog
& nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – Sermões
e lógica jamais convencem. O peso da noite cala bem mais fundo em minha alma.
Pensamento do poeta, ensaísta e jornalista estadunidense Walt Whitman
(1819-1892). Veja mais aqui.
CIÊNCIA ATUAL - [...] A
cisão cartesiana penetrou fundo na mente humana nos três séculos após
Descartes, e leverá muito tempo para ser substituída por uma atitude diferente
diante do problema da realidade. [...]. Trecho extraído da obra Física e filosofia (EdUnB, 1995), do
físico e Prêmio Nobel de 1932, Werner Heisenberg (1901-1976), laureado
pela criação da mecânica quântica, cujas aplicações levaram à descoberta, entre
outras, das formas alotrópicas do hidrogênio. Veja mais aqui.
É ASSIM QUE ACONTECE A BONDADE - [...] A
solidariedade é a forma visível do amor. Pela magia do sentimento de
solidariedade, meu corpo passa a ser morada do outro. É assim que acontece a
bondade. [...] Para isso as palavras
do conhecimento são inúteis. Seria necessário fazer nascer ipês no meio de
gelos e das areias! E eu só conheço uma palavra que tem esse poder: a palavra
dos poetas. Ensinar solidariedade? Que se façam ouvir as palavras dos poetas
nas igrejas, nas escolas, nas empresas, nas casas, na televisão, nos bares, nas
reuniões políticas, e, principalmente na solidão... “O menino me olhou com
olhos suplicantes. E, de repente, eu era um menino que olhaca com olhos
suplicantes”. Extraído da obra As
melhores crônicas (Papirus, 2008), do psicanalista,
educador, teólogo e escritor Rubem Alves (1933-2014). Veja mais aqui e
aqui.
O SENHOR ALBERTO, AMIGO DA NATUREZA – O livro é impresso em Prudentópolis, no interior do Paraná, e se chama
Manual do caçador ou Caçador brasileiro. Seu autor, é o sr. Alberto de
Carvalho, que não tem prática de escrever, mas de caçar tem. Fala de cães, e
como usá-los; e dos bichos do mato, e como mata-los. O sr. Carvalho nos avisa
que os poetas têm falaod do mavioso canto do sabiá, mas não dizem nada de sua
saborosa carne. Ele, o sr. Carvalho, come sabiá, de resto come tudo, inclusive
macaco. Para caçar rolas, aconselha-nos fazer cevas com milho, quirera ou
arroz. As rolinhas se acostumam a ir comer toda manhã, e uma bela manhã – pum!
O sr. Carvalho conta, com exclamações deliciadas, que já viu um só tiro matar
dezesseis rolas. Mais difícil é caçar papagaios, cuja carne, aliás, não presta.
Mas assim mesmo vale a pena, porque “a chehada de um caçador carregado de
papagaios é sempre aplaudida em conseuqneicta da beleza da plumagem”. (É um
esteta, o sr. Carvalho). Falando-nos de tucanos ele não informa se a carne é
boa ou má, mas a verdade é que fala bem dos tucanos. “Pela beleza da plumagem
constituem um belo alvo”. Garante que é possível mestiçar uru com galinha
garnisé, e que é mesmo infalível a receita de desentocar tatu com o auxilio de
um pauxinho ou do dedo aplicado em certo lugar, convindo “segurá-lo fortemente
com a outra mão pela cauda, porque do contrário ele espirrará pela porta afora
com assombrosa agilidade”. Quanto aos veados, não há dificuldade: “Em geral
eles têm seu lugar de morada ou paradouro, de onde não se afastam para longe,
exceto quando corridos”. O sr. Carvalho ensina também como asfixiar cutias com
fumaça, no oco do pau. Enfim, o sr. Carvalho é, como ele mesmo diz, um amante
da Natureza! Extraído da obra As boas coisas da vida (Record, 2010),
do escritor Rubem Braga (1913-1990). Veja mais aqui.
GRAFITO PARA IPÓLITA - 1 –
A tarde consumada, Ipólita desponta. / Ipólita, a putain do fim da infância, /
nascera em Juiz de Fora, a família em Ferrara, / seus passos ferminantes fundam
o timbre. / Marcha, parece, ao som do gramofone. / A cebeleira-púbis,
perturbante. / Os dedos prolongados em estiletes. / Os lábios escandindo a
marselhesa / do sexo. Os dentes mordem a matéria. / Os olhos meduseu sacode o
espaço. / O corpo transmitindo e recebendo / o desejo o chacal a praga o
solferino. / Pudesse eu decifrar sua íntima praça! / Expulsa o sol-e-dó, a
professora, o ícone. / Só de vê-la passar, meu sangue inobre / desata as rédeas
ao cavalo interno. 2 – Quando tarde a revejo, rio usado, / já a morte lhe
prepara a ferramenta / deixa o teatro, a matéria fecal. / Pudesse eu livertar
seu corpo (Minha cruzada!) / Quem sabe, agora redescobre o viso / da sua
primeira estrela, esquartejada. 3 – Por ela meus sentidos progrediram. / Por
ela fui voyeur antes do tempo. 4 – O dia emagreceu. Ipólita desponta. Poema
extraído da obra Melhores poemas
(Global, 2000), do poeta e prosador
do Surrealismo brasileiro, Murilo Mendes (1901-1975). Veja mais aqui e
aqui.
A FOTOGRAFIA DE LOLA ÁLVAREZ BRAVO
A arte
da fotógrafa mexicana Lola Álvarez Bravo
(1903-1993).
Veja mais:
No país da sabiduria, só sabido ganha jogo!, a literatura de Alfosno
Hernández Catá, a fotografia de Sebastião Salgado, a
escultura de Michael Malfano, a música de Zé
Paulo Becker & o
grafite de Pedro Sangeon aqui.
Cheiro da felicidade & Segunda feira
do Trâmite da Solidão aqui.
Caboclinhos aqui.
O frevo aqui.
Martin Buber, Julio Verne, Rick Wakeman,
Pier Paolo Pasolini, Abelardo & Heloisa, Vangelis, Gustave Courbert &
Arriete Vilela aqui.
Empreendedorismo & o empreendedor aqui.
Uma cachaçada e uma casa no meio da rua aqui.
O trânsito e a fubica do Doro aqui.
A obra de Pedro Abelardo, Projeto Carmin
& Cruor Arte Contemporânea aqui.
Recontando Caetano Veloso & Podres
Poderes aqui.
&
Recitando Castro Alves & O Navio
Negreiro aqui.
A
ARTE DE BRUCE TIMM
A arte do ilustrador,
animador, escritor e produtor estadunidense Bruce Timm.