O POETA & A
MUSA - Imagem: Green Muse (1895), do
pintor e ilustrador francês Albert
Maignan (1845-1908). - Edgardilton Pigmaleão sonhou com uma bela
mulher, enfeitiçado completamente por ela, apaixonou-se. Essa intensa paixão o
fez poetar, assim do nada, aprendeu sem se ensinar. E a poesia tomou conta da
sua vida, evocativa, versos ardentes e rimas líricas com juras impetuosas de
amor. Pelas ruas, vales, rios, a recitar suas trovas para as moças belas, elas
faziam pouco, até caçoavam dele. Onde aquela bela mulher dos seus sonhos se
recolhia, em que paraíso o seu paradeiro, ele não sabia e cada poesia o seu
apelo ardoroso até as raias do desespero. Vivia só de poetar e mais nada.
Assim, um dia poetou e dormiu, sonhou e a musa nua a chamá-lo: Vem! Um beijo e
a vida eterna nos lábios dela. Nunca mais acordou. Enterrado qual insano embaixo
da maior chacota, nenhum parente, nem conhecidos, apenas a própria loucura
quixotesca. A sua casa invadida, poemas e rabiscos ilustrados nas paredes,
recantos, prateleiras, mesas, por tudo quanto era canto apenas as suas garatujas,
um baú cheio deles, findaram abandonados em monturo no lixão. Uma ventania e um
deles levitou até pousar janela da formosa Denildita Galateia, a bela sonhadora
com seus olhas entre as entrelas à espera de seu príncipe encantado.
Apaixounou-se à primeira lida. E a partir daquele dia todas as tardes vinham
poemas aos ventos. Quem esse poeta que o destino lhe reservara? Ficava sempre a
postos esperando pela brisa vespertina com suas estrofes enamoradas,
perseguindo a aragem até chegar ao baú no lixão. Tornou-se o seu tesouro, um a
um, todos belíssimos, feitos para ela. Apaixonada, saiu à procura do seu poeta,
aquele que se tornou o dono do seu coração. Onde aquele que cativara sua alma,
em que rincão se encontrava, não sabia, apenas amava sem saber. Como não
lograra êxito, resolveu reuni-los em um enorme volume e os fez publicar sob o
título de Poemas do Poeta Anônimo.
Talvez assim seu autor desse sinal de vida. Assim fez e esperou. E toda tarde
esperava, nem sinal dele, apenas o canto mavioso de uma ave canora a cada dia
mais se aproximando da sua janela. Uma ave que nem distinguia, apenas o seu
canto. Meninos apareceram armados de petecas, arapucas, pedras e armas. Estirou
a mão e o passarinho pousou para se proteger das atiradeiras e astúcias. Fez-lhe
um poleiro e o dia inteiro privava maravilhada daquele canto amoroso que tocava
fundo em sua alma. Aquele canto parecia música dos versos que a cativara, por
isso lia e relia os poemas do anônimo poeta amado. E assim adormecia. Até que
um dia sonhou que o seu passarinho se transformava em galante poeta a se dizer
vítima de feitiços e ao beijá-la estaria salvo da maldição. E daquele beijo ela
ganhou a eternidade e nunca mais acordou. © Luiz
Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.
RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá é dia de especial com o violonista e compositor Laurindo Almeida (1916-1995): Music Of Brazilian Masters, Cajita de Musica
& Classical Current; a violinista e pianista alemã Julia Fischer: The Four Seasons Vivaldi, Violin Concert in D major
Tchaikovski & Violin Concert Beethoven; & muito mais nos mais de 2
milhões de acessos ao blog & nos 35 Anos de Arte Cidadã. Para conferir é só ligar o som e curtir.
PENSAMENTO DO DIA – [...] Se
a existência cotidiana lhe parecer pobre, não a acuse. Acuse a si mesmo, diga
consigo que não é bastante poeta para extrair as suas riquezas. Pensamento do
poeta alemão Rainer Maria Rilke (1875-1926). Veja mais aqui.
A MORAL DO DESINTERESSE - [...] Mesmo
sabendo que não somos a mesma pessoa no passar dos dias, das semanas e dos
anos, e admitindo que muitas vezes mudamos de opinião e nos arrependemos,
continuamos a defender uma identidade que, no passado de um sujeito que não
mais existe, se presentifica em um outro sobre a denominação ilusória de “Eu”.
Identidade que resgata um passado já vivido, destruído e reconstruído.
Conclui-se: sou ente porque me sinto responsável pelo que fiz. E só posso ser
responsável porque acreditamos que continuo sendo quem sou. A ilusão tem de ser
compartilhada. Por isso, o discurso moral é um discurso identitário de
pertencimento. Pertencimento a um grupo de agentes morais. A um universo de
pessoas que, por sua vez, se singularizam em face de outros universos. Para ir
além nessa reflexão, devemos aprofundar essa relação entre moral e identidade.
É o que segue. [...] O discurso do
desinteresse, da moral higienizada de desejos, é uma perversão. Os homens, como
ensinavam Epicuro, Hobbes e Espinosa, são movidos por conatus. Por desejos e
emoções imperativas alheias à razão. Tudo o que fazemos é interessado. Nem o
mais louco, ou o mais sábio, escapa. Temos interesse sim. A todo momento. A
todo instante. Só não vê quem não quer. Como a garota que reclama do ex-amigo
que foi seu ombro amigo por meses, escutou barbaridades do antigo namorado,
ficou horas no telefone apoiando na triste separação, e depois de seis meses a
beijou no cinema. Dizer que amigos não devem desejar ou ter interesses é uma
atitude mais condenável do que se aproveitar de um laço de amizade para tocar a
boca amada. Minha experiência mostra que toda pessoa ou empresa que comunica
uma posição de desinteresse esconde atitudes reprováveis. Tem culpa em
cartório. E muita. Nada mais justo, ao nos definirmos em um dado momento,
comunicar nossos interesses. Se desejamos a confiança de alguém, precisamos
deixar claro exatamente aquilo que queremos dele. Partir do pressuposto de que,
quando duas pessoas estão juntas, se relacionando, ambas são plenamente
interessadas no outro. Para além da simbologia ascética, da camaradagem e do
discurso do desinteresse. Trechos extraídos de A moral do desinteresse (Pensar Contemporaneo, 2018), do professor
e jornalista Clóvis de Barros Filho.
VAMOS ACABAR COM ESSA FOLGA – O negócio
aconteceu num café. Tinha uma porção de sujeitos, sentados nesse café, tomando
umas e outras. Havia brasileiros, portugueses, franceses, argelinos, alemães, o
diabo. De repente, um alemão forte pra cachorro levantou e gritou que não via
homem pra ele ali dentro. Houve a surpresa inicial, motivada pela provocação e
logo um turco, tão forte como o alemão, levantou-se de lá e perguntou: — Isso é
comigo? — Pode ser com você também — respondeu o alemão. Aí então o turco
avançou para o alemão e levou uma traulitada tão segura que caiu no chão. Vai
daí o alemão repetiu que não havia homem ali dentro pra ele. Queimou-se então
um português que era maior ainda do que o turco. Queimou-se e não conversou.
Partiu para cima do alemão e não teve outra sorte. Levou um murro debaixo dos
queixos e caiu sem sentidos. O alemão limpou as mãos, deu mais um gole no chope
e fez ver aos presentes que o que dizia era certo. Não havia homem para ele ali
naquele café. Levantou-se então um inglês troncudo pra cachorro e também entrou
bem. E depois do inglês foi a vez de um francês, depois de um norueguês etc.
etc. Até que, lá do canto do café levantou-se um brasileiro magrinho, cheio de
picardia para perguntar, como os outros: — Isso é comigo? O alemão voltou a
dizer que podia ser. Então o brasileiro deu um sorriso cheio de bossa e veio
vindo gingando assim pro lado do alemão. Parou perto, balançou o corpo e...
pimba! O alemão deu-lhe uma porrada na cabeça com tanta força que quase
desmonta o brasileiro. Como, minha senhora? Qual é o fim da história? Pois a
história termina aí, madame. Termina aí que é pros brasileiros perderem essa
mania de pisar macio e pensar que são mais malandros do que os outros. Extraído
da obra Dois amigos e um chato
(Moderna, 1986), de Stanislaw Ponte
Preta, pseudônimo usado pelo cronista, radialista e compositor Sérgio Porto
(1923-1968). Veja mais aqui.
TRÊS POEMAS – 1 -
Em tua festa de núpcias eu te vi, / ardendo de rubor. / E havia só venturas
junto a ti; / e era, a teus pés, o mundo, todo amor. / E em teu olhar, a luz
incandescente / (ah, qualquer que ela fosse) / era o que, para o meu olhar
dolente, / existia na terra de mais doce. 2 – O riacho em prata em borborinho,
/ nos espinhais gorjeando o passarinho, / recordam-me de ti; / pensamento de
amor vão sussurrando, / como tu, sob os astros do céu, quando / testemunharam
juras que te ouvi. / O zéfiro suave que vagueia / e em meus suspiros de pesar
se enleia / lembra o instante abençoado, / em que o néctar dos lábios teus me
trouxe / fragrância tão balsâmica e tão doce / dando o primeiro beijo
apaixonado. 3 – Vi-te uma vez, só uma, há vários anos. / Já não sei dizer
quantos, mas não muitos. / Era em junho; passava a meia noite / e a lua, em
ascensão, como tua alma, / nos céus abria um rápido caminho. / O luar caía, um
véu de seda e prata, / calma, tépida, embaladoramente, / em cheio sobre as
faces de mil rosas, / que floresciam num jardim de fadas, / onde até o vento
andava de mansinho. / Caía o luar nas faces dessas rosas, / que morriam,
sorrindo, no jardim / pela tua presença enfeitiçado. / Toda de branco, vi-te
reclinada / sobre violetas; e o luar caía / sobre a face das rosas sobre a tua,
/ voltada para os céus, ai! De tristeza. Poemas do escritor
norte-americano Edgar Allan Poe
(1809-1840). Veja mais aqui.
CARTAS DE AMOR DA SÓROR MARIANA ALCOFORADO
[...] Considera, meu
amor, a que ponto chegou a tua imprevidência. Desgraçado!, foste enganado e
enganaste-me com falsas esperanças. Uma paixão de que esperaste tanto prazer
não é agora mais que desespero mortal, só comparável à crueldade da ausência
que o causa. Há de então este afastamento, para o qual a minha dor, por mais
subtil que seja, não encontrou nome bastante lamentável, privar-me para sempre
de me debruçar nuns olhos onde já vi tanto amor, que despertavam em mim emoções
que me enchiam de alegria, que bastavam para meu contentamento e valiam, enfim,
tudo quanto há? Ai!, os meus estão privados da única luz que os alumiava, só
lágrimas lhes restam, e chorar é o único uso que faço deles, desde que soube
que te havias decidido a um afastamento tão insuportável que me matará em pouco
tempo. Parece-me, no entanto, que até ao sofrimento, de que és a única causa,
já vou tendo afeição. Mal te vi a minha vida foi tua, e chego a ter prazer em
sacrificar-ta. Mil vezes ao dia os meus suspiros vão ao teu encontro,
procuram-te por toda a parte e, em troca de tanto desassossego, só me trazem
sinais da minha má sorte, que cruelmente não me consente qualquer engano e me
diz a todo o momento: Cessa, pobre Mariana, cessa de te mortificar em vão, e de
procurar um amante que não voltarás a ver, que atravessou mares para te fugir,
que está em França rodeado de prazeres, que não pensa um só instante nas tuas
mágoas, que dispensa todo este arrebatamento e nem sequer sabe agradecer-to.
Mas não, não me resolvo, a pensar tão mal de ti e estou por demais empenhada em
te justificar. Nem quero imaginar que me esqueceste. Não sou já bem desgraçada
sem o tormento de falsas suspeitas? E porque hei de eu procurar esquecer todo o
desvelo com que me manifestavas o teu amor? Tão deslumbrada fiquei com os teus
cuidados, que bem ingrata seria se não te quisesse com desvario igual ao que me
levava a minha paixão, quando me davas provas da tua. Como é possível que a
lembrança de momentos tão belos se tenha tornado tão cruel? E que, contra a sua
natureza, sirva agora só para me torturar o coração? Ai!, a tua última carta
reduziu-o a um estado bem singular: bateu de tal forma que parecia querer
fugir-me para te ir procurar. Fiquei tão prostrada de comoção que durante mais
de três horas todos os meus sentidos me abandonaram: recusava uma vida que
tenho de perder por ti, já que para ti a não posso guardar. Enfim, voltei,
contra vontade, a ver a luz: agradava-me sentir que morria de amor, e, além do
mais, era um alívio não voltar a ser posta em frente do meu coração despedaçado
pela dor da tua ausência. Depois deste acidente tenho padecido muito, mas como
poderei deixar de sofrer enquanto não te vir? Suporto contudo o meu mal sem me
queixar, porque me vem de ti. É então isto que me dás em troca de tanto amor?
Mas não importa, estou resolvida a adorar-te toda a vida e a não ver seja quem
for, e asseguro-te que seria melhor para ti não amares mais ninguém. Poderias
contentar te com uma paixão menos ardente que a minha? Talvez encontrasses mais
beleza (houve um tempo, no entanto, em que me dizias que eu era muito bonita),
mas não encontrarias nunca tanto amor, e tudo o mais não é nada. Não enchas as
tuas cartas de coisas inúteis, nem me voltes a pedir que me lembre de ti. Eu
não te posso esquecer, e não esqueço também a esperança que me deste de vires
passar algum tempo comigo. Ai!, porque não queres passar a vida inteira ao pé
de mim? Se me fosse possível sair deste malfadado convento, não esperaria em
Portugal pelo cumprimento da tua promessa: iria eu, sem guardar nenhuma
conveniência, procurar-te, e seguir te, e amar-te em toda a parte. Não me
atrevo a acreditar que isso possa acontecer; tal esperança por certo me daria
algum consolo, mas não quero alimentá-la, pois só à minha dor me devo entregar.
Porém, quando meu irmão me permitiu que te escrevesse, confesso que surpreendi
em mim um alvoroço de alegria, que suspendeu por momentos o desespero em que
vivo. Suplico-te que me digas porque teimaste em me desvairar assim, sabendo,
como sabias, que terminavas por me abandonar? Porque te empenhaste tanto em me
desgraçar? Porque não me deixaste em sossego no meu convento? Em que é que te
ofendi? Mas perdoa-me; não te culpo de nada. Não me encontro em estado de
pensar em vingança, e acuso somente o rigor do meu destino. Ao separar-nos,
julgo que nos fez o mais temível dos males, embora não possa afastar o meu
coração do teu; o amor, bem mais forte, uniu-os para toda a vida. E tu, se tens
algum interesse por mim, escreve-me amiúde. Bem mereço o cuidado de me falares
do teu coração e da tua vida; e sobretudo vem ver-me.Adeus. Não posso
separar-me deste papel que irá ter às tuas mãos. Quem me dera a mesma sorte!
Ai, que loucura a minha! Sei bem que isso não é possível! Adeus; não posso
mais. Adeus. Ama-me sempre, e faz-me sofrer mais ainda. [...]
Trecho da primeira das cartas publicadas na obra Cartas de amor da sóror Mariana Alcoforado
(Letters Portugaises, 1669 – Eiropa-América, 1974), da freira portuguesa Mariana Alcoforado (1640-1723), dedicadas
ao marquês e oficial francês Noel Bouton de Chamilli, conde de Saint-Léger. Foi
transformada em filme (Die Liebesbriefe
einer portugiesischen Nonne, 1977), sob a
direção do cineasta, roteirista e produtor de cinema espanhol Jesús Franco (1930-2913).
Veja mais:
Na vida, como no sonho, não há lógica!, o pensamento de Winfried Nöth, a música de Algaravia, a
pintura de Francis Bacon & Sea Of
Hull Installation Sees Thousands Of Naked People Painted Blue aqui.
As pernas no Cinema & o Seminário – A
relação do objeto, de Jacques Lacan aqui.
As pernas de Úrsula de Claudia Tajes
& Mil Platôes de Gilles Deleuze & Félix Guattari aqui.
Diálogos sobre o conhecimento de Paul
Feyerabend & a poesia de Lilian Maial aqui.
As pernas da repórter Gracinaura aqui.
A tragédia humana de Imre Madách, a música
de Pierre Rode, o cinema de Robert Joseph Flaherty, a pintura de Franz West, a
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Educação, orientação e prevenção do abuso
sexual aqui.
Segmentação do mercado na área de
serviços aqui.
Das bundas & outros estudos
bundológicos aqui.
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Costa-Gavras,Aldemir
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O caboclo, o padre e o estudante, Lendas
Nordestinas & Luiz da Câmara Cascudo aqui.
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obras de Gandhi & Programa das Crianças aqui.
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lábios da mulher amada aqui.
Ritual
do prazer aqui.
Funções do superego e mecanismos de
defesa aqui.
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ARTE DE LINDA KUNZ
Art by Linda Kunz.