quinta-feira, dezembro 21, 2017

FANON, RUSSEL, SILVIANO SANTIAGO, ABRAMOVIĆ, ELOMAR, MANGUEL, BAIBA SKRIDE, COUTURE, BRUNA BEBER, COLETIVO PI & PASTORIL DO RABECA

PASTORIL DO RABECA - É solstício de verão, festa na praça: é hora do rancho alegre de meninas no folguedo natalino, é hora do Pastoril, do Auto de Natal que começa diante do presépio, com a entrada do Pastor e da Diana, pedindo licença e cantando: Meu São José / Dai-me licença / Para o Pastoril entrar / Viemos / Para adorar / Jesus nasceu para nos salvar. Ali os pastores visitam o estábulo, levando as suas ofertas e seus pedidos de bênçãos. As pastorinhas, cada uma mais lindinha com suas saínhas curtinhas mostrando a bunda-rica no vaivém do gingado, iniciam a jornada pelas florestas, desertos, planícies – correm toda sorte de perigo, até de serem atacadas por maldosos das cercanias -, seguem para Belém entoando seus cantos, embalando suas danças com loas ao Deus Menino – como é lindo o bailado delas, cada lapa de perna, cada lapa de coxa, chega dá gosto de ver aquilo tudo se movendo pra endoidar as bolas dos olhos, um estrupício de belezura! Vixe, quanta boniteza! Elas formam cordões que disputam a atenção de todos: Viva o cordão encarnado! Viva o cordão azul! E cada um vai ora é pro azul, depois pro encarnado – a gente devia de levar tudinho pra casa, pronto tudo resolvido, era não? Aí outra bonitona aparece carregada na maquiagem: eita mulher bonita danada! Essa eu queria dona lá do meu mocambo, ora! É a Diana com suas vestes metade azul, metade vermelha, dançando dum lado pro outro e mexendo com o coração da gente! Ela equilibra a jornada cantando: No deserto, no prado, nos montes / Nas montanhas, no vale: uma flor / Sou pastora aqui desta lapinha / Pelo meu trajar conhecerão quem eu sou / Sou pastora me chamo Diana / Sou Diana dizei muito bem / Sou a deusa desse pastoril / Vim dos vales de Jerusalém / Em pastora riqueza não tenho / Em pastora riqueza não há / Em pastora apenas divirto / Principalmente noite de Natal. U-huuuuu! A plateia vai abaixo! Aí o Velho Rabeca aparece para atiçar a plateia: Qual que é a mais bonita? É essa? É esta? É aquela? Éééééééé! Do jeito que entrou ele saiu, sumiu, e todos passam a ser guiados pelo Belo Anjo na 1ª Jornada: a glorificação do mistério da encarnação, seguindo o caminho de Belém: Eu como sou o Anjo / Por esses campos venho saindo, venho saindo / Ando à procura de uma rosa / Que me anda perseguindo, perseguindo. / Eu vou chamar / As minhas companheiras / Para com elas / Formar a brincadeira. Todos então cantam: Vinde, vinde moços e velhos / Venham todos apreciar / Como isto é bom / Como isto é belo /Como isto é bom, é bom demais / Olhai, olhai e examinai /Como isto é bom, / é bom demais. / O azul brilha no céu /O encarnado brilha sem véu. O Velho Rabeca reaparece: É tudo bonito ou não é? Éééééééé! Ai ele segreda: Mas parece que o Belo Anjo acende o frosquete! Maior risadagem. Rabeca escapole e o Anjo comanda as pastorinhas, seguem a Estrela Guia, até toparem com Lusbel – arreda, Satanás! – tentando as pastoras e falando pra Cigana do Egito: Cigana da Pérsia / Eu vou te falar / Se queres guia / eu venho te guiar. Ele, então, cerca, futuca, atenta e tudo faz para vergar a Cigana. Ela responde: Eu não quero tua guia / Nem também quero te falar / Só quero ver a Jesus, / Só quero ver a Jesus / A José e a Maria. Não obtendo êxito, Lusbel então investe numa pastora: Ouve linda pastora / o que tenho pra falar/ Se queres guia / Eu venho te guiar / Te darei um tesouro / Levantarei montanhas de ouro / Se queres ser rainha / Diz-me só que és minha. Ela fica toda encantada com as promessas, cai nas gaitadas, manhosa, ajeitada, até que a Cigana aparece e cochicha ao seu ouvido. A Pastora responde pro Lusbel: Eu não quero teus tesouros, / Nem também tua riqueza. / Nestes campos onde habito, / Só pertenço à Natureza. / Aquela estrela é que nos guia / É que nos serve de guia, / Para irmos louvar /A José e a Maria. Todos então cantam: Avante pastora bela, pastora bela, / Avante no seu cordão, no seu cordão / Faceira no seu pisar, no seu pisar / Firmeza no coração, no coração. E Lusbel tenta outra formosa Pastora, o pastor intervém, ele se vira para outra agora seduzida por todas as investidas às gargalhadas, quase já se entregando, por outra é logo puxada. Lusbel perde a paciência e vai de um lado a outro, do azul ao encarnado, tentando as Pastorinhas que seguem a Cigana levada por uma borboleta, até chegarem a uma Camponesa que acolhe a todos com magia encantadora repleta de graça e muita alegria. Lusbel está invocado e o Velho Rabeca se achega: Tu não tem sorte pra nada, né? E se ri do Lusbel que está aperreado, já fulminando, saí muito enfesado. O Velho Rabeca então diz: Quem não sabe agradar, nunca vai nada ganhar! A jornada segue firme acompanhando a Mestra, chega mais a Contra-Mestra para proteger a Libertina que está prestes a ser tomada pelas garras de Lusbel – a Libertina, coitada, quase seminua pelas garras do safado, quase é por ele consumida, de não restar mais nada. Aí todos acodem em seu auxílio, enxotando o malquisto que arriba para nunca mais voltar. Todos cantam para protegê-la e seguem rumo pra Belém, enquanto solta chistes e malícias o Velho Rabeca no tablado da praça pública. E todos continuam cantando até o fim: Jesus nasceu para nos salvar. Quem viu, viu; quem não viu, não vai ver mais! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui.

RÁDIO TATARITARITATÁ:
Hoje na Rádio Tataritaritatá especial com o cantor e compositor Elomar Figueira de Mello com seus álbuns Das barrancas do Rio Gavião & Fantasia leiga para um rio seco; e com a premiada violinista clássica letão Baiba Skride interpretando Violinkoncert 33 de Carl Nielsen & Concert Reine Elisabeth de Tchaikovski. Para conferir é só ligar o som e curtir.

PENSAMENTO DO DIANenhum homem pode ser um bom professor se não tiver afeto por seus alunos e um genuíno desejo de dividir com eles o que acredita ser de valor. Pensamento do filósofo e matemático britânico Bertrand Russel (1872-1970). Veja mais aqui, aqui & aqui.

OS CONDENADOS DA TERRA – [...] é necessário decidir a partir deste momento uma mudança de rumo. A grande noite em que estivemos submersos, é preciso sacudi-la e sair dela. O novo dia que já se descobre, deve encontrar-nos firmes, despertos e resolutos. Devemos esquecer os sonhos, abandonar as nossas velhas crenças e as nossas amizades anteriores. Não percamos o tempo em estéreis litanias ou em mimetismos nauseabundos. Deixemos essa Europa que não deixa de falar do homem ao mesmo tempo que o assassina onde quer que o encontra, em todas as esquinas das suas próprias ruas, em todas as partes do mundo. Há séculos que a Europa deteve o progresso dos outros homens e os submeteu aos seus desígnios e à sua glória; há séculos que, em nome de uma falsa «aventura espiritual» sufoca quase toda a humanidade. Olhem-na hoje a oscilar entre a desintegração atómica e a desintegração espiritual. E, sem dúvida, no seu interior, no plano das realizações, pode dizer-se que triunfou em tudo. Trecho extraído da obra Os condenados da terra (Civilização Brasileira, 1968), do psiquiatra, filósofo e ensaísta francês da Martinica, Frantz Fanon (1925-1961), tratando acerca da violência no contexto internacional, grandezas fraquezas da espontaneidade, fundamentos recíprocos da cultura nacional e das lutas de libertação, modificações afetivo~intelectuais e perturbações mentais após a tortura, perturbações psicossomáticas e acerca da impulsividade criminal do norte~africana à guerra de libertação nacional, entre outros assuntos.

COSMOPOLITISMO DO POBRE - [...] Caso a educação não tivesse sido privilégio de poucos desde oSj tempos coloniais, talvez tivéssemos podido escrever de outra maneira o panorama da Literatura brasileira contemporânea. Talvez o legítimo não tivesse tido necessidade de buscar o espúrio para que este, por seu turno, se tornasse legítimo. Talvez pudéssemos nos ater apenas a dois princípios da estética: o livro de literatura existe ut delectete ut m oveat (para deleitar e comover). Pudéssemos nos ater a esses dois princípios, e deixar de lado um terceiro princípio: ut doceat (para ensinar). É esta, e não outra, a maneira como nos toca narrar-lhes neste dia primaveril o panorama da literatura brasileira contemporânea. [...]. Trecho extraído da obra O cosmopolitismo do pobre: crítica literária e crítica cultural (UFMG, 2004), do escritor e ensaísta Silviano Santiago.

MANIFESTO SOBRE A VIDA DO ARTISTA - Conduta de um artista em sua vida: um artista não deve mentir para si mesmo ou aos outros, um artista não deve roubar idéias de outros artistas, um artista não deve comprometer, para si ou em relação ao mercado de arte, um artista não deve matar outros seres humanos, um artista não deve se fazer de ídolo, um artista não deve se fazer de ídolo, um artista não deve se fazer de ídolo. Relação de um artista para sua vida amorosa: um artista deve evitar se apaixonar por um outro artista, um artista deve evitar se apaixonar por um outro artista, um artista deve evitar se apaixonar por um outro artista. Relação de um artista para o erótico: um artista deve desenvolver um ponto de vista erótico do mundo, um artista deve ser o erótico, um artista deve ser o erótico, um artista deve ser o erótico. Relação de um artista ao sofrimento: um artista deve sofrer desde o sofrimento vem o melhor trabalho, o sofrimento traz transformação, através do sofrimento de um artista transcende o seu espírito. Relação de um artista para a depressão: um artista não deve estar deprimido, a depressão é uma doença e deve ser curada, a depressão não é produtivo para um artista. Relação de um artista ao suicídio: o suicídio é um crime contra a vida, um artista não deve cometer suicídio. Relação de um artista para inspiração: um artista deve olhar profundamente dentro de si em busca de inspiração, os mais profundo que olhar para dentro de si, mais universal que se tornem, o artista é o universo. Relação de um artista para auto-controle: o artista não deve ter auto-controle sobre sua vida, o artista deve ter total auto-controle sobre seu trabalho. Relação de um artista com transparência: o artista deve dar e receber ao mesmo tempo transparência significa receptivo, transparência significa dar, transparência significa receber. Relação de um artista para símbolos: um artista cria seus próprios símbolos, os símbolos são a linguagem de um artista, a linguagem deve então ser traduzida, às vezes é difícil encontrar a chave. Relação de um artista para o silêncio: um artista tem que entender o silêncio, um artista tem que criar um espaço de silêncio para entrar no seu trabalho, o silêncio é como uma ilha no meio de um oceano turbulento. Relação de um artista à solidão: um artista deve dar tempo para os longos períodos de solidão, a solidão é extremamente importante longe de casa, fora do estúdio, longe da família, fora de amigos, um artista deve permanecer por longos períodos de tempo em cachoeiras, um artista deve permanecer por longos períodos de tempo em vulcões explodindo, um artista deve permanecer por longos períodos de tempo a olhar para os rios corrida rápida, um artista deve permanecer por longos períodos de tempo olhando para o horizonte onde o mar e o céu se encontram, um artista deve permanecer por longos períodos de tempo a olhar para as estrelas no céu noturno. Conduta de um artista em relação ao trabalho: um artista deve evitar ir para o estúdio todos os dias, um artista não deve tratar o seu horário de trabalho como se fosse um empregado do banco, um artista deve explorar a vida e trabalhar apenas quando surge uma ideia para ele em um sonho ou durante o dia como uma visão que surge como uma surpresa, um artista não deve se repetir, um artista não deve esgotar sua produção, um artista deve evitar a sua poluição própria arte. Posses de um artista: monges budistas recomendam que o melhor é ter nove posses em sua vida: uma túnica para o verão, uma túnica para o inverno, 1 par de sapatos, 1 tigela implorando por comida, uma rede mosquiteira, um livro de orações, um guarda-chuva, uma esteira para dormir, um par de óculos, se necessário – Um artista deve decidir por si mesmo os bens pessoais mínimo eles devem ter, um artista deve ter mais e mais cada vez menos. A lista de amigos do artista: um artista deve ter amigos que elevam seus espíritos. A lista de inimigos de um artista: os inimigos são muito importantes, o Dalai Lama disse que é fácil ter compaixão com os amigos, mas muito mais difícil ter compaixão com os inimigos, um artista tem que aprender a perdoar. Diferentes cenários de morte: um artista tem que ser consciente de sua própria mortalidade. Para um artista, não só é importante como ele vive sua vida, mas também como ele morre. Um artista deve olhar para os símbolos de seu trabalho para os sinais de diferentes cenários de morte. Um artista deve morrer conscientemente, sem medo. Diferentes cenários de funeral: um artista deve dar instruções antes do funeral para que tudo seja feito da maneira que ele quiser, o funeral é obra do artista. Sua última arte antes de sua partida. Manifesto da artista performativa sérvia Marina Abramović. Veja mais aqui & aqui.

TODOS OS HOMENS SÃO MENTIROSOS - [...] Pois eu mal o conheci ou, se o conheci, conheci-o de maneira superficial. Aliás, para ser franco, eu não quis conhecê-lo de verdade. Quer dizer, eu o conheci bem, confesso, mas de uma forma distraída, a contragosto. Nossa relação (por assim dizer) tinha alguma coisa de cortesia oficial, dessa nostalgia compartilhada e convencional dos expatriados. Não sei se você me entende. O destino nos uniu, como se diz, e se você me obrigar a jurar, com a mão no peito, que éramos amigos, serei forçado a confessar que não tínhamos nada em comum, a não ser as palavras República Argentina gravadas em letras douradas no passaporte. [...] Garanto que eu não fazia nada para incentivá-lo. Ao contrário. Mas talvez por imaginar em mim, seu concidadão, uma solicitude inexistente, ou por ter decidido chamar de sobriedade sentimental minha óbvia falta de afeto, o fato é que ele me aparecia em casa a todo instante do dia e da noite, e não parecia perceber que o trabalho me pressionava, e que eu precisava ganhar a vida, e começava a falar do passado como se o fluxo de palavras, de suas palavras, recriasse toda uma realidade que ele sabia ou sentia, apesar de tudo, estar irremediavelmente perdida. Em vão eu tentava convencê-lo de que eu não era um exilado; de que com dez anos a menos do que ele eu partira da Argentina quase adolescente e a fim de viajar; de que, depois de lançar raízes tímidas em Poitiers, eu me instalara por um tempinho em Madri para escrever tranquilo, apesar do inevitável ressentimento dos argentinos contra a capital da Mãe Pátria, sem, portanto, resignar-me ao clichê de morar em San Sebastián ou Barcelona. [...]. Trechos extraídos da obra Todos os homens são mentirosos (Compa nhia das Letras, 2010), do escritor, tradutor e editor argentino Alberto Manguel, contado a história de um escritor argetino que se suicidou em Madri, e um jornalista quer escrever a respeito dele, embasado no depoimento da última mulher, de um ex-colega, de um exilado e do autor.

LADAINHA - 47: - Do jeito que as coisas andam / áridas, sem gelo, pra trás / não vou voltar da rua / trazendo pão / Mas pode ser que o tempo mude / e amanhã eu acorde / com vontade / de fazer um suco / Sofro de dores barítonas / dois dias sem abrir a boca / minha cabeça tá um baile / de ácaros / Não sei pra onde vai aquele trem / mas meu nariz já consegue filtrar / os segredos que as rosas / trocam no vento / É que eu estou de férias / poderia até organizar / um batizado, fingir / que adoro camarão / Se você pensar não é / todo mundo que tem primos, os sisos, / conta no banco e um colchonete / de solteiro para visitas / Por isso vou fazer o que sempre quis / comprar um caixote fechado de uvas / e passear de caminhão / nas vias proibidas. Poema recolhido da obra Ladainha (Record, 2017), da poeta e tradutora Bruna Beber. Veja mais aqui.

COLETIVO PI
Coletivo Pi foi fundado em 2009, por Pâmella Cruz e Priscilla Toscano, e realizou intervenções urbanas efêmeras utilizando diferentes linguagens, tais como a performance, o teatro, a dança e as artes visuais, para compor suas criações. Um dos seus objetivos era pensar e realizar intervenções e performances em espaços urbanos reafirmando a rua e locais utilizados cotidianamente pela população como espaços da experiência e da criação. No início de 2014, também passaram a integrar o PI os performers Chai Rodrigues, Jean Carlo Cunha e Mari Sanhudo. Com uma trajetória marcante no cenário brasileiro da Intervenção Urbana, em 2016, encerrou suas atividades.

Veja mais:
O Pastoril do Doro aqui.
A arte de Wesley Duke Lee aqui e aqui.
A poesia de Bocage aqui, aqui e aqui.
A literatura de F. Scott Fitzgerald aqui e aqui.
O teatro de Nelson Rodrigues aqui, aqui, aqui e aqui.
Livros do Nitolino aqui.
Faça seu TCC sem Traumas: livro, curso & consultas aqui.
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A ARTE DE THOMAS COUTURE
A arte do pintor e professor francês Thomas Couture (1815-1879).