quarta-feira, junho 07, 2017

PAUL GAUGUIN, A DANAÇÃO DE ANTONIO CALLADO, A MULHER AUSENTE DE ADALGISA NERY & ROBIMAGAIVER NO VAI OU RACHA!

ASSIM OU VAI OU RACHA – Robimagaiver não tinha o que fazer, cansou de coçar o saco e foi remexer no monturo dumas catrevagens. Depois de hora nessa ocupação, saiu ancho carregando uma caixa velha de som, um microfone enferrujado e um molho de fios enrolados. Depois de uma demorada dedicação no afã de fazê-los funcionar, num é que o cabra ajeitou tudo, botou a caixa de som na calçada e começou: - Alô, som! Alô, som! Os passantes às gaitadas. Aí ele pegou coragem e começar a bulir com um e com outro: - Olá, seu Fabiano, vai voar com essa orelha de abano? Ei, seu Juvenal, faz que é sério porque é um lapiau! Ei, seu Adalberto, está com o ganhador aberto! Ei, Jardião, segura as pontas seu cornão! Ao findar o dia a coisa caiu na graça, tanto que ele, logo de manhã começou acordando o povo na maior chacota! Ei, Maria Biscoito, vem cá pra gente fazer o coito! Ei, Expedita, vem cá me dá tua priquita! Aí nessa brincadeira ele pegou jeito de serviço de alto-falante, vendendo recados, dedicatórias, intrigas, fofocas e rixas. – A Rádio Povão informa: Dona Severina vai viajar e pede que o povo tome conta da casa dela! Seu João da bodega avisa que chegou mortadela nova! Hoje haverá aula de dança no Ginásio. Quem se inscreveu, vá buscar a ordem do médico do posto da Chã. Era o dia todinho assim e prosperou. Comprou uma caixa de som e atrepou no poste da esquina. Dois dias depois ele comprou mais três caixas e pôs nos postes da vizinhança. Era a Difusora do Povão, colocando músicas populares com as gaiatices e informações. Logo apareceram as coisas chatas, principalmente quando fez anuncio de um defunto que enviveceu depois de uma reza forte de uma certa mãe de santo. Piorou quando noticiou que o bolo de goma da Quitéria estava dando dor de barriga. Ela deu parte na polícia e logo um agente civil cochichou no seu ouvido: - Toma jeito, senão vai ser preso por vadiagem! Eita! Quando ele anunciou o recado no microfone: - De Manhoso do Ferro pra Manhosa da Gruta: deixa o corno do seu marido que eu estou esperando sexta no fuá! Pronto, deu o creu. O que apareceu de corno ofendido tomando satisfações dele, dava volta no quarteirão, tudo armado de pau, ferro, cacete e entortadores de todas as formas e tamanhos pra empenar seu espinhaço. Foi um Deus nos acuda de não ter fim. Quando a poeira baixou, apareceu Zé-Corninho cheio dos quequeos mandando: - Anote aí, seu fidaputa: nessa cidade só tem cabra safado, é tudo corno e ladrão. Vá, noticie. Eu pago! -, e insistia, sacudindo dinheiro na face dele, a ponto de tomar o microfone e ele próprio anunciar aos gritos! Pronto, estava armado o escarcéu. Logo veio o sargento da PM que lhe puxou pela beca e disse: - Ou você dá jeito nessa geringonça, ou vai ver o sol quadrado, seu porra! -, com um empurrão de findar sacudido sobre garrafas, ripas e arames farpados do depósito vizinho. - A culpa é do Zé-Corninho! Nem quiseram saber. Daí a pouco chegou o Oficial de Justiça com uma intimação para comparecer na manhã seguinte no gabinete da promotora. Danou-se! – Agora que estou lascado em bandas mesmo! Não demorou muito e um mau presságio brabo escureceu na sua frente, era o fazendeiro Zé Grandão que acompanhado duns mal-encarados capangas, arrodearam o distinto encostado na parede: - Acharam a calcinha de quem, seu fidaputa? Quer bulir com a minha filha, quer? Pois vou tirar suas medidas e marcar a missa de sétimo dia, seu viado safado! Oxe, ele levou um acocho de quase nem poder falar, porém explicou direitinho o mal-entendido, esclarecendo tratar-se de outra Quiterinha que não a filha dele, não escapando duns empurrões, apertos e encarcadas bem aprumadas de só se ver as ronchas em diversas partes do seu corpo. – Está sabendo, num tá? Tô, sim, senhor. Escapou fedendo. Contudo, parecia que havia pisado em rastro de corno naquele dia, mal havia se livrado, logo adentrou o vereador Bartô Gebão perguntando a ele quem era o vereador Cocô de Cagão, quem? Pronto, estava em palpos de caranguejeira, com cano de um revolver enfiado nas ventas, pronto pra engatilhar e estourar seus miolos. – Quem é Cocô de Cagão, seu fresco, quem é? E ele no maior ajeitado, tremendo mais que vara verde, dando volta no assunto e tentando segurar o pipoco da bomba nas mãos, com meio mundo de disse e me disse que é outro que não vosmicê, era o candidato Lerão Dedô que era um chato de galocha e que por isso o trocadilho. – Quem é esse Lerão Dedô que nunca vi? Ah, é um lá do distrito de Badaró das Trempes que quer se candidatar aqui! Aí, depois de muita conversa, conseguiu convencer o abusado e foi tomar uns copos de garapa mode acalmar os nervos do vexame. Aproveitou e tomou uma lapada de aguardente. E outra, mais outra e mais. Mandou buscar uma meiota na bodega, virou, esquentou as orelhas, clareou as ideias, pingou a do santo, benzeu-se e disse: - Vôte! Quase que dessa não passo! E tomando umas e outras, começou a bulir com os passantes, até que às alturas da cachaçada, começou a discursar que o delegado era pirobo, o juiz era gigolô, a promotora era puta, o padre era ladrão, o prefeito era um safado que roubou na prefeitura, que o vereador era o Cocô de Cagão mesmo, que acharam a caçola da Quiterinha no matagal atrás da escolinha, isso mesmo a caçola da filha do Zé Grandão, isso mesmo, e reiterou desavenças, remexeu podres e intimidades, botou pra fora o que sabia e o que não sabia dito na hora por linguarudos que queriam ver o circo pegar fogo pra banda dele, e foi juntando gente na maior molecada, até que a polícia chegou, deu-lhe uns empurrões dele cair desacordado atrás da porta de casa, e confiscou o sistema de som, arrancando uma a uma das caixas penduradas nos postes. Silêncio. Foram averiguar e ele roncava bêbado, deixaram pra lá, só encostaram a porta, foram embora. No outro dia, quem passava via a porta aberta da casa dele, gente que entrava e saía, cadê-lo? Será que está preso? Não, está não. No hospital? Não. No gabinete da promotora? Não, que o oficial de justiça está aqui pra levá-lo na marra que ele não foi. Oxe! Pronde ele foi? Sumiu. Uma dia mais, nada de notícia dele. Uma semana depois, deram conta que ele havia pegado o corujão. Será? O prefeito mandou cortar a luz, meio mundo de gente que havia comprado o silêncio dele agora reclamava de volta sua grana, outros incomodados com a doidice dele estavam prontos de pegá-lo pelo pescoço, ora, um e outro mais uns em roda confidenciavam que ele devia era estar com a boca cheia de formiga e muita bala no espinhaço. Será? Oxe! Com gente graúda não se brinca! É mesmo, quem é doido de desafiar? Pois é, ou faz o que os homens querem ou finda nisso, sumido ou morto, ninguém sabe. Pois é. Se ficar calado tem bufunfa no bolso, se falar só tem vela acesa. Assim, ou vai ou racha. Tem que saber dosar com jogo de cintura, senão, senão. Pois é. © Luiz Alberto Machado. Veja mais aqui.

A DANAÇÃO DE ANTONIO CALLADO
[...] Mas danação era outra coisa muito diferente danação era raiva de cão danado na alma da gente danação era ódio de Deus vontade de morder e de estraçalhar Deus como se fosse possível era enterrar as unhas e rasgar de ponta a ponta o céu de modo que à noite se pudesse ver o listrão de sangue latejando entre as estrelas e de dia a ferida se abrisse ao sol para que o danado tentasse entrar para estraçalhar deus um verdadeiro horror. Não danação era o pecado que não parecia em estampas porque morre em si mesmo e não agüentaria seu reflexo em espelhos em espelhos ou santinho não agüentaria cópia de si mesmo porque mesmo sua sombra arde escarlate onde pousa [...].
Trecho da obra Assunção de Salviano (José Olympio, 1954), do jornalista, romancista, biógrafo e dramaturgo Antonio Callado (1917-1997), contando a história de um personagem mártir e místico que nega a Deus para aceitá-lo, irreverente com o poder e as convenções, representando as contradições políticas e filosóficas da sociedade brasileira. Veja mais aqui e aqui.

Veja mais sobre:
Lugome, sua familia, seu infortúnio, Poesia erótica de José Paulo Paes, Fundamentos de história do direito, O combate à corrupção nas prefeituras do Brasil, Aracaju, a música de Gina Biver, a pintura de Sofan Chan, a arte de Eiko Ojala & Rudson Costa aqui.

E mais:
Brincarte do Nitolino, A condição humana de Norbert Elias, O homem de outrora de Alexander Pushkin, O lugar do outro de Jean-Luc Lagarce, a música de Eduardo Camenietzki, a pintura de Paul Gauguin, o desenho de Luis Fernando Veríssimo & a arte de Flávia Alessandra aqui.
Espera, Iniciação filosófica de Karl Jaspers, A crise das ciências humanas de Hilton Japiassu, Memórias de um rato hotel de João do Rio, Manipulação da crise da arte de Dario Fo, Os contos proibidos de Marquês de Sade, a música de Regina Schlochauer, a escultura de Diogo de Macedo, a pintura de Ghada Amer, a arte de Anthea Rocker & Aaron Czerny, Kate Winslet, Jazz & Cia Grupo de Dança, a entrevista de Braulio Tavares, a fotografia de Herbert Matter, Dicionário Tataritaritatá, O que sou de praça na graça que é dela & O brasileiro é só um CPF Fabo arrodeado de golpes por todos os lados aqui.
De golpe em golpe a gente vai aprendendo, O coração humano de Goethe, Iniciações tibetanas de Alexandra David-Néel, Adeus ao proletariado de André Gorz, Sistematização da prática e da teoria de José Paulo Netto, a música de Franz Schubert & Mitsuko Uchida, a pintura de Lygia Clark & John Currin, a escultura de Horatio Greenough, a arte de Marina Abramović & Simone Spoladore, a fotografia de Carl Warner, a coreografia de Anna Halprin, entrevista de Tchello d’Barros, Oficina de Cordel, Laura Barbosa, O vexame da maior presepada & Do jeito que esse mundão vai só Deus na causa aqui.
Tantas fazem & a gente é quem paga o pato, Nietzsche & a psicologia, A condição pós-moderna de Jean-François Lyotard, Nova história de Georges Duby, a literatura de George Orwell & Alfredo Flores, a pintura de Balthus, a fotografia de Marta Maria Pérez Bravo & Richard Murrian, A dona história de João Falcão, a escultura de Marco Cochrane, a música de PJ Harvey, a entrevista de Virna Teixeira, O infortúnio da prima da Vera & Quando a bronca dá na canela, o melhor é respirar fundo à flor d’água pra não morrer afogado aqui.
Pra tudo tem jeito, menos pro que não pode ou não quer, Neuroeducação no processo de ensino-aprendizagem, a consciência fragmentada de Renato Ortiz, Procedimento histórico de Adalberto Marson, O caldeirão do diabo de Baldomero Lillo, a coreografia de Eugenio Scigliano, O narrador de Rubens Rewald, o cinema de Wayne Wang & Gong Li, Baghavad Gita, a escultura de Émile Antoine Bourdelle, a pintura de Katia Almeida & Lisa Yuskavage, a música de Paula Morelembaum, a fotoforma de Geraldo de Barros, a entrevista de Ulisses Tavares, a arte de Wanda Pepi, Zé Corninho & Quem sabe, sabe; quem não sabe tapia na gambiarra ou leva na marra pra engalobar os bestas aqui.
Tudo tem seu lado bom & ruim & vice-versa, A criança, Vygotsky e o Teatro, Brincar para Aprender, a filosofia de Hermes Trismegistos de Jean D’Espagnet, Linguuagem & vida de Ludwig Wittgenstein, O homem criador e sensato de Alan Watts, a música de Mozart & Alicia De Larrocha, Treva alvorada de Mariana Ianelli, a coreografia de Merce Cunningham, a escultura de Aristide Maillol, a pintura de Johfra Bosschart & Sharon Sieben, a fotografia de Luiz Cunha, a arte de Ana Starling & Rodrigo Branco, o teatro de Maria Adelaide Amaral & Marília Pêra, o cinema de Don Ross & Christina Ricci, a entrevista de Valquiria Lins, O evangelho segundo Padre Bidião & Jesus voltou aqui.
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ESCULTURA DA MULHER AUSENTE DE ADALGISA NERY
Eu já te amava pelas fotografias.
Pelo teu ar triste e decadente dos vencidos,
Pelo teu olhar vago e incerto
Como o dos que não pararam no riso e na alegria.
Te amava por todos os teus complexos de derrota,
Pelo teu jeito contrastando com a glória dos atletas
E até pela indecisão dos teus gestos sem pressa.
Te falei um dia fora da fotografia
Te amei com a mesma ternura
Que há num carinho rodeado de silêncio
E não sentiste quantas vezes
Minhas mãos usaram meu pensamento,
Afagando teus cabelos num êxtase imenso.
E assim te amo, vendo em tua forma e teu olhar
Toda uma existência trabalhada pela força e pela angústia
Que a verdade da vida sempre pede
E que interminavelmente tens que dar!
...
Escultura, poema extraído da obra Mulher ausente (José Olympio, 1940), da poeta e jornalista do Modernismo brasileiro, Adalgisa Nery (1905-1980). Veja mais aqui e aqui.

PROGRAMA TATARITARITATÁ
Paz na Terra:
Arte do pintor do pós-impressionismo francês PaulGauguin (1848-1903).
Programa Tataritaritatá, sexta, 09/06, meia noite. Confira aqui.