SAÚDE NA PAZ - Estou vivo e
tudo o que faço está mecanicamente elaborado, sempre no automático, não faço a
menor ideia de com fiz e faço certas coisas, apenas faço por fazer. O mundo
pesa sobre meus paradoxos e se penso é sempre para mergulhar na infelicidade;
se saio, não tenho para onde ir; se fico aqui, me deprimo entediado. Ora, ora. Já
não sei de nada, estou doente e eu não sabia que a minha doença nascia da
inveja que tive de fulano ter alcançado sucesso e eu não; dos ciúmes que tive
de beltrano adquirir o carro dos sonhos e eu não; da vingança que perpetrei
silenciosamente com meus sentimentos de ódio contra sicrano que apenas se
recusou a concordar comigo e eu, a partir de então, tê-lo por mau e inimigo só
por ter ideias diferentes das minhas; da ácida crítica e grosserias que
assaquei contra aqueles que inocentemente caíram na minha antipatia, só porque
sorriam felizes sem saber de nada ou se deram bem nas suas empreitadas e eu não;
nos meus atos destrutivos ao perder a calma diante dos meus desesperos, ou por
augurar maledicências despropositais, ou diante do desapontamento por não ter
conseguido êxito nisso ou naquilo. É por causa disso tudo que a minha vida é
sobrecarregada de complicações, alijado de todos e sem perceber mão alguma em
auxílio, a ponto de me ver excluído do que quer que seja por ser problemático, antipático,
inarmônico. É por causa disso que tenho amígdalas inflamadas, resfriados
constantes, reumatismos dolorosos, tumores intermitentes que reaparecem a cada
momento que estou livre de dores ou mal-estares, afora indisposições, sintomas
indesejáveis e tédio que me assediam a toda hora e instante. Sinto que por isso
eu mesmo envenenei cada uma das minhas células. Reconheço que me estraguei por
inteiro. Estou doente e sinto todo meu corpo apodrecendo. Cada minuto que
gastei alimentando o rancor e o ódio tem corroído todo meu ser e se tornaram desde
ontem e anteontem mais sofrimento que infligi a mim mesmo agora, sanções que impingi
a mim mesmo hoje. Estou doente e preciso purgar meu veneno, mudar minha atitude
mental. Preciso fazer algo por mim mesmo, sei que o que sou hoje devo às
teimosias e quantas incoerências que promovi insensatamente para desarticular e
desagregar tudo ao meu redor desde muito antes e eu sequer sabia que cavava a
minha própria cova. Preciso me curar e para isso preciso mudar meus pensamentos
que estão me sufocando e me intoxicando, preciso respirar ar puro com inalações
profundas e beber água fresca para restaurar, renovar e revitalizar todo meu
ser, lavando meus intestinos, rins e bexiga. Agora preciso de mim mais que a
qualquer outra coisa. Tenho sede, preciso de paz e me curar, só assim terei
alívio. Estou doente e a minha cura está na minha paz. © Luiz Alberto Machado.
Veja mais aqui.
Curtindo os álbuns Samba do Avião (Recording Arts, 2007), Caprichos (Brasilianos, 2015), Bandolim
(MPS Records, 2015) e Samba de Chico
(Biscoito Fino, 2016), do bandolinista e compositor Hamilton de Holanda.
Veja mais sobre:
Cantarau, Thiago de Mello, Paul
Verlaine, Tracy Chapman, Melanie Klein, Francisco de Goya, José Celso Martinez
Corrêa, Vincent Van Gogh, Warren
Beatty, Méry Laurent & Paulo Cesar Barros aqui.
E mais:
Poemas de Thiago de Mello aqui.
A poesia de Paul Verlaine, Denise Levertov, Wojciech Kilar, Paul Delaroche, Marcoliva
& Lourdes Limeira aqui.
Big Shit Bôbras: a lástima da imitação do pior do ruim, Georg
Trakl, Paul Auster, Sarah Kane, Gertrude Stein, Felix Mendelssohn, Gil Elvgren
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Jonathan Larson, Eric Fischl, Monica Bellucci, Madhu Maretiori & Sônia
Mello aqui.
A multa
do fim do mundo, William Burroughs, Henfil, Ernest Chausson,
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dia 8 de dezembro, lavando a jega, Florbela Espanca, Camille Claudel, Alaíde
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Há um
ano, Ná Ozzetti, Fernando Rosa, Luciah Lopez & Quem não
sabe ver é mais fácil de enrolar aqui.
&
A arte da escultora e artista plástica
inglesa Carol Peace.
DESTAQUE: ERNESTO SÁBADO
[...] Jogou
fora o jornal: “Quase nunca acontecem coisas”, diria-lhe Bruno, anos depois, “embora
a peste dizime uma região da Índia”. Voltava a ver o rosto exageradamente
maquiado de sua mãe dizendo: “você só existe porque me descuidei”. Coragem, sim
senhor, coragem é o que lhe havia faltado. Pois, do contrário, ele teria
terminado na cloaca. [...] Fez um
grande esforço para manter os olhos na estátua. Disse que naquele instante
sentiu medo e fascínio; medo de se virar e um fascinante desejo de fazê-lo. Lembrou
que uma vez, na Quebrada de Humahuaca, à beira da Garganta do Diabo, enquanto
contemplava a seu pés o abismo negro, uma força irresistível o impeliu de
repente a pular para o outro lado. E naquele momento acontecera-lhe algo
parecido: sentiu-se impelido a pular por cima de um abismo escuro, “para o
outro lado de sua vida”. E então a força inconsciente mas irresistível o
obrigou a virar a cabeça. Mal entreviu, afastou depressa o olhar, tornando a
fixá-lo na estátua. Tinha pavor dos seres humanos: pareciam-lhe imprevisíveis,
mas sobretudo perversos e sujos. As estátuas, em compensação,
proporcionavam-lhe uma felicidade serena, pertenciam a um mundo ordenado, belo
e limpo. [...] Mas sabia – enfatizou a
palavra – que algo muito importante acabava de acontecer em sua vida: não tanto
pelo que tinha visto, mas pela poderosa mensagem que recebeu em silêncio. – O senhor
mesmo me disse isso várias vezes. Que nem sempre acontecem coisas, que quase
nunca acontecem coisas. Um homem cruza o estreito de Dardanelo, um cavalheiro
assume a presidência da Áustroa, a peste dizima uma região da Índia, e para as
pessoas nada tem importância. O senhor mesmo me disse que é terrível, mas que é
assim. E naquele instante tive a nítida sensação de que acabava de acontecer
alguma coisa. Alguma coisa, senhor Bruno, que mudaria o rumo de minha vida. [...].
Trechos do romance Sobre heróis e tumbas (Planeta De Agostini, 2001), do escritor e artista plástico argentino Ernesto Sábato (1911-2011). Veja mais
aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
A arte da
pintora francesa Élisabeth-Louise Vigée-Le
Brun (1755-1842).
DEDICATÓRIA:
A edição de hoje é dedicada à locutora Lídia Lima.
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na
Terra: arte do artista estadunidense Maxfield
Parrish (1870-1966).