quinta-feira, março 30, 2017

SÁBATO, HAMILTON DE HOLANDA, CAROL PEACE, ÉLISABETH LE BRUN, MAXFIELD PARRISH, SAÚDE NA PAZ & LÍDIA LIMA

SAÚDE NA PAZ - Estou vivo e tudo o que faço está mecanicamente elaborado, sempre no automático, não faço a menor ideia de com fiz e faço certas coisas, apenas faço por fazer. O mundo pesa sobre meus paradoxos e se penso é sempre para mergulhar na infelicidade; se saio, não tenho para onde ir; se fico aqui, me deprimo entediado. Ora, ora. Já não sei de nada, estou doente e eu não sabia que a minha doença nascia da inveja que tive de fulano ter alcançado sucesso e eu não; dos ciúmes que tive de beltrano adquirir o carro dos sonhos e eu não; da vingança que perpetrei silenciosamente com meus sentimentos de ódio contra sicrano que apenas se recusou a concordar comigo e eu, a partir de então, tê-lo por mau e inimigo só por ter ideias diferentes das minhas; da ácida crítica e grosserias que assaquei contra aqueles que inocentemente caíram na minha antipatia, só porque sorriam felizes sem saber de nada ou se deram bem nas suas empreitadas e eu não; nos meus atos destrutivos ao perder a calma diante dos meus desesperos, ou por augurar maledicências despropositais, ou diante do desapontamento por não ter conseguido êxito nisso ou naquilo. É por causa disso tudo que a minha vida é sobrecarregada de complicações, alijado de todos e sem perceber mão alguma em auxílio, a ponto de me ver excluído do que quer que seja por ser problemático, antipático, inarmônico. É por causa disso que tenho amígdalas inflamadas, resfriados constantes, reumatismos dolorosos, tumores intermitentes que reaparecem a cada momento que estou livre de dores ou mal-estares, afora indisposições, sintomas indesejáveis e tédio que me assediam a toda hora e instante. Sinto que por isso eu mesmo envenenei cada uma das minhas células. Reconheço que me estraguei por inteiro. Estou doente e sinto todo meu corpo apodrecendo. Cada minuto que gastei alimentando o rancor e o ódio tem corroído todo meu ser e se tornaram desde ontem e anteontem mais sofrimento que infligi a mim mesmo agora, sanções que impingi a mim mesmo hoje. Estou doente e preciso purgar meu veneno, mudar minha atitude mental. Preciso fazer algo por mim mesmo, sei que o que sou hoje devo às teimosias e quantas incoerências que promovi insensatamente para desarticular e desagregar tudo ao meu redor desde muito antes e eu sequer sabia que cavava a minha própria cova. Preciso me curar e para isso preciso mudar meus pensamentos que estão me sufocando e me intoxicando, preciso respirar ar puro com inalações profundas e beber água fresca para restaurar, renovar e revitalizar todo meu ser, lavando meus intestinos, rins e bexiga. Agora preciso de mim mais que a qualquer outra coisa. Tenho sede, preciso de paz e me curar, só assim terei alívio. Estou doente e a minha cura está na minha paz. © Luiz Alberto Machado. Veja mais aqui.

Curtindo os álbuns Samba do Avião (Recording Arts, 2007), Caprichos (Brasilianos, 2015), Bandolim (MPS Records, 2015) e Samba de Chico (Biscoito Fino, 2016), do bandolinista e compositor Hamilton de Holanda.

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A arte da escultora e artista plástica inglesa Carol Peace.

DESTAQUE: ERNESTO SÁBADO
[...] Jogou fora o jornal: “Quase nunca acontecem coisas”, diria-lhe Bruno, anos depois, “embora a peste dizime uma região da Índia”. Voltava a ver o rosto exageradamente maquiado de sua mãe dizendo: “você só existe porque me descuidei”. Coragem, sim senhor, coragem é o que lhe havia faltado. Pois, do contrário, ele teria terminado na cloaca. [...] Fez um grande esforço para manter os olhos na estátua. Disse que naquele instante sentiu medo e fascínio; medo de se virar e um fascinante desejo de fazê-lo. Lembrou que uma vez, na Quebrada de Humahuaca, à beira da Garganta do Diabo, enquanto contemplava a seu pés o abismo negro, uma força irresistível o impeliu de repente a pular para o outro lado. E naquele momento acontecera-lhe algo parecido: sentiu-se impelido a pular por cima de um abismo escuro, “para o outro lado de sua vida”. E então a força inconsciente mas irresistível o obrigou a virar a cabeça. Mal entreviu, afastou depressa o olhar, tornando a fixá-lo na estátua. Tinha pavor dos seres humanos: pareciam-lhe imprevisíveis, mas sobretudo perversos e sujos. As estátuas, em compensação, proporcionavam-lhe uma felicidade serena, pertenciam a um mundo ordenado, belo e limpo. [...] Mas sabia – enfatizou a palavra – que algo muito importante acabava de acontecer em sua vida: não tanto pelo que tinha visto, mas pela poderosa mensagem que recebeu em silêncio. – O senhor mesmo me disse isso várias vezes. Que nem sempre acontecem coisas, que quase nunca acontecem coisas. Um homem cruza o estreito de Dardanelo, um cavalheiro assume a presidência da Áustroa, a peste dizima uma região da Índia, e para as pessoas nada tem importância. O senhor mesmo me disse que é terrível, mas que é assim. E naquele instante tive a nítida sensação de que acabava de acontecer alguma coisa. Alguma coisa, senhor Bruno, que mudaria o rumo de minha vida. [...].
Trechos do romance Sobre heróis e tumbas (Planeta De Agostini, 2001), do escritor e artista plástico argentino Ernesto Sábato (1911-2011). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

CRÔNICA DE AMOR POR ELA
A arte da pintora francesa Élisabeth-Louise Vigée-Le Brun (1755-1842).
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DEDICATÓRIA:
A edição de hoje é dedicada à locutora Lídia Lima.

CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na Terra: arte do artista estadunidense Maxfield Parrish (1870-1966).
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