CENTENÁRIO DE
HERMILO – A porteira do mundo foi aberta e eu escapuli na
horAgá pra poder ser gente na vida, o que nunca fui, porque me perdi nos sonhos
de felicidade das vidas cruzadas nos sobrados e mocambos, onde outrora podia
ter sido senhor de engenho dos mais abastados e mandão. Qual não, menino traquino
da beira do rio Una, só sabia de João sem terra que
mendigava entre a moscas por não poder namorar a donzela Joana, o pai dela não
permitia, faça isso não. Então, quando rapaz fui
galante cavalo da noite pelas pernas daquela moça bonita que eu via toda vez
que descia do Alto do Lenhador, pela Esconde Negro, e já nem sabia das horas
com os ventos levantando as saias pra mostrar o viço dentro da calcinha das
meninas do sobrado, ô coisa linda de se vê os peitinhos duros no estufado das
blusas molhadas pelas águas de Pirangi, umbigos de fora e alvoroços de pernas
bulindo o juízo, com o perfume de moças boas pra namorar depois do Riacho dos
Cachorros. Isso é que é bão! Fiz de tudo pra ser um bom samaritano com três
cavalheiros a rigor na empreitada, tentando fazer bonito pra chamar atenção das
moçoilas do lugar, até que folgado remava na barca de ouro pelas correntezas,
aproveitar o bumba-meu-boi na festa domingueira, e me sair entre os bailarinos,
bate-coxa no maior rastapé com mulheres jeitosas ou perdidas que faziam valer a
pena viver. E de antemão, tudo eu fazia pra chamar atenção de Electra no circo,
imitando mamulengo com a história de um Tatuetê, ou fazendo a vez do diálogo do encenador nas
reflexões sôbre a mise-em-scène ou glosando mote no teatro da arte do povo do Nordeste com
seus espetáculos populares no sacudido do frevo, maracatu ou baião, ô cabra enrolão, cabriola fazendo o
círculo encantado do gráfico amador, só pra
fisgar simpatia de moça sonsa, maior distinção, daquelas que no repente não
tiram o olho do chão, e na hora do desafio das intimidades esquentam a chaleira
de virar trepadeira mais sem-vergonha. Segura o cambão! Pra quem foi um
cavalheiro da segunda decadência, cair de terceira no terreiro era a maior das
regalias, maior promissão. Enquanto mandava ver na folga, do outro lado
avisavam que o general está pintando o sete pra golpear o presidente
da república com seus parentes da
ocasião, e o cabo fanfarrão alcaguetando minhas insolências com as filhas, dele
só querer me pegar pelos possuídos só pra capar e eu, sabido de besta, sete
dias a cavalo entre os caminhos da solidão e a margem das lembranças. Seguro o
bordão! Os grunhidos e risadas das meninas nuas na hora da cavalgada delas,
qual éguas no cio que se derretiam, como se eu fosse garanhão safado com a
tabica da macheza pronta pra dizimá-las na agonia dum gozo pra lá de sem fim,
ah isso não me saía da imaginação. Ô meninas danadas! Quanto mais longe ia,
mais o bafo da desgraça via. Que danação! Subia morro de quilombo, descia matas
e canaviais, até ao meio dia o Sol das almas no vento do mundo me
mostrar os ambulantes de Deus no pasto. Ô precisão, a
vida que é minha, é do meu irmão. © Luiz Alberto Machado. Veja mais aqui.
Curtindo os álbuns Aboio (Continental, 1975), da Orquestra Armorial, e Raízes brasileiras (2004), do Grupo
Orange, sob a regência do compositor, violinista e regente Cussy de Almeida (1936-2010). Veja mais aqui.
Veja mais sobre:
A arte do advogado, escritor, crítico literário,
jornalista, dramaturgo, diretor, teatrólogo e tradutor Hermilo Borba Filho (1917-2017) aqui, aqui,
aqui,
aqui,
aqui
e aqui.
E mais:
Lygia Fagundes Teles & Pomba enamorada ou uma
história de amor aqui.
Arthur Schopenhauer, Johann Nikolaus Forkel, José Cândido de Carvalho, Victor Brecheret, Luís Buñuel, Iremar Marinho & Bestiário
Alagoano aqui.
Karl Theodor Jaspers, Pablo
Picasso, Georg Friedrich Händel, Fernanda Seno, Eva Green & Demi Moore, Tom Wesselmann
& Soninha Porto aqui.
Os cânticos de Salomão, Anna Akhmatova, a música de Carl Reinecke & Elza Soares, Chico
Buarque & as chicólatras, Fecamepa & Naldinho Freire aqui.
Ernesto Sábato, Nelson
Rodrigues, Antonio Cândido, Betty Lago, OVNI, A
chegada dela no prazer da tarde &
Programa Tataritaritatá aqui.
Guimarães Rosa, Milton Nascimento & Caetano Veloso,
Isabelle Adjani, Zezé Motta, Rejane Souza, Rafael Nolli & Sóstenes Lima aqui.
Luigi Pirandello,
Jean-Jacques Rousseau, Pat Metheny, Mel Brooks, Peter Paul Rubens & Maurice Quentin
de La Tour aqui.
Emily Brontë, John Gay, Fryderyk Chopin, Yngwie Malmsteen, Floriano Martins, Maria Luisa Persson & Julia Crystal aqui.
&
DESTAQUE: A QUEDA DAS ATRIZES
[...] Um dia em São
Paulo, um empresário conseguiu reunir num mesmo elenco as duas vedetas mais em
voga na época. Custou-lhe muito trabalho, porque teve de enfrentar árduas
reuniões sobre remunerações, cartazes, publicidade, etc.,: as duas queriam
tirar o melhor partido possível da publicidade. Durante todo o espetáculo havia
uma única cena em que as duas atrizes, sozinhas no palco, se enfrentavam. Por
isso não havia grande problema: quando uma estava em cena, os outros atores
retiravam-se prudentemente para a periferia e as damas ficavam no centro do
palco e na sua parte alta, mais distante do público. No dia da estreia, a
disputa pelos favores do público foi dura e intensa. O espetáculo progredia
prevendo-se um honroso empate para ambas, quando começou a famosa cena, um
longo diálogo entre as vedetas. Tudo era muito bonito no cenário, que
representava um enorme salão de baile, tendo ao fundo uma grande janela aberta
sobre uma maravilhosa noite cheia de estrelas. A cena começou e o público
conteve a respiração: pela primeira vez na história do teatro paulista as duas
maiores damas, as mais ilustres, trajadas com vestidos mais dernier cri europeu
e com as joias mais sul-africanas, pisavam o mesmo palco. Ao princípio, tal
como nas lutas de boxe, as duas contendoras analisaram-se durante as primeiras
trocas de palavras. Depois começou uma árdua luta pelo centro da cena, as duas
aproximando-se perigosamente uma da outra (até sentirem reciprocamente as
respectivas respirações), cada uma procurando forçar a outra a abandonar a área
“teatral” do palco. Depois, quando uma delas conseguiu afirmar-se no centro, a
outra, muito esperta, começou a recuar, colocando-se quase de costas para a
primeira; esta viu-se então forçada a torcer o seu delicado e sensível pescoço
para poder dialogar. Ambas se agarraram à mesma tática. Em cada troca de
palavras, a vedeta que falava recuava algunas passos, colocando-se mais atrás e
submetendo a adversária a uma posição incômoda. O diálogo progredia,
progredindo a luta: uma troca de palavras dois passos atrás, outra frase e era
a outra que recuava, novo diálogo e novos passos, mais poesia e mais passos
atrás, tudo isto no cenário belamente iluminado, com a sua formosa janela que
mostrava uma linda noite cheia de estrelas mas que tinha o parapeito baixo
demais: na sua ânsia de recuar e conquistar o centro do palco, as duas damas
caíram de costas, precipitando-se na bela noite...[...].
Trecho extraído da obra 200 exercícios e jogos para o ator e o não-ator com vontade de dizer
algo através do teatro (Civilização Brasileira, 1983),
CRÔNICA DE AMOR POR ELA
A arte do pintor britânico Joshua Reynolds (1723-1792).
CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na
Terra no Dia da Sedução
Recital
Musical Tataritaritatá - Fanpage.