segunda-feira, setembro 19, 2016

NIETZSCHE, GORDIMER, DULCE PONTES, D 'ASSUNÇÃO BARROS, JEJU LOVELAND, GIOVANNA CASOTTO & KHARLOS CESAR


POESIA NÃO DEU, SÓ NOUTRA - No começo da adolescência, Bestinha engraçou-se pelos dotes juvenis da Varnilza. Fez de tudo para conquistá-la – principalmente pra se livrar do prazer descoberto de amolegar e morrer na mão. Aproximou-se dela encostada à sombra do cajueiro: - Oi, tais fazendo o que? Livro - o que pra ele era obrigação da escola e incluso no rol das coisas antipáticas. Poesias? Danou-se! Duas coisas, a seu ver, mais chatas do mundo. Soubesse quem inventou, mandava matar. E ela: coisas que embalam o coração, satisfação da alma. Agora deu, destá! Queria namorico com ela de qualquer jeito, virou-se pro sacrifício. Foi na biblioteca – um peixe fora d’água, nada mais embaraçoso -, exigindo o melhor de todos: deram-lhe Olavo Bilac. Pregou os olhos, páginas, volumes, não entendeu patavina. Reclamou: que coisa!?! Abusou-se e saiu revoltado. Ao passar pelo Clube Literário, parou pra ouvir o que os posudos falavam: Augusto dos Anjos. No outro dia voltou pra biblioteca e saiu folheando leitura atenta dos clássicos e parnasianos – parecia grego, complicadíssimo ao seu entendimento. Armou-se de dicionários e enciclopédias – doravante seus companheiros inseparáveis na empreitada -, tentando compreender tudo para impressioná-la. Quase desistia, não fosse um grupo de poetas locais e um deles sapecar completamente embriagado: Lá vem a lua saindo, redonda como um tijolo, não é lua, não é nada, viva Dom Pedro I! Oxe, disse ele de si pra si, isso eu também faço! Poetas-de-água-doce. Teve um estalo e foi pras providências, catando polissílabos proparoxítonos – as lindas de morrer, pra ele – e caprichava na entonação de quase dar um nó na língua ou morrer engasgado com a pronúncia – tinha de ser, quanto mais difícil, melhor. E ouviu um rábula com versos em juridiquês, o contador proseando economês, o boticário com léxicos de ciência estrambólica e, quanto mais ouvia, mais se pavoneava com verborragia carregada e catada a dedo. Imitava o jeito afetado, copiava a performance, talqualzinho. Quando conseguiu juntar a garatuja toda no primeiro esboço rascunhado, correu pra ela. Inchou o peito e não teve coragem, deu branco e não conseguia articular palavra alguma. Nossa! Arreado de decepção, resolveu reescrever tudo e treinar noite madrugada adentro, dias seguidos. Procurou por ela e não achou, havia reunião do Grêmio Estudantil e todos estavam no meio de um recital aplaudido pelos professores. Ah, chegaria o dia da vez dele. Ela lá na maior euforia, ele encantado, ficou na sua. Reviu tudo, dez laudas enroladas ao bolso e foi ter de novo com ela, pra valer. Chegando, impostou a voz, pigarreou pra entonação melhorar e mandou ver na sua cria. Um desastre: deu-lhe uma gagueira da peste, atropelando tudo de se engasgar e não conseguir mencionar nem duas linhas. Fracasso total. Escabreado, tomou fé e refez tudo. Agora vai! Semanas depois caprichou na investida, chegou perto dela, respirou fundo, tomou coragem e mandou bala. Ela, hipnotizada; ele empolgado, abafando, quase dos dentes pularem fora no repuxo. Quando terminou o imbróglio, olhou pra ela, ainda paralisada, ousou perguntar: e aí? Demorou um pouco, restabelecida do trampo ela conseguiu balbuciar: que porra é essa? Como? Nunca ouvi nada tão horroroso! E ousou mais: você está com febre, endoidou ou o quê? Vixe! O mundo desabou sobre Bestinha: queria um buraco aberto pra sumir dentro! Era uma vez, nunca mais. Tentou até ainda algumas duas vezes, aprumando nos sentimentos e dor de cotovelo, desgostou de tudo, abandonando definitivamente de se meter com poesia. E saiu reclamando: vá entender as mulheres, vá! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui e aqui.

UMA MÚSICA
Curtindo o álbum duplo ao vivo O coração tem três portas (Zona Música, 2006), da premiada cantora portuguesa Dulce Pontes.

PESQUISA: GAIA CIÊNCIA - Separação e hierogamia: o passo inicial para a criação não se dá com a união dos elementos, mas exatamente através do processo inverso. Tal ocorre quando se rompe o caos para que a Luz (Aithér), sucedendo à Noite (Nýks), ilumine o espaço entre Gaia ou Gê (Terra) e Ouranós (Céu), e o mundo emerja com a aparição de Póntos (Mar), oriundo da própria Terra. Todos esses nascimentos, segundo a compilação de Hesíodo (Teogonia, 132), produzem-se sem intervenção de Eros (Amor), força dinâmica do processo criador que une os opostos. [...] Na Grécia, do mesmo modo, a partir de um rico substrato religioso pré-helênico (cretomicênico), concebia-se Urano (Céu) e Gaia (Terra) como geradores dos Titãs, que, à exceção de Mnemósine e Têmis, se uniram todos entre si: Oceano e Tétis, Hipérion e Téia, Ceo e Febe, Crono e Réia. Só Jápeto e Crio tomaram consortes fora de sua própria linhagem. [...] A Terra (Gaia) continuava encarada como o fator de estabilidade e Mãe do Universo, dando orientação ao espaço desorganizado do Caos, que representava uma realidade permanente e sempre ameaçadora. A exemplo de outras concepções mitológicas, a greco-romana fixa o estabelecimento da ordem sob o reino de Zeus (Júpiter) como resultado da sequência de gerações e lutas divinas. Mas o demônio ctônico Píton, personificando o Caos em forma de serpente (a Apep dos egípcios), era tido como ameaça constante de retorno ao estado primitivo., pois se emergisse destruiria o Sol, confundiria todas as direções do espaço e reuniria Terra e Céu. (Enciclopédia Mirador Internacional, vol. 14). Gaia já foi o nome da deusa que, na mitologia dos antigos povos romanos, representava a Terra e se ligava à fertilidade, portanto, à vida. A palavra, transformada em adjetivo e no decorrer da história das sociedades medievais, passaria a ter significados como "mundano" (no sentido de inserido no mundo), mas também "alegre", "intensamente vivo", "plenamente livre". Um pouco de cada um desses sentidos aparece na incorporação do adjetivo "gaia" à palavra "ciência", para designar a arte poética dos trovadores europeus da Idade Média Central (séculos XII a XIV). A Gaia Ciência, portanto, é aqui entendida como a "alegre ciência" ou o "alegre saber" dos trovadores medievais, que é um saber inteiramente dedicado à capacidade de viver intensamente, ao envolvimento amoroso, à exaltação da natureza, à experiência da verdadeira liberdade e, sobretudo, à fina arte de tecer versos e fazer da própria vida individual, ela mesma, uma obra de arte. [...] Trecho extraído do artigo acadêmico A gaia ciência dos trovadores medievais (Revista de Ciências Humanas - EDUFSC, abr-out, 2007), do historiador e musicólogo José D 'Assunção Barros. Veja mais aqui, aqui, aqui e aqui.

UM LIVRO, UMA LEITURA: 
[...] Nessa noite, fez amor com ela com a ternura recíproca [...] contra a qual se guardara – com uns poucos lapsos -, não podia se dar ao luxo de um compromisso naquela situação, precisava estar apto a pegar aquilo que o próximo apoio tivesse a oferecer, fosse o que fosse. Nessa noite, fizeram amor, o tipo de amor que é um outro país, um país em si mesmo, nem seu nem meu. [...]
Trecho extraído do romance O engate (Texto, 2005), da escritora sul-africana e Prêmio Nobel de Literatura em 1991, Nadine Gordimer (1923-2014), contando a história de um relacionamento arrebatador entre uma bem-sucedida mulher branca e um mecânico de pele escura no pós-apartheid.


PENSAMENTO DO DIA: A GAIA CIÊNCIA PARA ALÉM DO BEM E DO MAL - Supondo-se que a verdade seja feminina — e não é fundada a suspeita de que todos os filósofos, enquanto dogmáticos, entendem pouco de mulheres? Que a espantosa seriedade, a indiscrição delicada com que até agora estavam acostumados a afrontar a verdade não eram meios pouco adequados para cativar uma mulher? O que há de certo é que essa não se deixou cativar — e os dogmáticos de toda a espécie voltaram-se tristemente frente a nós e desencorajaram-se. [...] O que nos incita a olhar todos os filósofos de uma só vez, com desconfiança e troça, não é porque percebemos quão inocentes são, nem com que facilidade se enganam repetidamente. Em outras palavras, não é frívolo nem infantil indicar a falta de sinceridade com que elevam um coro unânime de virtuosos e lastimosos protestos quando se toca, ainda que superficialmente, o problema de sua sinceridade. Reagem com uma atitude de conquista de suas opiniões através do exercício espontâneo de uma dialética pura, fria e impassível, quando a realidade demonstra que a maioria das vezes apenas se trata de uma afirmação arbitrária, de um capricho, de uma intuição ou de um desejo intimo e abstrato que defendem com razões rebuscadas durante muito tempo e, de certo modo, bastante empíricas. Ainda que o neguem, são advogados e frequentemente astutos defensores de seus preconceitos, que eles chamam "verdades" [...] o amor como paixão — que é a nossa especialidade européia — foi inventado pelos poetas-cavaleiros provençais, esses seres humanos magníficos e inventivos do ‘gai saber’ a quem a Europa deve tantas coisas e a quem quase inteiramente se deve ela própria [...]. Trechos extraídos da obra Para além do bem e do mal ou prelúdio de uma filosofia do futuro (Companhia das Letras, 1997), do filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900), composta por nove partes com 296 seções numeradas e um “epode” - poema intitulado Das montanhas altas -, que tratam de diversos assuntos como a influência dos preconceitos populares no trabalho do erudito e do filósofo; a conceituação nietzscheana de liberdade e espírito livre e sua expectativa sobre a filosofia do futuro; a essência do homini religiosi, suas diversas facetas e seu comportamento frente à ciência; análises acerca da moral corrente, da filosofia, da ciência e da mente do erudito europeu; um ensaio sobre a condição política da Europa, a "moral aristocrática" e a moral cristã, entre outros assuntos. Veja mais aqui e aqui.

UMA IMAGEM
 A arte do fotógrafo angolano Kharlos Cesar.

Veja mais sobre Nascente – Publicação Lítero Cultural, Bertolt Brecht, Steven Pinker, Luiz Ruffato, Rocio Jurado, Gilvan Pereira, Greta Garbo, Literatura Infantil, Teatro Infantil, Albert Marquet, Neila Tavares & Bruno Gaudêncio aqui.

E mais:
Paulo Freire, William Blake, José Louzeiro, Cesar Camargo Mariano, Joaquin Oristrell, Mitodrama, Olivia Molina, Literatura Infantil, Gilberto Geraldo & Infância, imagem e Literatura aqui.
As trelas do Doro aqui.
Vera indignada aqui.
Estopô calango aqui.
A Filosofia de Ascenso Ferreira aqui.
Fecamepa: o Brasil do século XVI aqui.

DESTAQUE: 
Jeju Loveland é um parque temático com 140 esculturas e exposições interativas com temáticas eróticas, voltadas para educação sexual, na ilha de Jeju, na Coreia do Sul. Veja mais aqui.

CRÔNICA DE AMOR POR ELA

A arte da escritora e ilustradora de quadrinhos italiana Giovanna Casotto.
Veja aqui e aqui.

CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Paz na Terra:
Recital Musical Tataritaritatá - Fanpage.
Veja  aqui e aqui.