terça-feira, maio 17, 2016

JORGE LUIS BORGES, MIGUELANXO PRADO, SIRON FRANCO, FREDRIKA BRILLEMBOURG, IMAGENS ELETRÔNICAS & BIG SHIT BÔBRAS


O MARIDO DA MARCELA – Marcela é uma beldade de vinte e poucos anos, achegada carne e unha aos pisoteios com a Vera Indignada, que já foi miss Alagoinhanduba, devota inarredável dos pés do padre Bidião e que, hoje, por conta dos seus atributos corporais de arrasar quarteirão, tirou –pra ela – a sorte grande de se enroscar com um partidão daqueles que vai num volta, um vetusto setentão mais ré-pra-trás montado numa grana preta, carinhosamente tratado por ela de MM – duplo significado: Marido da Marcela ou Malcolm Michael Temeroso, também apelidado entre os de sua laia de urubu de carniça. Ela não escondia a felicidade extravagante de golpe do baú, ao enclausurar-se de nunca mais dar as caras nas paradas. Só por conta duma efeméride de última hora, resolveu apresentar espalhafatosamente o maridão à Vera que, por tabela, estendeu efusiva a provocativa recepção pra trupe tresloucada do Big Shit Bôbras. Foi um achado. Tanto os macobebas pé-rapado sentiram a oportunidade de se esbaldar nuns generosos trocados do monte-grande, como MM se viu ancho com a possibilidade de ampliar os seus tentáculos poderosos para chamar atenção e presentear a sua volúvel amada. Estava travada a quebra-de-braço. Zé Peiúdo mesmo suspendeu as sombrancelhas e logo se aproximou do macróbio para chavecar transações futuras, os demais se incumbiam da maior babaovice da paroquia pras bandas dele, avalizando os propósitos interesseiros da turma, enquanto Vera e Marcela colocavam a fofoca em dia. A par do maior imbróglio, MM sapecou: - Isso é uma esculhambação! Quero participar desse troço pra botar ordem rígida no galinheiro! Nessa hora Zé Peiúdo sonhou com todos os cifrões possíveis e inimiginaveis, propondo: - Procê participá tem de patrociná o troço! Quanto é? Xis. Só? Ah, minganei, é duplo xis, pode passá o chéqui. Sou lá homem de andar à toa, cabra! E MM meteu a mão num dos abissais bolsos, curvou-se da mão bater na canela e trouxe um molho de dinheiro: - Sou homem de pagar tudo em dinheiro vivo, cash! Oxe, Zé Peiúdo espichou as bolas dos olhos de quase soltarem fora, nunca vira tanta cédula viva juntas duma vez! Apressado, pegou tudo, botou nos bolsos e apertou a mão de MM insistente e demoradamente, repetindo: Fechado! E mandou-se deixando o resto deles pendurados nos testículos do manda-chuva. Vera que franziu o cenho, desconfiada, pensando consigo: - O véio não é tão feio quanto parece, vamos ver. Realmente, MM não era lá o lindão da telenovela ou capa de revista, mas era um velho bem apessoado, voz postada, requinte forçado e cheio das gaitas. As feições não lhe favoreciam, mas pra ser o melhor, comprou a peso de ouro o namoro, noivado e feliz casamento com a lindíssima Marcelamada. A sua idade conferia a majestade de imponentes crápulas bem-sucedidos, os infames que tiveram a ventura de depenar a vida de coitados assalariados e de enriquecer a custa da desgraça alheia. Afinal é daqueles que o povaréu absolve com a pecha do “rouba, mas faz”. Era um orador exímio, sabia tapiar muito bem, impressionava quando falava, firme, seguro, todos escutavam; quando chorava, ator da maior tragédia farsesca, todos choravam juntos. Prosperou com a crueldade disfarçada e à força de delação – dizem que ele foi o dedo-duro que se tornou o maior pelego dos milicos do golpe de 1964. O que ele dedurou de gente não parava de dar trabalho ao DOPS nem deixava de encher a cadeia pública da redondeza. Foi com isso que ele conseguiu a sua primeira grande riqueza. Dizem mais que ele é o proprietário único da Esmeralda da Bahia, aquela modesta joia rara de 400 quilos, 180 mil quilates, milhões de dólares e que fora encontrada em 2001 e desaparecida até então, pelo que se sabe, pros seus domínios. Tem lá sua pinta de sedutor, um Don Juan demodê, todo atacado da gola do gogó aos punhos, alinhado de vinco e gravata, e com uma parcimônia que lhe impunha um ar de superioridade além do imaginável. Todavia, o olho de lince e o sexto sentido de Vera não deixavam por menos, sacou logo se tratar de um daquele capaz de não só tomar anel e pertences, como de arrastar tarsos, metatarsos, dedos, torax, pelve e de deixar não só o sujeito descamisado, como desempelado, desmusculado ou simples caveira ambulante. Na batata: - Ô mulé astuta da gota! -, diziam com a comprovação de tudo que ela asseverava quando do seu conferido. E assim foi. Quando ele adentrou no casarão, foi logo botando as manguinhas de fora. Quando Zé Peiúdo deu fé, estava destronado. – Eita, cachorro da moléstia! Deu um golpe da porra neu! E MM, mais que providente, foi logo ouvindo um e outro: - Como é que está a coisa aqui? Tá tudo certim. Ah, se tá certo tem roubo! Onde não tem problema, tem fraude! E começou a investigar no aperto um por um. Usou de tudo que tinha de recursos: maguou o calo do Zé Corninho com voz calma e maior sorriso largo; deu uma pisada forte na unha encravada do Doro dele botar tudo pra fora na horinha; deu um beliscão no quiba de Robimagaiver dele soltar até o que pensava; deu um safanão no juízo do Mamão dele contar o que tinha visto e o que não sabia; e assim foi, um por um submetido aos seus métodos torturadores e tomando ciência dos mínimos detalhes de como estava aquela zorra toda. E foi uma festa da maior alcaguetagem! O rosário de delações colocou a macharia toda na mão dele e sob seu mando todos foram enquadrados cada qual no seu respectivo cafofo. Estava botando ordem na zona e na marra. No fim do dia ele chamou as mulheres do recinto, coitadas: - Vocês só servem pra tomar conta de casa! Arribem e só me botem a cara no corredor quando eu autorizar! Assim foi. Só não foram submetidos à sua averiguação eficiente a Vera, que estava dando umas voltas com Marcela por aí – nem ela se submeteria a esse desplante! -, nem o padre Bidião que se encontrava envultado com seu séquito num disco voador e manipulando os seus clones. Quando o padre soube da presepada do MM no casarão, logo procurou reconectar o clone perdido e defeituoso, pra mandar logo ele pra lá encaminhar o intruso pra casa da peste. Assim ficou o pároco maquinando. Na manhã seguinte, pisando nos cascos MM saiu distribuindo suas ordens a cada um dos participantes. Com seu peculiar jeito generalício, mandava ver nas instruções e requeria urgência no cumprimento. Assim foi até que chegou no Zé Bilola e sapecou a imposição, exigindo que arribasse pra prova, enquanto ia ter com Ximênia. Eis que o tonto do Zé Bilola menos de cinco minutos depois, volta pra repassar as instruções que ele confundiu-se todo, quando deu no maior flagra: numa era que MM estava todo pavoneado e pronto pra cima da Ximênia? Apois, foi. Aí, meu, o pencó pegou. Zé Bilola deu com a língua nos dentes. O buruçu estava feito. Começou uma sedição. O negócio vazou e já quase escândalo, MM só apagando o fogo, retomou as rédeas que lhe fugiam do controle. Foi ter desconfiado com Zé Peiúdo que poderia ter sido o responsável pelo vazamento. Não foi. Este só vivia dando volta nos olhos e contando a dinheirama que arrastou do brabão. Resolveu encostar todo mundo no paredão: - Se eu sonhar que a Marcela soube disso, eu capo um por um de vocês e desmoralizo as suas senhoras mocreias tudinho! Ameaçou mesmo, veementemente. Resolveu, então, tomar as devidas providencias para que nada maculasse o seu casamento com a amada. Enquanto, a turma que não tinha nada de sonsa, preparava das suas para que ele sentisse de perto o gosto do seu próprio veneno, lá ia ele à caça da lindonamada pra apagar o fogo da primeira bronca do seu mandato. E vamos aprumar a conversa & tataritaritatá! © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui, aqui e aqui.


Imagem: a arte do pintor, desenhista e escultor goiano Siron Franco. Veja mais aqui.

 Curtindo álbum Opern-Highlights com a mezzo soprano estadunidense Fredrika Brillembourg, regente Eduardo Marturet & Berliner Symphoniker.

PESQUISA
O novo mundo das imagens electrónicas (Edições 70, 1985), de Guido e Teresa Aristarco, reunindo entrevistas, opiniões e escritos re realizadores de cinema como Michelangelo Antonioni, Vittorio Storaro, Francis Ford Coppola, Jean-Luc Godard, Pasquale Squitieri, Giuliano Montaldo, Liliana Cavani, Ingmar Bergman, entre outros. Veja mais aqui.

LEITURA 

História Universal da Infâmia (Globo, 1975), do escritor, tradutor, crítico literário e ensaísta argentino Jorge Luis Borges (1899-1986). Veja mais aqui, aqui, aqui, aqui e aqui.

PENSAMENTO DO DIA:
[...] existem homens infames, moralmente condenáveis, porque a sociedade dividiu-se socialmente e permitiu à sua camada inferior um único recurso: a corrupção. [...] postula a existência de uma sociedade envilecida que propicia o aparecimento de indivíduos que desejam subir na vida a qualquer preço. É a mesma ganância, associada a outras qualidades que os heróis borgianos também possuem, como a astúcia e a violência, que move a busca insaciável à riqueza fácil. [...] a sociedade propiciar o desencadear do evento maligno, numa exacerbação de suas desigualdades sociais, e a arte o reproduzirá sempre [...] a cadeia da arte, que imita e avida, que imita a arte.
Extraído do prefácio J. L. Borges: engajamento ou fantasia? de Regina L. Zilberman e Ana Mariza R. Filipouski, na obra História Universal da Infâmia (Globo, 1975).

Veja mais Brincarte do Nitolino & Psicologia Infantil, Walter Benjamin, Clarice Lispector, Walt Whitman, Eugène Ionesco, Siron Franco, Enya, Nathaniel Hawthorne & Demi Moore aqui.

CRÔNICA DE AMOR POR ELA
Imagem: a arte do escritor e ilustrador de quadrinhos Miguelanxo Prado.
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CANTARAU: VAMOS APRUMAR A CONVERSA
Recital Musical Tataritaritatá
Veja aqui.