quinta-feira, abril 21, 2016

TELESIO, TIRADENTES & PEDRO AMÉRICO, JOANA HOLANDA, ODILON REDON & KEVIN TAYLOR


AS DEZ VIDAS E A CABEÇA ROUBADA (Imagem: Tiradentes, do pintor Pedro Américo) – Todo dia é possível ver os olhos do órfão menino que tinha por madrinha Nossa Senhora da Ajuda e que ouvia as histórias do Capão da Traição, em que as mulheres revoltosas derrotaram os bandeirantes e os obrigaram à Guerra dos Emboabas. Com efeito, todo dia torna-se possível ver que o menino cresce e fica rapaz aprendendo que o ouro do nosso chão nunca fora nosso, só servia para ostentação da coroa e da Rainha Louca, enquanto todos os nossos condenados à pobreza e à ignorância. Ele via a cena: a vila rica, o povo pobre. E todo ouro que um dia foi abundante e traficado e levado para a coroa e a manutenção dos prazeres da corte, a despeito de uma colônia empobrecida e o seu sonho de liberdade, doía mais a submissão do povo à opressão dos governantes. Vai-se a vida e ele tornou-se tropeiro promissor que, ao defender um escravo sob tortura, foi preso e condenado. Essa enrascada custou-lhe o que tinha e o que não tinha, quem mandou se meter entre escravo e senhor! Ah, um minerador desafortunado, retomando a vida a arrancar dentes e fazer curativos. Mas como nunca é sempre tempestade, abriu-se-lhe o horizonte e ingressou nas armas como oficial, por ser branco e filho de português, torna-se alferes, para defender as tiranias dos reis que governavam por determinação divina. E mais percebia o conflito de interesses entre a colônia e a metrópole, as minas esgotadas, o sonho de ser livre e pensar o que quisesse, valia-se das Cartas Chilenas de Critilo, açoitando o povo e alertando pra derrama e o batizado. E as saudades de Eugenia, Antonia e da filha do padre prometida a outro. Sabia que todos somos mazombos, mas sabemos governar! E cartas pras ameaças, a sedição contra a derrama, a devassa contra a sedição. Era o batizado quando empunhariam uma bandeira com o triângulo da Santíssima Trindade e o verso de Virgílio: Libertas quae sera tamen! Não dura muito, o batizado que gorou, a derrama foi-se com a delação de Silvério dos Reis alimentada e imortalizada todos os dias até os dias de hoje então, quando é identificado o crime infame pra coação moral, isolamento, inquisição e a forca com a cabeça pronta para ser consumida pela vida. A condenação com seu lamento: Se Deus me ouvisse, só eu morreria e não eles. Todos tiveram sua pena comutada e festejaram e ficaram felizes e esqueceram Silvério dos Reis, esqueceram da causa, livraram-se da pena capital. Alguns outros, o degredo. E ao abominável e hediondo réu condenado pelo horroroso crime de rebelião e alta traição, descalço de camisola pelas vias públicas até a forca, para que morra e lhe cortem a cabeça para levá-la pra Vila Rica e lá pregada em alto poste até que o tempo a consuma, e esquartejem seu corpo e pregadas as suas partes pelos caminhos de Minas, no sítio da Varginha e das Cebolas e nos demais locais de sua infâmia, e que sua casa seja arrasada e salgada para que nunca mais no chão se edifique e sua infâmia lhe cubra filhos e netos, e todos os seus bens confiscados, tudo por graça da Rainha Louca! E ao subir os degraus do patíbulo, o carrasco pede-lhe perdão enquanto o frei grita para todos que não se trata de uma cena cruel, mas de um ato de justiça e de bondade da Rainha Nossa Senhora, a Raínha Louca, e que lhe passem a corda ao pescoço, e o suspendam e morra de morte natural, e lhe decepem a cabeça pra Vila Rica, e lhe esquartejem o corpo pras partes seguir pros lugares de seu hediondo crime e que todos saibam o preço para quem se torna inconfidente e sejam testemunhas do que espera por quem se mete com alta traição. O tempo passa, até que lhe roubaram a cabeça como sinal sinistro de nova conspiração, ecoando nos ares: Dez vidas eu daria, se as tivesse, para salvar as deles. O que veio depois, todos sabem. E o tempo, o povo, a História. O que é feito hoje, será a História de amanhã. © Luiz Alberto Machado. Direitos reservados. Veja mais aqui e aqui

Imagem: Aurora, do pintor e artista gráfico francês Odilon Redon (1840-1916)


Curtindo o álbum Piano presente (SESC, 2013), da pianista e professora Joana Holanda.

LEITURA 
Lendo a obra De Rerum Natura luxta Propria Principia (As natureza das coisas conforme seus princípios, 1586 – A. F. Formiggini, 1923), do filósofo e cientista natural italiano Bernardino Telesio (1509-1588).

PENSAMENTO DO DIA
Passa o tempo e novos e indisfarçáveis patíbulos pros Tiradentes de hoje são armados e festejados e comemorados todos os dias no Brasil do Fecamepa.

Veja mais Hilda Hilst, Antonin Artaud, Al Di Meola, Silvio Romero, Max Weber, Ludovico Carracci, Russ Meyer, Barbara Popejoy, Lorna Maitland, Cynthia Makris & Iramar Freire Guimarães aqui.

CRÔNICA DE AMOR POR ELA
 Woman nude, do artista plástico Kevin Taylor.
Veja aqui e aqui.