FANDANGO DO VAI QUASE NUM
TORNA
Luiz Alberto Machado
De gole em gole ali estavam aboletados não só o Divaniço, um
empolado católico, todo entroncado, metido a besta, perturbador nato que quando
se lavava numa pirocada saía dando tudo o que era seu e o que não era - só não
dava o frosquete porque não era permitido pela religião dele, arrotava -,
achegado a putas e petas nas horas vagas e a um conluio entre o trambique e a
agiotagem.
Do lado dele o Gulu, óculos no pau da venta, olhos apertados, tomador
de muitas e boas, doido por mulher perdida, douto de leituras várias nas horas
de ócio, puxador compulsivo do tabaco que enodoava os dedos, beiços e pulmões
encardidos, além de achegado a pitar de outras ervas daninhas perseguidas pelo
opróbrio popular.
Na outra cabeça da mesa o Carneirinho, que era outro letrado,
óculos à La John Lennon, mascando chicletes sempre, correto, avantajado,
feições alouradas e destruidor de famas pelo peculiar escárnio, carregando uma
hérnia que mais parecia uma lata de queijo do reino entre as pernas e uma
perseguição medonha para descobrir os pais biológicos que o abandonara em tenra
idade.
Também o Gonçalo, esse nem fede nem cheira, dominado pela mulher,
cuidador dos filhos, só faltando dar o de mamar para eles, mangador e
maria-vai-com-as-outras, possuidor do cacoete mais intrigante de todos: o de
amolegar as intimidades e depois ficar cheirando os dedos - pantim desgraçado
esse, reclamavam.
Outro da recada era o Mô Desentoado, esse desinfeliz tinha o poder
de trucidar tímpanos com sua viola num acorde de sol e solfejando a melodia da
toada em si bemol, cheio das pregas como que abafando num show, com sua mínima
diferenciação entoada mais popularmente conhecida por desafinação braba, caçula
predileto da mãe, num dava um prego numa cocada mas que pelo paparicado dos
pais era o mais afortunado do grupo, o mais cheio de nove horas e pabulagens.
Também o Selenito, magricela astuto, mentiroso de dar dó,
peiticando com tudo e acometido de uma rouquidão que dava a impressão de que se
estivesse numa câmara de hélio comprimido, ou seja, imitando Pato Donald para
insultar a pacutia dos outros.
Essa a trupe dos tomadores, todos bebericando
descompromissadamente numa manguaça desenfreada desde das dez horas matutinas
sem se dar conta da hostilidade das águas na vez dos afogamentos. Glup! Era
água que passarinho não bebe entrando pelo nariz, pelos ouvidos, pelos buracos
todos do corpo. Isso até umasoras! Era uma sede de não haver que saciasse. Vai
beber assim no raio que o parta!
E como já se aproximavam os festejos natalinos, eles estavam, como
sempre, numa confraternização antes da hora. Bastava um motivo, pronto, uma
comemoração. Se não tivesse motivo algum, arranjavam na hora.
Como sempre adiantados que só disco de embreagem deslizando,
jingle bell, jingle bell, acabou papel, não faz mal, não faz mal, limpe com meu
pau. Ora, assimétricas toleimas duma congregação de proscritos. Os caras já
bebiam por nada, avalie, e quando comemoravam era mais que boca aberta nas
cataratas de Nova Iguaçu e não dando vencimento para sede tamanha. Num sei como
as tripas do bucho aguentavam tanto.
A discussão começara logo cedo para ver quem pagaria a conta. O
liseu estava brabo, se bem que nossos diletos pinguços não se encontravam
desempregados, mas que por via de cachaçada diária, gastavam a mais da conta. E
como gastavam. Num tinha mês que resistisse, quando o salário chegava num dava
nem dez dias. Tavam mais liso que sabão em asfalto novo.
- A gente devia de receber por semana o salário de um mês! -,
reclamou Mô Desentoado. -, logo quem dizia isso, o mais folgado de todos,
ensaiando uma xêxada no dono do estabelecimento comercial.
A trupe bebarrona tinha lá seus locais prediletos, mas este mês
estava com o saldo estourado nos fiados dos botequins, décimo terceiro
parcelado, gratificações suspensas e só chegaram ali por convite do Zé Sapinho
que inaugurara o bar há poucos dias e recepcionaria aqueles inveterados
bebedores para avaliação de sua empreitada e de braços abertos prontos para a crucificação.
Tum! E era quiquiqui, cacacá. E tome mais.
Zé Sapinho abrira a exceção ao conceder-lhes baterem o centro no
primeiro prego - olhe só que risco de xêxo; prego não, grampo de linha férrea;
xêxo, o quê? Um jorge no coitado do dono, de trocar pinto por fuga de papa-léguas.
E: nunca mais!
Pois bem, lá estavam eles, pedindo tira-gosto aos tantos numa
prova ao paladar de saborear seu tempero, de passoca injeitada às iguarias
ineivadas. Isso sem contar com as bebidas várias a julgarem da procedência e
originalidade da sua adega, de café com coca cola a champanhe importada. Mais
música ambiente conforme o gosto deles que interrompiam tantos discos a outros
mais receptivos em detrimento de outros noutras mesas, isso no xote, no frevo,
no maracatu, lambadas, bossas, axés, baladas, cheganças, marujadas, cirandas,
cornagens e mungangas. Quer dizer: deitavam e rolavam assanhados, esfuziantes e
dono das ventas.
- Meu, quem vai bancar essa conta? -, interrogou Gulu.
- A gente deixa no prego, depois paga, num tem serviço de proteção
ao crédito que me iniba! -, finalizou Divaniço, agora mais posudo que antes: - E
se inventassem uma serasa para botequim, hem? A gente tava
f-u-fu-d-i-di-d-o-do!
Lá pelas três da tarde já exigiam que Sapinho suspendesse o
atendimento de outras mesas, ficando ao dispor exclusivo deles. E pela atenção
meteram elogios aos condimentos apimentados das comidas servidas, ingeriram
cachaça de todas as qualidades, música de todos os gostos e, depois, calaram o
maestro agulha e deram de começar sua própria batucada. Esquindô-dô-dô! Os
bombos se arrepiaram!
"Truléu,
léu, léu,
truléu da
Marieta,
que nós somos
marinheiros
dessa Nau
Catarineta...”
E navegaram no mar dos copos por todos os oceanos possíveis,
remando a bombordo rumo a que lugar imaginário, alhures. Melados, buscavam
dragões mitológicos nos seus delírios, refaziam roteiros de antigos navegantes
em suas ousadias, de vento em popa, atravessando tormentas até alcançarem a
placidez das águas no copo beiçado e lambido que esperava enxutinho por outra
talagada de três dedos. Que latitude então bordejavam abandonando as costas
insulares e continentais? Que longitude poderiam seguir uma hora seguindo a
observação da Estrela Polar. Noutra, seguiam sempre pela esquerda da Ursa Maior.
Por conveniência da perdição de todos, anuíram de seguir a constelação do navio
dos argonautas. A direção da venta e pronto. Era cada curva do nego ficar zonzo
só com a imperícia, imagine.
Mais para as tantas noite adentro encontraram uma garrafa e no
interior dela uma carta de suicida. Choraram, lavaram a alma e a culpa.
Arrepiaram-se. Divaniço de agora como oficial condecorado Capitão de
Mar-e-Guerra da nau, aboiava o cardume que se lhe seguia, acompanhado de Gulú,
com o violão, que se tornara o Comandante, Carneirinho, com uma gaita, o
Cirurgião-mor, Mô Desentoado, segurando um chocalho ritmado era o Vassoura
Zelador proibido de emitir qualquer pigarro ou som gutural - desafinava até na
tosse; e Selenito, batucando em sua disritmia capenga, era o Ermitão. Os outros
ou quem quisesse, seriam mouros e vassalos deles.
Começaram com ubá dum casco de pau cavado na maior tiranada. Daí
foram se transformando até num transatlântico, tamanha a invencionice deles. E
cruzaram com canoas, pranchas, garoupeiras, lanchas, alvarengas, pirogas,
bacuçus, - eita, u-ru! - vaticanos, baleeiras, vigilengas, gambarras, galeotas,
- segura o tombo, doido! - baligiras, veleiros, balsas, serradores, palhabotes,
saveiros, - "quem te ensinou a
nadar? Foi, foi, marinheiro, foi os peixinhos do mar!" - batelões,
galés, botes, cruzadores, - "assassinaram
o camarão!" - barcaças, caravelas, boieiras, escaleres, fragatas, -
"o meu navio também flutua nos
verdes mares de norte a sul!" -
pelotas, burrinhas, paquetes, cabritas, navios, canhoneiros, - "o mari é lindo, a noite é bela, desfralda a
vela, remar, remar!" - fragatas, petroleiros, oceanográficos,
clíperes, rebocadores, cargueiros, - "como
pode o peixe vivo viver fora da água fria, como poderei viver sem a tua
companhia!" - quebra-gelos, geleiras, igarités, caçoeiras, - "nem
que eu bebesse o mar encheria o que tenho de fundo..."- oiates, perus, chatas, jangadas, igaras,
gambarras, piperis, cochas, catraias, - "o barco virou, tornou a virar, foi por causa..." - faluas,
cúteres, almadias, catamarãs, escunas...
- Para onde será que vai todo mundo?
- Todos vão, quando não, para o vai não volta!!
E era meio mundo de coisas aparecendo na hora como o quadrirreme
de Dias de Siracusa, mais os minoanos de Creta, os fenícios que iam para a
Cornuália atrás de estanho, os vikings para a Groenlândia, icebergs imensos
ajudando no queimor da pinga, submarinos militares, as bujarronas no gurupé das
jangadas dos pescadores, o incêndio do bergantim na fuga do pirata Lancaster, o
Padre Roma iniciando uma revolução, mestre Joaquim dando fuga aos negros
escravos na jangada Juriquiti, as galeras de Antígono e Demétrio, o tenente
João das Botas defendendo a ilha de Itaparica e derrotando a esquadra
portuguesa do general Madeira - vivaaaa! Era o barco de Ptolomeu VI, Chico da
Matilde na Liberdade, o mestre Filó acenando, o mestre Jerônimo mangando, o
Roche-fort, o galeão das Cruzadas com os santos fajutos de Cristo, o Couronne
bretão, o Royal-Louis de Toulon, o Sans-Pareil, o Clipper, o Santa Maria de
Colombo nas beiras do Mundo Novo, o Great-Republic e tome mais. Não parou por
ai. Bordejaram mais. Encontraram a paz universal de Kublai Khan, os estudantes
do Profissional List of Rio Grande do Sul Marine Molusk e os da Lista
Preliminar dos moluscos marinhos de Alagoas, epidemias de escorbuto, um
cruzeiro de usineiros que sonegaram impostos e se riam da leseira da população,
o pirata Jean Ango, o Jacques Custeau em suas pesquisas ultramarinas, El-Rei
Dom Sebastião encantado ouvindo o choro dos sacrificados que velavam a sua
ressurreição, o mundo de Artur Conan Doyle, o naufrágio do Titanic, uma manifestação
dos sem-terra agora jogados na água; eita! Era o ataque de corsários furiosos a
um bem perto, mais o velho de Hemingway, os piratas Durguay-Trouin, Jean Bart,
Francis Drake, John Wawkins e Henry Morgan, as canções de Dorival Caymmi, os
deputados corruptos de todas as assembleias legislativas dando tiro pelo
flagrante, o Aaron Manby, o Rhadamanthus, o Otto Mahn, o Uss Tritão, o
Clermont, o Comet, o Sirlus, o Great-Western, o Britânica, o Mauritânia, o
Lusitânia, o Olympic, o United States, o Queen Elizabeth, o France, o
Cristóforo Colombo, o Leonardo da Vinci, o Bismark, o Enterprise, o Savannah, o
Holland, o Nautilus, o Triton, o George Washington, o Batiscafo, o
Hidrodeslizador Hovercraft, a importação do cedro do Líbano, os capitães da
areia de Jorge Amado, as trocas de mercadorias com a biblos fenícia, a vinda da
escória portuguesa para o Brasil, a nau dos vivos em petição de miséria
clamando a Deus por uma salvação, a dos mortos que se safaram das broncas
naturais da vida; e ainda pensavam que estavam no Sea Diver ou no Conshelf,
homenageando São Pedro, invocando o santo José de Ribamar e São Sebastião para
não naufragar.
Gulu, mais espremido que nunca, pois já havia lido o Milhão, o
livro de Marco Polo, cidadão de Veneza, chamado Milhão, onde são narradas as
maravilhas do mundo, vinte e quatro anos pelo Oriente e questionava quando será
que o homem fará domicílio nas águas porque a terra poluída e degradada não
lhes dará razão alguma mais para moradia? Que os latifúndios avarentos
expulsariam, que os poderosos excluiriam, que a fome e a desgraça afugentariam,
que os impostos e o custo de vida desterrariam, que a impossibilidade de vida
na crosta terrestre os transformaria em aquanautas incólumes das desigualdades
do planeta terra que se transformaria para os pobres e desvalidos em água. Deu
em nada. Escaparam todos os acontecimentos entre os dedos, fazendo os outros,
ouvidos de mercador. E o La Jolla? Pulmões ou guelras? Para quem leva porrada assim mesmo, melhor
tentar mergulhar, num é, não? Ou se afoga ou morre pisoteado. Qual? Se correr o
bicho pega, se ficar o bicho come. Ou nada ou nada.
Gulu ainda insistia com a voz engrolada, sem saber que raciocínio
concatenar, falando do compasso da Navigare, a Carta Pisana, as tabelas de
Amálfi, do quadrante, do astrolábio, do sextante, que giroscópio então? Que
bússola?
- Eu não sou peixe pra viver na água! Mas que aqui em cima, na
crosta terrestre, a coisa tá braba, tá! -, sentenciou o afônico Selenito.
- Já pensou a gente chegar o tanto de viver em menos de metro
quadrado? -, Mô Desentoado contrapôs: - morreria tudo sufocado, num era não?
- Vocês estão com muita pacutia, isso sim! -, reclamou Divaniço.
- Eu que vou mergulhar gente! -, pulou na água Gonçalo. E
mergulhou na fundura, no meio de vegetais marinhos e plânctons, buscando o
búzio dourado das ilhas Fidji. Inútil, já tinha mais de mil atrás disso. Homem
ao mar! Quase morre afogado num fosse a intervenção de todos.
Carneirinho puxou a rede, desmalhou peixes e eis que veio um
molusco que Gulu já trazendo consigo um galão de álcool na busca de conchas,
aprofundou seus conhecimentos de malacologista, ampliando seu rol de culturas
inúteis como a de interpretar sonhos enigmáticos, decifrar charadas e
trava-línguas, buscas cosmogônicas de registros acásicos, primórdios
teocráticos e teológicos, o que determinava seu ateísmo voluntário por descrença
que qualquer religião valha mais que uma bosta fedida.
- "Venho deitar uma
loa, que andei té agora estudando!"
Selenito, fanhoso e debilitado pelo excesso de álcool ingerido, se
segurava no mastro real da embarcação, fingindo traquete, com três ou quatro
vergas, a bandeira do Brasil num dos dois mastaréus, tendo todos os estais,
brandais, ovéns, o nome Nau Catarineta escrito na proa, orgulhoso de se ter a
oportunidade de estar numa verdadeira La Nave Va.
- Que broa boa!
- "Não falo em broa,
parvo, senão em loa que é louvor!" - frisou emputecido Gulu.
- Essa não é a Nau Catânia não, viu gente? -, zombou Carneirinho
com uma só virada de copo, vira, vira, vira, vira, vira, vira, vira, vira,
vira, virou!
- "Quando meu mestre me
manda correr nau pela proa, vem-me logo na lembrança as mulheres que são boas!"
-, fez munganga rouca Selenito.
Uma grande lamparina de folhas-de-flandres, a querosene e de
morrão grosso à prova de vento, acesa nos mastros, iluminava os intrépidos
navegadores que surrupiavam o vernáculo. Esqueceram que quando se estar no mar
não se assobia, nem se canta, nem se conversa para não despertar a fúria do mar
em ondas altas e espumantes. Só se reza, salvando-se de batalhas como a de
Alcácer-Quibir. Quando vão a vento, vão à vela; quando para, vão de vara ou
zunga. O certo é que fugiam das corredeiras e dos pés-de-vento. Por enquanto
iam a barlavento, mas outra hora se mordiam e já seguiam à sota-vento. Depois à
deriva. Bote goladas nisso. Tomavam ora direção a bombordo, mas já adernavam a
estibordo. Foi aí que a carranca da proa deu três gemidos, sinal de maus
presságios. Ficaram atentos.
- Governa o leme, homem! -, gritou Selenito. Desouviam. O proeiro
e o bico de proa se agarravam aos cabos de espeques para melhor equilíbrio no
mar. E cantaram assim mesmo, molhados até a última encarnação.
- "Marinheiros somos,
marujos do mar, nós que de longe viemos para vos vir festejar!"
Eis que um estranho folgado, daqueles arregueiros que invadem a
cachaçada dos outros, simpatizando dos três tempos e sapateado, adentrou na nau
deles no maior arrego. Estavam tão embevecidos com seus acordes que nem tavam
nem aí praquele que se dava já por Gageiro no meio da troça.
- O rei mouro quer nos foder a alma! -, berrou o Gageiro.
- Êêêêêêêê! Tirar o tiruléu! -, todos em coro!
- Ê boi do cu cagado! -, sentenciou Divaniço Capitão.
- Tiruléu, léu, léu!
- "Aqui viemos Deus
Menino, vosso festejo formar; uma cruel, longa história nós viemos relatar."-,
relatou o Capitão: - "rema quem
rema, bravo marinheiro! Quem não rema não ganha dinheiro!"
- Rema pra mim, rema pra tu, quem não rema direito, vai tomar no
cu!
- "Estamos prontos para
pelejar e navegar convosco sobre as ondas do mar!" -, fecharam todos.
E tomaram cada qual o seu lugar com trejeitos e rapapás nos
enfrexates laterais. O gageiro inquieto nas enxárcias, depois na verga do
velacho, ou no mastro do traquete ou no mastro da mezena, um bicho arisco e
estradeiro. Veio então a fome. De tudo já comeram, acabaram todos os
mantimentos. Verdadeira inanição assolada. Foi quando tiveram a ilustre ideia
dos antropófagos. Pelo jeito iam comer uns aos outros. Aplacando os canibais, o
Gageiro botou ordem na casa. Botaram no jogo da porrinha quem seria a vítima
sacrificada para saciá-los. Era a sorte, quem fosse que fosse. O Gageiro
comandava a organização da pugna. E vieram chamas, palpites nos palitinhos.
Vieram todos de lona, revogaram tudo e olhe que o blefe foi dos altos. De novo.
O Mô Desentoado foi o primeiro a ficar de fora. O Gulú estava esperto, adivinhou
o palpite certo, eximindo-se. Carneirinho foi na medida, escapuliu. Gonçalo,
numa cagada, ficou na lateral. Selenito escapou fedendo. Divaniço, o
comandante, era o desafortunado. Então, como último pedido, solicitou ao
Gageiro que subisse no mastro a ver se avistava salvação. Os outros já com
língua lambendo os beiços esperavam imolá-lo vivinho.
- Avisto terras de Espanha,
areias de Portugal! -, cantou o Gageiro!
- Gageiro, pela minha salvação, dou-te a filha que tenho, todas as
moedas do bolso e quantas quiseres mais!
- Não quero nada, quero a tua alma!
- Vôte?!?
- Quero a tua alma, apenas.
- É o tinhoso, gente!
- Sou regatão, negocio vidas nas águas.
Todos estremeceram. Ficaram assustados, cada qual encostado nas
bordas do navio. Era um fedor de enxofre da porra!
- Não adianta, é você que eu quero!
- Não vou vender minha alma ao diabo, nunca! -, e benzeu-se
ininterruptamente.
- Seu destino está traçado, vou levá-lo por bem ou por mal!
- Eu sou jovem ainda, não mereço agora morrer!
- É agora ou nunca!
- Se tenho opção, prefiro nunca!
Divaniço sem saída pulou dentro do mar e eis que um anjo
salvou-lhe a vida. O sangreiro velho espirrava na sua cara. Ele notou nas mãos
que seu rosto estava enxaguado. Rárárárárá! - riam-se todos.
- Outro tombo desses, tu perde a vida desgraçado. Como é que o
cara fica bêbo de dar um cochilo no copo de quase morrer afogado? © Luiz Alberto Machado. Direitos
reservados. Veja mais aqui.
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